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LITERATURA COMPARADA--MÓDULO 4

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Academic year: 2021

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LITERATURA COMPARADA

LITERATURA COMPARADA

Editoração e Revisão:

Editoração e Revisão: Editora Prominas e OrganizadoresEditora Prominas e Organizadores

Coordenação Pedagógica

Coordenação Pedagógica

INSTITUTO PROMINAS

INSTITUTO PROMINAS

MÓDULO – 4

MÓDULO – 4

Impressão Impressão ee Editoração Editoração

APOSTILA RECONHECIDA E AUTORIZADA NA FORMA DO CONVÊNIO

APOSTILA RECONHECIDA E AUTORIZADA NA FORMA DO CONVÊNIO

FIRMADO ENTRE UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

FIRMADO ENTRE UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

E O INSTITUTO PROMINAS.

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SUMÁRIO

SUMÁRIO

UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO...3

UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO...3

UNIDADE 2 – LITERATURA COMPARADA...4

UNIDADE 2 – LITERATURA COMPARADA...4

UNIDADE 3 – A RELAÇÃO ENTRE A LITERATURA COMPARADA E OS ESTUDOS UNIDADE 3 – A RELAÇÃO ENTRE A LITERATURA COMPARADA E OS ESTUDOS CULTURAIS...21

CULTURAIS...21

UNIDADE 4 – UNIDADE 4 – LITERATURA COMPARALITERATURA COMPARADA E DA E INTERDISCIPLINARINTERDISCIPLINARIDADE...36IDADE...36

UNIDADE 5 – LITERATURA E CINEMA...42

UNIDADE 5 – LITERATURA E CINEMA...42

UNIDADE 6 – UMA ABORDAGEM COMPARAT UNIDADE 6 – UMA ABORDAGEM COMPARATIVA...IVA...47...47

REFERÊNCIAS ...57

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UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO

UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO

A disciplina “Literatura Comparada” adquiriu um funcionamento sistemático e A disciplina “Literatura Comparada” adquiriu um funcionamento sistemático e se tornou muito mais do que uma atividade acadêmica discreta e por vezes se tornou muito mais do que uma atividade acadêmica discreta e por vezes marginal. Hoje, ela tem seu espaço próprio no mundo universitário de vários países, marginal. Hoje, ela tem seu espaço próprio no mundo universitário de vários países, sendo que as associações literárias como a Abralic e a AILC/ICLA tiveram um papel sendo que as associações literárias como a Abralic e a AILC/ICLA tiveram um papel fundamental para o seu reconhecimento institucional.

fundamental para o seu reconhecimento institucional.

Assim sendo, na Unidade 1, traçaremos um panorama histórico em torno do Assim sendo, na Unidade 1, traçaremos um panorama histórico em torno do surgimento desta disciplina, focalizando o seu desenvolvimento no Brasil. surgimento desta disciplina, focalizando o seu desenvolvimento no Brasil. Procuraremos destacar o debate em torno dos estudos comparatistas, através da Procuraremos destacar o debate em torno dos estudos comparatistas, através da posição crítica de alguns importantes estudiosos da área de literatura tais como posição crítica de alguns importantes estudiosos da área de literatura tais como Antônio Cândido, Roberto Schwarz, Silviano Santiago e

Antônio Cândido, Roberto Schwarz, Silviano Santiago e Haroldo de Campos.Haroldo de Campos.

Na Unidade 2, discorreremos sobre a relação da Literatura Comparada com Na Unidade 2, discorreremos sobre a relação da Literatura Comparada com os Estudos Culturais, pois, tendo-se em vista o impacto causado pela globalização e os Estudos Culturais, pois, tendo-se em vista o impacto causado pela globalização e pelas crescentes integrações supranacionais, torna-se premente pensar como são pelas crescentes integrações supranacionais, torna-se premente pensar como são atualmente construídas as localidades culturais. Assim sendo, reproduziremos as atualmente construídas as localidades culturais. Assim sendo, reproduziremos as principais discussões teóricas que tentam mapear um

principais discussões teóricas que tentam mapear um lócus lócus  de enunciação para ade enunciação para a América Latina na contemporaneidade. Intentaremos mostrar também que as novas América Latina na contemporaneidade. Intentaremos mostrar também que as novas configurações mundiais têm levado a diferentes concepções de literatura universal, configurações mundiais têm levado a diferentes concepções de literatura universal, que modificam, por sua vez, os conceitos de local, regional, marginal.

que modificam, por sua vez, os conceitos de local, regional, marginal.

Já na Unidade 3, daremos destaque à “Interdisciplinaridade”, que é Já na Unidade 3, daremos destaque à “Interdisciplinaridade”, que é característica marcante dos estudos em Literatura Comparada. Nesse sentido, característica marcante dos estudos em Literatura Comparada. Nesse sentido, destacaremos as contribuições da teoria literária que levaram a uma ampliação do destacaremos as contribuições da teoria literária que levaram a uma ampliação do conceito de texto e de sua produção, modificando, por conseguinte, nossa maneira conceito de texto e de sua produção, modificando, por conseguinte, nossa maneira de considerar o literário e seus procedimentos de construção. Ao tratarmos do de considerar o literário e seus procedimentos de construção. Ao tratarmos do diálogo existente entre os diferentes tipos de texto, sublinharemos a relação da diálogo existente entre os diferentes tipos de texto, sublinharemos a relação da Literatura com o Cinema.

Literatura com o Cinema.

Por fim, na Unidade 4, faremos uma abordagem comparativa entre o livro Por fim, na Unidade 4, faremos uma abordagem comparativa entre o livro Lavoura Arcaica 

Lavoura Arcaica do escritor Raduan Nassar e o filmedo escritor Raduan Nassar e o filme Lavour´Arcaica Lavour´Arcaica do diretor Luizdo diretor Luiz Fernando Carvalho.

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UNIDADE 2 – LITERATURA COMPARADA

2.1.Reflexões iniciais

Eduardo F. Coutinho (2006), em artigo publicado na Revista Brasileira de  Literatura Comparada , traça interessantes considerações em torno desta disciplina acadêmica que, desde a sua configuração e consolidação, tem levado a que os estudiosos se debatam quanto à sua definição. Alguns a veem como um simples método de abordagem do fenômeno literário, outros a tomam, no sentido amplo, como área do conhecimento.

Assim sendo, após analisar algumas tentativas de definição, o autor mostra que inicialmente a Literatura Comparada designava uma forma de investigação que abordava duas ou mais literaturas nacionais ou que confrontava produções literárias em idiomas distintos. Por isso, nessa época, todas as definições acentuavam o seu caráter internacional e a familiaridade que o estudioso deveria ter com mais de um idioma.

Posteriormente, os estudos em Literatura Comparada passaram a abarcar outras áreas, propondo, assim, um diálogo entre os diversos campos do conhecimento e as diferentes manifestações artísticas. Então, o caráter interdisciplinar da Literatura Comparada passou a ser enfatizado. De qualquer modo, segundo Coutinho:

Surgida em contraposição aos estudos de literaturas nacionais ou produzidas em um mesmo idioma, a Literatura Comparada traz como marca fundamental, desde os seus primórdios, a noção da transversalidade, seja com relação às fronteiras entre nações ou idiomas, seja no que concerne aos limites entre as áreas do conhecimento. (COUTINHO, 2006, p.41).

Portanto, a transversalidade é o elemento fulcral dos estudos comparatistas. Ou seja, a capacidade de atravessar fronteiras, seja entre nações ou idiomas, seja entre diferentes áreas do conhecimento como a Psicologia, a Filosofia, a Sociologia, seja entre outras formas de arte como a pintura, a fotografia, o cinema. Podemos dizer que Literatura Comparada é uma forma específica de interrogar os textos

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literários na sua interação com outros textos literários e com outras formas de expressão cultural e artística.

De acordo com esse ponto de vista, é a referência à interdisciplinaridade da Literatura Comparada que norteia a definição de Henry Remak, e que constitui um dos principais traços da chamada “Escola Americana”:

A Literatura Comparada é o estudo da literatura além das fronteiras de um país específico e o estudo das relações entre a literatura, de um lado, e outras áreas do conhecimento e crença, como as artes, a filosofia, a história, as ciências sociais, a religião, etc., de outro. Em suma, é a comparação da literatura com outra ou outras, e a comparação da literatura com outras esferas da expressão humana. (REMAK apud  COUTINHO, 2006, p.44)

Por fim, Coutinho ressalta algumas transformações pelas quais sofreram os métodos de abordagem comparatista a partir dos anos 70 para cá, como podemos observar pelas seguintes palavras do autor:

Embora a maioria dos pressupostos da Escola Americana de Literatura Comparada tenham sido fortemente abalados após a década de 70, dando lugar a outras tendências distintas e diversas entre si, o veio interdisciplinar por ela amplamente estimulado é um traço que irá permanecer, ainda que com faces diferentes. Assim, em função de contribuições de correntes do pensamento contemporâneo como os Estudos Culturais e Pós-coloniais, a compartimentação do saber que ainda vigorava na época da Escola Americana, exigindo que um estudo comparatista sobre o tema do incesto ou da revolução, por exemplo, fosse abordado por um viés que enfatizasse o literário, e não o psicanalítico ou sociológico respectivamente - com o objetivo explícito de deixar clara a diferença entre as duas áreas - deixou de ser levada em conta. Do mesmo modo, a questão da adaptação de uma obra de uma esfera artística ou do conhecimento para outra também deixou de ser vista pela perspectiva binária tradicional, que considerava sempre a segunda como devedora da primeira, e passou a ser encarada como uma manifestação, uma tradução criativa da primeira, que com ela dialoga, mantendo a sua singularidade. (COUTINHO, 2006, p. 50).

O autor ressalta, dessa forma, a contribuição dada pelos estudos culturais e pós-coloniais que possibilitaram uma descompartimentação do saber, fazendo com que se abolisse a primazia do literário sobre as outras áreas do conhecimento. Também as novas correntes do pensamento contemporâneo permitiram que se visse a questão da adaptação por outro ângulo, segundo o qual a obra segunda deixa de ser devedora da primeira e passa a ser encarada como uma tradução criativa, que dialoga com a primeira, mas mantém a sua especificidade.

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2.2. Literatura Comparada no Brasil

Procuraremos, neste capítulo, traçar um panorama acerca da instituição dos estudos comparatistas no Brasil. Para isso, inicialmente lançaremos mãos do livro Literatura Comparada de Sandra Nitrini (NITRINI, 1997), no qual a autora esclarece que:

Os anos 80 foram decisivos para o estatuto institucional da literatura comparada no Brasil. Em 1986, foi criada em Porto Alegre a Associação Brasileira de Literatura Comparada-Abralic, por ocasião do I Seminário Latino-Americano de Literatura Comparada. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul acolheu também o I Congresso da Associação Brasileira de Literatura Comparada, em 1988. Ainda nessa década, a Universidade Federal de Minas Gerais foi sede de dois simpósios de literatura comparada. Convém lembrar também a publicação do livro Literatura  Comparada , de Tânia Franco Carvalhal, em 1986, numa coleção de divulgação, destinada a estudantes universitários. (NITRINI, 1997, p.184).

Entretanto, conforme pontua Nitrini, mesmo antes da introdução da literatura comparada como disciplina nas universidades já havia, informalmente, alguns estudos nesse campo. Podemos citar como exemplo de estudo comparatista, a tese Origens e Evolução dos Temas da Primeira Geração de Poetas Românticos  Brasileiros de Antônio Sales Campos, apresentada em 1945. Neste trabalho, a partir de eixos temáticos como o patriotismo, o indianismo, o lirismo, Campos refaz a história da produção literária da primeira geração de poetas românticos, na perspectiva do tradicional comparatismo francês, aliando a historiografia literária e a busca das fontes e influências, sempre comprovadas por meio do cotejo de textos.

Também Fidelino Figueiredo publicou nos anos 40, na Revista USP, o artigo Shakeaspeare e Garret direcionado pela ideia de que o desenvolvimento histórico e episódico particular de cada literatura ocorre no contexto da “solidariedade geral” que é a base da crítica comparativa e da literatura comparada. Apesar de outros trabalhos de pesquisa terem sido feitos, a literatura comparada, como campo específico de estudos acadêmicos, só tomou impulso nos anos 70 com a produção universitária dos cursos de pós-graduação. No âmbito da crítica literária, a literatura comparada também está presente no país há muito tempo como postura analítica. Nitrini destaca que um dos mais antigos estudos de literatura comparada no Brasil é

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o ensaio “Traços de Literatura Comparada do Século XIX”, de Tobias Barreto, publicado em 1887.

Por sua vez, o professor Antônio Cândido introduziu a literatura comparada na Universidade de São Paulo, em 1962, quando propôs que a disciplina de Teoria Literária se transformasse em Teoria Literária e Literatura Comparada, com o objetivo de assegurar um espaço institucional a este domínio dos estudos literários. Além disso, fundou e dirigiu um círculo de estudos de literatura comparada, de 1962 a 1964, orientando dissertações de mestrado e teses de doutoramento de literatura comparada. No 1º Congresso da Abralic em Porto Alegre, Cândido se pronunciou:

Há mais de quarenta anos eu disse que “estudar literatura brasileira é estudar literatura comparada”, porque a nossa produção foi sempre vinculada aos exemplos externos que insensivelmente os estudiosos efetuavam as suas análises ou elaboravam seus juízos tomando-os como critérios de validade. Daí ter havido uma espécie de comparativismo difuso e espontâneo na filigrana do trabalho crítico desde o tempo do romantismo, quando os brasileiros afirmavam que a sua literatura era diferente da de Portugal. (CÂNDIDO apud SOUZA, 2002, p.39).

O perfil comparatista de Antônio Cândido extrapola às suas atividades docentes, pois sua vasta obra crítica e histórica oferece reflexões e interpretações que representam profundas contribuições não só para o pensamento comparatista brasileiro, mas também para o latinoamericano. Assim sendo, destacaremos no decorrer desta unidade alguns trabalhos de Antônio Cândido que foram importantes para o desenvolvimento da abordagem comparatista no Brasil. Também ressaltaremos as polêmicas e discussões que seus textos provocaram no meio acadêmico. Assim sendo, traremos para o debate, as reflexões traçadas por Silviano Santiago, Haroldo de Campos, Roberto Schwarz.

2.3. Debate em torno do método comparatista

Já no final da década de 50, Antônio Cândido havia publicado o livro Formação da Literatura Brasileira  (CÂNDIDO, 1969), marco seminal da nossa historiografia literária e testemunho cabal de que a história da literatura brasileira, em seu período de formação, acha-se vinculada a modelos estrangeiros. Nesse livro, Cândido não escapa a uma aproximação comparatista do objeto literário.

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Essa obra interessa de modo particular pela explicitação de sua concepção de literatura como sistema, de seus pressupostos e dos conceitos instrumentalizados, permitindo delinear a particularidade de sua visão comparatista e pontuar seu importante papel como instaurador de uma tradição de estudos acadêmicos de literatura comparada que fogem às vulnerabilidades da literatura comparada tradicional. (NITRINI, 1997, p.192).

No prefácio da primeira edição de Formação da Literatura Brasileira , Cândido teoriza o modo de tratar diferentes literaturas e o problema da questão do valor:

Cada literatura requer tratamento peculiar, em virtude dos seus problemas específicos ou da relação que mantém com outras. A brasileira é recente, gerou no seio da portuguesa e dependeu da influência de mais duas ou três para se constituir. A sua formação tem, assim, caracteres próprios e não pode ser estudada como as demais, mormente numa perspectiva histórica, como é o caso deste livro, que procura definir ao mesmo tempo o valor e a função das obras (CÂNDIDO apud NITRINI, 1997, p. 196).

O teor comparatista de Formação  aparece expresso no prefácio, embora Cândido não faça referência explícita à literatura comparada. Também no primeiro parágrafo a visão comparatista impõe-se como uma das linhas de força do livro:

Este livro procura estudar a formação da literatura brasileira como síntese de tendências universalistas e particularistas. Embora elas não ocorram isoladas, mas se combinem de modo vário a cada passo desde as primeiras manifestações, aquelas parecem dominar nas concepções neoclássicas, estas nas românticas - o que convida, além de motivos expostos abaixo, a dar realce aos respectivos períodos. (CÂNDIDO apud  NITRINI, 1997, p. 197).

Além disso, em Formação da Literatura Brasileira , Antônio Cândido traça considerações acerca da questão da influência para bem explicitar o papel que esta desempenha na sua concepção de literatura como um sistema integrado e dinâmico de autores, obras e público. Como atesta Nitrini:

Ele [Cândido] se valeu desse conceito ao lado de outros como período, fase e geração etc., como técnica auxiliar, sem dogmatismo. Se, por um lado, esse conceito lhe é operatório na medida em que lhe permite estabelecer liames entre os escritores ‘contribuindo para formar a continuidade no tempo e para definir a fisionomia própria de cada momento’; por outro, ‘é preciso reconhecer que ele é talvez o instrumento o mais delicado, o mais falível de toda a crítica’ em vista da dificuldade de se estabelecer uma distinção entre coincidência, plágio e influência, como também em vista da ‘impossibilidade de verificar a parte da deliberação e do inconsciente’ no processo de criação. (NITRINI, 1997, p. 204).

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Cândido alerta ao leitor que a perspectiva correta para se estudar as literaturas nacionais latino-americanas é a da literatura comparada. Após definir a produção literária latino-americana como galho secundário da portuguesa, que, por sua vez, é arbusto de segunda grandeza no jardim das musas, o autor acrescenta:

Há literaturas de que um homem não precisa sair para receber cultura e enriquecer a sensibilidade; outras, que só podem ocupar parte de sua vida de leitor, sob pena de lhe restringirem irremediavelmente o horizonte (...). Os que se nutrem apenas delas são reconhecíveis à primeira vista, mesmo quando eruditos e inteligentes, pelo gosto provinciano e pela falta de senso de proporções. (...) Comparada às grandes, a nossa é pobre e fraca. Mas é ela, não outra, que nos exprime. (CÂNDIDO apud SANTIAGO, 1982, p.19).

No artigo “Literatura e Subdesenvolvimento”, publicado pela primeira vez em 1969, Antônio Cândido torna a discutir o problema das influências “à luz da dependência causada pelo atraso cultural” (CÂNDIDO, 1989). Segundo o crítico, as literaturas latino-americanas e norte-americanas constituem “galhos das literaturas metropolitanas”. E ainda, no contexto apresentado, a influência revela-se inevitável, “sociologicamente ligada à nossa dependência, desde a própria colonização e a transplantação, às vezes, brutalmente forçada das culturas”:

Encaremos, portanto, serenamente o nosso vínculo placentário com as literaturas européias, pois ele não é uma opção, mas um fato quase natural. Jamais criamos quadros originais de expressão, nem técnicas expressivas básicas, no sentido em que o são o Romantismo, no plano das tendências; o romance psicológico, no plano dos gêneros; o estilo indireto livre, no da escrita. E embora tenhamos conseguido resultados originais no plano da realização expressiva, reconhecemos implicitamente a dependência. Tanto assim que nunca se viu os diversos nativismos contestarem o uso das formas importadas, pois seria o mesmo que se oporem ao uso dos idiomas europeus que falamos. O que requeriam era a escolha de temas novos, de sentimentos diferentes. (CÂNDIDO, 1989, p. 151-152).

Podemos observar pelo entrecho supracitado que o autor sugere uma mudança de postura. Devemos aceitar que a influência é inevitável, procurando não ficar angustiados com isso. Ou seja, primeiramente, devemos encarar de maneira serena a nossa dependência, o nosso vínculo placentário com as literaturas metropolitanas. Após esse verdadeiro desrecalque, conseguiremos superar o nosso complexo de inferioridade e só, então, passaremos a perceber a interlocução criativa existente entre as obras. Cândido desenvolve, dessa forma, o conceito de

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“fecundação criadora da dependência”, que seria o modo peculiar de nossos países serem originais. Então, o autor cita a obra de Guimarães Rosa como tributária desse modo transfigurador de tratar a realidade local.

Silviano Santiago no artigo “Apesar de dependente, universal” dialoga com Antônio Cândido, sendo que, assim como o crítico paulista, também ele assinala que a perspectiva correta para o estudo das literaturas latino-americanas é a da literatura comparada:

Acreditar que possamos ter um pensamento autóctone auto suficiente, desprovido de qualquer contato “alienígena”, é devaneio verde-amarelo; a avaliação é justa: colocar o pensamento brasileiro comparativamente, isto é, dentro das contingências econômico-sociais e político-culturais que o constituíram é evitar qualquer traço do dispensável ufanismo. (SANTIAGO, 1982).

Porém, Silviano Santiago considera que os intelectuais insistem na utilização de um método fundamentalmente etnocêntrico nos estudos comparativos entre a literatura brasileira e a europeia:

Caso nos restrinjamos a uma apreciação da nossa literatura, por exemplo, com a européia, tomando como base os princípios etnocêntricos-fonte e influência-da literatura comparada, apenas insistiremos nos aspectos repetitivos e redundantes. O levantamento desses aspectos duplicadores (útil, sem dúvida, mas etnocêntrico) visa a sublinhar o percurso todo-poderoso da produção dominante nas áreas periféricas por ela definidas e configuradas; constituem-se no final do percurso dois produtos paralelos e semelhantes, mas apresentando entre eles duas decalagens capitais, responsáveis que serão pelo processo de hierarquização e rebaixamento do produto da cultura dominada. Duas decalagens capitais. Uma temporal (o atraso de uma cultura com relação a outra) e uma qualitativa (a falta de originalidade nos produtos da cultura dominada). (SANTIAGO, 1982, p.20).

Neste ensaio, Silviano Santiago dá continuidade a uma reflexão que já tinha apresentado em “O entre-lugar do discurso americano”, ao indagar-se sobre a atitude do crítico e do artista num país em evidente inferioridade econômica com relação à cultura ocidental, à cultura da metrópole e à cultura do próprio país. O autor critica o pensamento da época e assinala que, se somos dependentes economicamente, não precisamos ser dependentes culturalmente.

Em seus ensaios, Santiago coloca em questão o papel do intelectual hoje. E se pergunta como o crítico deve apresentar o complexo sistema de obras que vem

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sendo explicado pelo método tradicional baseado no estudo das fontes e influências. Conforme atesta o entrecho acima, o autor argumenta que tal método insiste somente nos aspectos em que as obras latino-americanas repetem os modelos europeus, fazendo delas meras parasitas, que não acrescentam nada de próprio, pois se encontram aprisionadas pelo prestígio das fontes. Santiago discorre, dessa maneira, sobre a falência desse método e a necessidade de substituí-lo por outro: um novo discurso crítico que negligencie a caça às fontes e às influências e estabeleça como único valor crítico a diferença.

Vemos que o autor não nega que haja a dependência, pois, quando fala em diferença, ele quer dizer a diferença em relação a um modelo. Contudo, a atitude de Santiago não é tão serena quanto à de Cândido. Ao passo que este afirma que a influência é inevitável, que devemos aceitá-la sem recalque, Santiago objetiva negligenciá-la em prol da “diferença”, apontada como único valor crítico.

Não podemos nos esquecer que Cândido fala de uma “fecundação criadora da dependência”, marcando, portanto, que a posição do escritor com relação à influência deve ser crítica. Haveria, dessa maneira, uma interlocução criativa entre a cultura dependente e a metrópole. Porém, Santiago avança seu pensamento nesse sentido e afirma que, em vez de endossar o modelo retomado, os textos latino-americanos devem romper com ele sutil ou abertamente. O posicionamento da cópia em relação ao modelo, segundo Santiago, é de agressividade, como fica patente pela seguinte explanação do autor:

O texto segundo se organiza a partir de uma meditação silenciosa e traiçoeira sobre o primeiro texto, e o leitor, transformado em autor, tenta surpreender o modelo original nas suas limitações, nas suas fraquezas, nas suas lacunas, desarticula-o e o rearticula de acordo com suas intenções, segundo sua própria direção ideológica, sua visão do tema apresentado de início pelo original. (SANTIAGO, 1978, p.22)

Acerca da proposta de Silviano Santiago sobre o discurso latino-americano, Nitrini esclarece que:

O novo trabalho crítico propõe uma análise do “uso” feito pelo escritor de um texto ou de uma técnica literária durante seu movimento de agressão ao modelo, desmistificando-o como objeto único e de reprodução impossível. Silviano Santiago situa o “entre-lugar” do discurso latino-americano no interstício entre o momento da assimilação, apropriação, submissão e

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exercício da agressão, destruição e subversão da cultura imposta, distinguindo-se, assim, da outra e opondo-se ao conceito de unidade cultural.(NITRINI, 1997, p.213).

Marli Fantini Scarpelli também traz importantes contribuições no que concerne à análise do ensaio de Silviano Santiago:

Visto que, segundo ele [Silviano Santiago], o continente não poder isolar-se da invasão estrangeira nem recuperar sua imaginária condição de paraíso, caberia ao escritor latino-americano – desde um entre-lugar atravessado astutamente pela dupla postura de assimilação e resistência – interferir no processo de transplante cultural, impondo uma transgressiva inversão do percurso empreendido pelos colonos, durante todos os séculos de ocupação da América Latina. Santiago sugere um conceito-imagem, o “entre-lugar do discurso latino-americano” para se operar com a permeabilização histórica, cultural e literária da América Latina, que, atravessada por várias etnias, vozes e línguas, é o espaço ambíguo onde se mesclam distintas histórias e temporalidades em confronto.

É desse conflitivo e turvado lócus de enunciação que o escritor latino-americano deve, segundo ele, aprender a manejar a língua da metrópole para, em seguida, combatê-la. (SCARPELLI, 2001, p. 527).

Para Santiago nós latino-americanos fomos vítimas de um processo de ocidentalização por meio da violência, o que nos levou a crer na supremacia do dominador. Entretanto, em uma sociedade marcada pela mestiçagem, em que se entrelaçam o elemento europeu e o elemento autóctone, o hibridismo reina.

A propósito do conceito de hibridismo, Nestor Garcia Canclini (CANCLINI, 2000) esclarece que o termo, embora remonte à antiguidade, ganhou um relevo especial no final do século XX ao ser utilizado para analisar a cultura. Transportado das ciências biológicas para as ciências sociais, esse conceito foi rejeitado por alguns teóricos porque na biologia costuma acarretar o sentido de esterilidade. Entretanto, Canclini salienta que tal argumento deve ser descartado já que nas ciências sociais o conceito de hibridismo revelou-se fecundo, pois colocou em evidência a produtividade e o poder inovador das misturas culturais, ajudando, desse modo, a sair dos discursos essencialistas de identidade, autenticidade e pureza cultural.

É de acordo com esse ponto de vista que Silviano Santiago (SANTIAGO, 1978) discorre sobre o papel da América Latina cuja heterogeneidade e hibridização representa uma importante marca cultural junto à cultura ocidental. Silviano postula o seguinte:

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A maior contribuição da América Latina para com a cultura ocidental vem da destruição sistemática dos conceitos de unidade e de pureza, estes dois conceitos perdem o contorno exato do seu significado, perdem seu peso esmagador, seu sinal de superioridade cultural, à medida que o trabalho dos latino-americanos se afirma, se mostra mais e mais eficaz. (SANTIAGO, 1978, p.18).

Podemos perceber uma mudança de foco, pois, se antes havia uma tentativa por parte dos europeus de apagar as línguas e costumes que fugissem aos moldes da Europa como, por exemplo, os costumes e tradições decorrentes da cultura indígena, presenciamos hoje uma crescente valorização da heterogeneidade, que aos poucos procura se infiltrar na cultura europeia, buscando transformar de forma criativa esses discursos.

O autor articula, portanto, uma inversão de valores. Os conceitos de pureza e unicidade perdem seu sinal de superioridade. A América Latina institui seu lugar no mapa da civilização ocidental pelo desvio da norma, que transfigura os elementos antes tidos como imutáveis.

Portanto, a atitude do artista deverá ser de assimilação e agressividade em relação aos modelos europeus. Para Silviano Santiago, a infiltração do pensamento selvagem no pensamento europeu poderá ser um caminho possível para que ocorra a descolonização intelectual. Isto é, para que afinal a América Latina possa sair da sua condição de dependência cultural. Vemos que, nesse ínterim, Santiago se posiciona diferentemente de Antônio Cândido, já que este preconiza apenas que devemos encarar serenamente a dependência, por ser este um fato quase natural.

Silviano Santiago, ao contrário, vai além, pois “pretende que os textos da metrópole submetam-se também a uma apreciação a respeito de sua real universalidade: a literatura metropolitana existe apenas no processo de expansão em que respostas não etnocêntricas são dadas aos valores da metrópole.” (SANTIAGO apud NITRINI, 1997, p. 214).

De acordo com esse ponto de vista, situa-se Haroldo de Campos, em “Da Razão Antropofágica: diálogo e diferença na cultura brasileira” (CAMPOS, 1983). Campos defende a tese de que a literatura brasileira não está determinada nem política, nem econômica e nem culturalmente a ser dependente das literaturas metropolitanas. E ainda, tomando por base os trabalhos de Marx, Engels e Octavio

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Paz, o autor descarta a ideia de uma relação de causa e efeito entre prosperidade econômica e excelência artística. “O motivo desse complexo de dependência estaria na translação para as nossas latitudes tropicais de um episódio da metafísica ocidental da presença, que é a historiografia ontológica”. (CAMPOS, 1983, p.47).

Segundo o autor, a historiografia ontológica ocidental procura reconstituir a trajetória de uma literatura nacional desde suas origens até seu apogeu, no qual se constituiria a unidade máxima de um legado comum, de uma tradição. Para Campos, essa historiografia traz no seu bojo um problema: como definir um legado comum, qual é o valor que lhe confere unidade, que orienta seu desenvolvimento? Geralmente esse valor máximo central toma forma no conceito de “clássico”, porém este conceito é passível de acepções diversas e conflitantes. O autor denuncia, assim, o logocentrismo que ronda toda a historiografia ontológica.

A esta historiografia tão criticada, Haroldo de Campos contrapõe a “modal, diferencial”, por ele assim definida: “um gráfico sísmico da fragmentação eversiva”. Trata-se de uma historiografia fragmentária, cuja perspectiva não é a de mostrar um desenvolvimento evolutivo no sentido de um aprimoramento progressivo; ao contrário, ela admite períodos de altos e baixos numa trajetória sem origem nem fim. O único mecanismo motor corresponde ao da oposição, da ruptura, tanto diacrônica quanto sincrônica. (NITRINI, 1997, p. 216).

Haroldo de Campos postula a tese de que a negação, a ruptura, o diálogo diferencial aparece como um movimento antigo e natural que proporcionaria o questionamento da universalidade. Por isso, o autor alega a importância do barroco para a literatura brasileira, já que ele representa a origem, porque é a não-infância. Lembrando que o termo latino infans significa afásico, o autor conclui que o barroco já nasceu pronto, falando. A maturidade e o cosmopolitismo do barroco brasileiro se revelam na maneira como Gregório de Mattos e Padre Antônio Vieira, através de suas obras, não só compartilharam como também parodiaram o código artístico mais elaborado da época.

O autor reforça ainda esta ideia da não-origem ao afirmar que a literatura brasileira de início “articulou-se como diferença em relação a esta panóplia de universália, eis o nosso nascer” (CAMPOS, 1983, p.113). Ela se insere no código da literatura universal por seu alto padrão técnico, por um lado, e, por outro, por seu acentuado caráter diferencial desde Gregório de Matos, passando por Sousândrade,

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Oswald, Drummond, Murilo Mendes, João Cabral e incluindo, finalmente, a poesia concreta. “A diferença passa agora a significar o nacional, o que caracteriza o nacional em relação ao código universal”. (NITRINI, 1997, p. 216).

Vale lembrar que o debate sobre o barroco foi fomentado na década de 80 no Brasil com a grande polêmica que surgiu com a publicação do livro de Haroldo de Campos O seqüestro do barroco na formação da literatura brasileira: o caso  Gregório de Mattos  (CAMPOS, 1989) o qual criticou duramente o fato de Antônio Cândido ter subtraído de seu livro Formação da Literatura Brasileira  (CÂNDIDO, 1969) o estilo barroco, cujo principal argumento seria a ausência de um público leitor satisfatório. Campos, por sua vez, condena o argumento de Candido dizendo:

A noção quantitativa de público rarefeito, à época da produção da obra, não parece ter aqui, no seu determinismo “objetivista”, suficiente peso de convencimento. Sobretudo quando, para além do período colonial, as relações entre escritor e “grande público” em nosso meio acabam sendo definidas, emblemática e paradoxalmente, em termos também de “ausência”. (CAMPOS, 1989, p. 50-51).

Campos combate a retirada de Gregório de Matos da formação da literatura brasileira, em detrimento do argumento que considera exclusivamente o primeiro público como a recepção da obra e advoga em favor da indiscutível originalidade e brasilidade do poeta Gregório.

Vale lembrar que o barroco, estilo no qual compunha Gregório de Mattos, foi trazido diretamente da Europa e adotado em um Brasil recém-nascido, um Brasil criado com a chegada dos portugueses. Constituiu-se, dessa maneira, como o primeiro registro cultural oriundo da aproximação entre a cultura lusitana e a brasileira, sendo que mostrou uma capacidade surpreendente de representar as misturas e os contrastes presentes no Novo Mundo.

Desde o início, portanto, o barroco representou uma fonte de resistência ao hegemônico, tendo em vista o fato de marcar o início da produção literária brasileira em meio a um ambiente cultural de predominância portuguesa, trazendo um discurso mestiço diferente e discordante ao que vinha sendo produzido no Brasil pelos intelectuais portugueses. O estilo seiscentista caracterizou, dessa forma, o início da produção literária brasileira, registrando as primeiras questões que envolveram a nossa formação mestiça, de forma que deve ser tomado como um

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período fundamental para a compreensão da construção identitária e cultural brasileira. Por tudo isso, segundo Haroldo de Campos, ele não pode ser descartado da nossa historiografia literária como o fez Antônio Cândido.

E ainda, concernente com seus ideais de pregar uma visão crítica da história, Campos retoma o conceito de “antropofagia” de Oswald de Andrade e assinala:

A Antropofagia oswaldiana(...) não envolve uma submissão (uma catequese), mas uma transculturação; melhor ainda, uma “transvaloração”: uma visão crítica da história como função negativa (no sentido de Nietzche), capaz tanto de apropriação como expropriação; desierarquização, desconstrução. Todo passado que nos é o “outro” merece ser negado. Vale dizer: merece ser comido, devorado. (CAMPOS, 1983, p.234).

Acerca desse processo de desierarquização da cultura universal, apregoado por Campos, Sandra Nitrini argumenta que:

Para que a desierarquização da cultura universal também seja universal, e para que deixe de ser somente uma reivindicação teórica e se torne uma prática, é preciso que as culturas tradicionalmente tidas como fontes abdiquem de seu etnocentrismo cultural, buscando, por sua vez, suas fontes nas produções periféricas. (NITRINI, 1997, p. 217).

A autora observa, portanto, a necessidade de que as trocas entre as produções dos países tradicionalmente tidos como fontes e dos países periféricos sejam de “mão dupla”. Para que isso ocorra é preciso que os primeiros abdiquem de seu etnocentrismo. Nitrini alega que somente dessa forma a aclamada desierarquização atingirá a universalidade. Ou seja, será válida e praticada por todos, não ficando restrita ao plano da argumentação teórica.

Vale ainda destacar as palavras da crítica Eneida Maria de Souza, autora do livro Crítica Cult , no qual traça um panorama em torno do pensamento e da crítica literária e cultural brasileira. A autora destaca os pontos comuns apresentados nos trabalhos de Santiago e Campos:

Em ambos, a retomada da antropofagia como conceito operatório, por se revelar ainda eficaz no processo de desconstrução das culturas estrangeiras, coloca a literatura nacional em posição de igualdade na concorrência com a estrangeira, pela confiança no aspecto positivo e alegre da transculturação. Aproximam-se, também, pelo tratamento desconstrutor conferido às noções filosóficas de original, cópia e simulacro, invertendo o

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processo causal de interpretação do discurso histórico. (SOUZA, 2002, p.54)

Apesar de alguns pontos em comum, podemos observar que Silviano Santiago e Haroldo de Campos priorizam ângulos diferentes para tratar do mesmo problema. Santiago parte do sistema de colonização dos países subdesenvolvidos. Para ele fomos vítimas de um processo de ocidentalização forçado. Isto é, por meio da violência e de uma ideologia de superioridade fomos levados a crer na supremacia do dominador. Segundo o crítico, isso talvez explique o fato de o ponto central de nossa cultura ter sido sempre a busca da semelhança com o modelo. Campos, por sua vez, enfatiza a questão da transmissão do legado cultural que permite identificar o “novo” mesmo nas condições de uma economia subdesenvolvida. Ele expõe como ocorreu esta transmissão e intercomunicação no barroco e na poesia concreta, demonstrando assim que os países subdesenvolvidos dialogaram entre si mesmos e com os países desenvolvidos.

À propósito dos estudos empreendidos por Haroldo de Campos, Eneida Maria de Souza afirma que:

A atuação do poeta, crítico e tradutor, pauta-se pela apropriação entre tradução e antropofagia, decorrente da associação com a intertextualidade e com vistas a uma perspectiva sincrônica em relação à tradição cultural brasileira. (...) A necessidade de incorporar a produção artística dentro de um movimento internacional implica, por um lado, a conscientização da nossa dívida para com as culturas dominantes e, por outro, a superação desse débito por meio da devoração antropofágica do legado cultural estrangeiro. (SOUZA, 2002, p.42).

Já Sandra Nitrini, após analisar os postulados de Campos e Santiago, levanta a seguinte indagação:

A proposta de modelos fundados na teoria desconstrutivista surge com uma arma para uma tomada de posição contra esse estado de coisas. Mas até que ponto esta sugestão de estratégia discursiva também não se confunde com um recurso ideológico que poderá vir a escamotear uma dependência cultural, pelo menos, em determinados momentos da história da literatura-latino-americana?(NITRINI, 1997, p. 218).

Nitrini observa que as proposições de Santiago e Campos têm como aparato a teoria desconstrutivista cujas premissas se encontram nos trabalhos do estudioso francês Jacques Derrida. Então, sem negar que essa teoria possa servir

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como arma para uma transformação na maneira de encararmos a nossa cultura, a nossa história, bem como os estudos de literatura, a autora questiona se o uso dessa estratégia discursiva não acabaria por revelar que continuamos até certo ponto dependentes culturalmente.

Por sua vez, Roberto Schwarz, a partir da leitura da obra de Machado de Assis, cunhou o conceito de “As ideias fora do lugar” (SCHWARZ, 1977). Baseando-se na ideologia sociológica marxista, Schwarz se volta para o questionamento das contradições provocadas pela modernização nos países periféricos:

Expressões como “descompasso”, “mal-estar” e “torcicolo cultural”, traduzem a preocupação de Schwarz em apontar a defasagem entre as idéias importadas e a sua recepção num contexto diferenciado do europeu. Enquanto a modernização européia se baseava na autonomia do indivíduo, na universalização da lei e na ética do trabalho, no Brasil, a cultura do favor, antimoderna como a escravidão, prega a dependência pessoal, a exceção à regra e a remuneração de serviços pessoais. O “homem livre” continuava preso a uma estrutura social que não se desvinculava de princípios arcaicos de privilégio e de clientelismo, obstáculos para a constituição de um Estado Moderno. (SOUZA, 2002, p.52).

No artigo intitulado “Nacional por Subtração” (SCHWARZ, 1987), Roberto Schwarz reacende a polêmica entre o seu pensamento teórico e o de Santiago e Haroldo de Campos, ao se posicionar de forma distinta quanto às redefinições dos conceitos de nacionalidade e de dependência cultural. Nesse texto, conforme constata Sandra Nitrini, “Embora não se refira aos termos fonte e influência, Schwarz vale-se dos conceitos de imitação e cópia que, tanto quanto os anteriores, são abominados por críticos que se alinham na teoria desconstrutivista e por comparatistas que renegam as tendências tradicionais da literatura comparada.” (NITRINI, 1997, p.219).

Neste ensaio, Schwarz alega que as ideias desconstrutivistas servem para alimentar o nosso ego, nosso amor próprio:

Tais idéias que fundamentam a possibilidade de passarmos de atrasados a adiantados, de desvio a paradigma, de inferiores a superiores serão muito bem recebidas e cultivadas nos países que vivem na humilhação da cópia explícita e inevitável porque estão mais preparados que a metrópole para abrir mão de origem primeira (ainda que a lebre tenha sido levantada lá e não aqui). (SCHWARZ apud NITRINI, 1997, p. 220).

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Podemos perceber pelo entrecho acima que Schwarz alega que as teorias desconstrutivistas, embora criadas nos países metropolitanos, serão bem mais aceitas nos países periféricos, porque para os países centrais é difícil abrir mão da origem primeira. O crítico alerta que nossas produções literárias manifestam a “diferença”, mas o discurso crítico continua dependente. O autor demonstra inquietação diante da importação de modelos estrangeiros sem que se faça a devida contextualização, nem uma reflexão aprofundada:

Duas atitudes contrárias ilustram o quadro do sentimento de inadequação cultural dos brasileiros: de um lado, a importação indiscriminada e sem motivação própria de tendências estrangeiras; de outro, a rejeição nacionalista de todo o imperialismo metropolitano.

No primeiro caso, Roberto Schwarz mostra como diversas tendências da crítica literária internacional são importadas e se sucedem em ritmo acelerado, por exemplo, nos anos 60 e 70 deste século, sem que uma reflexão aprofundada justifique a troca de uma pela outra. (SCHARZ apud  NITRINI, 1997, p.221).

Conforme assinala Sandra Nitrini:

‘Nacional por subtração’ se constrói com base na crítica a essas várias visões, mostrando sua ineficácia, uma vez que nenhuma delas trabalha, no entender do autor, com a questão principal: a estrutura social desuniforme do país, responsável pela segregação dos pobres, fazendo que a cultura se encontre sempre numa posição insustentável e contraditória. Em suma, para Schwarz, o problema da imitação vem articulando uma série de constrangimentos históricos ligados aos próprio desenvolvimento da história contemporânea da qual o Brasil faz parte. (NITRINI, 1997, p.224-225).

Portanto, para Schwarz, o tema definidor da cultura brasileira se desenvolve em torno da dualidade nacional/estrangeiro, onde o nacional é sempre por subtração. Isto é, tirando as ideias e modelos importados, sobra pouca coisa, mas o que sobra é o nacional. Também Paulo Emílio Sales Gomes já havia exposto esse problema com clareza: “Não somos europeus ou americanos do norte, mas, destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e ser o outro”. (GOMES, 1986, p. 88).

Conforme destaca Maria Elisa Cevasco (2003), um passo central para o obra de Roberto Schwarz foi desatar esse nó da dualidade no debate sobre a cultura nacional, em permanente oscilação entre um falso cosmopolitismo e um

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igualmente falso nacionalismo. Ele demonstra que o debate sobre o caráter imitativo da cultura nacional é em si mesmo ideológico: o problema central nunca foi escolher entre imitar o estrangeiro ou defender posições nacionalistas. Esse falso problema dá notícia da distância entre as elites brasileiras e o resto do país, como atesta a seguinte assertiva do crítico: “Por sua lógica, o argumento oculta o essencial, pois concentra a crítica na relação entre elite e modelo, quando o ponto decisivo está na segregação dos pobres, excluídos do universo da crítica contemporânea. (SCHWARZ, 1987, p.47).

Além disso, conforme explicita Sandra Nitrini:

(...) Roberto Schwarz se insere na tradição crítica instaurada por Antônio Cândido. Ambos conferem importância à continuidade do trabalho intelectual. Para Roberto Schwarz, uma das falhas dos países subdesenvolvidos consiste no desinteresse pelo trabalho da geração anterior, fazendo que o antigo seja relegado e o presente não se articule com o passado, gerando todo um processo de descontinuidade, no qual o pensamento do país se perde na incerteza das novidades vindas do estrangeiro. (NITRINI, 1997, p.226).

Vemos, dessa forma, a posição crítica de alguns de nossos mais importantes pensadores que são Antônio Cândido, Silviano Santiago, Haroldo de Campos e Roberto Schwarz. Tais autores inserem-se no debate com argumentações ora coincidentes, ora conflitantes. Entretanto, ambos demonstram que “(...) a inadequação e o mal-estar na cultura brasileira causados pelo confronto entre a recepção e a atualização dos empréstimos estrangeiros constituem, inegavelmente, um dos pontos cruciais da problemática transcultural”. (SOUZA, 2002, p.52). Assim sendo, por suas pertinentes reflexões, o conhecimento dos trabalhos de tais autores são imprescindíveis para qualquer crítico que ouse se aventurar nas trilhas abertas pela Literatura Comparada.

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UNIDADE 3 – A RELAÇÃO ENTRE A LITERATURA

COMPARADA E OS ESTUDOS CULTURAIS

3.1. Literatura Comparada = Estudos Culturais?

No campo dos Estudos Literários, várias mudanças ocorreram a partir do surgimento dos chamados “Estudos Culturais”, que fizeram com que estudar Literatura passasse a ter um enfoque mais amplo e cultural, aliado ao interesse pela pesquisa de temas ligados às minorias.

Segundo Yudice (1993), os Estudos culturais se originaram na Inglaterra no final dos anos 50 e começo dos anos 60. Sua institucionalização começou em um pequeno departamento de inglês em Birmingham com a criação do Birmingham Center of Contemporany Cultural Studies . O motivo imediato da fundação do centro foi a legitimação acadêmica de um ethos  democratizador a respeito das classes operárias na Inglaterra do pós-guerra que começou a sentir a ruptura dos valores tradicionais e o impacto das novas formas de riqueza e consumismo das hierarquias.

Os fundadores vieram, dessa forma, de uma tradição totalmente marginal a dos centros da vida acadêmica inglesa. Eram professores em programas de educação em centros para operários e procuraram reivindicar o valor dos operários numa luta intelectual e cultural, deslocando o sentido de cultura da sua tradição relacionada às elites para as práticas cotidianas. Assim sendo, o conceito de cultura ganhou um tom antropológico, deixando de ser posse de uma elite restrita para ser encarada como um modo de vida.

Raymond Willhiams é um dos fundadores dos Estudos Culturais. Seu projeto privilegia a inter-relação entre os fenômenos culturais e socioeconômicos e o ímpeto da luta como agente transformador. Sob esse prisma, a crítica se sobrepõe a criação.

Embora tenham diferentes pontos de vista políticos, os fundadores dos Estudos Culturais formulam um discurso de crítica à nova sociedade industrial. Conforme foi dito anteriormente, eles se caracterizam por serem pensadores vindos

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das classes operárias e que têm como objeto de estudo as manifestações culturais que a elite rotula como cultura popular.

Raymond Williams argumenta que a cultura era posse de uma minoria, portanto se fazia necessário difundi-la por meio da educação. Williams vê a cultura como algo que pertence a todos, cuja tarefa é a criação de significados e valores, como é o caso da linguagem. Ele não despreza o cânone, mas acredita que a cultura é muito mais abrangente. Então, afirma que é preciso se apropriar da herança da elite através dos meios de produção cultural. Williams distingue ainda cultura da classe trabalhadora da cultura popular (jornais, revistas, entretenimento, etc), sendo que aponta esta última como tipicamente capitalista. Podemos dizer que sua maior contribuição para o debate cultural advém da sua percepção materialista de cultura, que vê os bens materiais como resultados da posse dos meios de produção.

Os Estudos Culturais surgiram, portanto, como uma reação aos problemas e bloqueios da disciplina do inglês, sendo que os fundadores do centro passaram a estudar a resistência de determinadas classes pela leitura de seus textos, ou seja, “escutando suas vozes”. Segundo Cevasco (2003), muitos creditam o surgimento dos Estudos Culturais à atuação dos professores da Workers  Educational Association  (WEA) que passaram a ensinar para trabalhadores arte e literatura relacionando-as à história e a sociedade contemporânea, ostentando uma intervenção política.

A WEA acreditava que uma nova sociedade só poderia ser criada de baixo para cima, com a troca de ideias entre trabalhadores e intelectuais. Privilegiava o experimentalismo, a interdisciplinaridade e o envolvimento político.

A revolução social dos anos 60 posteriormente cede lugar a um endurecimento de relações entre as diferentes classes sociais e a diminuição da resistência de instituições como as universidades. A política da Guerra Fria, por temer o comunismo, passou a reprimir os movimentos operários. Assim, a WEA perdeu a sua significação política e muitos dos seus professores acabaram sendo absorvidos pelas universidades, o que levou a que os Estudos Culturais fossem institucionalizados como disciplina universitária.

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Para seus opositores, os Estudos Culturais vieram para “destruir” o valor da literatura, excluindo a dita Alta Literatura. Já seus defensores alegam que eles apenas deselitizam a cultura, antes restrita a uma minoria, e celebram o popular, apoiados em um antiintelectualismo de longa tradição na Inglaterra.

Para Raymond Williams a cultura em comum é aquela continuamente redefinida pela prática de todos os seus membros e não uma na qual a que tem valor cultural é aquela produzida por poucos e vivida passivamente pela maioria. Os Estudos Culturais remetem, dessa forma, a uma noção inseparável entre cultura e mudança radical. Williams condena ainda a separação ente cultura alta e popular, pois acredita que uma complementa a outra.

Esse interesse pela cultura geral, e não apenas pela alta cultura, expandiu o campo dos Estudos Literários e potencializaram o aspecto do conhecimento social da crítica cultural. Também podemos destacar como ponto positivo travado na relação estabelecida entre estudos culturais e literários a forma como o materialismo cultural estuda a literatura.

De acordo com esse método, o conceito de literatura varia de acordo com o tempo e com as condições de produção. O materialismo não considera os produtos da cultura como “objetos”, mas sim como práticas sociais. Seu objetivo é desvendar as condições dessa prática e não meramente elucidar os componentes de uma obra. Ao fazer análise literária, os Estudos Culturais vão indagar as condições de possibilidades históricas e sociais dessas obras que as fizeram serem concebidas como literatura.

Podemos ainda afirmar que o momento presente é de expansão da disciplina, sendo que atualmente é nos Estados Unidos, centro do novo império mundial, que acontece uma enorme explosão dos Estudos Culturais.

No que concerne ao Brasil, podemos dizer que assim como em muitos outros países, ele teve formas de Estudos Culturais antes de a disciplina se transformar em grife acadêmica. Mas, a data oficial de seu reconhecimento institucional no país é 1998, ano em que a Abralic escolheu como tema “Literatura Comparada = Estudos Culturais?”.

Assim como na Literatura Comparada, uma característica preponderante da nova disciplina é a abordagem diversificada e multidisciplinar.

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Contudo, os estudiosos que fazem Estudos Culturais se interessam por uma forma de ler oposta àquela de uma Literatura absoluta, eterna e atemporal, distante do social. Portanto, a noção de cultura é deslocada, deixando de ser um termo associado a produções da elite para se tornar um termo abrangente, que abarca as produções dos diferentes agentes sociais. Como desilitizar é desmistificar, os Estudos Culturais provocam uma desauratização em torno do objeto literário, procurando levar as discussões às classes excluídas para que estas se tornem agentes ativos da sua prática social. Ou seja, a inclusão social passa a ser também cultural.

Do mesmo modo, o cânone torna-se mais flexível, abrindo-se para as literaturas marginais. Os textos são vistos como práticas discursivas, dentre outras. Noções como a de imitação, cópia, perdem o sentido depreciativo, pois o segundo texto passa a ser encarado como revitalizador do primeiro.

De acordo com esse ponto de vista, o valor da literatura brasileira, por exemplo, assim como o de outras literaturas latino-americanas estaria em como elas se apropriam das formas europeias.

Todavia, a chegada dos Estudos Culturais provocou uma cisão no meio acadêmico entre aqueles que defendem os Estudos Literários e os partidários dos Estudos Culturais. Os representantes dos primeiros mostram-se inconformados com a perigosa diluição do objeto de análise e a presumida ausência de rigor teórico e sistematização metodológica. Essa situação teria sido motivada pelas teorias da multiplicidade, da desconstrução, da descontinuidade pós-estruturalista de Deleuze, Derrida, Focault. Mais a grande vilã da história se concentra na figura informe da interdisciplinaridade, praticada, segundo seus detratores, sem a observância de leis ou de controle.

Luís Costa Lima (LIMA, 1997), por exemplo, advoga a favor de um resgate da prática teórica como forma de controle do “armazém de secos e molhados” que se tornou a prática interdisciplinar. Também entre os defensores dos Estudos Literários, podemos apontar, dentre outros, a crítica Leyla Perrone-Moisés.

Autora de Altas Literaturas (PERRONE-MOISÈS,1998), Leyla Perrone afirma que o amor pela literatura está em declínio, justamente entre aqueles que seriam supostamente seus estudiosos e divulgadores, os professores universitários. Em seu

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livro, ela traça um panorama do desinteresse pela literatura, que cada vez mais cede lugar aos departamentos de Estudos Culturais nas universidades. Nestes, segundo a autora, a literatura importa menos por suas qualidades do que por ser expressão de uma determinada minoria sexual, étnica, etc (literatura feminista, gay, afro-americana, etc). Ela critica a diluição das fronteiras e afirma que é preciso ter critério ao se fazer comparações. O cânone representa, dessa forma, um juízo reflexivo que é necessário, como podemos observar pelas seguintes palavras da autora:

O “cânone ocidental” é um patrimônio nosso, europeu e americano; pertence à nossa memória histórica; e, segundo os princípios iluministas ocidentais, é um patrimônio cultural da humanidade. Em nome de velhos rancores coloniais e de recentes libertações sexuais, não devemos jogá-lo fora, negando às novas gerações o direito de conhecê-lo e a liberdade de avaliá-lo.

Valorizar o cânone ocidental não é fechá-lo; é apenas não o esquecer nem censurar, sob o pretexto de que não gostamos de nossa história passada, logocêntrica, machista, colonialista, etc. (PERRONE-MOISÈS, 1998, p. 202).

A autora afirma ainda que os mais fortes inimigos do cânone ocidental e do que ele representa não são os universitários culturalistas, mas sim a lógica mercadológica que impera na sociedade contemporânea. Ou seja, escreve-se tendo em mente a passagem direta para veículos de comunicação de massa. Segundo Leyla, o problema é que a cultura de massa tornou-se industrial em escala planetária e, como tal, fornecedora de produtos padronizados segundo uma demanda de produtos de baixa qualidade estética, que ela ao mesmo tempo cria e satisfaz:

Enquanto, nos Campi  universitários, os teóricos acadêmicos modernos discutem com os acadêmicos pós-modernos, os literários com os culturalistas, os machistas com as feministas, o vale-tudo ideológico e estético prospera e aufere lucros, indiferente a qualquer teorização ou crítica”. (PERRONE-MOISÈS,1998, p.203).

Portanto, a autora não quer um cânone rígido, mas assegura que é preciso preservar esse patrimônio cultural e histórico, pois não podemos entrar numa espécie de vale-tudo. Assim sendo, ela conclui que:

(...) a desconstrução, quando bem entendida, deve ser permanentemente recomeçada. Propostas como a da morte do autor (Focault), do descentramento (Derrida), da escritura (Barthes, Sollers) tiveram efeitos

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positivos. Elas puseram em xeque as autoridades opressoras, abriram caminho para novas formas de escrita, para as literaturas emergentes e não-canônicas. Mas essas propostas, mal compreendidas ou aplicadas de modo literal, tiveram efeitos perversos na criação, na crítica e nos ensinos literários: foram assimiladas como criatividade espontânea, como dispensa de qualquer competência ou formação, como irresponsabilidade autoral, como desprezo pela tradição e pela alta cultura, como valorização ideológica automática de qualquer produto “marginal”. Além disso, a generalização anônima do texto, a indiferenciação dos gêneros e a abolição dos critérios estéticos foram postos a serviço da informática e da industrialização cultural, que oferecem ao consumidor produtos transnacionais padronizados, uma espécie de “moda mix” na cultura e nas artes. Será que, ao efetuarmos a liquidação sumária da estética, do cânone e da crítica literária, não jogamos fora, como a água do banho, uma criança que se chamava literatura? (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 214).

Por sua vez, os Estudos Culturas são praticados, dentre outras universidades do país, na Universidade Federal de Minas Gerais. Assim, entre os seus defensores, podemos apontar a professora e crítica literária Eneida Maria de Souza. Assim, ao tratar a respeito da importação de teorias estrangeiras, a autora dialoga com Roberto Schwarz se posicionando contrariamente ao crítico, como podemos perceber pelo seguinte entrecho:

O olhar unívoco em direção a uma determinada tradição carece de malícia; a visão excludente de tradições teóricas revitaliza a já gasta polêmica das “idéias fora do lugar”. Na ausência deliberada de um porto seguro para as idéias, o importante é enfatizar o descentramento de lugares de origem, supostamente produtores de saber. De maneira curiosa, o verbo comparar vai sofrendo, ao longo do tempo, modificações que tendem a abalar as posições universalistas-principalmente ditadas pela cultura européia – e das limitações de ordem nacionalista – ligadas a um pensamento redutor. (SOUZA, 2002, p.43).

Eneida propõe que haja um intercâmbio entre a literatura com outras tradições e fontes de saber. Ou seja, não se deve passar de um extremo a outro. Assim, a literatura aparece como tendo um lugar de destaque, mas não tendo um lugar hegemônico sobre os estudos culturais. Por isso Eneida fala de o “não-lugar da literatura”, enfatizando, dessa maneira, o caráter nômade e processual do saber:

Infelizmente, torna-se tarefa impossível conservar, na atualidade, posições radicais contra os desmandos da teoria e o descontrole dos paradigmas de referência. O mundo mudou, nos últimos dez anos, de forma assustadora (para o bem e para o mal), e porque motivo as concepções artísticas, teóricas e políticas não deveriam trocar o caminho tranquilizador do reconhecimento pelo do saber sempre em processo? Enfrentar esse desafio é uma das formas de continuar a mover o debate teórico, para que este não se transforme em consenso de grupos ou na apatia acadêmica, provocada

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por um certo tipo de mal-estar, que não incita a curiosidade, mas, ao contrário, alimenta o conservadorismo. (SOUZA, 2002, p. 78).

A autora acredita em um saber processual, fragmentário e nômade. Portanto, que carece de ser construído e reformulado constantemente. Por isso, é fundamental o exercício crítico, uma vez que este proporciona a movimentação do debate teórico. Eneida considera prejudicial o consenso de grupos e pontua que o “mal estar” propagado por aqueles que se posicionam contra a importação de teorias só levam a uma crescente apatia e ao conservadorismo. Mais uma vez ela contesta Roberto Schwarz como podemos observar pela assertiva: “A aceitação da sina de país periférico e a resistência que impulsiona a busca da diferença e das inserções residuais de nossa cultura frente às demais colocam em xeque o preconceito de estarem as idéias fora do lugar de origem.” (SOUZA, 2002, p.108).

Por fim, achamos prudente salientar algumas críticas que são feitas aos Estudos Culturais. A principal delas reside no fato de a retórica continuar sendo muito sofisticada, haja vista que quem fazia estudos literários foi quem passou a fazer estudos culturais. Assim sendo, corre-se o risco de ocorrer a manutenção do status quo, já que se teoriza sobre as minorias, mas estas muitas vezes não só não depreendem como também não participam da teorização.

Além disso, conforme já foi dito anteriormente, embora as minorias sejam valorizadas pelos novos discursos críticos, elas tendem a serem absorvidas pelo mercado, tornando-se apenas mais um entre os produtos standartizados . Por exemplo, parece que atualmente virou “moda” estudar as literaturas marginalizadas. O problema disso é quando tais estudos trazem meras análises superficiais, sem que consigam engendrar uma visão profícua em torno nas novas negociações identitárias que se faz necessária em tempos pós-modernos, marcados pela globalização e pela transnacionalização do capital.

Logo, faz-se necessário uma reflexão profunda sobre todas essas questões para que se fomente um debate que seja realmente crítico, alheio aos modismos e a importação indiscriminada dos estrangeirismos.

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3.2. O lócus de enunciação da América Latina

A implantação dos estudos culturais no Brasil e na América latina foi feita a fim de se juntar a uma concepção teórica fluente que vinha se desenvolvendo na academia em diversos lugares do mundo, e assim, procurou-se adicionar as nossas peculiaridades latino-americanas ao coro pluralista que tenta mapear um lugar de onde se possa falar em um mundo globalizado.

Nesse sentido, insere-se o ensaio de Ricardo Piglia, escritor e crítico argentino, “Una propuesta para el nuevo milênio” (PIGLIA, 2001), no qual elege o “deslocamento” como uma qualidade para a literatura do próximo milênio. Piglia completa as propostas que Ítalo Calvino, escritor italiano, havia elencado para a literatura do futuro: visibilidade, leveza, rapidez, exatidão e multiplicidade. A sexta proposta, Calvino não escreveu. Então, Piglia acrescenta o deslocamento, o que significa “Sair do centro, deixar que a linguagem fale também da borda, no que ouve, no que chega de outro”. (PIGLIA, 2001).1 É interessante que Piglia está deslocando o próprio debate, de Harvard, lócus  de enunciação de Calvino, para a periferia, Buenos Aires:

Como nós poderíamos considerar esse problema a partir da Hispanoamérica, a partir da Argentina, a partir de Buenos Aires, a partir de um subúrbio do mundo? Como nós veríamos o problema do futuro da literatura e sua função? Não como alguém que o vê de um país central com uma grande tradição cultural. Nós colocamos esse problema a partir da margem, a partir das bordas das tradições centrais, mirando “al sesgo”. E este mirar “al sesgo” nos dá uma percepção, quiçá, diferente, específica. (PIGLIA, 2001).2

Piglia procura mostrar as vantagens concernentes à posição do intelectual periférico, pois o intelectual do centro só conhece o centro, mas o intelectual periférico circula tanto pelo centro quanto pela periferia. Por isso, seu olhar é diferente. Ele mira “al sesgo ”, ou seja, olha de viés, de soslaio.

1Texto original: Salir del centro, dejar que el lenguaje hable también en el borde, en lo que oye, en lo  que llega de otro .

2 Texto original: ¿Cómo podríamos nosotros considerar ese problema desde Hispanoamérica, desde  la Argentina, desde Buenos Aires, desde un suburbio del mundo? ¿Cómo veríamos nosotros, el  problema del futuro de la literatura y su función? No cómo lo ve alguien en un país central con  una gran tradición cultural. Nos planteamos entonces ese problema desde el margen, desde el  borde de las tradiciones centrales, mirando al sesgo. Y este mirar al sesgo nos da una  percepción, quizás, diferente, específica.

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Uma vez dotado desse olhar levemente marginal, o intelectual cede espaço a outras vozes. Vozes nativas recalcadas, vozes desarmoniosas e contraditórias. Ele se abre a novas possibilidades de construção da linguagem, permitindo que a fala que vem do outro o ajude a narrar, sobretudo nos momentos de horror e violência, quando as palavras parecem atingir um limite ao qual não parece ser possível transgredir:

Há um ponto extremo, um lugar – digamos – ao qual parece impossível aproximar-se com a linguagem. Como se a linguagem tivesse uma borda, como se a linguagem fosse um território com uma fronteira, depois de qual está o silêncio. Como narrar o horror? Como transmitir a experiência do horror e não só informar sobre ele? (PIGLIA, 2001).3

O distanciamento é, então, necessário, segundo Piglia, porque a narração direta não alcança a abrangência do dilaceramento que experiências tais como o horror e a violência imprimem no sujeito. Por isso, é preciso chamar o outro à fala, para que ele as possa transmitir de forma vívida e convincente. Isto é, a fala do outro ajuda a contar sobre aquilo que a linguagem própria, na sua precariedade, não é suficiente para expressar. Piglia requer, dessa maneira, o deslocamento da observação direta para reivindicar uma visão mediada por outro. E assim, por meio dessa outra voz que emerge na narrativa, novas imagens, que contrapõem e contestam as ficções oficiais, podem ser formuladas.

Ricardo Piglia está, dessa maneira, discutindo o lugar do intelectual contemporâneo, que já não se enclausura no centro hegemônico, mas que caminha em direção às margens, produzindo uma enunciação diferenciada, que articula espaços e culturas diversas, sem perder, no entanto, a sua função crítica e questionadora do discurso hegemônico.

Walter Mignolo (MIGNOLO, 2003) por sua vez fala de “descolonização intelectual”. Segundo o autor, o projeto colonial, atrelado ao ocidentalismo, foi responsável pela subalternização de diversas formas de conhecimento como, por exemplo, as cosmologias dos ameríndios, suas memórias e tradições. No entanto, segundo o autor, atualmente os lugares que foram considerados margens dos

3 Texto original: Hay un punto extremo, un lugar-digamos- al que parece imposible acercarse con el  lenguaje. Como si el lenguaje tuviera un borde, como si el lenguaje fuera un territorio con una  frontera, después de cual esta el silencio. ¿Cómo narrar el horror? ¿Cómo transmitir la  experiencia del horror y no solo informar sobre él? 

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