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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS MATHEUS VIEIRA DOS SANTOS ( )

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

MATHEUS VIEIRA DOS SANTOS (8567470)

Construção da identidade nacional e literária cabo-verdiana na obra de Jorge Barbosa

Resenha de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa III sobre o livro Arquipélago, de Jorge Barbosa, apresentado como requisito para obtenção de avaliação final na disciplina

SÃO PAULO NOVEMBRO/2015

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Não seria exagero afirmar que Jorge Barbosa é um divisor de águas na literatura de Cabo Verde, pois a partir dele é que temos a passagem de uma literatura portuguesa escrita em Cabo Verde para uma literatura de fato cabo-verdiana. Analisando os poemas do primeiro livro dos três1 do autor, Arquipélago (1935), pode-se entender como esse fenômeno de remodelação, que não é só no conteúdo, mas também na forma poética, aparece na obra deste importante autor e de como ela simboliza bem essa nova forma de representação poética em Cabo Verde.

Nascido em 1902 na ilha de Santiago, o autor é, juntamente com Baltasar Lopes, Manuel Lopes e outros escritores, um dos fundadores da revista Claridade, marco da literatura cabo-verdiana, publicada pela primeira vez em 1936, três meses após a publicação do seu primeiro livro Arquipélago, que saiu no final de 1935.

Ainda que em pleno Estado Novo português, sob o governo totalitarista de Salazar e o regime colonial português, a revista Claridade teve três edições no período de um ano (março de 1936 a março de 1937), edições que formam a chamada 1ª fase da revista. Ela contou ainda com outras seis edições até 1960, mantendo-se ativa apesar do agravamento da censura salazarista.

Sobre a primeira fase, Elsa Rodrigues dos Santos afirma, em seu livro sobre a obra de Jorge Barbosa, que:

A revista não abria com um programa definido. Contudo, ela cumpriu-se com um ideário que tinha, como principais premissas, afastar-se dos cânones portugueses e exprimira voz colectiva do povo cabo-verdiano, naquilo que ele possuía de mais autêntico.

(SANTOS, 1989, P.56)

Dessa forma, há uma manifestação cultural cabo-verdiana de fato, voltado para as ilhas e o povo, com seus problemas sociais e especificidades geográficas.

1

Arquipélago (1936), Ambiente (1941) e Caderno de um ilhéu (1956). Outros livros foram reunidos, editados e publicados postumamente, em 2002, numa edição da poesia completa do autor, compilação que utilizamos como base de análise.

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Pode-se afirmar dessa fase da revista que sua preocupação era: fincar os pés, ou seja, ter como foco a terra natal e o povo, estabelecer possibilidades para a identidade nacional e destacar o elemento local.

O livro publicado meses antes, por sua vez, antecipa e anuncia o que viria nas publicações das revistas. Seus temas são afins com essas preocupações claridosas; seu foco é também Cabo Verde e o povo cabo-verdiano.

Pelo título do livro já podemos notar que o elemento local vai acompanhar a obra. E de fato as dez ilhas (das quais nove habitadas) que formam Cabo Verde estarão presentes de forma mais ou menos explícita em todos os poemas da obra.

De início, temos como exemplos os dois primeiros textos, nomeados respectivamente “Panorama” e “Ilhas”, neste segundo já se tem, logo no título, a temática voltada para o arquipélago.

No primeiro poema, temos a presença do mito em torno da origem de Cabo Verde, temática já comum na tradição literária anterior a Jorge Barbosa, mas que o autor, por sua vez, só utiliza como fonte de partida para construção de seu poema, não funcionando aqui como centro da obra. Ele traz para o poema o recorrente mito de que Cabo Verde seria originário do lendário continente da Atlântida.

A mitologia na literatura era constantemente utilizada como uma forma de preencher uma lacuna histórica sobre a origem de Cabo Verde, que advém do fato de que não há vestígios de presença humana antes da chegada do colonizador.

A partir da segunda estrofe de “Panorama”, contudo, o autor suspende o tema mítico (que será retomado no final do livro) e descreve, com um tom de angústia e sofrimento, alguns aspectos geográficos das ilhas: “Ilhas perdidas no meio do mar, / esquecidas / num canto do mundo” e “Montes alerta / implorando aos céus”.

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Ao passarmos para o poema “Ilhas”, encontramos a descrição geográfica das dez ilhas que formam o arquipélago e podemos observar, a partir dos elementos da natureza, a dificuldade que o povo cabo-verdiano tem em relação à sobrevivência, ao clima. Logo na primeira estrofe, ao falar sobre a ilha de Santo Antão, o poeta apresenta os rios desta e, nos últimos versos, mostra o poder destruidor que as águas têm, quando as chuvas vêm fortes, enchendo os rios que, com sua potente enxurrada, “levam / árvores, casas, pedregulhos!”.

Vemos no poema “A terra” o quanto pode sofrer o povo cabo-verdiano quando não caem essas mesmas chuvas que destroem quando fortes, gerando as longas e duras secas que são típicas do arquipélago. Há aqui uma enumeração de tudo que se pode produzir nessa “Terra fértil”. Há, contudo, a condição para que exista essa abundância natural: ela só é possível se “cai a chuva”, caso não, vemos então “o desalento / a tragédia da estiagem!”. Nas últimas estrofes, temos uma enumeração, só que, desta vez, de elementos negativos ligados à seca (“drama”, “tormento”, “fome”).

Voltando ao poema Ilhas, vemos uma breve descrição da ilha inabitada de Cabo Verde: Santa Luzia. A presença desta ilha é descrita de forma simples e realista: “Santa Luzia / deserta...”.

Antes desses pequenos versos, o poema trata da ilha de São Vicente. Sobre ela, não são descritas as questões naturais, mas aparece aqui o tema dos estrangeiros. Vemos enumerados alguns objetos estrangeiros que chegam a Cabo Verde através do Porto Grande e a presença da palavra “miragem” nos remete a uma ilusão ou mesmo sonho que os ilhéus possivelmente têm ao se depararem com esses elementos de fora das ilhas. Ora, a relação entre o sujeito e as ilhas é uma problemática em torno da qual, de uma maneira mais ampla, a obra de Jorge

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Barbosa vai fundamentar muito bem, trabalhando as questões próprias do ilhéu; sua relação com a imensidão de água que o cerca e seu lar, uma pequena porção de terra:

Dessa relação deriva aquilo que podemos denominar insularidade, isto é, o sentimento de solidão, nostalgia, que o ilhéu experimenta face ao isolamento e aos limites da fronteira líquida que o separam do resto do mundo, criando-lhe um estado de angústia e de ansiedade que o levam a sonhar com outros horizontes para lá do mar. (SANTOS, 1989, p.59)

Podemos perceber, portanto, um desejo de partir, de conhecer o que vem de longe, de descobrir para além do mar; vontade que é avivada com o contato com “Chineses, Negros, Americanos, Holandeses” que passam no Porto Grande. No poema “Rumores” essa mesma temática é retomada e vemos que do porto voltam a aparecer os rumores “do carvão”. Em contrapartida, há neste poema uma predominância de elementos locais, podendo indicar o desejo de partida; do que é cabo-verdiano e que sai das ilhas através do porto. Nas últimas estrofes de “As ilhas”, vemos a partida de fato acontecendo, mas com a particularidade do partir já com saudade da terra natal e pressupondo o retorno.

O tema local torna a aparecer, neste mesmo poema, nas estrofes que têm como tema as ilhas de Boa Vista e Santiago e vão tratar especificamente de ritmos musicais típicos de Cabo Verde.

Sobre Santiago, o autor traz o batuque, um ritmo mais africano e típico desta ilha. Já sobre Boa Vista, tem-se figurada a morna, que nasceu nesta ilha e é tema de um poema ao qual dá nome. Em “Morna” podemos verificar na primeira estrofe que o canto terá como objeto dados exteriores “que só existem / além / do pensamento”.

De novo vemos como o sujeito ilhéu se encontra problematizado na poesia de Jorge Barbosa, ao passo em que esses elementos “distantes” “deixam vagos

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instantes / de nostalgia”, ou seja, fica o desejo do que está além. Por outro lado, como vemos na segunda e última estrofe do poema, tanto a morna quanto o cabo-verdiano têm forte ligação com as ilhas de Cabo Verde. O canto, nessas estrofes, é a “voz / da nossa gente, / reflexo subconsciente / em nós / das vagas ao longo das praias;”.

Esse sujeito cabo-verdiano cingido entre a vontade de partida e sua ligação com a terra é mostrado no poema “O povo” como um ser dividido desde sua origem: “conflito num sangue só / do sangue forte africano / com o sangue aventureiro / dos homens da Expansão”. Se no começo do livro o autor problematizou a origem do arquipélago, agora ele levanta a questão da origem do povo, dessa mistura que acaba por configurar uma identidade nacional, já que mesmo “N’alma do povo ficou / esta ansiedade profunda / – qualquer coisa de indeciso”.

No poema “O mar”, o elemento água vem para cortar o desejo da partida, para sufocar os “desejos”, ao passo que dilata os “sonhos”. Vemos aqui como o mar de fato atua na construção da insularidade: isolando o ilhéu e insinuando horizontes, como um “Convite da viagem apetecida / que não se faz...”. Os versos finais deste poema (“... E outra lenda / virá”) trazem de volta o tema mítico, prenunciando o poema que finaliza do livro. Repetindo os versos iniciais do poema de abertura, aqui Jorge Barbosa conclui seu livro com um tom negativo, colocando Cabo Verde como “Destroços de um naufrágio...”, o que pode ser referência ao então presente colonizador, já que “o naufrágio continua”.

Apesar de observarmos, a partir da primeira geração de Claridade, uma literatura não mais de pertencimento português escrita em Cabo Verde, mas sim uma literatura já cabo-verdiana, autores portugueses ainda terão impacto na obra de Jorge Barbosa. As revistas de literatura e artes Orpheu e Presença são lidas e

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impactam não somente este autor, mas como a primeira geração claridosa2. Mas é sobretudo o modernismo brasileiro que vai infundir ideias que vão ajudar o poeta a renovar e modernizar a poesia cabo-verdiana. É a partir da leitura e admiração que o autor tem de alguns poetas brasileiros como Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Drummond nos quais ele e a geração claridosa vão se inspirar, pois assim como no movimento brasileiro, a intenção destes autores era achar uma solução estética nacional.

Vemos, portanto, nos poemas do livro (e da obra) de Jorge Barbosa os primeiros instantes do verso livre, do poema não metrificado, da abertura para uma nova possibilidade estética, como uma revolução na literatura3. Arquipélago representa, portanto, uma modernização formal e estética da poesia cabo-verdiana, com impactos portugueses e, mormente, brasileiros, mas que não vão ser traduzidos em uma simples emulação, uma pintura com cores locais de uma poesia estrangeira. Temos de fato uma literatura fincada no chão cabo-verdiano, trazendo para a superfície o sofrimento do povo e as próprias ilhas, colocando Cabo Verde e os cabo-verdianos como sujeitos no centro temático da arte.

Bibliografia

ACHEBE, Chinua. “A literatura africana como restabelecimento da celebração”. In: A educação de uma Criança sob o Protetorado Britânico: Ensaios. São Paulo: Cia. das Letras, 2012.

BARBOSA, Jorge. “Arquipélago”. In: Obra poética. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2002, p. 31-49.

2 Elsa Rodrigues dos Santos, As máscaras poéticas de Jorge Barbosa e a mundividência cabo-verdiana, pp. 41-42.

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CARREIRO, José. “Jorge Barbosa”. In: Lusofonia: Plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo. Disponível em: <http://lusofonia.com.sapo.pt/jo rge_barbosa.htm>. Acesso em: 10 out 2015, às 21h15min.

COUTO, Mia. “Que África escreve o escritor africano?”. In: Pensatempos. Lisboa: Caminho, 2005.

FANON, Frantz. Les damnés de la terre. Paris: La découverte, 2003.

LAFETÁ, João Luiz. 1930: a crítica e o Modernismo. São Paulo: Duas

Cidades; Editora 34, 2000. Disponível em:

<https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR &id=gI4acOPdQyEC>. Acesso em: 18 out 2015, às 20h10min.

SANTOS, Elsa Rodrigues dos. As máscaras poéticas de Jorge Barbosa e a mundividência cabo-verdiana. Lisboa: Editora Caminho, 1989.

Referências

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