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Escritura Pública de Venda: Edição de um Manuscrito do Século XVIII

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Academic year: 2021

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Escritura Pública de Venda: Edição de um

Manuscrito do Século XVIII

Wanclécia Miranda Moreira

*

RESUMO:

A partir da leitura e análise de uma Escritura Pública de Venda dos meados do século XVIII (05 de fevereiro de 1744), discutir-se-ão aspectos históricos e lingüísticos, estes referentes às variações grafemáticas ocorridas na Língua Portuguesa. Serão comparadas as variações apresentadas no texto com a grafia atual, com o objetivo de contribuir para os estudos filológicos através da edição semidiplomática, a qual possibilitará a leitura do documento por outros pesquisadores.

PALAVRAS-CHAVE

: Filologia, Edição Semidiplomática, Escritua Pública, Variações Grafemáticas.

RÉSUMÉ

: À partir de la lecture et de l´analyse d´une Écriture Publique de Vente de la première moitié du XVIII siècle (05 février 1744), nous irons discuter les aspects historiques et linguistiques concernants aux variations graphematiques sofferts par la Langue Portugaise. La graphie presente sur le texte et la graphie actuelle seront comparées avec l´objectif de contribuer pour les études philologiques à travers de l´édition semidiplomatique qui permettra la lecture du document par autres investigateurs.

MOTS-CLÉ

: Philologie, Édition Semidiplomatique, Écriture Publique, Variations Graphematiques.

INTRODUÇÃO

O texto manuscrito é uma fonte inesgotável de informações históricas e lingüísticas de um povo. A preservação deste tipo de documento torna-se essencial para o resgate e registro de uma determinada época no que diz respeito aos costumes e à língua de um determinado povo. Mas nem sempre a preservação acontece nos lugares onde estão esses documentos. Cabe então à Filologia resgatar esse precioso material e dele fazer a edição, para que não se perca com o tempo e possa chegar até às gerações futuras.

*

Graduanda em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS. Monitora da disciplina Filologia Românica I, sob a orientação da Profª. Drª. Rita Queiroz.

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Sendo assim, projetos que visem resgatar documentos se fazem necessários, pois proporcionam à toda humanidade o conhecimento e valorização da história de um determinado povo.

1 CORPUS DE ANÁLISE

Tomando por base um documento integrante do projeto de pesquisa “Documentação de Feira de Santana: um estudo lingüístico-filológico”, uma Escritura Pública de Venda datada de 05 de fevereiro de 1744, é que se desenvolveu o presente artigo. O objetivo da análise deste manuscrito girou em torno das questões lingüístico-filológicas observadas na leitura do mesmo. Para tanto, respeitou-se a grafia de todo documento, assim como Telles (2001, p. 463) alerta: “se os objetivos a serem alcançados pelo editor é o estudo da língua, é melhor conservar os textos na sua grafia original”.

1.1 O DOCUMENTO: ESCRITURA PÚBLICA DE VENDA

As palavras escritura e pública derivam do latim scriptura e publicus, e tem a primeira o significado de composição escrita, e a segunda aquilo relativo ou pertencente ao povo, à coletividade. Essa expressão era utilizada no século XVIII para designar um documento pertencente a uma pessoa como forma de comprovar que uma área/território era de sua propriedade. Era como se fosse um comprovante de venda que o comprador tinha em suas mãos. É considerada, inclusive, como Certidão de Venda, já que há a certificação de venda e compra no decorrer dos documentos. Atualmente essa expressão é muito utilizada nos cartórios, pois tem o mesmo sentido que o do séc. XVIII.

1.1.1 Descrição do Documento

A Escritura Pública de Venda, em questão, figura em cinco folhas de papel almaço, todas escritas no recto e no verso.

O fólio 1rº possui 25 linhas; mancha escrita com dimensões de 150 mm X 272 mm. Apresenta alguns pequenos furos e manchas ao longo do texto.

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O fólio 2vº tem 25 linhas; a mancha escrita mede 143 mm X 254 mm. Apresenta nove maiúsculas interessantes: D (l. 10, 15 e 20), C (l. 10 e 23), G (l. 11 e 24), B (l. 12 e 24), T (l. 14), F (l.16 e 20), M (l. 16, 21 e 22), A (l. 18, 19, 20, 21 e 23) e P (l. 22 e 24). A maioria das letras maiúsculas foi usada para designar substantivos próprios.

Os demais fólios apresentam 25 linhas, exceto o fólio 3 que apresenta somente 24 linhas e cuja mancha escrita mede 145 mm X 255 mm. Este último é o único que traz a palavra Bahia inserida na forma vertical, acima da primeira linha do texto.

Observa-se que em todos os fólios há uma linha riscada com a mesma caneta do documento no final da escrita, isto é, depois da mancha escrita de cada fólio. Dá a entender que o tabelião define a linha como a finalização da escrita nos fólios em questão.

O papel traz as seguintes marcas d’água ao centro: no recto um brasão, e no verso uma figura de um felino. O primeiro símbolo pode representar um brasão da Corte ou um sinal próprio do tabelião. Segundo Acioli (1994, p. 55), os tabeliães costumavam ter sua própria marca d’água: “quem exercia qualquer função oficial podia ter um selo privado (o sinete), marca ou sinal gravado em baixo relevo, utilizado para imprimir no papel ou no lacre”.

Quanto ao conteúdo do documento, o mesmo relata sobre a venda e compra de dois sítios de terras chamados Boa Esperança e São Boas, situados no Rio “Jacoipe”, território da Vila “Caxoeira”, atual cidade de Cahoeira-BA. O comprador, Manoel Pereira Rabello, compra, paga e recebe quitação de Dona Antonia Francisca de Almeida. Para essa venda de propriedade, foi importante que os interessados fossem a juízo e comprovassem a predisposição para a venda e compra. A Escritura Pública de Venda é escrita por um tabelião, que chama várias pessoas como testemunhas para comprovar a venda.

1.2 EDIÇÃO SEMIDIPLOMÁTICA

Para a edição semidiplomática foram obedecidos alguns critérios, a saber:

• observância à fidelidade textual (grafia, linhas, fólios, etc);

• indicação do número do fólio à margem direita, fazendo chamada com asterisco;

• numeração das linhas de 5 em 5;

• separação das palavras unidas e a união das separadas;

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• indicação de rasuras ilegíveis do texto com auxílio de colchetes e de reticências.

Apresentar-se-á, a seguir, a edição semidiplomática do primeiro e segundo fólios da Escritura Pública de Venda com o intuito de analisar as variações grafemáticas do português do século XVIII comparando-as com o português atual.

*fl. 1rº

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cão e a deve liano intrizu digo denun ciação das leis e a deve liano intrizu 5 movidas a favor das molheres que de

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cumprir e guardar este instrum ento como neste se contem sem que a pose revogar reclamar nem com tra dizer per si nem por outrem 20 agora não e sem tempo algão por des

se sua livre vontade feita e pe lo comprador foi dito que aseita va com o aseito esta escritura de venda a elle feita com todas as clau 25 zulas condiçoes e obrigasois della

*fl.2vº Della em quê testemunho de verda

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zus Maria Abbade da Oliveira Manoel Pereira Rabello o Padre Antonio da Costa de Andrade Fran Cisco Gomes Braga Pasa o referi 25 Do na verdade consta da dita es

2 ANÁLISE DAS VARIAÇÕES GRAFEMÁTICAS

As palavras que constituem o corpus do documento são, muitas vezes, grafadas de maneira diferente da ortografia atual. Isso se explica porque o texto foi escrito no século XVIII. As variações ortográficas são observadas ao longo do documento: as palavras meyo (fl.4vº, l. 18) e meio (fl.7rº, l. 18) revelam as oscilações gráficas.

Mostrar-se-á, a seguir, uma breve análise de algumas variações grafemáticas encontradas na Escritura Pública de Venda.

Palavra Ocorrência Análise

Sítios Citios

Fólio 5rº - linha 4 Fólio 8vº - linha 25

Variação s/c.

Destetuhida Fólio 5rº - linha 22 Manuntenção do -h- intervocálico quando forma hiato.

Actual Fólio 5rº - linha 14 Uso do grupo consonantal impróprio –ct.

pagouçe Fólio 9rº - linha 12 Uso do pronome justaposto.

hya Fólio 3rº - linha 15

Uso do -y- com função de -i- tônico. Siendo Fólio 1rº - linha 13

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Pertensiendo Fizesie Viente sein Fólio 1rº - linha 12 – 13 Fólio 2vº - linha 3 Fólio 4vº - linha 2 Fólio 8vº - linha 10

Variação ortográfica ie/e

Nella Della Elle Llados Pella Abba Anno Villa Clauzulla Prevellegeos Rreporto Offiçial Fólio 1rº - linha 7 Fólio 1rº - linha 12 Fólio 1rº - linha 24 Fólio 2vº - linha 8 Fólio 2vº - linha 14 Fólio 2vº - linha 15 – 16 Fólio 3rº - linha 6 Fólio 4vº - linha 10 Fólio 5rº - linha 13 Fólio 6vº - linha 25 Fólio 9 rº - linha 1 Fólio 9 rº - linha 7

Uso de consoante geminada

Os aspectos lingüísticos mais relevantes do documento são referentes à ortografia e à morfologia. A primeira é mais evidente já que, através da tabela pode-se notar o que acontecia naquela época quanto ao uso da língua. A comparação do período do séc XVIII com o atual evidencia algumas mudanças:

• regularização da consoante s-;

• há a suspensão do -h- intervocálico para a formação de hiatos;

• o grupo consonantal -ct- foi abolido em sua maioria, sendo preservado em poucos casos;

a forma pronominal enclítica ligado à forma verbal foi separada por hífen e o -ç- passou a s: pagou-se;

• extinguiu-se o uso do -y- com função de -i- tônico;

• a variação ortográfica -ie deixou de existir na língua portuguesa atual e passou de –ie a –e;

• acontece a simplificação das consoantes geminadas, permanecendo somente -rr-/-ss- com valor distintivo;

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Além dessas variações ortográficas, existem outros no documento que não podem deixar de ser mencionados, a saber:

• substituição do -ch- por -x-: abaicho (fl. 4vº – l.21) >abaixo; debaicho (fl. 6vº – l.17) > debaixo; e baicho (fl. 7rº – l.4) > baixo;

• regularização quanto à alternância ortográfica: cumprimento (fl. 7rº – l. 1) / comprimento (fl. 6vº – l.21) por comprimento (tamanho); sertão (fl. 7rº – l. 13) / sertam (fl. 7rº – l. 20) por sertão;

• substituição do c por s duplo ou queda da cedilha: suçeçores (fl. 5rº – l. 6) > sucessores; anteçeçores (fl. 8vº – l. 9 e 10) > antecessor.

Quanto aos aspectos morfológicos observou-se que:

• as formas verbais de terceira pessoa do plural do pretérito perfeito, grafadas com –ão final, passaram a ter a terminação -am: pertenção (fl. 5rº – l. 3) >pertençam; pagarão (fl. 6vº – l. 4) > pagaram.

• a terminação da terceira pessoa do singular do pretérito grafadas com -o, passaram a -u: vendeo (fl. 8vº – l. 11) > vendeu; deo (fl.8vº – l. 18) > deu.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Resgatar a história da língua de um povo é tarefa muito árdua e ao mesmo tempo gratificante para qualquer pesquisador que quer adentrar no mundo dos documentos históricos. É árdua porque exige do pesquisador muito estudo e paciência para se alcançar os resultados; e gratificante porque o estudo realizado pode contribuir para o entendimento da evolução da língua no decorrer do tempo. Além do mais, a leitura dos manuscritos possibilita fazer o registro da história, através da edição semidiplomática, para que as gerações futuras possam acompanhar e compreender determinada época.

Embora o trabalho tenha procurado seguir essa perspectiva, há de se observar que a análise não se constituiu totalmente esgotada, mas possível de discussões acerca deste manuscrito. Acredita-se que o estudo desta Escritura Pública de Venda pode contribuir também para outras áreas do conhecimento.

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REFERÊNCIAS

ACIOLI, Vera Lúcia Costa. A escrita no Brasil colônia: um guia para leitura de documentos

manuscritos. Recife: Editora da UFPE / Massangana, 1994.

BERWNAGER, Ana Regina. Noções de paleografia e de diplomática. 2. ed. Santa Maria: Editora da UFSM, 1995.

CAMPOS, Maria de Fátima Hanaque. Inventário Analítico da Documentação Histórica do

Acervo do Monsenhor Renato de Andrade Galvão. Feira de Santana: UEFS / Centro de

Pesquisa de Feira de Santana, 1998.

GONÇALVES VIANA, A. R. Vocabulário ortográfico e remissivo da língua portuguesa. 3. ed. Lisboa: José Bastos, 1914.

TELLES, Célia Marques. A lição conservadora e a análise lingüística do texto. Boletim da

ABRALIN, v. 26, nº especial, 2001.

TELLES, Célia Marques ; ALMEIDA, Aurelina Ariadne D. (Orgs.). Manuscritos e Cultura: Primeiros resultados de pesquisa. Salvador: Editora Júnior, 2001.

Referências

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