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IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

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VII LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião do dia 3 de Setembro de 1996

S U M Á R I O

O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10

horas e 40 minutos.

Procedeu-se à discussão dos artigos 5.º-A, 6.º e 7.º constantes dos diversos projectos de revisão constitucional, tendo dada entrada uma nova proposta de alteração ao n.º 2 do artigo 7.º, apresentada pelo Deputado do PSD Calvão da Silva, que foi apreciada.

Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, que também interveio na qualidade de Deputado do PS, os

Srs. Deputados José Magalhães (PS), Jorge Ferreira (CDS-PP), Luís Sá (PCP), Maria Eduarda Azevedo (PSD), Alberto Martins (PS), Luís Marques Guedes (PSD), Jorge Lacão (PS), Pedro Passos Coelho, Guilherme Silva, Barbosa de Melo e Calvão da Silva (PSD), Medeiros Ferreira e Elisa Damião (PS).

O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente (Vital Moreira): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 40 minutos.

A reunião da manhã terminará às 12 horas e 30 minutos, por afazeres meus, e a da tarde iniciar-se-á às 15 horas, terminando às 18 horas. Convoco desde já uma reunião dos coordenadores da Comissão, para tratar de questões de expediente, nomeadamente a revisão de algumas propostas de audiências que foram aprovadas antes da minha chegada aqui, à Assembleia. Penso que algumas daquelas propostas merecem ser reconsideradas e as que forem confirmadas têm de ser implementadas, pelo que temos de estabelecer o calendário e a logística para esse efeito.

Há também um pedido do PCP para reconsiderar a reunião de segunda-feira, o que será também tratado logo à tarde. Portanto, peço aos Srs. Deputados que costumam representar os partidos para permanecerem depois do encerramento da reunião, às 18 horas.

Tenho ainda uma comunicação do Partido Popular para informar a Comissão de que a Sr.ª Deputada Helena Santo irá substituir o Sr. Deputado Paulo Portas na Comissão de Revisão Constitucional.

Srs. Deputados, não há propostas quanto ao artigo 4.º nem quanto ao artigo 5.º, havendo uma proposta de aditamento, do CDS-PP, de um artigo 5.º-A, sobre a língua portuguesa, só que não entraremos nele até há chegada dos proponentes. Assim, passamos ao artigo 6.º — Estado Unitário, para o qual existem várias propostas.

Há uma proposta, do PS, no sentido de acrescentar ao n.º 1 o princípio de autonomia das regiões autónomas; uma proposta, do PSD, no sentido de retirar do n.º 1 a expressão «descentralização democrática» da Administração Pública; uma proposta, dos Srs. Deputados do PSD Guilherme Silva e outros, para considerar o Estado português como unitário e regional, integrando os arquipélagos dos Açores e da Madeira, que constituem estados regionais dotados de constituições regionais e de ordens de governo próprio; e uma proposta, dos Srs. Deputados do PS António Trindade e outros, no sentido também de considerar o Estado regional, respeitando a autonomia das regiões insulares, etc., etc.

Na falta dos proponentes das propostas do PSD e do PS que enunciei, os Deputados oriundos da Região Autónoma da Madeira Guilherme Silva e António Trindade, proporia que o PS e o PSD apresentassem e justificassem as suas propostas enunciadas em primeiro lugar.

A proposta do PS pretende acrescentar, no n.º 1, que o Estado é unitário e respeitará na sua organização os princípios da autonomia das regiões autónomas.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta, pensada tendo em conta e tendo como inspiração a filosofia do projecto de revisão constitucional do PS no tocante às autonomias regionais, visa uma benfeitoria precisa, específica e, consideramos nós, claramente útil, pois que não vendo nós razões para alterar a definição constitucional do nosso Estado, enquanto Estado unitário, consideramos que a essência dessa componente de descentralização político-administrativa, original e bastante originalmente cunhada da nossa Constituição, que são as regiões autónomas — não regiões administrativas mas entidades dotadas de autonomia político-administrativa —, é alguma coisa que está inscrita na própria matriz do Estado de direito democrático e que qualifica as singularidades do Estado democrático português.

Portanto, aludir-se à autonomia das regiões autónomas ao lado dos princípios já hoje referidos no artigo 6.º, a autonomia das autarquias locais e o princípio da descentralização democrática da Administração Pública, a todos os escalões, é curial e não introduz nenhuma entorse àquilo que é função básica deste artigo.

Reservo para ponto ulterior qualquer comentário às propostas dos demais partidos.

O Sr. Presidente: — Penso que era útil discutir esta proposta do Partido Socialista em conjunção com as propostas dos Deputados Guilherme Silva e António Trindade.

Há uma sugestão feita pelo Deputado João Amaral no sentido de, aproveitando o facto de já estar presente o Deputado Jorge Ferreira, voltarmos ao artigo 5.º-A, que tinha sido ultrapassado exactamente devido à ausência dos proponentes, um novo artigo sobre a língua portuguesa, e, entretanto, pediria aos respectivos partidos pedissem a presença dos proponentes relativamente ao artigo 6.º, ou seja, os Deputados Guilherme Silva e António Trindade. Estão de acordo com isto? Voltamos ao artigo 5.º-A?

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Srs. Deputados, visto não haver oposição e nesta base, então, voltaremos atrás, ao artigo 5.º-A, proposto pelo CDS-PP, no sentido de aditamento de uma norma à Constituição com o seguinte teor: a língua oficial da República é o português.

Proponho que separemos duas coisas, pois uma é saber se a norma deve ou não ser incluída na Constituição e outra é saber se o artigo deve ser autónomo e se deve ser colocado aqui. Tratemos apenas da questão de fundo, independentemente da questão formal, ou seja, se deve ser o artigo autónomo e se deve ser, justamente, o 5.º-A.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Sr. Presidente, estamos de acordo com a metodologia que propôs, ou seja, começar por discutir, em primeiro lugar, a questão de fundo, deixando a questão formal para uma discussão posterior, e era precisamente por aí que eu começaria.

A razão de ser da nossa proposta tem a ver com razões de «arrumação» de matérias constitucionais, uma vez que a Constituição já hoje tem uma disposição própria sobre os símbolos nacionais, sobre a bandeira nacional e os elementos significativos do país. Por outro lado, não podemos ignorar nem esconder que no processo e na dinâmica de construção da União Europeia existe, de há vários anos a esta parte, uma polémica sobre a utilização das línguas e sobre a eventualidade de redução das línguas de trabalho no seio da União Europeia, com tudo o que isso implica de criação de mais desigualdades entre os Estados membros da União Europeia, o que, aliás, já levou alguns países da União Europeia a introduzirem disposições semelhantes nas suas próprias constituições.

Recordo que a França, na revisão constitucional que fez a propósito das alterações que o Tratado de Maastricht implicou, adoptou uma disposição idêntica a esta, relativamente à língua francesa, naturalmente.

Por isso e como nos parece que, como se costuma dizer, «cautelas e caldos de galinha não fazem mal a ninguém», penso que ninguém contestará que a língua portuguesa é a língua oficial da República, como ninguém contesta que a bandeira nacional é o que é e é a que é e que, como tal, deve estar descrita na Constituição como símbolo nacional (à parte dos Monárquicos, obviamente, porque reparei em algumas caras discordantes desta afirmação, pois, naturalmente, os Monárquicos acharão que a bandeira é outra).

De qualquer forma, sob todos os pontos de vista políticos, parece-nos que é aconselhável a introdução de uma disposição como esta, que, aliás, muito nos surpreenderia se suscitasse uma grande polémica ou grandes discordâncias de fundo.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta reedita uma outra apresentada em anterior processo de revisão constitucional, o que significa que poderemos, em grande parte, aproveitar os benefícios da discussão já feita.

No passado, como, aliás, agora na curta intervenção do Sr. Deputado Jorge Ferreira, avultaram coisas que surgem como uma escassa justificação técnico-jurídica, repito, não política, da proposta e que deixam em aberto interrogações sobre a operatividade técnico-jurídica, mais uma vez, da norma.

Quanto à inspiração gaulesa desta proposta, creio que a introdução deste argumento não facilita excessivamente a discussão entre nós, em Portugal. Por um lado, porque o PP parece querer envolver a proposta do espírito que presidiu à sua introdução na reforma constitucional francesa referida, ou seja, um cunho cuja leitura europeia não é isenta de alguma aridez e dificuldades, uma antítese entre a construção europeia e as línguas nacionais ou preservação do património, coisa que para nós não está em causa e que seria necessário demonstrar que é posta em causa ou que pode ser resolvida com um aditamento constitucional de qualquer natureza, nomeadamente deste tipo.

Portanto, essa filosofia não colhe, obviamente, como bem se compreende, nenhum apoio da nossa bancada, a ser introduzida e a ser destilada para o processo constitucional português, ou seja, não vemos necessidade de uma armadura jurídica desse tipo assente numa filosofia anti-europeia.

A questão que subsiste é mais interessante do que esta, porque o PP até nisso foi algo cauteloso no discurso que agora fez. A questão é saber qual é a operatividade jurídica, técnico-jurídica, na óptica pretendida de uma norma deste tipo. A óptica pretendida é, repita-se, a afirmação de uma património linguístico contra

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tentativas de não respeito por esse património num fórum internacional como é a União Europeia e as suas estruturas, e noutros, eventualmente.

Desse ponto de vista, a operatividade de uma norma técnico-jurídica deste tipo, como se sabe, é escassa para não dizer nula, ou seja, a introdução de disposições desta natureza em nada resolve a questão de saber — e essa questão é crucial e é muito importante para nós — se o português é língua de trabalho e língua oficial da União Europeia, uma vez que essa solução, que é uma solução positiva, depende da concertação internacional, não depende de uma cláusula constitucional interna.

Seria interessante que o PP qualificasse se vê num instrumento deste tipo a alavanca para conseguir esse desidrato, que, como se sabe, faz parte da política externa portuguesa e consta do conjunto de posições que o governo português tem vindo a defender na óptica da conferência intergovernamental, ou seja, a defesa do português nas diversas instâncias.

A outra questão tem a ver, digamos, com a operatividade da norma no plano estritamente interno. Desse ponto de vista, o Sr. Deputado Jorge Ferreira teve a ocasião de salientar que não se coloca nenhuma questão, ou seja, nenhuma dúvida há sobre o português ser a nossa língua oficial para todos efeitos, pois não temos outra, não temos sequer dialectos realmente reconhecidos e não temos uma questão linguística, em Portugal.

Respondidas as questões suscitadas nos dois grupos de interrogações que deixei, resta saber se como disposição simbólica e como afirmação cultural e afirmação de um determinado património linguístico esta norma tem algum cabimento, e estamos abertos a considerar se tem.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: As normas constitucionais sobre línguas são frequentemente inseridas em algumas constituições com um propósito claro. No caso da constituição espanhola é afirmado que a língua da nação de Espanha é o espanhol mas, ao mesmo tempo, são previstas nacionalidades e são previstas línguas das nacionalidades, isto é, as normas aparecem não tanto no propósito apenas de afirmar uma língua como unificadora da nação de Espanha mas também com o propósito de reconhecer línguas e direitos das nacionalidades.

Neste caso concreto, o problema que está colocado, e creio que era útil ouvir mais esclarecimentos do CDS-PP, é qual é o sentido útil desta disposição constitucional que é proposta como aditamento. Isto é, o CDS-PP não propõe que o Estado português não possa aprovar e ratificar um tratado, por exemplo, a revisão do Tratado de União Europeia, do qual conste um elenco de línguas de trabalho que não insira o português como língua oficial da Comunidade Europeia. Não é isto que é dito, não é dito, por exemplo, em aditamento ao artigo 7.º, que o Estado português não pode aprovar e ratificar um tratado que não insira o português como língua de trabalho.

O CDS-PP tem mesmo a preocupação, no aditamento que propõe ao artigo 7.º, isto é, no novo artigo 7.º, alínea a), de transformar a participação de Portugal na União Europeia em obrigatória, aditando um artigo, que tem exactamente como epígrafe «União Europeia», sem quaisquer condições nesta matéria.

O nosso empenho em garantir que o português continue a ser língua de trabalho da Comunidade e que as propostas que estão, efectivamente, em cima da mesa, no sentido de reduzir o elenco das línguas oficiais, não passem, é total. Porém, a operatividade desta disposição que é proposta para o efeito é que é efectivamente duvidosa. Isto é, diz-se que a língua oficial da República é o português e não se diz que a língua oficial da República é o português e que Portugal não pode participar numa organização com estas características que não tenham o português como língua oficial. Aí poderia haver, eventualmente, algum sentido útil.

O Sr. José Magalhães (PS): — As Nações Unidas, a Unicef… A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): — A OCDE…

O Sr. Luís Sá (PCP): — Por outro lado, creio que a invocação da inspiração francesa também tem um cabimento que é duvidoso e sobre o qual eu gostaria de mais esclarecimentos. É que não se trata de um país cuja língua esteja em causa como língua da Comunidade Europeia, isto é, nunca esteve em cima da mesa qualquer proposta de restringir as línguas de trabalho da Comunidade no sentido de o francês deixar de

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constar nela. Mais, se há língua que seja muito utilizada, até informalmente, nos trabalhos das instituições comunitárias é exactamente o francês e, portanto, as finalidades da revisão constitucional francesa ao inserirem o francês como língua oficial da República Francesa não é esta que foi invocada pelo Sr. Deputado, porque é uma questão que, como se compreende, nunca foi colocada à França.

Quanto ao significado simbólico que, efectivamente, possa ter e quanto a outras utilidades que se desejam, creio que era bastante útil para nós que o PP pudesse puder dar mais esclarecimentos e, designadamente, responder às questões que estão colocadas.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Sr. Presidente, espantadíssimo pela necessidade de clarificar o entendimento do que são os símbolos nacionais para alguns Srs. Deputados, é com prazer que o tentarei fazer, tentando dessa forma contribuir para um maior enraizamento desses símbolos na mentalidade e na acção concreta dos Deputados da República.

Em primeiro lugar, o Sr. Deputado José Magalhães verificou que esta proposta une, que não há nenhuma polémica que suscite uma especial divisão relativamente a esta matéria e ainda bem! O espanto é nós considerarmos poucas propostas que unem na Constituição, pois parece que só lá têm de estar aquelas que dividem. Para nós, não é assim e, portanto, ainda bem que esta proposta, se assim for — parece que não é esse o entendimento dos Deputados do Partido Comunista, mas, de qualquer forma, se assim for ainda bem —, é uma proposta que une. Já lá há tantas que dividem que ao menos que haja algumas que, de facto, nos unam!

Por outro lado, é óbvio que a intenção subjacente a esta proposta, nomeadamente face ao debate que ocorre na Europa sobre a questão das línguas, tem a ver, sobretudo, com a necessidade de estabelecer uma cláusula de salvaguarda e defesa. Isso nós assumimos claramente e, aliás, não foi outra a razão pela qual a França — como reparou o Deputado Luís Sá, e bem —, sendo um país que normalmente não é atingido nas múltiplas propostas que são feitas nas instituições comunitárias de rever o regime linguístico na União Europeia, sentiu, ela própria, a necessidade de se defender e, para o que desse e viesse, clarificar na ordem jurídica interna uma questão que, a partir do momento em que está clarificada na constituição, causará problemas a qualquer tratado ou deliberação futura de qualquer órgão comunitário que reveja o regime da língua.

Por isso, não é preciso lá estar explicitamente que Portugal não pode participar em organizações internacionais das quais não faz parte o português como língua oficial, numa formulação que, aliás, excluiria Portugal de quase todas as organizações internacionais onde neste momento está inserido e que não têm como língua oficial a língua portuguesa ou qualquer outra em especial. Nós não queremos sair da Nato, não queremos sair da ONU, não queremos sair de uma série de organizações. Não sei se o Deputado Luís Sá quer, mas nós não queremos; é a sua opinião, que nós respeitamos, mas essa formulação não faz sentido.

Para nós, claramente, a operatividade da nossa proposta é tanta quanto a do artigo que prevê que o hino do país é A Portuguesa. Qual é a operatividade disso? É que não pode haver outro hino. Então, qual é a operatividade desta norma? É que não pode haver outra língua oficial.

Se vamos por esse critério de aferir da operatividade de todas as normas, penso que teremos mais trabalho do que aquele que pensávamos que íamos ter quando começamos a rever a Constituição, sob esse ponto de vista e sob esse conceito de operatividade.

Por isso, repito, é uma questão simbólica…

O Sr. José Magalhães (PS): — É uma das funções da Constituição. O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Vamos a isso se for preciso!

Trata-se de uma questão simbólica, é aquilo a que nós chamamos uma cláusula de salvaguarda, que, aliás, como já foi reparado, e bem, já fez parte de projectos anteriores de revisão constitucional do CDS-PP e cuja a actualidade e necessidade continuamos a defender.

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A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): — Sr. Presidente, eu gostaria de me prenunciar em relação a uma questão que não é lateral mas que o CDS-PP, ou por desconhecimento ou deliberadamente, está a confundir: uma coisa é a língua oficial outra coisa é a língua de trabalho e, portanto, se se está a chamar à colação a necessidade de introduzir na Constituição uma norma como a desta proposta para prevenir situações de menosprezo ou menoridade de Portugal e da língua portuguesa nos trabalhos, designadamente, da Comunidade europeia, então, coloque-se a questão na sua sede correcta, ou seja, não como língua oficial, o que nunca foi questionado, mas enquanto língua de trabalho, e nós sabemos que desde sempre, até mesmo por razões que se prendem com a sua facilidade de entendimento, não tem sido sistematicamente uma língua de trabalho. Porém, nunca foi posto em causa ser língua oficial e mesmo na conferência intergovernamental, permito-me recordar, também não está em causa ser língua oficial e a paridade das diversas línguas está assegurada á partida.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, a questão que coloco ao proponentes é a seguinte: creio que já demos o nosso acordo a um entendimento do valor simbólico desta proposta, no sentido de que a língua da República é o português e, por isso, consideramos que esta divisão entre língua oficial ou língua particular não faz sentido.

Aliás, a Constituição está inscrita na única língua possível, que é o português, e mesmo a dimensão originária e a fonte desta disposição está contida na própria forma como ela é inscrita. Não há outras línguas, oficial ou particular, só há uma língua que é o português.

Por outro lado, isto não tem quaisquer efeitos em termos externos, porque em termos externos, que nos conste, as únicas organizações onde a língua portuguesa é uma língua de trabalho e oficial, nesse sentido, são a União Europeia e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Quer na ONU, quer na NATO, quer na UEO, quer no Conselho da Europa, quer na OSCE, o português não é a língua oficial, nem tem que ser, nem essa tem sido uma reivindicação nossa.

Por isso, retomando o ponto de partida, pensamos que é mais abrangente e tem esse valor simbólico pleno dizer que a língua da república é o português.

O Sr. Presidente: — Antes de dar a palavra ao orador seguinte, se me permitem, queria tomar em conta algumas considerações que se me oferecem fazer.

Penso que há duas coisas que não podem ser confundidas, sendo uma a da utilização do português nas instâncias internacionais. Ora, esta proposta é irrelevante desse ponto de vista e o facto do CDS-PP evocar este argumento deixa-me alguma perplexidade porque, de facto, é irrelevante a Constituição passar a dizer que a língua oficial da República é o português, ou seja, não aquenta nem arrefenta sob o ponto de vista da sua utilização a nível de instâncias internacionais, nem para mais nem para menos.

Sob o ponto de vista interno, esta proposta causa-me alguns embaraços, porque dizer que a língua oficial da República é o português subentende que há outras línguas naturais. As constituições que afirmam isto costumam ser próprias de países que têm uma língua oficial e várias línguas naturais, sublínguas, regionais ou não, como é o caso da Espanha, da generalidade dos países africanos, dos países multilingues, em que além de uma língua oficial, ou várias, existem outras línguas naturais praticadas a nível regional.

Nós não temos isso, a língua natural dos portugueses é o português, não existe língua oficial nem natural, nem sem ser oficial, e dizer que a língua oficial é o português, em vez de exaltar o português, a meu ver, degrada-o. A meu ver, isto é perverso e não respeita o objectivo que o CDS-PP nos trouxe, porque dizer que a língua oficial é o português põe em causa aquilo que é muito mais do que ser oficial, que é ser natural, espontânea, orgânica.

O paralelo utilizado pelos símbolos nacionais não colhe, porque Portugal teve várias bandeiras até agora mas nunca teve outra língua; Portugal teve vários hinos mas nunca teve outra língua. Portanto, afirmar os símbolos nacionais republicanos tem valor histórico de afirmação, aliás, de ruptura da Monarquia para a República, enquanto que afirmar que a língua oficial é o português confesso que me deixa insatisfeito e não vejo vantagem, pelo contrário, vejo que, em vez de exaltar o português como língua natural nossa, materna, única, histórica, espontânea, degrada o português a uma língua oficial, isto é, burocrática, legal e legislativa.

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Ora, aquilo que é orgânico e natural não precisa de ser legislado, não ganha nada com isso, pelo contrário, pode ser degradado com isso.

Gostaria de ter em consideração estes argumentos na sua integração.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Sr. Presidente, porventura, temos concepções diferentes sobre a perversidade e sobre outros conceitos que já aqui foram usados, como o da operatividade, etc.

A nós não nos choca, antes pelo contrário, que na Constituição da República estão declarados os valores e as características fundamentais do País, do regime e do sistema político e, por isso, sinceramente, não temos essa capacidade de ver perversidade no reconhecimento constitucional aquilo que nós somos. São entendimentos diversos, porventura, que temos nessa matéria.

Por outro lado, não ignoramos que é irrelevante para a ordem externa o facto de a Constituição declarar que a língua da República é o português, e aproveito para dizer que também não temos nenhuma oposição de princípio à pequena alteração que me pareceu que o Partido Socialista propôs relativamente à redacção que apresentámos. Não temos nenhuma oposição relativamente a essa proposta de alteração, que, tanto quanto percebi — se não for assim agradeço que me desmintam —, os Deputados do PS estavam a apresentar. Não temos nada a opor!

Agora, no carácter de salvaguarda do valor que é a língua, a nossa proposta é defensiva e isso nós assumimos claramente. Será pelo menos impossível que, algum dia, entrem em vigor em território português textos, por exemplo, emanados de órgãos comunitários não escritos em português. Pelo menos isso não sucederá!

Hoje não é assim e esperamos que nunca venha a ser. E com uma disposição deste tipo jamais poderá vir a ser e é isso que nós pretendemos salvaguardar.

Sabemos que a disposição, por si, é deficitária de força, em termos da ordem jurídica externa, e esse será outro tipo de combate; também não ignoramos que uma coisa são as línguas oficiais e outra as de trabalho, Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, como também não ignoramos que, na Europa, se começa pelos pequenos passos para se chegar aos maus objectivos e, por isso, obviamente, a questão da língua na União Europeia não vai começar pelas línguas oficiais, vai começar pelas línguas de trabalho, porque é assim que se começa a fazer cair em desuso algumas línguas que não são as de trabalho, por muito oficiais que sejam.

Sumariamente, era isto que tinha para dizer neste momento. O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, creio que resulta muito claro deste debate, em primeiro lugar, que há um empenho, que é consensual, no sentido de garantir o português como língua de trabalho da União Europeia. Creio que este facto é inteiramente pacífico, como também penso ser pacífico e reconhecido que nós não temos nenhuma questão em afirmar uma língua como nacional face a outras línguas de nacionalidades, nem em afirmar os direitos de línguas/nacionalidades num quadro de um Estado-Nação. Por outro lado, creio também que é unanimemente reconhecido que a alteração que é proposta não tem o sentido útil que foi visado.

Mas há um elemento que eu gostaria de introduzir neste debate para reflexão e que é o facto de no artigo 9.º, alínea f), constar como tarefa fundamental do Estado «assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa».

Este aspecto, creio eu, é bastante importante, porque, por um lado, não apenas há aqui uma consideração implícita da língua portuguesa para quem tenha alguma dúvida nessa matéria, coisa que nunca ocorreu ao nosso espírito, como estão estabelecidas incumbências concretas que, a meu ver, por exemplo, tornariam extremamente difícil sustentar a constitucionalidade da disposição de um tratado que admitisse que o português não tivesse a dignidade, que não pode deixar de ter, no quadro de uma organização como a União Europeia ou qualquer outra.

O Sr. Presidente: — Ninguém se pronuncia? Creio que os Deputados do Partido Socialista foram interpelados directamente pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira para esclarecerem a sua posição.

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O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Só no caso de eu estar equivocado sobre a interpretação que fiz. Uma Voz do PS: — O Sr. Deputado, desta vez, está certo.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Mais dia menos dia, os senhores hão-de concordar com mais coisas. O Sr. João Amaral (PCP): — Têm concordado com muitas…

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Lá está a ciumeira! Que coisa! O Sr. José Magalhães (PS): — Dá-me licença, Sr. Presidente? O Sr. Presidente: — Faça favor.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, queria sublinhar um ponto a que o Sr. Deputado Luís Sá acabou de aludir agora.

Dei como evidente, mas provavelmente mal, o esforço feito na 2ª Revisão Constitucional no sentido de melhorar a protecção constitucional da língua portuguesa. Foi um esforço bastante interessante, de resto conseguido por unanimidade, e a norma do artigo 9.º alínea f) é uma norma que tem enormes virtualidades e enormes implicações no que diz respeito à defesa efectiva da língua portuguesa e, portanto, o que era interessante era tentarmos, em fase ulterior dos trabalhos, medir quais são os acréscimos de protecção efectiva, jurídico-constitucional, porque em matéria de simbologia e em matéria de proclamação do auto-evidente, do natural e do orgânico, como dizia há bocado o Sr. Presidente, não há limites! Podemos proclamar, aliás, por consenso desejavelmente e com considerável elevação e entusiasmo, sem que isso seja manifestamente objecto de polémica e sem que isso produza nenhum choque na opinião pública, enormes declarações deste tipo. Se formos a coisas do património comum do nosso entendimento da nossa democracia que podem ser sufragadas pela totalidade dos partidos, designadamente relacionadas com a história comum, o património comum nas diversas áreas, com regras de civilidade e bom entendimento ao nível primário elementar, designadamente o falar bem português, — coisa infrequente, como se sabe —, ou directivas específica em algumas áreas, não teremos nenhuma dificuldade! A questão é saber se é esse o papel da normação constitucional.

E nós temos duas normas concorrentes, deste ponto de vista. Aliás, temos uma norma sobre a língua portuguesa, a do artigo 9.º, alínea f), como, aliás, outras contidas na Constituição, com um recorte, uma eficácia, uma operatividade (aquilo que chamei operatividade não precaz, técnico-jurídica) muito clara, muito concreta, e temos uma candidata a norma, esta agora apresentada pelo PP, que não suscita espécie em relação a uma questão, porque ela nem está colocada na sociedade portuguesa, não há uma luta do mirandez pela afirmação linguística nem há uma luta nos Açores pela existência do idioma próprio, ou na Madeira! Não há! E o sotaque do norte, que agora é tão famoso e celebrado em canções e é popular junto da juventude, não tem nenhum conteúdo polémico entre nós. Nós, por aqui, gostamos!

Agora, reparem: há algum valor técnico-jurídico específico introduzido por esta norma? É isto que está em discussão, foi só isso que esteve em discussão e, nesse sentido, creio que foi uma discussão bastante útil. Deixemos levedar os seus resultados.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, creio que não se avançará muito mais no estado da questão. Temos a proposta do CDS-PP, temos uma sugestão de alternativa do Partido Socialista, cuja consistência está por apurar, temos a posição de não expressão de posição por parte do PSD e a aparente objecção do PCP.

Vamos passar à frente, Srs. Deputados, ao artigo 6.º.

Quanto ao artigo 6.º, há dois tipos de propostas, assaz diversas: uma respeita à introdução da dimensão das regiões autónomas como elemento definidor do Estado unitário descentralizado e, a outra, do PSD, é de âmbito bastante mais restrito e visa retirar do artigo 1.º a qualificação da descentralização democrática da Administração Pública. Como esta é de menor âmbito, proporia que começássemos por ela e avançássemos depois para as que têm a ver com as regiões autónomas.

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Portanto, a proposta do PSD visa alterar o n.º 1 do artigo 6.º; onde se diz «a descentralização democrática da Administração Pública» passará a dizer-se «a descentralização da Administração Pública».

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para apresentar e justificar a proposta.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, esta proposta do Partido Social Democrata inscreve-se num conjunto alargado de propostas que ao longo do texto constitucional o PSD faz e tem que ver com aquilo a que vulgarmente o próprio Partido Social Democrata, no seu projecto, denomina de «limpeza semântica da Constituição».

Parece-nos, de facto, que o inciso «democrático» que aqui está não faz sentido, na prática, hoje em dia. É evidente, para nós e penso que para todos, que na sociedade portuguesa não há formas de intervenção do actual Estado que não sejam democráticas. A descentralização da Administração Pública, como acto da parte do Estado, do nosso ponto de vista, será sempre entendida como uma descentralização democrática, que será decidida por órgãos de soberania democraticamente legitimados, e não vemos que haja hipótese de fazer uma descentralização antidemocrática ou não-democrática no actual estádio do sistema político português. Como tal, pensamos, de facto, que a manutenção deste termo pode inculcar a ideia errada nos cidadãos de que há um qualquer outro tipo de descentralização, não-democrática, que estaria proibida ao Estado português.

Penso que isso é redundância, porque parceria que nesta sede não o poderia fazer mas noutras poderia, ou seja, poderia haver comportamentos antidemocráticos em qualquer outra sede. Essa é uma questão que, passados 22 anos da Revolução que instaurou a democracia, está perfeitamente afastada da sociedade portuguesa e, portanto, a utilidade da proposta do PSD tem que ver exactamente com uma clarificação de linguagem na utilização de determinado tipo de disposições por parte da Constituição. É apenas isto!

O Sr. Presidente: — Está aberta a discussão. Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, a questão que se coloca, independentemente das intenções do PSD de «limpeza semântica», é a de saber se, nesta matéria, o objectivo que é proclamado não conduziria a resultados particularmente perversos e, diria até, particularmente ambíguos. E isto pelo seguinte: este adjectivo democrático, a seguir a descentralização, tem em conta um aspecto que creio que é inquestionável, pois durante muito tempo foi proclamada, teorizada, no plano do Direito Administrativo, por administrativistas ilustres, como integrando o conceito da descentralização a mera criação de pessoas colectivas pelo Estado, inclusive da administração indirecta do Estado — por exemplo, a criação de empresas pública, de institutos públicos, etc. —, colocando-as no mesmo plano de autarquias locais ou outro tipo de pessoas colectivas.

Mais: mesmo em relação às autarquias locais, ouvimos, vimos e lemos teorizar como constituindo descentralização, por exemplo, a nomeação de presidentes de câmaras pelo Governo. Recordo, designadamente, o texto de Pires de Lima, no Dicionário Jurídico da Administração Pública, e o Manual de

Direito Administrativo, de Marcelo Caetano, em que é feita inclusive essa justificação. Aliás, recordo que,

designadamente, o texto de Pires de Lima afirma que a nomeação dos presidentes de câmaras pelo Governo é a maior garantia da independência desses mesmos presidentes de câmaras. Ora, é neste contexto que aparece esta qualificação da descentralização como democrática.

Mas mesmo hoje a questão continua a colocar-se em termos que mantêm a utilidade desta disposição. Por exemplo, nas Lições de Direito Administrativo, de Freitas do Amaral, é estabelecida uma distinção entre descentralização em sentido técnico-jurídico, que inclui a criação de pessoas colectivas integradas na administração indirecta do Estado, a que outros chamarão não descentralização mas devolução de poderes, e, para estabelecer aqui alguma distinção, o Prof. Freitas do Amaral separa o conceito de descentralização em sentido técnico-jurídico de descentralização em sentido político, sendo descentralização em sentido político aquela, e apenas aquela, em que há órgãos eleitos.

Portanto, ao contrário do que eventualmente poderia resultar da intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, aquilo que faz com que a descentralização seja democrática não é apenas que seja decidida por órgãos de soberania democraticamente legitimados, é igualmente que a transferência de poderes seja feita para pessoas colectivas com órgãos democraticamente eleitos, por um lado — eu diria autarquias locais ou associações públicas —, e, por outro, creio que houve determinadas práticas que colocam também o problema

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da necessidade de qualificação da descentralização. Isto é, houve frequentemente transferência de poderes sem a correspondente transferência de recursos financeiros.

Também nesta situação se coloca o problema de não bastar que essa descentralização tenha sido decidida por órgãos de soberania, é preciso, também, que tenha sido feita de forma harmoniosa, sem objectivos perversos, designadamente de eliminar encargos do Estado, transferindo-os especialmente para autarquias locais.

Nesse sentido, independentemente das razões práticas dos constituintes nesta matéria, creio que, neste momento, permanecem quer razões doutrinárias quer de outro tipo para manter esta qualificação.

É claro que posso entender — e entendo — que só há descentralização na medida em que haja transferência de poderes para pessoas colectivas com órgãos democraticamente legitimados, mas a partir o momento em que ainda hoje, por exemplo, não é este o entendimento de administrativistas conhecidos, como o Prof. Freitas do Amaral, creio que é inteiramente justificado que se diga que aquilo que se pretende aqui é efectivamente a descentralização democrática, qualificando-se adequadamente a descentralização.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS) : — Sr. Presidente, proximamente, não devo ter, talvez, uma oportunidade tão boa para revelar a minha concordância integral com os pontos de vista do Sr. Deputado Luís Sá, no que me congratulo inteiramente.

Na verdade, esta proposta do PSD adapta-se muito àquele velho brocardo latino de que quod abundat non

nocet. Realmente, se é por razões meramente semânticas que o PSD quer retirar aqui a qualificação do

conceito de descentralização, está visto que introduziria algumas dúvidas e alguns enigmas cuja razão de ser, porventura, serão melhor dissipados se mantivermos o texto constitucional tal qual está.

Na verdade, adiro inteiramente a este ponto de vista do Sr. Deputado Luís Sá de que o conceito de descentralização não é um conceito inteiramente unívoco, na medida em que a descentralização, em sentido institucional, pode dispensar o recurso aos processos democráticos da descentralização.

É o caso, como foi lembrado, da criação de pessoas colectivas juridicamente independentes ou autónomas relativamente ao Estado e à Administração Pública e, todavia, hierárquica ou tutelarmente dependentes daqueles que têm capacidade de decisão nos órgãos de topo dessa mesma administração pública. Por isso, estaríamos a falar de um conceito de descentralização em sentido institucional e jurídico e não de uma noção de descentralização em sentido político e claramente democrático.

Nessa medida, porque a nossa prática descentralizadora deve orientar-se, de facto, por um princípio em que a descentralização deve, sempre que possível, orientar-se de acordo com o processo democrático, ou seja, com um processo que tendencialmente procure criar legitimação própria aos titulares dos órgãos que têm competências próprias, julgo que introduziríamos factores de maior confusão e não de clarificação se viéssemos a suprir esta referência da democracia ao conceito de descentralização.

Na verdade, se a única preocupação do PSD era de natureza semântica, talvez o PSD, nesta matéria e neste ponto, possa ceder com facilidade a não introduzir, por uma preocupação formal, aquilo que já viu que levantava problemas substantivos ao nível da conceptualização de um princípio fundamental, que é o da qualificação de democrático ao princípio da descentralização da Administração Pública.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): — Sr. Presidente, parece que o Verão fez ressuscitar com facilidade fantasmas que julgávamos já ultrapassados.

O PSD, quando faz esta proposta, tem o entendimento, como disse o Deputado Luís Marques Guedes, de que não suscita qualquer controvérsia no Estado português que um processo de descentralização, quer em sentido técnico-jurídico, quer em sentido político, não pode deixar de se operar, conforme a Constituição, em sentido democrático. Portanto, tudo aquilo que se disser, jurídica ou politicamente, à volta desta proposta de alteração apenas pode revelar receios que julgávamos já estarem afastados da sociedade portuguesa ao fim de todos estes anos de vivência democrática e de experiência dos órgãos de soberania.

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Direi, portanto, que se houver aqui alguma habilidade de quererem emprestar outra interpretação que não aquela que serviu de justificação ao Deputado Luís Marques Guedes na apresentação da proposta, ela revela um mau indício para o recomeço destes nossos trabalhos a partir de Setembro, porque significa que vamos iniciar todo o processo de revisão com uma reserva de remissão ao processo constituinte de 75 que, julgo, não ajudará a fazer a revisão de que necessitamos desta vez.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, começava por concordar com aquilo que disse o Deputado Pedro Passos Coelho agora mesmo, ou seja, de facto, o que está visto é que há certos complexos e fantasmas do passado que continuam a ensombrar o Partido Socialista e o Partido Comunista. No caso do Partido Comunista talvez não seja tão surpreendente quanto isso, no caso do Partido Socialista, de facto, parece-me bastante surpreendente.

Em particular, não queria deixar de responder a algumas das questões que foram colocadas pelo Deputado Luís Sá, e desde logo não resisto a registar o facto da especial memorização que o Sr. Deputado fez dos aspectos que citou relativamente a algumas passagens dos administrativistas, nomeadamente naquilo a que se refere aos presidentes de câmara.

Mas chamava a atenção do Sr. Deputado para o seguinte: aquilo que tem que ver com a descentralização política, no fundo, do nosso ponto de vista — com toda a franqueza, é essa a leitura que o PSD faz desta norma —, está garantido na primeira parte da norma, ou seja, é na primeira parte da norma, se o Sr. Deputado ler bem e com cuidado, que se fala da necessidade de o Estado respeitar, na sua organização, os princípios de autonomia das autarquias locais, e nas autarquias locais incluem-se já, na nossa Constituição e no nosso sistema político, todos os órgãos políticos que têm, depois, uma legitimidade democrática directa que lhe é própria e que decorre da tal autonomia das autarquias locais que vem consagrada na primeira parte da norma. Parece-nos, pois, que na segunda parte, quando se fala na descentralização, o que se pretende é exactamente visar o outro tipo de descentralização. E dizer aqui que essa descentralização tem que ser democrática pode ainda inculcar — e é uma nova chamada de atenção que faço — a ideia errada de que o Estado, para além da questão das autarquias locais, que está resolvida na primeira parte da norma, quanto a outro tipo de descentralização, só a poderia fazer através de mecanismos de consulta directa, de consulta democrática, o que é manifestamente errado e não é verdade!

O Estado pode e deve continuar — é isso que a Constituição diz —, a operar mecanismos de descentralização para além do reforço das autonomias das autarquias locais, que já vem na primeira parte da norma. O que se pretende aqui dizer é que o Estado deve também, para além da questão das autarquias locais, da descentralização política e do reforço que a ela está subjacente e que é tratado até autonomamente no capítulo próprio da Constituição, para além da norma genérica, do princípio fundamental que aqui está inscrito na primeira parte da norma, o Estado deve ainda, como se diz-se segunda parte e na parte final da norma, respeitar determinado tipo de princípios da sua organização interna, própria, e deve respeitar princípios de descentralização.

Ora, dizer que essa descentralização é democrática, repito, inculca a ideia errada de que pode haver uma outra que não seja democrática, o que é manifestamente inadequado, pois está dito nos artigos anteriores que Portugal é um Estado de Direito democrático e, portanto, obviamente, todas as formas que esse Estado encontra para se organizar, pela natureza das coisas, tem de ser formas democráticas.

De facto, trata-se de uma questão de fantasmas, como dizia o Deputado Pedro Passos Coelho. O PSD manifestamente já não os tem, não vemos esses perigos na limpeza da linguagem na Constituição, pensamos exactamente o contrário, ou seja, há determinado tipo de formas de dizer que estão na Constituição que, a manterem-se, inculcam a ideia errada de que existem outros mecanismos de sentido contrário que ainda andam a ensombrar o modus vivendi da sociedade portuguesa e da nossa República, coisa que, de facto, não existe. Não é assim e o PSD gostaria de ver afastado de vez esse tipo atitudes e de maneiras de ver as coisas.

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O Sr. Presidente: — Aparentemente, esta proposta não vai colher apoio, felizmente, digo eu, porque da minha parte teria total oposição.

Não é verdade que esta norma, este qualificativo, seja redundante. Não o é em termos de concepção abstracta do conceito de descentralização. Toda a gente sabe que, ao longo do tempo, houve duas concepções de descentralização: uma baseada no princípio do auto-governo democrático e outra baseada no princípio da simples autonomia jurídico-institucional de pessoas colectivas públicas. Claramente que a Constituição adoptou o primeiro conceito de descentralização e essa é a concepção hoje dominante em Portugal.

Por outro lado, quem conhece a jurisprudência constitucional sabe que desde a comissão constitucional esta qualificação de descentralização democrática serviu, entre outras coisas, para legitimar as ordens profissionais quando elas ainda não estavam expressamente reconhecidas na Constituição.

Esta é uma norma, em si mesma, é uma norma de síntese, é uma cabeça de capítulo; ela limita-se, por assim dizer, a pôr nos princípios fundamentais da Constituição aquilo que está noutras sedes da Constituição, em relação às autarquias locais, em relação às associações públicas, em relação à autonomia das universidades, para dizer que é nos casos em que comunidades infra-estaduais se auto-administram através de corpos eleitos que existe descentralização democrática. É tão-só isto!

De facto, não vejo justificação na proposta do PSD nem vejo o empenho posto na sua defesa, e direi mesmo, com alguma ironia, que o esforço de «aplicação de Omo» por parte do PSD à Constituição bem podia aplicar-se noutros capítulos que não na limpeza da qualificação de democrática constante do artigo 6.º, n.º 1, da Constituição.

Tem a palavra ao Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, creio que o fundamental está dito e gostaria apenas de fazer duas observações à intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, em particular.

A primeira é a seguinte: não é verdade que o aquilo que o qualificativo de democrático, relativamente à descentralização, procura garantir esteja assegurado na primeira parte deste artigo. Quando se refere o princípio da autonomia das autarquias locais, o mesmo princípio da autonomia das autarquias locais seria aplicável, por exemplo, no caso de não haver eleições competitivas para os órgãos da autarquias locais. Recordo, designadamente, que sempre foi afirmado na doutrina administrativa que as autarquias locais, quando tinham órgãos nomeados, eram autónomas e sempre foi afirmado em relação aos 900 institutos públicos que existem na Administração Pública que são autónomos, sendo até nomeados muitos deles, na prática, não apenas com a superintendência da parte do governo mas, por vezes, com uma direcção efectiva, não deixando de haver, do ponto de vista jurídico, a autonomia administrativa e financeira.

Portanto, desaparecer o qualificativo democrático quanto à descentralização colocaria problemas, que, aliás, o Sr. Deputado Vital Moreira acaba de confirmar, que não estão assegurados quando se refere ao princípio da autonomia das autarquias locais.

O segundo aspecto que queria abordar, a propósito de uma observação do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, é o seguinte: o problema, nesta matéria, não é estar na Constituição de 75. Felizmente, foi consagrado este princípio e felizmente, diria eu, ele mantêm-se, aliás, com particular actualidade, e actualidade, inclusive, que é colocada por algumas práticas dos últimos 10 anos. Por exemplo, a prática de operar a descentralização de encargos sem os correspondentes recursos, que corresponde naturalmente, também, a uma prática preserva que coloca uma particular actualidade em relação a disposições deste tipo.

O Sr. Presidente: — Ninguém mais está inscrito. O CDS-PP paga agora na mesma moeda ao PSD? Não se pronuncia?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Estamos de acordo com a proposta do PSD.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, passamos às restantes propostas relativamente ao artigo 6.º e proponho a discussão conjunta das propostas relativas a aditamentos ao n.º 1 e ao n.º 2 de «Dimensões de autonomia das regiões autónomas».

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Concretamente, a proposta do PS, no n.º 1, propõe o acréscimo da expressão «o Estado é unitário, respeitará na sua organização, os princípios da autonomia da regiões autónomas».

A proposta do Deputado Guilherme Silva, e outros, propõe o aditamento de um número segundo qual «o Estado português é unitário e regional, nele se integrando os arquipélagos dos Açores e da Madeira que constituem Estados regionais dotados de constituições regionais e de órgão de governo próprio».

A proposta do Sr. Deputado António Trindade, e outros, propõe que «Estado é unitário, regional e respeita na sua organização os fundamentos de autonomia das regiões insulares», deixando de remissa, para já, outras propostas menores.

Portanto, estão à discussão estas propostas.

O Partido Socialista já fez a apresentação da sua, mas o Sr. Deputado José Magalhães pretende intervir novamente sobre este ponto.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, é apenas para interpelar a Mesa no seguinte sentido: vamos ter a ocasião de discutir, aquando da apreciação das propostas atinentes ao Título VII, sobre regiões autónomas, um conjunto bastante significativo e bastante interessante, aliás, de propostas sobre o estatuto constitucional das regiões autónomas, com a participação de Deputados eleitos pelas regiões autónomas ao nosso lado. Assim, Sr. Presidente, propunha, em nome da bancada, que apreciássemos esse conjunto de propostas e estas que agora o Sr. Presidente se preparava para submeter à discussão. Creio que haveria vantagem em se fazer deste modo.

O Sr. Presidente: — É uma proposta metodológica. Os Srs. Deputados querem pronunciar-se?

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): — Sr. Presidente, eu não discordo mas relembrava apenas ao Sr. Presidente que estamos numa primeira leitura dos projectos e, portanto, nesse sentido, penso que, independentemente de concordar que, necessariamente, estes aspectos têm de ser retomados quando, em concreto, nos debruçarmos sobre o capítulo das regiões autónomas, que toda a gente reconhece que tem particularidades próprias e até existem projectos autónomos apenas sobre essas matérias, na lógica de uma primeira leitura não faz sentido andarmos a saltar artigos.

Portanto, em princípio, se o Sr. Presidente concordasse e o Partido Socialista não visse incómodo, independentemente de os retomarmos quando estivermos a discutir o capítulo próprio, pedia que não entrássemos neste sistema de saltar artigos, para não se prejudicar o normal andamento dos trabalhos.

O Sr. Presidente: — Alguém se quer pronunciar relativamente a esta questão metodológica de sobreestar nestas propostas de alteração do artigo 6.º, no que respeita à dimensão da autonomia regional?

Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, creio que se houver um consenso nesse sentido não há objecções da nossa parte.

O Sr. Presidente: — O problema não é de haver consenso, é de saber qual é posição do PCP. O Sr. Luís Sá (PCP): — Penso que sim, estamos de acordo.

O Sr. Presidente: — E o Sr. Deputado do PP?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): — Sr. Presidente, parece-me particularmente oportuno ouvir o Sr. Deputado Guilherme Silva, que acaba de entrar, numa primeira leitura destas normas.

O Sr. Presidente: — Bom, não havendo consenso tenho de pôr à votação.

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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, vamos discutir as propostas.

A proposta do Partido Socialista já foi apresentada, pelo que darei a palavra ao Sr. Deputado do PSD Guilherme Silva, ou outro, para apresentar a proposta respectiva.

Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de apresentar a proposta do projecto que subscrevi relativamente ao artigo 6.º, queria cumprimentar V. Ex.ª e os Srs. Deputados neste reinício dos nossos trabalhos.

Esta proposta relativa ao artigo 6.º, que diz respeito à definição do Estado, já tem sido veiculada em anteriores projectos por mim subscritos, e, aliás, também por outros Srs. Deputados, e, penso que tem, além do mais, a pretensão de repor uma verdade constitucional: nós não somos apenas um Estado unitário, temos na nossa estrutura político-constitucional duas regiões autónomas, com autonomia política e administrativa, e parece-me que não é correcto a Constituição, ela própria, recusar reconhecer essa realidade com a adequada dimensão, como, aliás, vem sendo defendido por constitucionalistas como é o caso do Prof. Jorge Miranda.

O Prof. Jorge Miranda acentua esta realidade e diz que o Estado português não é apenas um estado unitário, é um Estado regional, e parece-me que era uma boa oportunidade de introduzirmos esta verdade, de uma vez por todas, na qualificação do Estado na Constituição.

Portanto, no n.º 1 do artigo 6.º desta minha proposta, e dos demais Deputados que a subscreveram, pretende-se introduzir, de uma vez por todas, esta qualificação do Estado português não apenas como Estado unitário mas como Estado regional, reconhecendo essa realidade que a Constituição introduziu no nosso ordenamento político-constitucional.

Em relação às demais alterações, há uma alteração meramente nominativa. Actualmente, a Constituição designa as regiões dos Açores e da Madeira como regiões autónomas e propõe-se aqui a designação de Estado regional. Não há uma alteração de conteúdo é apenas um nomem juris que se pretende alterar.

A própria circunstância de se manter a referência ao Estado unitário, obviamente, afasta qualquer especulação à volta do que se pretende com esta designação e diria que ela tem um sentido emblemático de deixar claro, também, que autonomia política regional é algo de evolutivo e dinâmico e, portanto, deve tender para uma dimensão maior do que aquela que actualmente já tem e por vezes os nomes têm algum significado e algum sentido nesta orientação e nesta ideia que temos de autonomia regional.

Não há, repito, qualquer receio relativamente a essa designação, mas também tenho de reconhecer que ela não trás do ponto de vista do conteúdo nenhuma novidade particular.

No que diz respeito ao n.º 2, também não há uma alteração muito substantiva relativamente à orientação anterior. No entanto, há alguns princípios que se acentuam, designadamente o princípio da subsidiariedade. Entendemos que a ideia da subsidiariedade não é algo que tenha de funcionar apenas em relação à União Europeia, ou seja, no relacionamento do Estado, designadamente o Estado Português, em relação à União Europeia, temos também de introduzir e com maior acentuação o princípio da subsidiariedade na ordem interna e, também aqui, e adianto já a minha posição sobre isso, temos de desenvolver a regionalização administrativa do continente, temos de adoptar, no âmbito interno, as suas virtualidades e tirar o máximo proveito das capacidades aos vários níveis da hierarquia do Estado e da administração.

São estes princípios gerais, que têm a ver com a regionalização, com a descentralização e com uma acentuação e uma prática do princípio da subsidiariedade, que se introduzem no n.º 2 desta proposta que subscrevi.

O Sr. Presidente: — Está aberta a discussão. Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): — Sr. Presidente, creio que, em primeiro lugar, em relação à proposta do PS, a primeira questão que gostaríamos de colocar é um pouco a mesma que colocámos ao PP quanto à questão da língua oficial. Gostaríamos que o PS clarificasse o sentido e o alcance útil desta disposição, porque o artigo 6.º, actualmente, tem uma lógica, isto é, prevê no n.º 1 princípios que dizem respeito a todo o Estado tomado no seu conjunto e, por outro lado, no n.º 2, prevê princípios que dizem respeito aos Açores e à Madeira, que,

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aliás, são objecto — e felizmente — de um amplo tratamento e cuja autonomia é, como é sabido, amplamente garantida.

Na verdade, não somos um Estado unitário regional global, somos um Estado unitário parcial, como é sabido, e este facto levanta uma questão que é efectivamente importante, a de saber se, sendo nós um Estado regional parcial — como efectivamente somos, na qualificação, aliás, como é sabido, de Gomes Canotilho e Vital Moreira —, se justifica para um Estado unitário regional parcial a qualificação como Estado unitário regional global, sem ter em conta este facto, a não ser que se pretendesse transformar as regiões administrativas no continente em algo de próximo das regiões autónomas, coisa que nunca defendemos.

Como é sabido, juridicamente, elas são autarquias locais, são algo de profundamente distinto e, por isso mesmo, a questão que se coloca ao meu espírito é um pouco esta: se o facto de haver neste artigo 6.º um n.º 1 consagrado aos princípios aplicáveis a todo o País e um n.º 2 com princípios aplicáveis às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, não é um factor adicional de dignificação, um factor adicional de sublinhar a importância, a especificidade das regiões político-administrativas dos Açores e da Madeira e não uma diminuição.

Isto diz respeito, naturalmente e acima de tudo, à proposta do PS, que não coloca qualquer objecção de fundo mas coloca interrogações, que estão em cima da mesa e que gostaríamos de ver melhor clarificadas.

Quanto à proposta apresentada pelo PSD-Madeira, pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, em particular, há um conjunto de questões que são igualmente aplicáveis, isto é, será que tem efectivamente lógica tratar num número os princípios aplicáveis a todo o Estado português e tratar noutro número, dando-lhe uma especial dignidade que resulta deste facto, a situação político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.

Mas, para além desta questão, há outros problemas, que são problemas de fundo e não meramente semânticos. A primeira questão que queria colocar prende-se com a ideia de que as regiões administrativas teriam constituições regionais.

Normalmente, o conceito de Constituição implica a titularidade da competência das competências por parte de quem a tem e implica um poder soberano, implica, no fim de contas, que a própria transferência de competências para outra entidade resulte desta titularidade da tal competência das competências, para usar a célebre expressão conhecida.

A questão que se coloca nesta matéria é se eventualmente se pretende, em relação aos Açores e à Madeira, criar algo de semelhante, isto é, levar, no fim de contas, a que a tal competência das competências seja transferida para as regiões autónomas, que eu quero crer que não é o propósito do Sr. Deputado Guilherme Silva e então, se não é, este conceito é descabido.

A mesma questão, de algum modo, coloca-se a respeito do conceito de Estado regional, é que, normalmente, existem estados soberanos e estados federados, sendo que os estados federados estão, naturalmente, inseridos num processo federal. O conceito de estado regional é um bocado estranho neste contexto e nesse sentido também suscita observações da nossa parte.

Há igualmente um outro aspecto sobre o qual, talvez, valesse a pena ouvir esclarecimentos complementares, se o entender o Sr. Deputado Guilherme Silva, que é o facto de acrescentar o princípio da subsidiariedade neste contexto. O que é que ele vem trazer de novo, em relação, designadamente à ampla consagração do princípio da descentralização político-administrativa que neste momento está consagrado na Constituição?

É sabido que o princípio da subsidiariedade tem sido particularmente utilizado no âmbito do Tratado da União Europeia, mas é sabido igualmente que a filiação deste princípio historicamente é ambígua. A propósito, fala-se de Aristóteles, fala-se de concepções tomistas, mas talvez a teorização mais ampla que foi encontrada é exactamente no âmbito do federalismo, isto é, dos estados federados, e, em geral, até com tendências predominantemente ascendentes, isto é, centralizadoras e não descentralizadoras. Ou seja, do princípio da subsidiariedade não decorre necessariamente a descentralização; a transferência de poderes para um nível inferior pode decorrer — aquilo a que alguém já chamou a justa adequação — como justificação, exactamente, para transferir para um nível superior.

Ora, se aquilo que se pretende não é utilizar um conceito característico dos estados federais, característico do processo federal, então, está-se aqui a inserir uma norma que não acrescenta nada em relação à descentralização e que, pelo contrário, pode ter uma utilização ambígua, que é amplamente tratada pelos

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autores que distinguem constantemente a perspectiva aristotélica, tomista, descentralizadora, da perspectiva centralizadora e ascendente, nesta matéria.

Uma outra observação que se coloca neste plano é que é louvável, sem dúvida nenhuma, a preocupação do Sr. Deputado Guilherme Silva com a regionalização do continente, mas, do ponto de vista conceptual, as regiões administrativas do continente são autarquias locais e, portanto, quando se fala de autarquias locais está também a falar-se de regiões administrativas.

Ao autonomizar, aqui, as regiões administrativas colocam-se problemas de correcção técnico-jurídica que também não queria deixar de colocar à reflexão.

O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Guilherme Silva pediu a palavra para intervir novamente? O Sr. Guilherme Silva (PSD): — Para intervir ou dar esclarecimentos.

O Sr. Presidente: — Então, é melhor intervir no fim, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Presidente, como teve ocasião de sublinhar, discutiremos a propósito do Título VII a toda a vasta massa de propostas respeitantes à autonomia regional e gostaria de sublinhar que é deliberadamente que insistimos neste ponto, sem negar, naturalmente, a utilidade de trocarmos impressões preliminarmente e por isso estou a usar da palavra.

Consideramos que, provavelmente, um dos êxitos possíveis desta revisão constitucional, tudo indica, estará na possibilidade de aperfeiçoamento das normas constitucionais sobre as garantias da autonomia político-administrativa das regiões autónomas.

Por um lado, porque que há uma mancha de propostas de sentido idêntico, embora em muitos casos não de figuração idêntica, de várias bancadas, no sentido do aperfeiçoamento de diversos mecanismos, não apenas na parte «principológica» — e essa parte é, como se sabe, muito importante e também temos uma proposta nesse domínio, que nos parece ser um contributo enriquecedor e positivo para a configuração constitucional do estatuto das regiões autónomas — mas numa vasta mancha de propostas concretas sobre mecanismos que configuram garantias jurídico-constitucionais de uma real autonomia.

Naturalmente, muitas dessas propostas não têm a ver com condições efectivas de autonomia, designadamente as respeitantes à posição de regiões no contexto da construção europeia e do reforço das condições de participação das regiões na construção europeia e nos financiamentos associados à construção europeia, mas são propostas que, passando por esse tema, tocam muitos outros, designadamente quanto à clarificação das garantias de participação, de financiamento, de ampliação de poderes legislativos, de eliminação de limitações à autonomia, de extensão às assembleias regionais de importantes características de funcionamento interno, de clarificação do papel do ministro da República e outras, que não enumero. Tivemos ocasião de extensamente aludir a elas no preâmbulo do nosso projecto de revisão constitucional contido na página 32 da Separata 6/7 do Diário da Assembleia da República que está ao dispor de todos nós.

Quanto a este ponto, devo dizer que nos apraz o facto de haver — tudo indica — um consenso para o reforço do estatuto constitucional das autonomias regionais. Isso quer dizer que elas se tornaram objecto de não contestação, sedimentaram-se, cultivaram-se ao longo do tempo e se falta fazer alguma coisa foi feito um enorme acervo de coisas ao longo do tempo, que é de sublinhar e reconhecer como experiência comum da nossa vida político-partidária e do nosso regime constitucional.

Pela sua parte, o PS reconhece-se nessa experiência e reconhece-se na construção dos fundamentos, dos caboucos constitucionais e político-institucionais dessa realidade.

Quanto a estas propostas concretas agora adiantadas não pela bancada do PSD como tal mas por alguns dos seus Deputados, elas reflectem uma determinada concepção. O Sr. Deputado Guilherme Silva acabou de as re-fundamentar e, de facto, estão em questão duas coisas: uma vez que estamos a escrever um texto constitucional e é suposto que tenhamos inteiro rigor jurídico-constitucional, ou seja, cada palavra deve ter um sentido preciso, uma acepção rigorosa na meta linguagem jurídico-constitucional, não se trata de escrever um documento de outra natureza e seguramente menos ainda um manifesto ad hoc de existência transitória, quando o Sr. Deputado Guilherme Silva nos traz uma explicação ou uma fundamentação basicamente estiada

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