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O FIGURINO COMO POSSIBILIDADE PARA COMPREENSÃO DOS ESTILOS DE VIDA. Rachel de Aguiar Cordeiro Mazzarino 1

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Academic year: 2021

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O FIGURINO COMO POSSIBILIDADE PARA COMPREENSÃO DOS ESTILOS DE VIDA

Rachel de Aguiar Cordeiro Mazzarino

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1Universidade do Vale do Paraíba, Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas e Comunicação, Avenida Shishima Hifumi, 2911, São José dos Campos, SP, rachel.a.cordeiro@gmail.com

Resumo- Este artigo tem como objetivo uma breve análise de três momentos do figurino da personagem

Annie Hall no filme Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977) do diretor Woody Allen. A partir da observação do figurino do filme, é possível inferir algumas observações acerca do uso de moda na sociedade atual como uma das formas de projeção do estilo de vida. Este paralelo entre o corpo fílmico, a moda e a sociedade será realizado a partir de autores como Zygmunt Bauman, Georg Simmel e Gilles Lipovetsky, assim como Tim Burke para a compreensão do conceito de estilos de vida.

Palavras-chave:

Woody Allen, Annie Hall, Figurino, Moda, Sociedade

Área do Conhecimento: Design de Moda e Comunicação Introdução

A proposta deste trabalho é analisar algumas relações entre moda e sociedade, a partir da transição do figurino da personagem Annie Hall (Diane Keaton) no filme Noivo Neurótico, Noiva

Nervosa (de título original Annie Hall), escrito por

Marshall Brickman em parceria com o também diretor, Woody Allen.

O filme foi lançado em 1977, é uma ficção com inserções biográficas do diretor, conta uma história contemporânea à época do lançamento sobre o escritor Alvy Singer (Woody Allen), e seu caso amoroso com a personagem Annie Hall (Diane Keaton).

Zygmunt Bauman, em seu estudo sobre a modernidade contemporânea, aponta que as imagens exercem uma grande influência na concepção do homem em relação à vida ao mostrar que o que é visto na tela tira a realidade da vida vivida, uma vez que “imagens poderosas, ‘mais reais que a realidade’ em telas ubíquas, estabelecem os padrões da realidade e de sua avaliação, e também a necessidade de tornar mais palatável a realidade ‘vivida’” (BAUMAN, 2001 p. 99).

A partir do que Bauman aponta, é possível inferir que, tanto o vestuário vigente no momento influenciou a concepção do figurino, quanto o figurino, após o lançamento do filme, teve relevância para o comportamento de moda da época. A possível troca de referências reforça a análise apresentada a seguir.

Apesar do filme não falar de moda, a construção do figurino da personagem é relevante para a compreensão do uso de moda contemporâneo, como será apresentado a seguir.

A moda e a sociedade

A “cultura jovem” dos anos 60 colocou em evidência a estrutura de sociedade que conhecemos hoje, uma sociedade que tem por base o indivíduo e sua relação com o tempo, o espaço, a comunidade e outras instituições como família, religião e política. Em busca de romper paradigmas tidos como arcaicos e se diferenciar do mundo adulto, o jovem encontrou no vestuário um meio de expressar os valores hedonistas, característicos da sociedade contemporânea, e o desejo de se libertar das regras impostas pelos pais e pela sociedade. O vestuário aparece “ligado ao avanço do ideal individualista democrático” (LIPOVETSKY, 1989, p.126) e permanece, a partir dessa década, como expressão de individualidade até os dias de hoje.

A década de 60 é um divisor de águas para a história da moda. Foi a primeira vez que os criadores voltaram seus olhares para a juventude. Os jovens desenvolveram uma moda e uma forma de consumo com características particulares que iam de encontro a uma nova necessidade: a possibilidade de mudança e a individualização do vestuário. Assim, após os anos 60 não se falava mais de uma única moda, mas de modas ou moda aberta, pois “Com as modas jovens, a aparência registra um forte ímpeto individualista [...] arriscando a provocação, o excesso, a excentricidade, para desagradar, surpreender ou chocar” (LIPOVETSKY, 1989, p.126). Desde então, uma das formas adotadas para expressar a opinião pessoal e a identidade é através da aparência. Bauman aponta que “é a capacidade de ‘ir às compras’ no supermercado das identidades, o grau de liberdade genuína ou

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identidade e de mantê-la enquanto desejado que se torna o verdadeiro caminho para a realização das fantasias de identidade” (BAUMAN, 2001, p.98).

A apropriação de identidades diferentes pelo uso da imagem pessoal pode ser observada no figurino de Annie Hall a partir do uso de elementos do vestuário masculino e feminino.

A moda da década de 70 busca inspiração no período pós-guerra e traz dos anos 40 a influência da indumentária masculina para o universo feminino. Em 1975, ao comercializar a versão final dos terninhos “Yves Saint-Laurent faz o masculino-feminino, nem tanto ao inventar o gênero, mas principalmente ao banaliza-lo nos guarda-roupas, nos quais o terninho se torna um curinga.” (LELIÈVRE, 2011, p.156). Ao se utilizar de elementos do vestuário masculino, a personagem Annie Hall mostra, nas telas, uma moda que já acontecia nas ruas. A forma como as peças de vestuário são utilizadas para a construção da personagem é o objeto de investigação, uma vez que também reflete um comportamento de construção de identidade que acontece até os dias de hoje.

Metodologia

Partimos da ideia de que a análise da contemporaneidade é um processo contínuo, que permite múltiplas generalizações e individualizações. Portanto, propõe-se um recorte em três momentos do filme para, a partir da escolha de figurino desses recortes, realizar uma breve análise da sociedade.

Na sociedade contemporânea, na cultura na qual estamos inseridos, a compreensão das relações que a configuram pedem cada vez mais a construção de problemas que não estão presos às disciplinas. Portanto, o diálogo entre moda e sociedade a partir de um corpo fílmico é um ponto de partida que desperta a nossa imaginação, pois aproxima elementos cotidianos sob um olhar analítico e unificador ao mesmo tempo.

A ideia é analisar três blocos do filme, e não a obra completa, de modo a relacionar a sociedade e a moda. Partiremos do pressuposto de que a observação do figurino no filme possibilita uma análise privilegiada da contemporaneidade e da representação de estilos de vida, pois, conforme Lipovetsky explica em “O Império do efêmero”, a moda “homogeneizou os gostos e os modos de vida [...], por um outro lado, desencadeou um processo sem igual de

fragmentação de estilos de vida” (LIPOVETSKY, 1989, p.275)

Em busca de uma compreensão maior acerca da sociedade contemporânea, consultaremos Zygmunt Bauman em “Sociedade Líquida” e Peter Burke em seu texto “Modernidade, cultura e estilos de vida”, para conseguirmos compreender a moda como um fenômeno social, abriremos mão de Gilles Lipovetsky em “O império do efêmero” e Georg Simmel em “Filosfia de Moda”.

O figurino de Annie Hall

O diretor, roteirista e ator Woody Allen é conhecido por escrever filmes de cunho biográfico e que em suas estórias mesclam psicanálise, filosofia e comédia em um contexto cotidiano, tendo como cenário, na maioria deles, a ilha de Manhattan.

Woody Allen se consolidou como diretor de cinema com o gênero comédia, porém, ao se lançar a escrever roteiros menos cômicos, Noivo

Neurótico, Noiva Nervosa abre, o que os críticos

chamam de, a “fase séria” do autor.

De acordo com Francisco Araújo da Costa (2008), o figurino adotado para o filme é para-realista, pois se baseia na moda da época para sua constituição. O figurino do filme Noivo

Neurótico, Noiva Nervosa tem assinatura de Ralph

Lauren, estilista americano, consagrado na moda masculina desde 1968, e que em 1971 abriu sua primeira loja voltada para o público masculino e feminino em Bervelly Hills. Apesar de ter sido Yves Saint-Laurent quem banalizou os trajes masculinos nos guarda-roupas femininos, Ralph Lauren é conhecido por enaltecer o estilo de vida americano e o status social, “em face das vanguardas da moda, reúne certa elite propagadora de um classicismo adaptado à vida ativa” (BAUDOT, 2002, p.295)

Ao acontecer em meio a uma grande metrópole, que é Manhattan, o figurino deve ser convincente para o uso cotidiano, ao mesmo tempo em que deve criar uma atmosfera de ficção, como explica Costa “enquanto insere o filme em um determinado contexto histórico, procede a uma estilização que prevalece sobre a precisão, criando uma atmosfera menos real e mais manipulável, atemporal.” (COSTA, 2008, p. 39), apesar de acompanhar as mudanças sociais, observa-se que também há uma troca de roupas de acordo com as mudanças interiores da personagem de Diane Keaton e de acordo com a

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cidade em que a história se passa, sendo o filme, por ente ângulo, considerado atemporal.

Existem três momentos que marcam a troca de figurino: quando a personagem Annie Hall (Diane Keaton) conhece a personagem Alvy Singer (Woody Allen), quando muda de cidade e passa a morar na Califórnia e quando retorna à cidade de Nova Iorque, logo no final do filme.

No primeiro momento, a personagem Annie Hall (Diane Keaton) veste roupas tipicamente masculinas, calça bege, camisa branca, colete preto e gravata, como mostra a Figura 1.

Figura 1 – Annie Hall

Fonte:http://www.stillstile.com/annie-hall-1977/ A utilização de elementos do vestuário masculino pode ser interpretada como uma adaptação ao universo feminino, “o trabalho progressivo, incontestável, de diminuição dos extremos não tem por termo a unificação das aparências, mas a diferenciação sutil, algo como a menor oposição distintiva dos sexos” (LIPOVETSKY, 1989, p. 131). A personagem Annie Hall ao conhecer o protagonista, está em nível de igualdade, e isso é mostrado através da roupa. Porém, aparenta estar insegura ao gaguejar. Em seguida, na mesma cena, a insegurança é confirmada.

Uma vez que a personagem vai se aproximando intelectualmente do parceiro, a seleção de roupas se modifica. É possível observar que o figurino é composto por cores escuras quando a personagem está em Nova Iorque, porém, com a evolução intelectual de Annie Hall e a convivência com Alvy Singer, cresce a frequência de uso de peças do universo feminino.

No momento em que Annie Hall passa a morar na Califórnia, existe um rompimento. Não apenas o relacionamento das duas personagens acaba, mas se encerra o uso de cores escuras para o figurino da personagem e passa-se ao uso de vestidos longos e soltos do corpo, como mostra

Figura 2 – Annie Hall na Califórnia.

Fonte: arquivo da autora.

A troca de elementos do vestuário reforça a mensagem de individualidade e experimentação que a personagem está passando. Remete ao modo como Bauman se refere aos centros urbanos contemporâneos: “viver num mundo cheio de oportunidades – cada uma mais apetitosa e atraente que a anterior [...] Nesse mundo, poucas coisas são predeterminadas, e menos ainda irrevogáveis” (BAUMAN, 2000, p.74). Um reflexo da forma como a moda é utilizada na sociedade contemporânea até hoje, como uma experimentação de identidade, uma vez que esta é construída através da roupa que a personagem usa, e se adequa também ao meio em que está inserida.

Existe a necessidade de enfatizar a diferença da personagem quando habitava Nova Iorque e estava dentro do relacionamento, não apenas pelo vestido, mas também pela cor clara, contrastante com o terno de Alvy Singer.

Na Califórnia, Annie Hall se torna individualista, da forma como Simmel concebe “O individualismo nasce precisamente desta compenetração de círculos sociais, cujos imperativos e exigências se fazem sentir e se mesclam na consciência do indivíduo” (SIMMEL, 2008, p15). Uma vez a personagem mais consciente de si, e se permitindo frequentar círculos sociais, a expressão de sua individualidade se dá através da mudança radical do vestuário.

Após o desenrolar da trama, a personagem volta à cidade de Nova Iorque e se encontra novamente com Alvy Singer. Esta é a cena final do filme e é possível observar que a personagem retorna também ao uso de roupas com referências masculinas nos padrões de figurinos que utilizava no início do filme quando morava em Nova Iorque, calças e camisas, como mostra a Figura 3 na página seguinte.

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Figura 3 – Annie Hall de volta

Fonte: http://www.stillstile.com/annie-hall-1977/ A seleção de roupas para este momento aponta que a personagem reestruturou seu estilo de vida a partir da forma como volta a usar peças de vestuário que remetem à antiga identidade. “Mudar de identidade pode ser uma questão privada, mas sempre inclui a ruptura de certos vínculos e o cancelamento de certas obrigações” (BAUMAN, 2000, p. 105).

Peter Burke em “Modernidade, cultura e estilos de vida” (2008) explica que “estilo de vida” é um conceito que tem suporte no estudo de dois sociólogos da contemporaneidade: Weber e Simmel. O primeiro associa “estilo de vida” ao consumo para a distinção de grupo, enquanto o outro observa que a multiplicidade de estilos de vida é consequência da liberdade de escolha contemporânea. Compreendemos “estilo de vida” como uma forma de consumo e vivência cotidiana, uma maneira de expressar a individualidade através de seleções – comportamentais, estilísticas e consumistas – adotadas a partir de um determinado repertório.

O vestuário é uma das formas de exibir um estilo de vida e uma identidade “num mundo em que coisas deliberadamente instáveis são a matéria-prima das identidades” (MATHIESEN

apud BAUMAN, 2001, p.100). É possível encontrar

no sistema de renovação constante e obsolescência programada da moda, meios para a mudança constante no apresentar-se para o outro, assim como mostra o figurino de Annie Hall.

Conclusão

Como aponta Simmel, “a própria forma vital da moda é natural ao homem enquanto ser social” (SIMMEL, 2008, p.57). A mutabilidade do homem se torna cada vez mais ligada à efemeridade da moda e à necessidade de renovação. O autor ainda aponta que “a vida de acordo com a moda é, sob um aspecto objetivo, uma amálgama de destruição e de construção” (SIMMEL, 2008, p.36), em que o indivíduo está

sempre impelido para a renovação da imagem de si e para o outro.

Nas cenas selecionadas, percebemos a utilização do figurino com propriedade camaleônica de adaptação aos estilos de vida adotados constantemente pela personagem enquanto está em busca dela mesma.

O vestuário adotado pela personagem Annie Hall serve como forma de representação dela mesma para o olhar do outro, um reflexo do tempo e do estilo de vida particular da personagem. Lipovetsky entende a moda como “uma temporalidade e uma sociabilidade específicas, a moda, antes de ser o que se explica pela sociedade, é uma fase e uma estrutura da vida coletiva.” (LIPOVETSKY, 1989, p.266), desta forma, o figurino se sobrepõe à personagem e, de maneira silenciosa, explica a quem o vê, o espírito do tempo tanto daquele período quanto da conteporaneidade.

Referências

- BAUDOT, Françoise. Moda do século. Tradução de Maria Thereza de Rezende Costa. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.

- BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida.

Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

- BURKE, Peter. Modernidade, cultura e estilos de vida. In: BUENO, Maria Lucia; CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. Cultura e Consumo: Estilos de

Vida na Contemporaneidade. São Paulo: Ed.

Senac, 2008. p. 25 – 39.

- COSTA, Francisco Araújo da. O figurino como

elemento essencial da narrativa. Sessões do

Imaginário, no 8. FAMECOS/PUCRS. Porto Alegre, 2002.

- SCHOLTE, Riekele, Figura 01 e Figura 03.

2013. Disponível em:

http://www.stillstile.com/annie-hall-1977/. Acesso

em: 24 de agosto de 2014.

- LAVER, James. A roupa e a moda: uma história

concisa. Tradução de Glória Maria de Melo

Carvalho. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

- LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a

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Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

- SIMMEL, Georg. Filosofia da moda e outros

escritos. In: Sociologia, v.2. Tradução de Artur

Morão. Lisboa: Edições Texto & Gráfica, Ltda., 2008.

- ________. As grandes cidades e a vida do

espírito (1903). In: Mana: Estudos de Antropologia Social, v. 11, n. 2, 2005. Disponível em:

http://www.scielo.br/pdf/mana/v11n2/27459.pdf . - NOIVO Neurótico, Noiva Nervosa. Direção: Woody Allen. Intérpretes: Woody Allen, Diane Keaton, Tony Roberts, Paul Simon. Roteiro: Woody Allen e Marshall Brickman. Estados Unidos da América, 1977. 93 min. Cor.

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