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Sophia de Mello Breyner Andresen: arte poética como procedimento

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Academic year: 2021

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Sophia de Mello Breyner Andresen: arte poética como procedimento por Marcela Ribeiro¹

A frase-clichê “A arte é pensar por imagens”, negada pelo russo Vitor Chklovski em sua Arte como procedimento e enraizada na consciência de muita gente antes que despontasse o Formalismo russo, nos poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen encontra uma fonte inesgotável de exemplos. Deve-se isso ao forte caráter descritivo e concreto de sua poesia, que, segundo Eduardo Prado Coelho em eu texto SOPHIA a lírica e a lógica (1980), não deixa espaço para que a crítica exerça sua função, por ser ela límpida e por possuir ligação imediata com o essencial. Sophia diz tudo em poucas linhas de um poema. Em seu Livro Sexto (1962), por exemplo, Sophia escreveu A Pequena Estátua: “Presença ritual e tutelar /Companheira da sombra desenho do silêncio” (p.53); poema pequeno como a estátua de que se fala.

Esse dizer tudo era muito valorizado nos estudos de Potebnia e seus muitos discípulos, anteriores a Chklovski, os quais colocavam a poesia como uma forma de pensar e conhecer ajudada por imagens o que acarretava uma economia de energias, equivalente ao sentimento estético. No entanto, Chklovski, no texto acima citado, facilmente desbanca tais ideais alertando-nos para um fato salutar: Potebnia em seus estudos não fazia distinção entre a língua da poesia e a língua da prosa. Sendo assim, o formalista propõe-nos uma nova visão do que seria imagem por meio de uma divisão:

“imagem como meio prático de pensar” e “imagem poética como meio de reforçar a impressão”.

A poesia de Sophia estaria então relacionada ao segundo tipo de imagem. Seus poemas reforçam suas impressões visuais reais, perpassadas de uma “nitidez abstrata e

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passional” criadora de uma (re) significação do real, como vemos no poema De pedra e cal, do livro Manhã (1967):

Com relação à economia de energias de Potebnia, também encontramos em Sophia um possível respaldo, mas que Chklovski também desbanca. Podemos pensar como economia de energia o caráter claro, límpido e essencial da poesia de Sophia limitando as possibilidades de crítica; porém o formalista lembra-nos mais uma vez que Potebnia não fazia distinção entre a língua do cotidiano e a língua poética, e acrescenta que tal economia de energia só nos é útil na linguagem do cotidiano, não na poesia. Na linguagem do cotidiano é que cabem as ações habituais e automáticas, pois na língua poética o espaço é de singularização e desautomatização.

É o que vemos em Sophia como forma de “mimesis precluída”, que exterioriza um real anteriormente subjetivo, atenta para a percepção renovada de algo anteriormente reconhecido no real, dá uma nova visão para um objeto tantas vezes visto. No poema Babilônia³, do seu Livro Sexto, podemos notar tal efeito.

Sophia apenas faz uma discrição da cidade, descrição próxima da celebração, mas que não passa de um levantamento de caracteres e de coisas que podiam ser encontrados na cidade, sempre fazendo uso de substantivos concretos, evocando a formação das imagens na mente de quem lê, para finalizar com a seguinte estrofe: “Babilônia nasceu de lodo e limo”, quebrando assim a seqüência descritiva com uma afirmação aparentemente subjetiva, que pode significar uma cidade formada a partir do nada, crescida naturalmente, nascida da lama como a flor de lótus.

É por esse meio que Sophia constrói seus poemas, fazendo sua própria desautomatização da linguagem através da formação de imagens. Sua forma simples de escrever também cria estranhamento, e, para Aristóteles, a poesia tinha que possuir um caráter de estranheza, coincidente com a singularização. O uso abusivo de substantivos

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e a descrição das coisas como realmente são também se encaixa nesse estranhamento.

Sendo assim, podemos comparar Sophia a Leon Tolstoi, que para Chklovski apresenta

“os objetos tal como os vê, e os vê tal como o são, não os deforma”.

Por força da criação poética o objeto passaria a ser percebido não como uma parte do espaço, sim como sua continuidade. É o que Sophia faz em seus poemas.

Em sua Arte Poética II ela dará seu conceito de tal arte e nos revelará finalmente seu processo de criação, mostrando-nos que para fazer poesia não é preciso nem tempo, nem trabalho, nem ciência, nem estética, nem teoria; é necessário apenas conhecimento de si mesmo, sensibilidade maior que a razão e uma tendência às repetições, como diz em suas poéticas palavras: A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é a arte do ser.

Para Sophia, ao fazer poético seria necessário uma “túnica sem costura”, sem amarras, é necessário que se viva sempre, sem cessar. Sendo assim, deixa-nos claro também a influência do real sobre sua poesia: o poema fala de uma “vida concreta” em oposição a uma “vida ideal” e como continuidade do espaço exterior.

Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim duma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos. Sombra dos muros, aparição dos rostos, silencio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão.

(Geografia in Obra Poética II, Círculo de Leitores, 1992)

E, dessa forma, nega a influência estética em sua criação poética, pois esta se vincula estritamente ao real, colocando-se no poema palavras que digam somente o que lhe é necessário:

O verso é denso, tenso como arco, exactamente dito, porque os dias foram densos, tensos como arcos, exactamente vividos. O equilíbrio das palavras entre si é o equilíbrio dos momentos entre si.

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Ao ler a Arte Poética II de Sophia de Mello Breyner Andresen percebe-se afinal o que tece e o que desfia nas túnicas sem costura de seus poemas, livre de intervenções críticas e teóricas, apenas embalada na educação pela pedra, refletindo fora o mesmo que possui do lado de dentro.

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Notas:

¹ Graduanda em Letras pela UFRN

²De pedra e cal é a cidade Com campanários brancos De pedra e cal é a cidade Com algumas figueiras De pedra e cal são Os labirintos brancos E a brancura do sal Sobe pelas escadas De pedra e cal a cidade Toda quadriculada Como um xadrez jogado Só com pedras brancas Um xadrez só de torres E cavalos marinhos Que sacodem as crinas Sob os olhos das moiras Caminha devagar Porque o chão é caiado

³Com pátios interiores e com palmeiras Com muros de tijolos com pequenos tanques Com fontes com estátuas com colunas

Com deuses desenhados nas paredes de barro Com corredores e silêncios e penumbras Com vestidos de linho tocando a pedra pura Com cinamomo e nardo

Com jarras donde corria azeite e vinho Com multidões com gritos com mercados Com esteiras claras sob os pés pintados Com escribas com magos e adivinhos Com prisioneiros com servos com escravos Com lucidez feroz com amargura

Com ciência e arte Com desprezo

Babilônia nasceu de lodo e limo

A grafia dos textos foi preservada dos originais portugueses.

Referências

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