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RUPTURA DE CAMPO: PROPOSTA CLÍNICA E METODOLÓGICA DE FABIO HERRMANN

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Academic year: 2021

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Aline SANCHES* Hélio Rebello CARDOSO JR

FCL UNESP – Assis

Resumo: Este trabalho é parte de uma pesquisa de iniciação científica, financiada pela

FAPESP, cujo principal objetivo era estudar alguns conceitos da Teoria dos Campos de Herrmann e da Esquizoanálise, quanto às suas possíveis ressonâncias. Neste momento, nos limitaremos a expor a proposta clínica e metodológica de Herrmann, que nasce de uma revisão crítica da Psicanálise, realizada com a intenção de resgatar o método psicanalítico em Freud, implícito e inaparente em sua obra. Tal empreendimento gerou a reformulação de alguns conceitos metapsicológicos e operacionais, como é o caso do inconsciente, representação e interpretação, e a criação de novos conceitos, como campo e ruptura de campo. Vemos que uma análise crítica dos fundamentos da Psicanálise implica necessariamente uma crítica à interpretação e à sua utilização técnica, e é por isso que sua proposta metodológica é indissociável de sua proposta clínica. Ao precisar como devem ser considerados o método, a técnica e a teoria, para fazer a Psicanálise funcionar com toda sua potencialidade transformadora e terapêutica, Herrmann tira o lugar de privilégio de qualquer sentença proferida sobre o inconsciente. As teorias são consideradas como versões de um inconsciente em constante produção e nada designam de concreto sobre o inconsciente. Além disso, somente são válidas no contexto em que foram produzidas, isto é, na sua eficácia em produzir rupturas de campo. Herrmann reveste a interpretação com novos preceitos e a transforma num instrumento ilimitado de criação e construção. Isso só se torna possível por considerar a interpretação como o processo capaz de promover rupturas de campo.

* psicoaline@yahoo.com.br

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Ruptura de campo: proposta clínica e metodológica de Fabio Herrmann

Herrmann esboçou suas primeiras idéias no final dos anos 60, antes mesmo de começar uma formação analítica oficial. Com o espírito inquieto de iniciante, intrigava-o cintrigava-omintrigava-o a psicanálise pintrigava-oderia abarcar interpretações tãintrigava-o diversas sintrigava-obre a psique, até mesmo teorias divergentes entre si, ensinadas muitas vezes de maneira doutrinária e aplicadas como se fossem um tradutor automático do inconsciente. É assim que detecta uma crise na psicanálise, e volta-se a Freud para entendê-la e buscar soluções.

Herrmann aponta que, após Freud, sucedeu-se o “Período das Escolas”, ou “a segunda geração” psicanalítica, marcado pela fragmentação da psicanálise em várias correntes desenvolvidas paralelamente. Os autores que retomaram a vasta obra deixada por Freud elegeram pontos de concordância ou divergência, acrescentando conteúdos cada um a sua maneira, sem a preocupação de promover um diálogo organizador entre elas, eliminando qualquer visão de conjunto sobre a psicanálise (HERRMANN, 1991, p. 15-16). Após esta segunda geração - em que se incluem autores como Bion, Klein, Lacan, Winnicott - é como se cada escola oferecesse um pacote contendo sua própria linguagem, sua própria teoria e modus operandi, privilegiando alguns aspectos ou outros, convertendo-se em fundamento do que deveria apenas ser parte integrante. Assim, a Psicanálise, enquanto disciplina e método, acaba sendo confundida com alguma escola específica, ou com técnicas, isto é, torna-se essencial ter certo número de sessões, usar o divã, ou interpretar de certa maneira para que seja realizada qualquer prática psicanalítica. Por isso, Herrmann faz uma distinção entre Psicanálise e psicanálise: com inicial maiúscula, refere-se à disciplina e ao método, indispensável para sua aplicação; com inicial minúscula, refere-se às formas particulares de sua aplicação, tais como as teorias – lacaniana, kleiniana – e as técnicas.

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Como resultado dessa fragmentação, tem-se escolas em conflitos, surdas uma as outras, produzindo práticas e conhecimentos de maneira desorientada: “escapa-se da tirania do sistema único, porém criam-se subsistemas ainda mais tirânicos (...)” (ibid; p.16). Explica-se assim o fato de a Psicanálise muitas vezes ser ensinada como se fosse um conjunto de receitas prontas, um dicionário tradutor dos mecanismos e dos instintos inconscientes: suas técnicas e teorias parecem condenadas à repetição e à reprodução.

Dessa maneira, a solução que Herrmann encontra é resgatar em Freud o método psicanalítico, implícito e inaparente em sua obra, tornando-o norteador das avaliações críticas sobre o que se produz sob o nome de Psicanálise. É com a intenção de rumar em direção à terceira geração psicanalítica, “recusando-se a ser uma escola a mais, antes buscando a trilha que permita conciliá-las por depuração seletiva” (ibid, p.16), que Herrmann parte para uma investigação minuciosa em Freud, com a vantagem de se utilizar de uma lente contemporânea para fazer sua releitura. A trilha que busca é o método, o qual permite encontrar novas possibilidades para as limitações que encontra na Psicanálise: a fragmentação em escolas doutrinárias e a prática restrita aos consultórios - infinita busca nas profundezas do indivíduo.

Mas em que consiste o método psicanalítico? Do grego méthodos, caminho para um fim, a idéia inicial de resgate do método seria: o que há em comum entre as várias formas de fazer psicanálise, freudiana, kleiniana ou lacaniana, que as tornam tão eficazes terapeuticamente? O que faz um analista em seu consultório? Para Herrmann, a legitimidade da Psicanálise somente se confirma através de sua eficácia, por isso a resposta para estas questões básicas e fundamentais estaria no método, que se constitui como a condição essencial para sua realização e para produzir efeito psicanalítico. O método deve ser considerado como o mecanismo de produção da análise, e não deve se confundir com as ferramentas criadas para melhor fazê-lo, isto é, com técnicas e teorias.

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Método e técnica confundem-se sem problemas maiores no período formativo, de invenção, e se complementam naturalmente no período clássico. Hoje, não mais. Há inúmeras técnicas, como se sabe. Além das psicanálises de escolas diversas, há psicoterapias mais analíticas que certas análises, há análises psicoterápicas e até adaptativas, e técnicas bem distantes da psicanálise padrão, porém metodologicamente psicanalíticas – e aí nem o divã se salva. Já o método é outra coisa. É a forma geral do pensamento e da ação numa disciplina; em técnicas diferentes, o mesmo método deve estar. (HERRMANN, 2001b, p.51).

Sabemos que o método psicanalítico é o próprio método interpretativo. É por isso que sua proposta metodológica torna indispensável uma reformulação do conceito freudiano de interpretação, considerada por Herrmann como o motor do efeito psicanalítico e o maior trunfo de Freud. Longe de se tratar de sentenças reveladoras proferidas pelo psicanalista, a interpretação deriva-se aqui de um acúmulo, de uma construção. A interpretação é o processo que deve levar a uma ruptura de campo, este sim garantia de transformação psíquica. Herrmann diferencia o termo sentença interpretativa de interpretação. Sentenças interpretativas são reservadas para o que resulta do processo, é a organização teórica que acompanha a organização de um novo campo. Não devem ser formuladas durante o processo, a fim de não interrompê-lo. Já as interpretações são os pequenos toques que induzem o processo de ruptura de campo, um repertório inesgotável que não deve se restringir às teorias tradicionais.

É por isso que o método

Cria as teorias e as técnicas, mas não se deriva de uma delas em particular (...) A maneira de nosso método produzir conhecimento sobre a psique humana consiste em submetê-la a uma condição que não se encontra na vida comum, senão potencialmente ou muito diluída e rara: a ruptura de campo. (HERRMANN, 2001b, p.62).

O termo campo, que acaba por denominar o conjunto de sua obra, Teoria dos

Campos, é utilizado por Herrmann para dizer ao seu modo, do inconsciente freudiano.

Mas, diferente deste, cada campo é também um inconsciente relativo, isto é, relativo às relações que determinam, sendo a psique uma ampla série de campos articulados. Através dessa definição, Herrmann entende como a Psicanálise pode abranger teorias tão diversas sobre a psique humana, teorias que muitas vezes são divergentes e

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contraditórias entre si. É que as teorias são, de fato, apenas formulações parciais de um inconsciente que pode se manifestar de infinitas formas, e por isso devem se limitar ao contexto em que foram produzidas, isto é, ao campo – ou inconsciente relativo – rompido. O conceito de campo é a chave para toda sua reformulação acerca do processo terapêutico e dos conceitos que o norteiam, tais como inconsciente, desejo e representação. Com essa noção, o inconsciente perde seu caráter de unidade e deixa de ser algo interiorizado no sujeito, como um “órgão psíquico”. Neste momento, apresentaremos a idéia de campo visando entender em que consiste a operação fundamental da Psicanálise, segundo Herrmann: a ruptura de campo.

Um campo é o lugar das regras que determinam as relações que concretamente vivemos (daí ser razoável a expressão inconsciente relativo), é o lado oculto, produtor (...) Uma pessoa está num campo ou não está, ao contrário do inconsciente freudiano, em que sempre se está. Não estando num, está noutro. Quando se está num campo, todas as relações – as idéias, os sentimentos etc. – são produzidas e determinadas por ele. (ibid, p.26).

Os campos são linhas de força que sustentam toda representação, cuja expressão máxima é a realidade. Toda forma da realidade, incluindo cada tipo de configuração humana e social, são encarnações das regras sustentadas pelos campos do inconsciente, são representações. Portanto, é da ordem de funcionamento do próprio campo manter-se fechado e com uma lógica bem definida, pois está implicado na manutenção da superfície representacional do sujeito. No entanto, tais representações, podem conter pontos fixos, barrando o desejo em sua potencialidade de efetuar novas composições. Estes pontos fixos são sempre tomados como naturais pelo sujeito, não se vislumbram outras possibilidades de ser, seus movimentos limitando-se a um mesmo velho repertório. É este o sintoma, que nada mais são do que nós do desejo. É por isso que cabe à clínica promover rupturas de campo, o que coloca em suspenso as representações. Romper um campo significa permitir a dissolução de estruturas paralisantes e, consequentemente, a emergência de novos possíveis, através da

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instalação de novos campos. É isso que um analista faz quando coloca em movimento o método psicanalítico:

Este, ao contrário do que vulgarmente se crê, não discute pontos de vista a partir de seu conhecimento teórico; ele faz com que sentidos diferentes do discurso do paciente, escutados e apreendidos fora do tema proposto por ele, entrem em contato, às vezes em choque. (Herrmann, 2001b, p.53).

O choque provocará fissuras, rachaduras, rompendo o campo rigidamente estruturado. A intenção é permitir ao paciente sair da automaticidade de seu cotidiano, fazendo-o demorar-se um pouco mais nesse estado de abalo da superfície representacional: “nosso psiquismo cria e procura manter seus campos, a situação analítica sistematicamente os desmancha” (HERRMANN, 2001b, p.61). É por isso que “a operação fundante de nossa clínica, por sua vez, implica certa dose de violência com respeito às representações do paciente” (HERRMANN, 1991, p.118). Opera-se uma “descamação” no inconsciente, uma perfuração através de sucessivas camadas de representações e crença.

A interpretação é o operador básico do método, que é o método da ruptura de campo. É desta forma que se garante o efeito psicanalítico:

A interpretação produz asserções descritivas meramente possíveis, cuja meta é jogar com as diferenças que se produzirão no sujeito. A precisão da apreensão dos sentidos possíveis não equivale, portanto, a uma explicação de processos psíquicos, mas à precisão em fazer com que se choquem diferentes representações, nisso consistindo as interpretações. Há algum sentido em dizê-las verdadeiras ou falsas? (ibid, p.82).

Esta questão visa dissociar a interpretação do valor de realidade psíquica que seria capaz de revelar. Simplesmente, a questão do verdadeiro ou falso não se coloca em uma análise, pois tudo deve ser considerado como sentidos possíveis, cuja existência é somente potencial. A essa proliferação de possíveis, Herrmann chama de fantasias, que cabe ao analista evidenciar, isto é, interpretar. Fantasia não se opõe à razão nem à realidade, é bom esclarecer; mas é a única realidade do campo psicanalítico e equivale à potencialidade de cada sentido e significado se desdobrar em inúmeros outros.

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O que guia o analista em meio ao choque entre representações e a conseqüente proliferação de possíveis é a teoria, ou melhor, são as prototeorias que vão se produzindo ao longo do experimento analítico: “é no ato clínico que o analista teoriza, o que equivale apenas a não aplicar teorias tradicionais diretamente ao paciente, substituindo a técnica pela teoria, mas a retirar do vórtice representacional prototeorias talhadas sob medida para cada analisando” (HERRMANN, 2001b, p.88).

A maneira que Herrmann encontra para escapar de sugestões teóricas é a de sempre verificar o seu valor interpretante em cada campo analisado. Valor interpretante da teoria é a sua eficácia em produzir ruptura de campo: “As teorias operam primariamente no campo em que se deu sua descoberta e, quando são estendidas a outros inconscientes relativos, é indispensável que se reabra a questão de sua validade, para saber se ainda possuem valor interpretante” (ibid, 82).

Pois as teorias devem ser entendidas como operadores a favor da interpretação, isto é, para fazer surgir sentidos possíveis das configurações onde são aplicadas. Desta forma, sempre apontam para o inconsciente, mas não servem para explicá-lo como uma totalidade. As teorias nada designam de concreto, seu valor está na potencialidade de produzir novas teorias, que nada mais são do que versões de um inconsciente em constante produção. Ao priorizar o método enquanto processo para promover rupturas de campo, Herrmann tira a interpretação do lugar de decifradora do inconsciente e a torna um instrumento ilimitado de criação e construção, enquanto que qualquer teoria ou técnica pode tornar-se ferramenta adequada ou não, dependendo da relação que está se efetuando. Herrmann encontra a saída para tornar o processo terapêutico uma criação, em que as interpretações somente serão válidas neste contexto em que foi criada e em que criou.

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Bibliografia:

HERRMANN, F. Andaimes do Real: o método da psicanálise. 2ºed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991, [original, 1979].

______O Divã a Passeio: à procura da psicanálise onde não parece estar. 2ºed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001a, [original, 1992].

______Introdução à Teoria dos Campos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001b. ______O que é a Teoria dos Campos. Conferência ministrada no Núcleo de Psicanálise de Marília e Região, em fevereiro de 2004, mimeo.

Referências

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