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P-495 - O Mensageiro Do Sol - Hans Kneifel

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(1)

O MENSAGEIRO

DO SOL

Autor

HANS KNEIFEL

Tradução

RICHARD PAUL NETO

Revisão

GAETA

(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)

(2)

Os calendários do planeta Terra e dos outros mundos do Império Solar registram os meados do mês de junho do ano 3.438. Faz quase um ano que Perry Rhodan e seus 8.000 companheiros da Marco Polo se encontram em NGC 4594 ou Gruelfin, que é a galáxia dos cappins.

Depois que foi destruída a Lua dos Perigos, que parece ter sido o centro de transferência de pedotransferidores para a galáxia dos humanos, pode ter-se a impressão de que a luta em Gruelfin esta para terminar. O Tachkar sofre uma derrota depois da outra, enquanto o poder de Ovaron cresce ininterruptamente.

Mas a situação da galáxia da humanidade agravou-se bastante. Pouco antes da destruição de Takera, Vascalo, o novo chefe da Marsav, conseguiu apoderar-se de uma frota gigantesca de coletores usando o comando de bloqueio final. Esta frota está estacionada perto do sistema de Vega, tentando abrir passagem para o Sol.

A Frota Solar, comandada pelo Marechal-de-Estado Reginald Bell, luta obstinadamente. Os terranos sabem como é importante a luta, e detém o inimigo, O próprio Vascalo, conhecido como o pedoautocrata instintivo, encontrou um adversário à altura na pessoa do Coronel Edmond Pontonac, comandante militar da lua de Saturno, Titã. Vascalo é obrigado a retirar-se sem ter registrado nenhum sucesso.

Mas apesar das perdas enormes que sofreu, Vascalo continua lutando. Aguarda reforços que lhe permitam derrotar a Frota Solar. Os terranos sabem disso e procuram ajuda militar.

Esta ajuda será pedida por um homem que é enviado ao espaço — O Mensageiro do Sol...

= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =

Harcon von Draimalo — Um aconense que percebe a

verdade.

Reginald Bell — O Marechal-de-Estado que defende o

Sistema Solar.

Vascalo — Chefe dos invasores de Gruelfin.

Marceile — Uma moça cappin que mantém contato com

Ovaron.

Edmond Pontonac — O coronel que se toma mensageiro do

Sistema Solar.

Caryna Nillbaerg e Drosen K. Willshire — Primeiro e

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1

Harcon von Draimalo nunca parecera um jovem, mas naquele momento sentia o peso da responsabilidade. Estava com os ombros arqueados enquanto caminhava devagar e pensativo pelo corredor estreito que levava do centro de controle da nave para a seção de rastreamento, passando por algumas esquinas, elevadores e tubos de escadas.

— Pelo Sistema Azul! — disse em voz baixa. — Por que confiaram a tarefa justamente a mim?

Harcon seguiu mais um pedaço e parou ao ver um aparelho de reprodução de imagens embutido na parede, formando uma superfície negra cortada por veias brancas entrecortadas, instalada numa posição estranha entre cabos e tubos.

— Estrelas. — cochichou Harcon. — Milhões de estrelas...

Harcon von Draimalo era o jovem comandante do cruzador pesado mobilizado pelo Comando Energético aconense. Recebera há dias uma tarefa precisa, mas esta lhe deixava certa liberdade para agir segundo seu critério. Mas estava acostumado a obedecer às ordens de seus chefes no Comando Energético.

Além disso, detestava a Terra e os terranos. Harcon contemplou o quadro.

— A Via Láctea. — disse em tom pensativo. — Traz a marca dessa raça. Toda vez que se vê uma estrela, pensa-se na Terra. Esta raça espalhou-se que nem a peste.

O cruzador pesado estava imobilizado entre as estrelas e nuvens gasosas — ou melhor, não estava parado, mas deslocava-se em queda livre numa rota aproximadamente reta que levava de certo ponto próximo ao centro galáctico à posição distante do Sol pertencente ao sistema de nove planetas dos terranos.

A nave comandada pelo Major von Draimalo partira de uma base secreta e saíra do espaço linear exatamente há uma hora. Naquele momento seguia sua rota com os propulsores desligados. A pausa serviu para que os homens e mulheres que viajavam na nave se orientassem. Eram justamente as guarnições das salas de radiotécnica que mais tinham de trabalhar nessa expedição.

— Terra amaldiçoada! — disse Harcon. — Maldito Rhodan!

Para ele e para quase todos os membros do Comando Energético Rhodan era o símbolo de tudo que os aconenses odiavam: o expansionismo terrano, as colônias do planeta Terra, o comércio e a frota terrana. Além do fato de os terranos levarem sua cultura às estrelas para disseminá-la, reprimindo as antigas culturas e civilizações dos aconenses. Parecia impossível que um aconense e um terrano pudessem deixar de sentir ódio um pelo outro. De amizade nem se falava.

O aparelho de comunicação preso ao pulso emitiu um zumbido leve, que se propagou sobre a pele em forma de uma série de vibrações.

Harcon ligou o aparelho.

— Draimalo. — disse em voz baixa. — Que foi?

A voz daquele homem revelava mais sobre seu caráter que seus gestos e atitudes. Era baixa, muito modulável e fácil de entender.

— Esperamos sua presença na sala de rádio, comandante. Grande número de mensagens chega ininterruptamente.

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Deu mais uma olhada na tela de imagens. As inúmeras estrelas das proximidades do centro da galáxia formavam um quadro rígido. Entre elas viam-se os rastros do anel de hidrogênio, encobertos por algumas nuvens escuras. Bem perto, a apenas alguns anos-luz de distância, havia um triângulo irregular formado por sóis vermelhos e amarelos. Por enquanto as telas dos rastreadores só tinham mostrado os ecos de um sem-número de estrelas e aglomerações de matéria, mas de nenhuma nave. Na verdade essa calma ótica não combinava com o intercâmbio constante de mensagens de rádio vindas de todas as direções, sendo que a maioria vinha do setor espacial em que ficava o Sistema Solar. Mas a característica principal não era esta; a frequência das mensagens não cifradas era preocupante. Era sinal de uma concentração de espaçonaves.

Harcon acenou com a cabeça, desligou a tela e saiu andando.

Era um aconense alto, esbelto e jovem — tinha pouco menos de trinta e cinco anos. Usava o cabelo castanho-escuro, quase negro, provocadoramente desarrumado. Seu uniforme era uma mistura do estilo fossilizado dos homens do Comando Energético e alguns ingredientes pessoais. Harcon não tinha a intenção de submeter também seu exterior à posição que ocupava no Comando Energético. Bastava que de dentro estava convicto do que fazia.

O nome da nave era Hassata.

Tratava-se de um cruzador pesado bem equipado, com uma tripulação que incluía os melhores técnicos de escuta e decifração de que dispunha o serviço secreto aconense. Eram politicamente confiáveis — a inimizade ferrenha contra o planeta Terra evitaria que qualquer um deles não agisse como devia. Harcon von Draimalo, o último rebento da família Draimalo yth Vesanth, comandante da nave de espionagem fortemente armada, abriu a escotilha e entrou na primeira sala de divisão de rádio.

— Continuem. — disse calmamente e sentou numa poltrona. — Deixe-me ver o que conseguiu captar, radioperador.

A sala era parecida com a sala de comando da nave. Mas as telas da galeria panorâmica não mostravam o espaço adjacente da forma que era visto pelos olhos, mas segundo a importância que assumia para as numerosas antenas da nave. As estrelas eram pontos vermelhos, as camadas de gases formavam estruturas azuis num campo negro e os pontos de origem dos sinais de rádio eram assinalados por pontos brancos ofuscantes, alguns dos quais mudavam constantemente de posição. Harcon contemplou atentamente as telas antes de perguntar:

— É mesmo o que estou vendo?

— Provavelmente, comandante. Aonde quer chegar? — perguntou o oficial-chefe Kantro Baar.

— Temos à nossa frente um setor da Via Láctea. Deslocamo-nos sobre o plano de rotação da galáxia. O sistema de troca de mensagens abrange um ângulo de cento e trinta graus à nossa frente. Isto me leva a concluir que todas as naves, planetas e estações de rádio ficam à nossa frente. Estou certo?

Baar acenou com a cabeça.

— Isso mesmo. — respondeu. — Se seguirmos uma rota em linha reta que termine na Terra e no Sol, passaremos quase exatamente pelo centro da área em que se verifica a troca de mensagens de rádio. Acho este fato muito importante, já que os terranos se prepararam para enfrentar um inimigo muito poderoso. Mas é bom que o senhor mesmo leia. Assinalei as frases mais importantes.

O radioperador entregou ao comandante uma pilha da grossura de uma mão humana.

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A pilha era formada por folhas de plástico perfuradas, todas do mesmo tamanho, nas quais havia textos impressos em letras miúdas. Todas as mensagens recebidas, ou melhor, captadas, estavam registradas nessas folhas. Em sua maioria traziam uma observação: Texto traduzido ou decifrado.

Naturalmente o serviço secreto aconense possuía informações sobre os códigos mais importantes usados pela frota terrana.

— Muito interessante. — observou Harcon.

Bastou uma leitura superficial das mensagens para que Harcon compreendesse que os terranos travavam uma batalha encarniçada para defender-se de uma frota que parecia ter vindo de algum canto desconhecido da Via Láctea.

— Coletores... — observou o oficial. — Tem uma ideia de que tipo de naves pode tratar-se? Não conheço nenhuma raça galáctica que possa ser designada por essa palavra.

— Recebemos ordens de controlar as mensagens terranas que captamos nestas últimas semanas. — disse Harcon. — Conhecemos mais ou menos o conteúdo das mensagens e das transmissões de imagens. De todas elas depreende-se que os terranos se encontram numa situação que favorece uma intervenção dos aconenses, principalmente do Comando Energético.

Baar voltou a confirmar. Harcon prosseguiu na leitura. Só leu os textos sublinhados. Depois de algum tempo disse:

— Também devemos controlar a autenticidade das mensagens. Isto será feito depois que seguirmos em direção ao sol e fizermos medições por lá. O ponto em que é maior o número de mensagens, ou melhor, de transmissores, deixou de ser constante. Primeiro ficava a cerca de quatorze anos-luz da Terra, mas depois deslocou-se para mais perto do Sistema Solar. Quer dizer que o campo da batalha travada com os coletores se desloca em direção a esse Sistema. Dali só se pode concluir...

— ... que os terranos estão recuando — completou Baar. — Isso mesmo.

Estavam todos em posição de espera. No momento eram realizadas muitas medições, a rota estava sendo programada e os chefes dividiam seu pessoal em grupos. Era como uma pausa para respirar antes do salto para o desconhecido.

Harcon ergueu a cabeça e apontou com o queixo para as telas.

— Que é isso? Uma erupção de energia? Não... são várias. E bem próximas.

Ecos energéticos muito fortes numa posição entre a nave e o centro galáctico apareceram na tela de cores cambiantes. Os dois homens ainda estavam contemplando o fenômeno quando os alto-falantes do sistema de comunicação de bordo estalaram e uma voz nervosa exclamou:

— Comandante! Ecos energéticos atípicos vindos do setor vinte e sete! Uma quantidade enorme de estruturas metálicas sem forma definida acaba de sair do espaço linear. Os ecos são muito penetrantes... Parece que os desconhecidos usam propulsores que não foram feitos para o voo linear, mas se destinam a uma dimensão superior.

Uma placa de imagem comum iluminou-se, mostrando o que o pessoal do telerastreamento via nas telas.

Era uma frota gigantesca formada por numerosas cunhas abrindo-se em arco a partir do ponto de reentrada no espaço normal. Parece um feixe de lanças se soltando durante o voo, pensou Harcon von Draimalo. O espaço e sua estrutura tremiam nesse lugar, e os ruídos saídos dos alto-falantes dos detectores transformavam a maior parte dos recintos da nave num verdadeiro inferno acústico.

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Que significava isso?

Saltou da poltrona e voltou correndo para a sala de comando da nave, cujas antenas se voltavam para o palco dos acontecimentos preocupantes, assustadores e nunca vistos. Uma frota gigantesca materializara no centro da galáxia, ou perto dele. De onde vinha? Quem a enviara? E em que lugar atacaria?

Harcon não sabia.

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2

O coronel baixo de cabelos grisalhos parecia ser uma pessoa que tinha muito tempo e uma paciência infinita. Mas quando começou a falar, o interlocutor com que se defrontava — na tela da nave — percebeu que podia ser tudo, menos calmo. Estava exaltado e furioso.

— Ouça, Sparks. — disse em voz baixa. — Preciso falar com o Marechal-Solar Reginald Bell...

O radioperador de uma nave retransmissora desconhecida fez um gesto de pouco- -caso e respondeu sem o maior abalo:

— Quantas pessoas acha que querem falar com o Marechal neste momento, chefe? O coronel não perdeu tempo.

— Cara... o senhor pode achar esquisito, mas o fato é que tenho uma mensagem urgentíssima para Bell. A existência do Sistema Solar pode depender de que ele a receba em tempo.

O coronel falara mais alto e num tom mais enérgico. O radioperador fez uma ligação fora do alcance da objetiva, disse algumas palavras para dentro de seu microfone direcionado e voltou a encarar seu interlocutor.

— Que deseja mesmo, coronel? — perguntou meio confuso. O homem grisalho respirou profundamente e disse:

— Preste atenção... e anote!

— Não é necessário. — respondeu o radioperador e voltou a passar a mão pelo teclado. — Tudo que se fala é registrado. Os gravadores de fita estão ligados.

— Estou numa pequena nave parada perto do centro da galáxia. — berrou o coronel. — Há algumas horas tive oportunidade de ver um cruzador pesado dos aconenses entrar no espaço normal perto daqui e seguir em queda livre na direção da Terra. Como esta nave não transmite mensagens, tudo indica que se trata duma nave- -espiã. No momento em que ia tentar a aproximação para verificar, aconteceu uma coisa que Reginald Bell deve estar muito interessado em saber.

O radioperador olhou para os lados e disse em tom delicado:

— Naturalmente, o Marechal-Solar Bell. O comandante em pessoa será...

O coronel grisalho interrompeu-o. Berrou tanto que fez tilintar os alto-falantes da sala de rádio da nave desconhecida. Bell não poderia deixar de ouvir isso.

— Reginald Bell! Marechal-Solar! Trago uma notícia importantíssima. Ouça-me. Esse radioperador ignorante não quer transferir a ligação.

Estava respirando profundamente, com o rosto vermelho, quando ouviu a voz de Bell:

— Quem está gritando desse jeito?

— Alguém, senhor. — respondeu o radioperador com a calma de um homem completamente exausto, que está sentado no mesmo lugar há horas ou até dias, tentando satisfazer todos os parceiros. — Alguém que afirma ter uma notícia de importância vital para o governo.

Depois disso a voz cansada de Bell se fez ouvir.

— Transfira a ligação. Depressa! Talvez seja mesmo importante. — Naturalmente, senhor.

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O radioperador mostrou-se resignado ao ver o sorriso furioso do homem grisalho. Quase no mesmo instante o busto de Reginald Bell ocupou quase toda a tela. O coronel controlou-se e começou a falar.

— Senhor. — disse. — Hoje, que é o dia quinze de junho de 3.438, detectei uma nave aconense que, segundo parece, faz radio espionagem nas proximidades do centro galáctico. Trata-se de um cruzador pesado cujo nome não conheço. Mas o mais importante não é isto. Há pouco saíram do espaço linear quantidades gigantescas de objetos metálicos das formas mais variáveis.

Bell mostrou-se interessado.

— Acha que podem ser coletores, coronel? O homem grisalho acenou com a cabeça.

— Acho, sim. Minha seção de rastreamento o informou que teríamos de estar mais perto do ponto de saída para podermos saber exatamente quantos são os objetos e qual o volume das energias liberadas. Meu pessoal acha que podem ter sido cerca de cem mil unidades que apareceram de repente por aqui. Alguém afirmou que as energias detectadas correspondem às dos propulsores dimesexta, mas não acredito nisso.

— Pois eu acredito. — respondeu Bell. — Combatemos uma frota de cerca de sessenta mil coletores com seus inúmeros vassalos e chegamos a dizimá-la. É bem provável que as unidades detectadas pelo senhor façam parte de mais uma onda de invasores cappins que pretendem destruir o Sistema Solar. Que mais descobriu?

O coronel refletiu um instante. Falara com Reginald Bell, que se encontrava a bordo da Intersolar, defendendo a Terra na qualidade de chefe da frota metropolitana.

A situação na galáxia habitada pelos homens e principalmente nos setores adjacentes à Terra era bastante confusa. Contingentes terranos acorriam de todos os pontos da galáxia para participar da luta. Vascalo, o Torto, que comandava a massa cada vez mais reduzida de coletores, só escapara à destruição porque toda vez que os terranos vinham de todos os lados para acuar o núcleo da frota de coletores, bastante danificado, entrava no espaço linear para voltar ao espaço normal alguns minutos-luz ou horas-luz mais perto do Sol. Isso representava uma vantagem para os terranos. As construções metálicas destroçadas eram deixadas para trás e não perturbavam a luta. O espaço estava salpicado de destroços que se deslocavam lentamente em direção a várias concentrações de matéria e seriam consumidas em algum sol não se sabia quando, dentro de alguns meses ou anos.

— Compreendi, senhor. — disse o coronel em tom enfático. — Meu setor de rastreamento acaba de fazer a contagem de um quilômetro cúbico de espaço e somou o resultado. Chegamos quase exatamente a noventa mil coletores que há pouco materializaram em nossa galáxia com seus propulsores dimesexta.

— A ordem dada por Vascalo por meio do controle final não deve ter produzido o resultado desejado. — respondeu Bell em tom preocupado.

O coronel grisalho interrompeu-o com um gesto nervoso.

— Parece que depois de terem entrado numa área que não conhecem têm de fazer uma pausa para orientar-se. No momento estão se espalhando, mas formam grande número de cunhas cujas pontas se voltam aos poucos para a posição do Sol. Eis aqui as imagens.

O coronel mudou a ligação e Reginald Bell viu na sala de comando da Intersolar as imagens que se encontravam à frente do coronel. A grande frota de coletores sem dúvida levaria alguns dias para chegar perto de Vascalo, o Torto. Devia ter havido um erro na

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transmissão ou na interpretação da ordem. Dezenas de milhares de anos-luz separavam o lugar em que os cappins lutavam com os terranos do centro galáctico.

Os filmes e fotos foram sendo passados. O coronel voltou a mudar a ligação.

— Falei em linguagem clara apesar de saber que o aconense pode ouvir-me, senhor. — disse. — Fiz isto por achar que a invasão dos cappins apoiada pela frota de coletores representa uma ameaça para toda a galáxia, não apenas para o Sol e os terranos.

— O senhor tem razão, coronel. — disse Bell em tom enérgico. — Faça o favor de seguir o aconense e os coletores a uma distância adequada. Assim que houver alguma novidade, entre em contato com minha nave pela faixa da frota. Será colocado em contato diretamente comigo.

O coronel fez um gesto de cumprimento. — Final. — disse Bell.

A comunicação, que por causa da grande distância não fora nada satisfatória, foi interrompida. Perto do centro galáctico, mas a muitos anos-luz do anel de hidrogênio, havia naquele momento pelo menos três parceiros importantes do jogo mortal.

Uma pequena nave terrana... Um cruzador pesado aconense...

E uma frota de noventa mil coletores cheios de vassalos, que esperavam as ordens de Vascalo, o Torto, para aproximar-se do alvo.

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3

— Compreendeu bem, comandante? — disse Baar em voz baixa.

A impressora de alta velocidade do aparelho automático já imprimira o texto captado pela nave aconense, enquanto os alto-falantes tinham transmitido a troca de impressões de Bell e do coronel grisalho.

— Compreendi. E muitas perguntas que tinha em mente foram respondidas de repente. — disse o aconense em voz baixa.

Percebeu que começava a sentir-se inseguro. Inseguro num ponto determinado. Tudo que tornasse possível a destruição da Terra representava uma vantagem para ele e os aconenses. Logo, deviam ficar satisfeitos com a invasão dos coletores... mas se o perigo por ela representada também se estendesse a outros grupos de força da Via Láctea, ela também traria a eliminação daqueles grupos que já não colaboravam estreitamente com o Sistema Solar. Havia por exemplo o Império de Dabrifa, a União Centro-Galáctica e a Liga Carsualense. Se bem que Dabrifa mudara de nome e a forma de governo — o antigo império passara a chamar-se de Federação Galáctica Normon. De qualquer maneira... o perigo também acabaria alcançando os reinos dos aconenses e os membros do Comando Energético. Tudo isto o nobre aconense percebeu nos minutos que passou refletindo em silêncio, com o texto da mensagem captada entre os dedos.

Levantou a cabeça e dirigiu-se a Baar.

— A nave terrana é muito pequena. Não representa nenhum perigo para nós.

— Podemos dar-nos ao luxo de ignorar esse terrano. — sugeriu Baar. — Mesmo que acompanhe nossos movimentos, não descobrirá nada.

Harcon deu uma risadinha, pondo à mostra duas fileiras de dentes brancos muito bem cuidados. Levantou e disse:

— O coronelzinho deve pensar a mesma coisa de nós. Vamos ignorar-nos uns aos outros. Mas não podemos ignorar os coletores. Hum... Quer dizer que vieram de outra galáxia e preparam uma invasão.

— Uma invasão que acabará atingindo os planetas aconenses. — observou Baar em tom seco. — Que pretende fazer, comandante?

Harcon von Draimalo não precisou refletir.

— Vamos dar uma boa olhada no inimigo que dizem ser inteiramente robotizado. — disse. — Vamos para lá.

Harcon apontou para as radio telas, referindo-se às cunhas que se espalhavam cada vez mais, com as pontas paralelas. O conjunto parecia um cardume de peixes carnívoros, que só tinham um objetivo: um objeto vagando no espaço, contra o qual queriam investir. A imagem relativamente pequena bastava para fazer os aconenses tremer de medo.

— Nas próximas horas poderei ser encontrado na sala de comando. — disse Harcon. — Continuaremos nosso trabalho como se os coletores não existissem. Recebemos ordem de verificar o que está acontecendo em torno da Terra e é o que faremos, aconteça o que acontecer.

Baar compreendeu.

Seguiu seu jovem comandante com os olhos enquanto ele saía, entrando no corredor e percorrendo a pequena distância que o separava da sala de comando. Dali a pouco as máquinas superpotentes da nave aconense foram ligadas. A nave acelerou enquanto se

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afastava na direção em que ficavam os coletores, para depois de algum tempo desaparecer no espaço linear.

A nave terrana seguiu-a. Passaram-se algumas horas.

As equipes trabalhavam sem parar. Finalmente, depois que tinham sido interpretadas cerca de mil mensagens vindas das posições mais diversas assinaladas no mapa estelar de rádio, a tela do sistema de bordo acendeu-se à frente do comandante. Harcon estava sentado em sua poltrona pesada, acompanhando a manobra da nave que se aproximava do destino. A bordo da nave reinava um silêncio carregado de tensão. Um ligeiro nervosismo espalhou-se entre os tripulantes.

O busto de Baar apareceu na tela.

— Comandante. — disse o oficial. — Concluímos a análise. Quer ouvir?

Harcon acenou com a cabeça. Não disse uma palavra. Girou os botões de regulagem do alto-falante. Dali a instante a voz do encarregado de rádio encheu a sala de comando.

“A maior parte das mensagens é formada por três partes diferentes, entre as quais existe certa ligação.

A primeira coisa que nos chamou a atenção foram os pedidos de socorro de Reginald Bell, Julian Tifflor e Deighton. São dirigidos a todos os habitantes da Via Láctea que são de origem terrana ou podem ser considerados amigos do planeta Terra. Pede-se que compareçam nas proximidades do Sistema Solar, para repelir uma invasão que deverá estender-se a toda a galáxia.

Em segundo lugar:

Bell anuncia ininterruptamente a posição em que se desenvolvem as operações de defesa, e suas observações pessoais. As transmissões são quase todas automáticas e são repetidas constantemente em tudo quanto é faixa de frequência. Uma das mensagens automáticas é transmitida na faixa da frota terrana em linguagem não cifrada. Dirige-se a todas as unidades armadas dos terranos, onde quer que se encontrem no momento. Diz que as naves devem ser equipadas e tripuladas para decolar imediatamente, dirigindo-se ao destino a fim de participar da luta sob as ordens do comando da Intersolar. Luta-se contra máquinas, robôs, e por isso pode-se agir sem a menor contemplação.

Terceiro:

As naves respondem, anunciando sua prontidão, às vezes indicando-se pelos nomes e respectivas bases estelares, dando a posição ou anunciando sua chegada. Constantemente chegam consultas dos estados-maiores dos principais grupos de forças terranos. No momento tem-se a impressão de que Normon, Carsual e União ainda têm suas dúvidas. Não sabem se devem mandar uma nave de guerra que seja. Acham que tudo talvez não passe dum estratagema de Rhodan, que quer unir os descendentes dos terranos criando a ilusão dum perigo maior. Eis a interpretação, comandante.”

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— Excelente. Os grandes grupos de forças estão na mesma situação que nós. Não têm certeza de onde está o grande perigo. É exatamente o que verificaremos dentro de alguns minutos. A nave vai voltar ao espaço normal.

A Hassata saiu do espaço linear.

Por alguns segundos todas as telas ficaram acesas.

Em seguida os pesados propulsores frearam a velocidade de entrada. — Não pode ser! — gritou um homem sentado junto ao console do piloto.

O espaço que cercava a Hassata estava repleto de estruturas de aço. As máquinas da nave foram ligadas, esta descreveu um círculo fechado e voltou a afastar-se da massa de coletores enquanto as câmeras automáticas entraram em funcionamento. Nenhuma forma parecia impossível, todas elas, por mais bizarras que fossem, foram fotografadas. Estava havendo o impacto de duas civilizações completamente diferentes desde as bases. Com as tampas de regulagem bem abertas, a nave subiu quase na vertical em relação ao plano de rotação da galáxia.

— São os coletores. — um dos numerosos grupos em forma de lança — disse Harcon enquanto se forçava a ficar calmo. O perigo representado pela formação deixara- -o profundamente abalado; mexera com seus sentimentos. Já tinha uma ideia mais clara do que estava reservado aos povos da galáxia.

— Afaste a nave o mais depressa possível destas... destas coisas! — ordenou em tom enérgico.

Os dedos do piloto passaram voando pelo teclado da direção.

A nave acelerou, mudou de direção, adaptando-a à de um dos grupos que se deslocava em alta velocidade e saiu lateralmente de sua trajetória enquanto aumentava de velocidade e acabou fugindo.

— Já sei o motivo desse pânico que parecia tão estranho. — disse Harcon em voz alta.

— Os terranos não usaram nenhum truque. É mesmo a invasão.

Um dos pilotos virou-se ligeiramente na poltrona, encarou o comandante com uma expressão pensativa no rosto e começou a falar devagar:

— O senhor está pálido. Não se sente bem?

Draimalo respondeu em tom mais áspero do que pretendera:

— O senhor se sente bem, Kriff, ao ver essa massa de técnica ameaçadora? Noventa mil unidades. Se Bell não mentiu, para o que não tinha motivo, estão recheadas daquelas máquinas chamadas de vassalos, que por sua vez possuem muita mobilidade e são perigosas. Que nem os barcos espaciais duma grande nave.

— Compreendi. — respondeu Kriff com a voz apagada. Percebeu, tal qual as outras pessoas que se encontravam na sala, que os acontecimentos começavam a mudar seu comandante, que conheciam e apreciavam como homem inteligente, controlado e duro. Não que suas ideias tivessem mudado, mas ele percebera que se defrontavam com uma ameaça final. Por enquanto era a Terra que corria perigo — amanhã podia ser o Sistema Azul. A mudança de atitude não precisava de nenhuma motivação psicológica. Os coletores eram a melhor prova. Num instante a tripulação da nave compreendera toda a extensão do perigo vindo de outra galáxia. Peças gigantescas, parecidas com naves destroçadas cuidadosamente trabalhadas, ou com formas ainda mais esquisitas, seguiam para novas posições, desenvolvendo mais de cinquenta por cento da velocidade da luz. As pontas eram voltadas como um sem-número de dedos afiados em garra para os sóis e planetas do respectivo setor.

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Harcon respondeu:

— Ainda não. Primeiro vamos levar nossa nave para longe do perigo. Estamos muito perto dos grupos.

— Entendido. Só vai demorar alguns segundos. Naturalmente os fortes campos defensivos da nave tinham sido ativados antes que esta voltasse ao espaço normal.

À medida que se afastavam das doze fileiras principais de coletores, melhor viam as massas metálicas. Por que essas formas? Por que uma quantidade tão grande? Será que havia nos gigantescos recipientes tripulações vivas ou tropas de desembarque robotizadas? Não havia como descobrir.

— Fogo!

— Estão atirando... de repente! — Sem aviso...

De repente a Hassata foi bombardeada de dez direções diferentes. O espaço estourou numa massa de descargas de fogo. Os campos energéticos resistiram enquanto os fluxos de destruição descreviam círculos em torno da nave. A velocidade voltou a aumentar e o piloto fez a nave descrever uma espiral irregular, uma rota de fuga. De repente a nave sofreu o primeiro impacto. O casco tremeu. De repente o jovem nobre sabia muito bem o que tinha de fazer.

O segundo impacto.

Alarmes uivaram em todos os cantos da nave. Harcon pegou o microfone, arrancou a cobertura dum grande botão vermelho e gritou:

— Atenção, todo mundo. Colocar trajes de proteção pesados. Alarme grau vermelho!

Só uns poucos homens cuidavam da rota da nave enquanto armários eram abertos violentamente. Quando o terceiro impacto forte fez tremer a nave, mais de metade da tripulação já tinha colocado os campos de proteção e ligou os campos defensivos individuais.

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4

— Está brincando! — Bell saiu da poltrona surpreso e fitou o radioperador com uma expressão de perplexidade. — Um aconense?

O radioperador parecia ofendido.

— Não conheço a árvore genealógica do cavalheiro, mas é bom que o senhor mesmo veja, senhor!

A imagem projetada na tela mudou de repente. Em meio às linhas trêmulas das interferências, que eram a melhor prova de que era o transmissor e o receptor havia uma distância enorme, tal qual acontecera há pouco, quando tivera a conversa com o coronel grisalho, Reginald Bell teve a surpresa tremenda de ver um aconense. Estava enfiado num traje de combate pesado, com o capacete jogado para trás. Bell viu o interior de uma sala de comando cheia de nuvens de fumaça negra. Havia alguém tossindo nos fundos da sala.

Bell obrigou-se a encarar o problema com toda calma. Depois de meio segundo de espanto perguntou:

— O senhor é mesmo um aconense?

O homem de cabelos castanho-escuros acenou com a cabeça e respondeu.

— Sou. Meu nome é Harcon von Draimalo. Estou falando com o Marechal-de- -Estado Bell?

— Está, sim — disse Reginald Bell. — É bom que saiba que estou espantado. O senhor deve ser o comandante da nave que...

Harcon fez um gesto de pouco-caso e disse:

— Tudo isso já sabemos, Marechal-de-Estado. Minha nave está sofrendo um bombardeio cerrado dos coletores. Usam armas que rompem nossos campos defensivos sem dificuldade. Estamos fugindo. Ainda temos uma chance.

— Canhões duplicadores. — confirmou Bell. — É como chamamos estas armas. O senhor se refere aos coletores?

— É bom que fique prevenido, Bell. Até aqui eu desempenhava uma tarefa que não o deixaria muito alegre se soubesse...

A imagem tremeu. Ouviram-se gritos. Comandos soaram. Parecia que a nave fora atingida de novo.

— ...já não é necessário. Não precisamos pesquisar mais nem voar para o Sistema Solar. Vi aqui mesmo que as mensagens e os pedidos de ajuda militar dos terranos correspondem à verdade. Um perigo tremendo aproxima-se de todos nós... vinte mil coletores.

— Quer dizer que já sabe por que queremos ajuda. — disse Bell. — Que pretende fazer?

O aconense respondeu em tom inabalável:

— Avisarei todos aqueles com quem ainda possa entrar em contato. Os coletores seguem em direção ao Sistema Solar.

— Era o que eu esperava. — confessou Bell. — Mas acho que ainda terei alguns dias nos quais poderão vir outras naves de guerra.

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— Quer dizer que o senhor está ciente. — disse Harcon von Draimalo em voz alta. — Sabe o que está acontecendo. Avisarei todo mundo. Tenho certeza de que todas as raças da Via Láctea se unirão para enfrentar os robôs invasores.

Bell levantou a mão em resposta ao cumprimento do aconense.

— Felicidades. — e trate de levar sua nave a um lugar seguro. Obrigado pelo aviso. O aconense acenou com a cabeça. Neste instante a ligação foi interrompida. O radioperador avisou que o contato fora perdido. Bell agradeceu e virou-se mais uma vez.

— Senhores. — disse em voz baixa enquanto não tirava os olhos das telas. — Acabamos de assistir a um acontecimento histórico. Mas será um caso isolado. O aconense percebeu claramente as necessidades do momento. Continuaremos como antes, lutando contra os coletores de Vascalo, o Torto. A propósito... Sala de rádio!

A sala de rádio respondeu imediatamente. — Senhor?

— Preciso com urgência de uma ligação com Marceile, que se encontra na estação de Ovaron na lua de Saturno chamada Titã. Faça o favor de avisar-me assim que a ligação tenha sido completada.

— Naturalmente. Serão só alguns instantes. Enquanto Bell esperava e suas naves se preparavam para outro ataque, Harcon von Draimalo fez o que tinha resolvido.

Depois que seu cruzador pesado foi bombardeado de repente sem aviso, o nobre mudou de ideia. A nave sofreu quatro impactos, mas parecia que conseguira fugir de junto dos coletores. Todos os hipertransmissores tinham sido ligados na potência máxima.

Os tiros dos coletores explodiam ininterruptamente em torno da nave. Quando não atingiam o campo defensivo em cheio, ele resistia ao impacto. Todos os tripulantes estavam enfiados em trajes de proteção pesados. Harcon von Draimalo ficou sentado à frente dos microfones, gritando suas informações e advertências.

Dois ou três transmissores funcionavam na faixa secreta, que o mantinha em contato com o Sistema Solar.

Outros transmissores tinham sido ajustados para outros pontos do Império Aconense. Em toda parte as transmissões eram recebidas sem problemas.

O aconense deixou claro que a tarefa da nave-espiã mudara de repente, ou melhor, que fora suspensa.

Sem pedir permissão ao governo ou a seus superiores do Comando Energético, Harcon contou o que tinha acontecido.

Sem afastar-se da verdade relatou a situação, em tom cada vez mais insistente. Enquanto falava, seu piloto afastava a nave das ondas de choque dos coletores. Alguns exemplares grandes separaram-se das fileiras de veículos bizarros, saindo lateralmente da trajetória. Enquanto entravam numa rota que sem dúvida os levaria para perto da nave que fugia a três quartos da velocidade da luz, eles disparavam seus canhões duplicadores.

— Comandante! — gritou o piloto.

Harcon virou a cabeça e viu uma quantidade incrível de objetos voadores pequenos saindo dos flancos dos gigantescos coletores. Eram os chamados vassalos, conforme dissera o coronel terrano.

— Estou vendo. — disse em voz baixa.

Parecia ter sido uma operação curta. Os vassalos passaram à frente dos coletores e também começaram a disparar. O espaço ficou incandescente em torno da Hassata, e raios gigantescos batiam silenciosamente nos campos defensivos.

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O nobre continuou a relatar a situação, sem dar atenção às telas. Esqueceu a pequena nave terrana. De vez em quando olhou para o relógio. Queria saber quando sua nave podia fugir para o espaço linear.

— Faltam vinte segundos! — gemeu um dos homens. Harcon não parava de falar.

Não esperava resposta.

Para ele o importante era que o maior número possível de seres da Via Láctea conhecesse o perigo que se aproximava vertiginosamente da área periférica da galáxia. Neste momento os sinais luminosos de seu console mostraram que a maior parte das antenas se tinham derretido.

Harcon levantou o braço e gritou: — Iniciar manobra linear!

O piloto não perdeu tempo.

No instante em que a nave ia sair do espaço normal, a nave sofreu cerca de cinquenta impactos ao mesmo tempo. Um monte de destroços atravessou o espaço girando. Fragmentos de metal incandescente espalharam-se por todos os lados. A nave do pequeno terrano grisalho esperava numa distância segura. Só saiu de trás do bólido onde se abrigara depois que os vassalos voltaram a ser recolhidos pelos coletores. Dirigiu-se ao lugar em que a nave aconense balançava numa espiral alongada. Um rastro de destroços marcava a trilha.

(17)

5

Bell usou mais de cinquenta mil unidades no ataque. Depois de falar com Marceile, que transmitiu as notícias mais recentes a Ovaron e Rhodan através do rádio dakkar, Bell resolveu responder ao novo ataque de Vascalo. De qualquer maneira só seriam destruídos robôs.

— Qual é nossa posição? — perguntou Bell.

— Estamos quase exatamente a doze anos-luz do Sol. Pode haver alguns dias-luz de diferença, senhor.

Bell acenou com a cabeça e disse em voz baixa, como se falasse consigo mesmo: — Esta distância me deixa um pouco mais tranquilo. Os noventa mil coletores estão entrando em formação. Levarão mais alguns dias. Ainda nos aproximaremos mais um pouco do Sol antes de dizimar as forças de Vascalo.

— Entendido, senhor. Vamos ao ataque? — Vamos ao ataque! — confirmou Bell.

As duas frotas aproximaram-se em alta velocidade pelo espaço vazio. Via-se perfeitamente que os terranos tinham feito um estrago terrível entre os coletores. A frota vinda da galáxia Gruelfin encolhera bastante e mostrava os sinais de uma luta prolongada, que deixara suas marcas em Vascalo, da mesma forma que em Bell e seus companheiros.

As salvas dos canhões terranos voltaram a ser disparadas num ritmo regular.

Como das outras vezes a maior parte dos tiros perdeu-se nos campos defensivos dispostos em malha fina. Os canhões duplicadores dos takerers, ou melhor dos coletores fortemente armados, obrigaram os terranos a recuar. Houve grandes perdas de ambos os lados, mas os terranos estavam impacientes e dispostos a assumir riscos. Suas naves atacavam sem parar e usavam todo o poder de fogo dos canhões automáticos.

Uma batalha violenta foi travada a doze anos-luz da Terra.

Um caos de sucata e coletores explodindo, de vassalos incandescentes colidindo, uma batalha que pôde ser acompanhada em quase todos os lugares do Sistema Solar graças à troca de mensagens de hiperrádio. Os terranos agiam sem contemplação, mas não se descuidaram. Faziam avanços-relâmpago com as naves formadas em cunha, abriam trilhas e recuavam instantaneamente assim que os coletores se agrupavam para o contra-ataque. As máquinas, que não tinham nada a perder, que não conheciam o medo de morrer nem possuíam o instinto humano da auto conservação, eram incapazes de avaliar quando se colocavam numa posição insustentável.

Bell dava comandos sem parar, dando a impressão de estar em vários lugares da Intersolar ao mesmo tempo. Era incansável.

Fez uma descrição da luta a Marceile. As cinquenta mil unidades investiam sem parar contra os robôs.

Cada vez que isso acontecia um setor espacial gigantesco parecia incendiar-se, brilhando em todas as cores. Num branco cor de cal, num azul cintilante duro, com aspecto malvado, num verde trêmulo e em véus multicores, quando as energias eram desviadas para o hiperespaço. Parecia que nestes lugares o cosmos tremia que nem um mar em cujo fundo se verificassem gigantescas erupções vulcânicas.

Foi um ataque impiedoso, e não menos impiedosa foi a defesa dos terranos, que viam seu último reduto, o Sistema Solar, exposto a um perigo iminente.

(18)

Mas o conflito permanente também deixara suas marcas em Vascalo, o Torto, uma mutação de cappin que era parente do Tachkar. Sentia-se esgotado e só continuava na luta porque sabia que os reforços não demorariam a chegar, em forma de noventa mil coletores.

Cerca de cento e cinquenta mil objetos voadores dessa espécie tinham partido de Gruelfin, depois que Vascalo conseguiu impor sua vontade aos coletores através do acionamento do comando final.

A primeira onda de ataque era formada por cerca de sessenta mil deles.

Depois chegaram outras unidades em grupos pequenos, uns quatro ou cinco mil, que se juntaram à segunda onda. E agora havia mais noventa mil dirigindo-se ao local dos combates.

Isto significava que a Terra — e toda a Via Láctea, bem como seus planetas e as raças que viviam nela — corriam um perigo grave. Cento e cinquenta mil coletores.

Era uma quantidade imensa...

— Tenho de fazer um esforço enorme para controlar-me. — esbravejou Vascalo. — Noventa mil coletores... Soube pelo rádio e através do sistema de comunicação dakkar.

Um dos takerers que estavam perto dele disse:

— Noventa mil coletores! Se estivessem aqui agora, varreriam os terranos do espaço. Mas primeiro têm de chegar ao centro desta galáxia.

Vascalo esmurrou o console, num gesto de raiva impotente. Dormira pouco e mal e estava para perder o controle dos nervos.

— Estão muito longe! — gritou.

Alguém tentou consolá-lo em voz baixa:

— É claro que os comandos já foram ativados. Os coletores passarão a deslocar-se imediatamente em alta velocidade e não demorarão a chegar.

— Aí talvez seja tarde. — exclamou Vascalo.

Por um instante viu o rosto refletido numa tela apagada e assustou-se. “Devo controlar-me!” — pensou e obrigou-se a ficar calmo.

— Que posso fazer? — perguntou.

— Terminar o ataque e iniciar uma retirada estratégica. — respondeu alguém. — Temos de manter afastados os terranos e obrigá-los a se separarem.

— Isso mesmo!

A situação não era boa. Os contingentes takerers continuavam sendo dizimados. Desde que descobriram que lutavam somente com máquinas, os terranos se tornaram mais implacáveis. Enquanto não chegassem as noventa mil unidades, Vascalo era obrigado a não expor suas últimas reservas — um grupo de coletores grandes com armamentos superpesados. Deu ordens e mais uma vez suas unidades desapareceram no espaço linear.

A fuga e a perseguição.

As imagens da luta podiam ser vistas em toda parte. Quando os coletores de Vascalo, obstinadamente perseguidos pelos terranos, se puseram em fuga e foram desaparecendo da tela, Edmond Pontonac, que se encontrava na estação de Ovaron em Titã, reduziu o volume do receptor e disse em tom calmo:

— Vamos fazer uma pausa, Marceile. Que tal um café e alguns sanduíches?

A moça, que descendia do povo dos takerers, mas já se sentia como uma ganjásica e assim gostava de ser chamada, acenou com a cabeça, enxugou o suor da testa e disse:

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As naves-patrulha tinham sido retiradas. Corriam pelo espaço, nos lugares em que os repórteres tinham colocado suas câmeras automáticas.

Pontonac apertou o botão, fez o pedido e disse:

— A estação de Ovaron é muito velha, mas ainda serve para alguma coisa. É um lugar bom para se ficar, serve de base de comunicações e finalmente nem mesmo Ovaron conhece todos os segredos técnicos que existem aqui. Tenho certeza de que não são poucos.

— Também acho. — disse Marceile.

Todos desejavam ansiosamente um pouco de paz, mas o destino parecia ter-se voltado contra eles. Depois que a nave-patrulha recolhera Pontonac no planeta desértico, ele voltara ao seu posto de comandante militar de Titã como se nada tivesse acontecido. Mas passara a carregar constantemente conjuntos sobressalentes de suas próteses de aço.

Marceile apontou para a parte frontal do transmissor dakkar.

— Ainda bem que temos contato com Rhodan e Ovaron. À medida que a situação em Gruelfin se estabiliza a favor de Ovaron, os terranos são cada vez mais acossados.

— Em toda moeda existem duas faces. — observou Pontonac em tom irónico. — O que representa a coruja para um, para outro pode ser o rouxinol.

— A utilidade do rouxinol limita-se ao belo canto, enquanto a coruja simboliza a sabedoria. — respondeu Marceile prontamente. — Por isso prefiro a coruja.

Pontonac colocou a mão sobre seu braço e apontou para a mesa, onde o robô estava servindo os alimentos e as bebidas encomendadas.

— Mas nem por isso se deve desprezar um canto de vez em quando. Principalmente quando sai duma laringe bem treinada.

— Sem dúvida! — suspirou a moça.

Neste instante ouviu-se um zumbido agudo, uma tela iluminou-se e um alto-falante soltou um estalo. Marceile encolheu-se nervosamente. Pontonac tentou acalmá-la.

— Fique calma... só é uma notícia alarmante!

Apertou a tecla de resposta. O rosto de um dos radioperadores apareceu no pequeno monitor.

— Senhor. — disse este em tom apressado. — Galbraith Deighton acaba de chamar. Quer falar com o senhor. Diz que é urgente. Posso transferir a ligação?

— Transfira! — respondeu Edmond laconicamente e abriu os braços. — Estou preparado para o que der e vier. Parece que o primeiro-mecânico emocional quer alguma coisa de mim. Tomara que não tenha esquecido suas ferramentas de mecânico.

— Não esqueceu. — disse a voz de Deighton antes que a imagem aparecesse na tela. — Tenho uma missão importante para o senhor, coronel.

— Tomara que seja uma que eu possa cumprir sentado e sem sair daqui. — respondeu Edmond sem demonstrar muito respeito.

— Acho que não é. — respondeu Deighton. — O senhor deverá ir a Dabrifa, ou melhor a Normon, como embaixador da Terra. Está com a escova de dentes ao alcance da mão?

Pontonac suspirou. As ondas da invasão já estavam atingindo a fortaleza de Ovaron, que até então ficara no esquecimento.

— Faça o favor de explicar! — disse e lançou um olhar triste para Marceile, que estava servindo o café.

Deighton começou a falar. A cada segundo que passava a proposta de Deighton tornava-se mais interessante para Edmond Pontonac.

(20)

6

O chefe da Segurança do Império Solar contemplou Edmond Pontonac com certa benevolência. Depois da aventura que tivera com Vascalo, o Torto, que encarnava em sua pessoa o perigo que ameaçava a Terra, mais precisamente, depois da salvação do corpo de Ovaron, e também de seu espírito e inteligência, as pessoas que cercavam Deighton pareciam ter reconhecido que um homem com as qualificações de Edmond não devia ficar preso num posto em Titã.

— É uma missão importante. — disse Deighton. — O senhor deve saber quais são nossas chances, uma vez que está em companhia da senhorita Marceile.

Edmond acenou com a cabeça. Por mais reservada que fosse sua atitude, a expressão de seu rosto ainda era amável.

— Serão poucas, depois que os novos coletores tiverem aparecido perto das unidades destroçadas de Vascalo. — respondeu.

— Isso mesmo. — suspirou Deighton. — Quer dizer que precisamos de ajuda militar. Temos três aliados em potencial na galáxia: a Federação Galáctica Normon, a União Centro-Galáctica e a Liga Carsualense. Como os coletores não ameaçam apenas a Terra...

— Um nobre aconense chegou à mesma conclusão. — interrompeu Marceile.

— ...teremos de convencer estes impérios ou os respectivos governos, de que ajudando a Terra estarão ajudando a si mesmos. Acabo de enviar uma nave, Coronel Pontonac. Trata-se dum cruzador pesado supermoderno chamado Dara Gilgama. Deverá chegar dentro de uma hora. Fará sair um barco de transporte para recolher o senhor. Tenho certeza de que usará todos os recursos que lhe acorrerem. Combinado?

Pontonac confirmou.

— Quanto tempo durará a missão?

Deighton ergueu os ombros num gesto de indecisão e teve a atenção distraída momentaneamente por um homem que lhe entregou a mensagem. Deighton leu a mensagem, levantou os olhos e respondeu:

— Pelos meus cálculos serão quinze dias. Juntamente com a Dara sairão algumas naves cargueiras de alta velocidade com alguns milhões de faixas dakkar. Será um presente pessoal seu a Normon, ZGU e Carsual.

— Só fiz a pergunta. — respondeu Pontonac — porque o pessoal aqui é de opinião de que, por causa dos inúmeros equipamentos técnicos instalados nesta estação, no caso duma invasão que chegue próximo à Terra, aqui também não se poderá dispensar nenhuma cabeça, ainda mais as dos especialistas que sabem lidar com os sistemas de abastecimento de energia em Titã. Não nos sentimos muito à vontade.

Deighton não concordou.

— Se as frotas dos três impérios vierem para cá, não demoraremos em destruir os robôs. Dessa forma teremos tropas suficientes para proteger nossas luas e planetas contra eventuais tumultos.

— Está bem, senhor. — disse Pontonac. — Vou para casa arrumar o que preciso levar. Estou à sua disposição. Sinto ter de deixar Marceile só num lugar como este.

(21)

A ligação foi desfeita. Pontonac segurou o grosso caneco térmico. Tomou um grande gole de café, acendeu um cigarro e soprou a fumaça em direção aos numerosos instrumentos e controles do transmissor dakkar. Depois de um minuto disse em voz alta:

— Preciso de meu planador junto à entrada, robô.

O gigantesco centro de processamento captou as palavras, trabalhou com as informações e ligou a aparelhagem acústica.

A voz saiu bem nítida do alto-falante:

— O planador logo estará à sua disposição, terrano. — Excelente.

O Coronel Edmond Pontonac era o exemplar típico do homem cuja divisa era ser mais do que aparentava. Sempre se mostrava amável e gentil, praticava uma ironia suave e via, até mesmo nos criminosos graves, sujeitos encantadores, enquanto não tomassem atitudes insolentes. Usava duas próteses nas pernas, que se ligavam à coxa no terço superior e eram abastecidas por uma aparelhagem biopositrônica. A energia para os mecanismos de locomoção era fornecida por baterias de grande capacidade, implantadas embaixo de uma imitação perfeita da pele. O braço direito e a articulação do ombro também eram de aço, cerâmica e plástico. Depois de sofrer ferimentos graves, Pontonac assumira o comando militar de Titã. Como suas tarefas eram quase só administrativas, não tinha motivo para queixar-se de excesso de trabalho. Mas de vez em quando sentia saudades de uma pequena aventura. Uma delas fora a caçada sobre o planeta desértico. Agora tinha pela frente mais uma, e isso parecia deixá-lo contente.

Dirigiu-se em voz baixa a Marceile.

— Espero poder reatar dentro de pouco mais de quinze dias as conversas longas e agradáveis que tivemos. Passe bem, moça. Não exagere no trabalho. Um dia a paz voltará a reinar no sistema e então nos encontraremos em Terrânia City, no Spaceport Hotel, para tomar um conhaque.

Marceile apertou sua mão e acompanhou-o à saída.

— Cuide-se bem. — disse. — Raramente se pode brincar com um tigre dente-de- -sabre.

Pontonac sorriu gentilmente e respondeu:

— Até se pode cortar o dedo num talo de capim.

Depois percorreu rapidamente o caminho planejado através do desfiladeiro saca- -rolhas e saiu para a pista de planadores. Aumentou a velocidade de seu veículo e chegou à residência pouco antes que o barco espacial pousasse. Tudo que tinha de levar cabia em duas bolsas fechadas com correias. Um robô colocou a bagagem e o traje espacial de Pontonac à frente da casa e carregou-a para o pequeno campo de pouso. Depois disso Edmond ficou na cabine do controle espacial, esperando o pouso do barco enviado pela Dara Gilgama.

O homem que estava de serviço na cabine semi-escurecida dirigiu-se a Pontonac. — A situação parece confusa e perigosa, coronel.

Pontonac olhou para baixo através da vidraça inclinada. Viu o robô parado ao lado de sua bagagem, iluminado pela luz dos refletores.

— De fato. — disse. — Mas a Terra já enfrentou algumas tempestades do ano dois mil para cá. E será capaz de enfrentar mais algumas.

Luzes acenderam-se, alto-falantes estalaram e o barco espacial pediu permissão de pousar e a indicação de um lugar na pista. O funcionário de plantão mexeu nos controles com movimentos quase automáticos e disse:

(22)

— Nem precisa desligar as máquinas. O Coronel Pontonac já está à sua espera. Os pedestres ainda são mais rápidos que as espaçonaves.

— Já sei por que Titã costuma ser chamado a luazinha alegre. — disse o piloto do jato espacial.

Pontonac despediu-se e mandou transmitir cumprimentos a seu substituto. Desceu pelo elevador. Atravessou a camada de atmosfera artificial da lua, que como muitas outras coisas era o resultado do campo gravitacional de 1 G, aproximou-se dum robô pequeno e esperou que a eclusa instalada no chão se abrisse.

Dali a pouco o disco voador passou rente à cortina gigantesca do planeta Saturno com seus três anéis e seguiu em linha reta para a eclusa do hangar da Dara Gilgama, que estava aberta. A nave recebera o nome por causa dum oficial-comandante indiano falecido há muito tempo, que em sua época devia ter praticado muitos atos de heroísmo para que seu nome fosse dado a uma nave de quinhentos metros de diâmetro.

Quando Pontonac entrou na sala de comando, os oficiais levantaram. O imediato aproximou-se e Pontonac teve uma surpresa.

— Caryna Nillbaerg! — disse em tom de espanto.

A jovem de cerca de trinta anos acenou com a cabeça e entregou-lhe um envelope fechado com o selo do chefe da Segurança Solar.

— São as diretrizes do voo. — disse. — Alegro-me por ter você como comandante — além de outras delícias.

Pontonac sorriu e disse:

— Os próximos quinze dias prometem ser encantadores. Um instante... Abriu o envelope, leu algumas linhas e voltou a dirigir-se a Caryna.

— Favor seguir uma rota direta de quatorze mil setecentos e setenta e dois anos-luz para o sistema Normon. Partiremos imediatamente.

Caryna sentou e deu as respectivas ordens. Pontonac ficou de pé e, enquanto a nave procurava seu caminho, contemplou o panorama exuberante de Saturno com suas luas e os anéis deslizando em alta velocidade. Os propulsores da Dara foram ligados, a nave entrou na rota e acelerou com a potência máxima. Olhando as telas, tinha-se a impressão de que o planeta com seu sistema planetário em miniatura caía para trás e ia encolhendo. Dentro de alguns minutos a Dara seguiu uma rota que a levou para fora do Sistema Solar.

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7

Era um compartimento com cerca de cinco por cinco metros. Há poucos dias ainda estava cheio de equipamentos. Tinha quatro metros de altura. Barras fortes tinham sido soldadas na escotilha que o separava do corredor. Terminavam num aro de aço redondo que tinha o mesmo diâmetro que o vão da escotilha. Em toda parte viam-se projetores de energia ligados junto às paredes e nos cantos dos compartimentos. Geravam campos energéticos planos, que se estendiam paralelamente às paredes de aço. O Coronel Edmond Pontonac estava ao lado da imediata Caryna Nillbaerg, sacudindo a cabeça. Estava meio perplexo.

— Se não fosse o cargo de Deighton, eu teria dado uma gargalhada. — disse em tom galhofeiro. — Um tigre dente-de-sabre a bordo de uma espaçonave! Seria o cúmulo do anacronismo.

Caryna apontou para o envelope que Pontonac segurava na mão e perguntou: — Você deve ter lido o motivo por que o animal se encontra a bordo.

— Naturalmente. — respondeu Pontonac.

O animal andava à sua frente. Tratava-se de um tigre dente-de-sabre adulto, pertencente à espécie Smilodon, extinta na Terra há vários milênios. Pesava mais de uma tonelada e possuía dois dentes caninos brancos muito afiados. O animal corria de uma parede para outra, batia com as patas assassinas nas placas de aço e recuava sobressaltado toda vez que entrava em contato com um campo energético. O pelo dourado com um desenho marrom-escuro era parecido com uma fileira de olhos interligados. O tigre fitava as duas pessoas com os gigantescos olhos brancos enquanto andava nervosamente de um lado para outro. Não os perdia de vista, por mais que se virasse e jogasse. Bufou e soltou um ronco parecido com um miado prolongado.

— Só observamos duas formas de expressão a partir do momento X. — explicou a oficial. — O tigre fica deitado, nos observando, ou corre nervosamente de um lado para outro dentro da jaula.

— Compreendi. — respondeu Pontonac em tom calmo e delicado.

Há dias um pedotransferidor tentara assumir um dos homens de confiança de Deighton. Tratava-se do tradutor galáctico Serkano Staehmer, um homem magro, de quarenta e oito anos, que dominava cerca de trinta e seis línguas e cento e vinte e oito dialetos. Só por um segundo Serkano tentou pentear seus cabelos louros espessos e tirou a fita dakkar. Fora um lapso de tempo microscopicamente pequeno. Mas antes que o takerer conseguisse instalar-se em sua mente, Serkano voltou a colocar a faixa cor de platina. O pedotransferidor foi repelido e refugiou-se num ordenança que estava entrando naquele instante na residência de Staehmer. O ressoador Hollbeyn, que estava montado, deu o alarme imediatamente. O transferidor recuou quando Staehmer atirou contra a parede, pouco acima da cabeça do ordenança. Como a residência do tradutor galáctico ficava perto do zoológico, não era de admirar que a próxima vítima fosse o tigre dente- -de-sabre. O animal passou a comportar-se que nem um louco. Por isso o zelador o pôs a dormir com uma grande dose de gás narcótico e o takerer ficou preso. Deighton e seus companheiros encarregaram-se do resto. O pseudocorpo pulsante em forma de medusa do takerer foi encontrado a meio caminho entre o zoológico e a residência de Staehmer e isolado por meio de certo número de campos, energéticos de grande potência no plano

(24)

dakkar. Depois os dois objetos achados foram trazidos para dentro desta nave, cuja missão já fora definida. Trancaram-nos e instalaram campos dakkar para evitar que o espírito e a inteligência do takerer voltassem a recolher-se dentro de seu corpo. Eis aí as provas destinadas a Normon, a União Centro-Galáctica e Carsual às quais Deighton e a moça se referiram.

— Naturalmente o cappin que está dentro do tigre sabe que seu pseudocorpo está bem ao lado. Mas não pode fazer nada, nem saltar para trás. O pseudocorpo é uma prova que pode ser examinada. Outra prova pode consistir num encefalograma. Os impulsos do tigre dente-de-sabre sofreram mudanças profundas. São provas que o pessoal de Normon não pode deixar de aceitar.

Pontonac fez um sinal para a moça e deu um passo para trás. A escotilha fechou-se sem nenhum ruído e as câmeras embutidas voltaram a observar o tigre. Da sala ao lado, que não era menos protegida, eram transmitidas imagens da massa pouco móvel, cuja destruição seria a morte do cappin.

— O animal acabará fugindo. — disse Pontonac. — Aí teremos alguns minutos excitantes.

Caryna tirou sua conclusão:

— Geralmente temos mais à frente que atrás de nós, Edmond. Deixando de lado o fato de ter caído a escada hierárquica para cima — como vai?

Os dois se tinham conhecido num curso de treinamento, há dois anos ou mais, no planeta Terra, na mais bela das cidades deste planeta.

A Dara Gilgama entrara no espaço linear antes de sair do Sistema Solar. Percorria o longo caminho para Normon, tripulada por mulheres e homens que sabiam muito bem como era importante a missão que tinham pela frente. De sua atuação dependia em última análise o destino da Via Láctea.

— Quer saber se minhas juntas já ficaram enferrujadas? — perguntou Pontonac, enquanto contemplava o pseudocorpo do cappin numa tela de imagem enorme.

— É mais ou menos isso. — disse Caryna, que era uma das poucas pessoas que não tinham pena de Edmond.

Sabia que a excelente pele artificial dificilmente podia ser distinguida da pele natural, mesmo quando Pontonac estava sentado à beira duma piscina, que as aberturas nas quais eram colocadas as baterias de alta potência permaneciam invisíveis, e que tanto o braço direito como as duas pernas eram mais fortes e funcionavam melhor e com mais velocidade que os músculos normais de um membro controlado por nervos.

— Estou me sentindo muito bem. — disse Edmond. — E sentir-me-ei ainda melhor depois que tivermos concluído a missão. Pelo menos quanto a Carsual, voaremos para dias de insegurança. Não sabemos se nos considerarão uma nave diplomática ou um grupo de espiões terranos. Mas... vamos dar um jeito.

Neste momento ouviu-se o zumbido do intercomunicador. — Pontonac! — respondeu Edmond.

— Sala de comando falando, senhor. Poderia fazer o favor de vir para cá? Precisamos de diretivas para a entrada no sistema.

Pontonac acenou com a cabeça e respondeu: — Irei em seguida, amigos.

Apertou ligeiramente o cotovelo de Caryna e subiu com ela na esteira rolante de alta velocidade do corredor principal da nave. Dali a alguns minutos entraram na sala de comando, onde reinavam a calma e a ordem dum voo normal em alta velocidade.

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Pontonac discutiu as diretivas com os oficiais. Durante a discussão eram consultados os bancos de dados dos computadores de bordo e as regras formuladas por Deighton.

Para cada missão diplomática tinha sido fixado um prazo de quatro ou cinco dias. Além disso... Em vez de enviar um político profissional ou até Roi Danton, Deighton preferira um homem prático. Como Pontonac podia exibir seus ferimentos a qualquer momento, seria considerado um homem gravemente ferido e como tal lhe seria dispensado um tratamento muito melhor que a um homem sadio.

Os dias foram passando.

A nave correu pelo espaço linear, vencendo um ano-luz após o outro. Pontonac e Caryna renovaram a amizade que os unia. Todos ficaram mais nervosos à medida que se aproximavam do destino. De um lado, Pontonac e seus amigos não podiam ser responsabilizados por nada. A única coisa que podiam fazer era pedir que fossem em auxílio do sistema acuado. Mas de outro lado ele assumira espontaneamente a responsabilidade. Jurara a si mesmo que não cederia enquanto não saísse pelo menos uma frota poderosa para ajudar na destruição dos coletores.

Aproximaram-se do sistema central do antigo império, que depois da morte do ditador encontrara o caminho de uma democracia funcional. O sistema Normon com seus oito planetas controlava mais de seiscentos sistemas coloniais, que gozavam de uma ampla autonomia. O planeta principal era Normo, um mundo cuja gravitação era de 1,04 G e que ainda não se livrara das características de planeta administrativo. Foram trocadas mensagens de rádio. Finalmente Edmond Pontonac conseguiu que o ministro do exterior aparecesse na tela. Seguiu-se um diálogo longo. Finalmente foi dada permissão para que a nave pousasse no espaçoporto central de Normon. O primeiro objetivo fora alcançado, mas as dificuldades só estavam começando. Pontonac dirigiu-se aos subordinados.

— Seria absurdo enviarmos uma grande delegação. — disse. — Acho que basta Willshire, Nillbaerg e eu irmos ao Ministério do Exterior para tentar cumprir nossa missão política. Alguém vota contra?

A tripulação estava de acordo.

A nave desceu com os projetores antigravitacionais funcionando a toda força, além de alguns jatos ligeiros dos propulsores de partículas. Pousou na pista e balançou ligeiramente sob o efeito do molejo das colunas de sustentação. O planador pesado da nave pousou junto à rampa. Drosen K. Willshire, segundo-oficial da Dara, disse em voz baixa a Pontonac:

— Por favor, não me interprete mal, coronel. Acho que o senhor não é o homem indicado para ser o porta-voz numa ação em que estão ou estiveram envolvidos os takerers principalmente o pedoautocrata Vascalo.

Edmond respondeu bastante espantado, enquanto a moça que estava na direção fitava Drosen com uma expressão de perplexidade:

— Tem certeza de que sabe exatamente o que está dizendo, Willshire?

— Certeza não tenho, mas acho que Vascalo será capaz de persegui-lo através de toda a Via Láctea e tentará alguns golpes sujos. O senhor é um bom transmissor, já que ele conhece muito bem sua mente, seu espírito.

Pontonac ficou calado até que os três terranos chegaram ao espaçoporto e se dirigiram à patrulha dupla da polícia planetária. Neste instante o homem com as três próteses implantadas no corpo disse em voz baixa:

— Talvez o senhor tenha razão, Drosen. Mas por enquanto sua obrigação é ajudar, não exibir suas dúvidas. Fui bem claro?

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Mas para ele não havia nada que estivesse bem claro.

(27)

8

Enquanto Pontonac falava, Caryna olhou pela janela. Estavam no gabinete do ministro do Exterior, que ficava num lugar alto, na cobertura ajardinada do edifício, onde não chegavam os ruídos do tráfego das ruas e do porto espacial. O círculo gigantesco de concreto branco perdia-se no horizonte. O ministro, um homem que parecia ser muito jovem e ágil para o cargo que ocupava, ouvia com muita atenção. Finalmente respondeu um pouco embaraçado:

— Naturalmente o senhor não nos está contando nenhuma novidade, Mister Pontonac.

Não escapou a Pontonac certa ênfase na palavra Mister.

— Veja bem. — respondeu com um sorriso amável. — Vim para pedir ajuda ao seu governo. O pedido lhe causa certa estranheza. Recebeu todas as informações e os pedidos de socorro transmitidos pelas antenas direcionais. Até ouviu o relato dum comandante aconense sobre o qual certamente não pesa a suspeita de simpatizar com os terranos. O que estou dizendo não foi inventado.

— Não duvido da veracidade das suas palavras, nem das informações que recebemos. A questão é outra.

— Como deve ser formulada? — perguntou Drosen K. Willshire laconicamente. O ministro fitou-o e exibiu um sorriso sarcástico.

— A resposta será tirada duma lenda antiga. — disse. — Se um rei pede a outro rei que o ajude a combater um dragão que cospe fogo, ele não envia seus vassalos. Se Rhodan tivesse vindo com sua nave, teria encontrado muito mais receptividade.

— Rhodan não se encontra na galáxia. — observou Pontonac em tom seco. — Infelizmente estava impedido, senão teria vindo pessoalmente. Este ponto está esclarecido. Os outros dirigentes máximos do império estão muito ocupados. Reginald Bell, por exemplo, está empenhado em proteger os seiscentos e quatorze sistemas coloniais de Normon.

O ministro empertigou-se e perguntou indignado: — Poderia fazer o favor de explicar melhor? A jovem observou prontamente:

— Os coletores que começaram a aparecer há alguns dias na Via Láctea representam um poder destruidor nunca visto. É apenas uma questão de dias que o Império Solar seja esmagado. Depois disso destruirão todos os outros planetas que estiverem ao seu alcance e milhões de cappins inundarão nossos mundos. Bell está envolvido numa luta defensiva que ele perderá se o senhor não ajudar. É como já dissemos: Ajudando a Terra o senhor se ajudará. Defrontamo-nos com um perigo que atinge toda a galáxia.

Dali a vários anos, depois de sofrimentos terríveis que quase o levaram ao auto sacrifício, Pontonac iria lembrar-se muito bem dessa frase. Dali a vários anos...

O ministro refletiu alguns minutos e perguntou:

— Estas faixas estreitas que os senhores trazem na testa... que significa? São um novo enfeite usado na Terra?

Referências

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