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O Poderoso Chefao - Mario Puzo.pdf

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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."

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O PODEROSO CHEFÃO Mario Puzo Tradução por Carlos Ney feld

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Por trás de cada fortuna há um crime. - Balzac

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CAPÍTULO 1

AMERIGO BONASERA, sentado na Terceira Corte crim inal de Nova York. esperava j ustiça; vingança contra os hom ens que tão cruelm ente m altrataram sua filha, que procuraram desonrá-la.

O j uiz, um hom em de aspecto extrem am ente sisudo, arregaçou as m angas de sua toga preta com o que para castigar fisicam ente os dois j ovens posta- dos à sua frente. O seu rosto lívido denunciava um desprezo im ponente. Mas havia algum a coisa falsa em tudo isso, algum a coisa que Am erigo Bonasera sentia, m as ainda não com preendia.

— Vocês procederam com o a pior espécie de degenerados — disse o j uiz asperam ente. Sim , sim , pensava Am erigo Bonasera. Anim ais. Anim ais. Os dois j ovens, de cabelo glostorado cortado à escovinha, rosto escanhoado apresentando um a contrição hum ilde, baixaram a cabeça subm issam ente.

— Vocês procederam com o anim ais ferozes na selva — prosseguiu o j uiz e tiveram sorte que não m olestaram sexualm ente essa pobre m oça, pois então eu os condenaria a vinte anos de cadeia.

O j uiz fez um a pausa, os seus olhos por baixo das sobrancelhas im pressionantem ente cerradas piscaram m anhosam ente para o pálido Am erigo Bonasera, depois ergueram -se para um a pilha de relatórios, aconselhando a concessão de sursis, acum ulados à sua frente. Ele franziu as sobrancelhas e deu de om bros com o que convencido contra a sua própria vontade natural.

— Mas devido à j uventude de vocês, a ficha lim pa de vocês, devido às boas fam ílias a que vocês pertencem e levando em conta o fato de que a lei em sua m aj estade não procura vingança, eu conseqüentem ente os condeno a três anos de reclusão. Tal pena, porém , ficará suspensa — arrem atou o j uiz.

Som ente quarenta anos de luto profissional im pediram que a poderosa frustração e o ódio transparecessem no rosto de Am erigo Bonasera. A sua linda filha ainda se encontrava no hospital com o m axilar fraturado, devidam ente costurado com fio m etálico; e agora esses dois animales eram assim libertados? Tudo fora um a farsa. Ele observava o pais felizes aglom erarem -se em torno de seus queridos filhos. Oh, todos estavam felizes, e riam agora.

O fel negro, extrem am ente am argo, subiu á garganta de Bonasera e atravessou-lhe os dentes apertadam ente cerrados. Ele pegou o seu lenço de linho branco e m anteve de encontro aos lábios. Estava nessa atitude, quando os dois j ovens cam inharam livrem ente pelo corredor entre as filas de assentos, com olhar frio e confiante, rindo, sem nem sequer dar-lhe um a sim ples olhadela. Ele os deixou passar sem dizer um a palavra, com prim indo o lenço de encontro à boca.

Os pais dos animales estavam vindo agora, dois hom ens e duas m ulheres da idade dele, porém m ais am ericanos no traj ar. Olharam pare ele, envergonhados, m as os seus olhos irradiavam um desafio singular e triunfante.

Fora de controle, Bonasera inclinou-se para o corredor entre as filas de assentos e gritou asperam ente:

— Vocês hão de chorar com o eu chorei... hei de fazê-los chorar com o seus filhos m e fizeram chorar — e levou o lenço aos olhos.

Os advogados de defesa, que m archavam na retaguarda, em purraram seus clientes para a frente, form ando um pequeno grupo apertado em torno dos dois j ovens, que haviam iniciado o cam inho de volta pelo corredor com o que para proteger seus pais. Um corpulento oficial de j ustiça correu im ediatam ente a fim de bloquear a fila em que se encontrava Bonasera. Mas não foi necessário.

Durante todos os anos que vivera na Am érica, Bonasera confiara na lei e na ordem . E assim prosperara. Agora, conquanto o seu cérebro estourasse de ódio e a idéia feroz de com prar um a arm a e m atar os dois j ovens m artelasse em sua cabeça, Bonasera voltou-se para a sua esposa, ainda perplexa, e explicou:

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— Eles nos fizeram de trouxas. Fez um a pausa e depois tom ou um a decisão, não m ais tem endo quanto lhe custaria isso. — Para conseguir j ustiça, tem os de ir de j oelhos a Don Corleone.

No apartam ento espalhafatosam ente decorado de um hotel de Los Angeles, Johnny Fontane estava tão cium entam ente em briagado com o qualquer outro m arido. Escarrapachado num divã verm elho, ele bebia diretam ente na garrafa de uísque que segurava na m ão, depois tirava o gosto da bebida m etendo a boca num balde de cristal contendo cubos de gelo e água. Eram quatro horas da m anhã, e ele continuava im aginando, com sua m ente ébria, a m aneira de m atar a sua m ulher ordinária, quando ela chegasse a casa. Se ela de fato voltasse para casa. Era m uito tarde para cham ar a sua prim eira m ulher, a fim de pedir notícias das crianças, e ele achava engraçado cham ar qualquer dos seus am igos, agora que sua carreira estava afundando rapidam ente. Houve época em que eles se sentiriam prazerosos, lisonj eados, por ele ter-lhes cham ado às quatro horas da m anhã, m as agora ele lhes causava aborrecim ento. Ele podia até rir um pouco consigo m esm o ao pensar que, na fase de ascensão, as com plicações de Johnny Fontane chegaram a em polgar algum as das m aiores atrizes da Am érica.

“Mam ando” a sua garrafa de uísque, ele ouviu finalm ente a chave da sua m ulher m over-se na fechadura da porta, m as continuou a beber até que ela entrou na sala e se postou à sua frente. Ela era para ele tão bonita, com seu rosto angélico, seus olhos violeta expressivos, seu corpo delicadam ente frágil, m as de form as perfeitas. Na tela, a sua beleza se am pliava, se espiritualizava. Um a centena de m ilhões de hom ens no m undo inteiro estavam apaixonados pelo rosto de Margot Ashton. E pagavam para vê-lo na tela.

— Onde diabo estava você? — perguntou Johnny Fontane. — Lá fora paquerando — respondeu ela.

Ela calculara m al sua bebedeira. Johnny saltou por cim a da m esinha de bebidas e agarrou-a pela garganta. Mas ao se ver perto desse rosto enfeitiçado, desses adoráveis olhos violeta, ele perdeu a raiva e sentiu-se desanim ado novam ente. Ela com eteu o erro de rir zom beteiram ente e percebeu o punho dele voltar-lhe violentam ente.

— Johnny , no rosto não, eu estou fazendo um film e — gritou ela.

Ela estava rindo. Ele bateu-lhe no estôm ago e ela caiu no chão. Johnny caiu em cim a dela. Podia sentir-lhe a respiração perfum ada e ofegante. Bateu. lhe nos braços e nos m úsculos das coxas de suas m acias pernas queim adas pelo sol. Batia-lhe do j eito com o castigava garotos m enores, há m uito tem po, quando era um rapazinho turbulento, num m al-afam ado bairro de Nova York. Um castigo doloroso que não deixaria qualquer desfiguração duradoura de dentes soltos ou nariz quebrado.

Mas não batia nela com bastante força. Não podia. E ela zom bava dele. Esparram ada no chão, com o seu vestido de brocado levantado acim a das coxas, ela escarnecia dele entre risadas.

— Vam os, continue. Continue, Johnny , isso é o que você realm ente quer.

Johnny Fontane levantou-se. Odiava a m ulher que estava no chão, m as a beleza dela era um m ágico escudo de proteção. Margot rolou no solo, e num salto de dançarina pôs-se de pé em frente dele e com eçou a executar um a espécie de dança infantil zom beteira, cantando — Johnny nunca m e m achucou, Johnny nunca m e m achucou.

— Seu patife idiota — disse depois, quase tristem ente, com sua beleza serena — castigando-m e cocastigando-m o ucastigando-m a criança. Ah, Johnny, você será secastigando-m pre ucastigando-m bichinho becastigando-m rocastigando-m ântico, você até am a com o um a criança. Ainda pensa que trepar com a m ulher é o m esm o que cantarolar aquelas cantigas enj oadas que você costum ava cantar. — Balançou a cabeça e arrem atou: — Pobre Johnny . Adeus, Johnny .

Encam inhou-se para o quarto de dorm ir e ele ouviu-a girar a chave na fechadura. Johnny sentou-se no chão com o rosto entre as m ãos. O desespero doentio e hum ilhante dom inou-o com pletam ente. E, então, a firm eza sórdida que o aj udara a sobreviver na selva de Holly wood fê-lo pegar o telefone e cham ar um táxi, para levá-lo ao aeroporto. Só havia um a pessoa que podia salvá-lo. Voltaria para Nova York. Voltaria para o único hom em que tinha o

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poder, a sabedoria de que ele necessitava e um am or no qual ele ainda acreditava. O seu Padrinho Corleone.

O padeiro Nazorine, rechonchudo e encrostado com o seus grandes pães italianos, ainda suj o de farinha de trigo, intim idava sua m ulher, sua filha casadoira, Katherine, e o seu aj udante de padeiro, Enzo. Enzo tinha conseguido autorização para usar o seu uniform e de prisioneiro de guerra com a braçadeira de letras verdes e estava aterrorizado com a idéia de que essa cena poderia fazê-lo atrasar-se na apresentação na Governor’s Island. Sendo um dos inúm eros m ilhares de prisioneiros do exército italiano libertado condicionalm ente todo dia para trabalhar na econom ia am ericana, ele vivia sob o m edo constante de que essa liberdade condicional fosse revogada. Assim , a pequena com édia, que estava sendo representada agora, era, para ele, um a coisa séria.

— Você desonrou m inha fam ília? Você engravidou a m inha filha, para lem brar-se de que agora a guerra term inou e você sabe que a Am érica vai expulsá-lo, sua besta, de volta para a sua aldeia cheia de m erda na Sicília? — perguntou Nazorine am eaçadoram ente.

Enzo, um rapaz baixinho, de com pleição robusta, pôs a m ão no coração e disse quase em lágrim as, em bora sagazm ente:

— Padrone, j uro pela Virgem Santa que nunca abusei da sua bondade. Am o a sua filha com todo o respeito. Peço a m ão dela com todo o respeito. Sei que não tenho direito, m as se m e m andarem de novo para a Itália, nunca m ais poderei voltar para a Am érica. Nunca poderei casar com Katherine.

A m ulher de Nazorine, Filom ena, falou de m odo decisivo:

— Pare com toda essa besteira — disse, ela ao seu rechonchudo m arido.

— Você sabe o que deve fazer. Mantenha Enzo aqui, m ande-o esconder-se com nossos prim os, em Long Island.

Katherine estava chorando. Ela j á estava roliça, feiosa e criando um ralo bigode. Jam ais conseguiria um m arido bonito com o Enzo, j am ais acharia outro hom em que tocasse as partes pudendas do seu corpo com am or tão respeitoso.

— Vou viver na Itália — gritou ela para o pai. — Fugirei, se você não m antiver Enzo aqui. Nazorine olhou para ela com astúcia. Era um a “m ulher fogosa” essa sua filha. Ele a tinha visto esfregar as traseiras protuberantes em Enzo, quando o aj udante de padeiro passou de frente, apertadam ente, por trás dela para encher os cestos do balcão de pães quentes tirados do forno, O pão quente do patife entraria no forno dela, Nazorine pensou lascivam ente, se m edidas apropriadas não fossem tom adas. Enzo devia perm anecer na Am érica e tornar-se cidadão am ericano. E só havia um hom em que poderia resolver tal problem a. Era o Padrinho. Don Corleone.

Todas essas pessoas e m uitas outras receberam convites im pressos para o casam ento da Senhorita Constanzia Corleone, a ser celebrado no últim o sábado de agosto de 1945. O pai da noiva, Don Vito Corleone, nunca esquecia os velhos am igos e vizinhos, em bora ele próprio vivesse agora num a casa enorm e em Long Island. A recepção se realizaria nessa casa e os festej os se prolongariam por todo o dia. Não havia dúvida de que seria um a ocasião de grande im portância. A guerra com os j aponeses então term inara e assim não haveria o receio incôm odo de que a lem brança dos filhos lutando no exército ofuscasse esses festej os. Um casam ento era j ustam ente do que as pessoas precisavam para m ostrar sua alegria.

Assim , nessa m anhã de sábado, os am igos de Don Corleone afluíram de Nova York para prestar-lhe sua hom enagem . Traziam envelopes de cor crem e recheados de dinheiro com o presente de casam ento; nada de cheques. Dentro de cada envelope havia um cartão identificando o doador e a m edida de seu respeito pelo Padrinho. Respeito esse verdadeiram ente conquistado.

Don Vito Corleone era um hom em a quem todo m undo recorria em busca de auxilio, e quem o fizesse j am ais ficava desapontado. Ele não fazia prom essas ocas, nem apresentava a

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desculpa covarde de que as suas m ãos estavam am arradas por forças m ais poderosas no m undo do que ele m esm o. Não era preciso que ele fosse am igo da pessoa, nem m esm o era im portante que a pessoa não tivesse m eios com que pagar-lhe o favor recebido. Apenas um a coisa era necessária. Que a pessoa, a própria pessoa, proclam asse sua am izade. Então, não im portava quão pobre ou im potente fosse o suplicante. Don Corleone se encarregaria entusiasticam ente de resolver-lhe os problem as. E não perm itiria que coisa algum a im pedisse a solução do infortúnio desse indivíduo. Sua recom pensa? A am izade, o respeitoso titulo de “Don” e, às vezes, a saudação m ais carinhosa de “padrinho”. E talvez, apenas para m ostrar respeito, nunca a título de proveito próprio, algum presente hum ilde — um galão de vinho feito em casa, ou um cesto de taralles apim entados feitos especialm ente para honrar a sua m esa de Natal. Com preendia-se, era apenas um a questão de cortesia, proclam ar que o indivíduo estava em dívida para com ele e que tinha o direito de convocar a pessoa, a qualquer m om ento, para saldar a dívida por m eio de algum pequeno serviço.

Agora, nesse grande dia, o dia do casam ento de sua filha, Don Vito Corleone achava-se postado no vão da porta de sua casa de Long Beach, para saudar os convidados, todos eles conhecidos e de confiança. Muitos deviam a boa sorte na vida a Don Vito e. nessa ocasião íntim a, sentiam prazer em cham á-lo pessoalm ente de “Padrinho”. Até as pessoas que estavam executando os serviços da festa eram seus am igos. O barm an era um velho com panheiro, cuj o presente consistia em todas as bebidas do casam ento e em sua própria habilidade de especialista no assunto. Os garçons eram os am igos dos filhos de Don Corleone. A com ida colocada nas m esas de piquenique do j ardim fora preparada pela m ulher de Don Vito e suas am igas e o próprio j ardim enorm e, alegrem ente engrinaldado, tinha sido adornado pelas j ovens am igas da noiva.

Don Corleone recebia todo m undo — rico e pobre, poderoso e hum ilde — com igual dem onstração de afeto. Não m enosprezava ninguém . Esse era o seu caráter. E os convidados exclam avam com tanto entusiasm o quão bem e se achava em seu smoking, que um observador inexperiente poderia facilm ente pensar que o próprio Don Vito era o feliz noivo.

Postados na porta com ele, estavam dois dos seus três filhos. O m ais velho, batizado com o Santino, m as cham ado de Sonny por todo m undo, m enos pelo pai, era olhado de soslaio pelos italianos m ais velhos; com adm iração pelos m ais j ovens. Sonny Corleone era alto para a prim eira geração am ericana de descendência italiana, tinha m ais de 1 ,80m de altura, e sua cabeleira abundante e ondulada fazia-o parecer ainda m ais alto. O seu rosto era de um cupido grosseiro, as feições serenas, m as os lábios arqueados eram excessivam ente sensuais, o queixo rachado em covinhas era, de um m odo curioso, obsceno. Ele tinha a constituição forte de um touro e era do conhecim ento geral que fora tão generosam ente dotado pela natureza, que sua m artirizada m ulher tem ia o leito nupcial, com o os descrentes outrora tem iam o cavalete de tortura. Murm urava-se que, no tem po de rapaz, quando ele freqüentava as casas de m á fam a, m esm o a m ais dura e valente putain, ante a visão aterrorizada de seu órgão avantaj ado, exigia preço dobrado.

Aqui, na festa do casam ento, algum as j ovens casadas, de ancas largas e de boca enorm e, m ediam Sonny Corleone com olhares audaciosam ente confiantes. Mas nesse dia especial, elas estavam perdendo tem po. Sonny Corleone, apesar da presença de sua m ulher e seus três filhos pequenos, tinha planos com respeito à dam a de honra de sua irm ã, Lucy Mancini. Essa m oça, plenam ente ciente do fato, achava-se sentada num a m esa do j ardim com seu vestido cor-de-rosa apropriado à cerim ônia, um a tiara de flores no seu acetinado cabelo preto. Flertara com Sonny na sem ana passada de ensaios e apertara a m ão dele nessa m anhã no altar. Urna donzela não podia fazer m ais do que isso.

Ela não se im portava que ele nunca seria o grande hom em que o pai dele provara ser. Sonny Corleone tinha força, tinha coragem . Era generoso e adm itia-se que o seu coração era tão grande quanto seu órgão. Contudo, ele não tinha a hum ildade do pai, tendo, em vez disso, um tem peram ento vivo, ardoroso que o levava a com eter erros de j ulgam ento. Conquanto fosse um a grande aj uda no negócio do pai, m uitas pessoas duvidavam de que ele se tornaria o herdeiro de

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tal negócio.

O segundo filho, Frederico, cham ado Fred ou Fredo, era um filho pelo qual todo italiano rogava aos santos para ter. Obediente, leal, sem pre a serviço do pai, vivendo com os pais aos 30 anos de idade. Era baixo e corpulento, não era bonito, m as tinha a m esm a cabeça de cupido da fam ília, o capacete ondulado de cabelo sobre o rosto redondo e lábios arqueados. Só que, em Fred, esses lábios não eram sensuais, m as graníticos. Sendo sorum bático, era ainda um bom apoio para o pai, j am ais lhe causava em baraços por conduta escandalosa com m ulheres. Apesar de todas essas virtudes, ele não possuía esse m agnetism o pessoal, essa força anim al, tão necessários a um líder ou condutor de hom ens, não se esperando tam bém que ele herdasse o negócio da fam ília.

O terceiro filho, Michael Corleone, não estava com o pai e os dois irm ãos, m as achava-se sentado num a m esa no canto m ais afastado do j ardim . Mas m esm o ali, ele não podia escapar às atenções dos am igos da fam ília.

Michael Corleone era o filho caçula de Don Vito e o único que recusara ficar sob a direção do grande hom em . Não tinha o rosto carregado, em form a de cupido dos outros filhos, e o seu cabelo bem preto era estirado e não ondulado. A sua pele era m oreno-oliva clara que seria considerada linda num a garota. Ele era delicadam ente bonito. Na verdade, houve tem po em que Don Vito sentiu algum a preocupação a respeito da m asculinidade do seu filho caçula. Preocupação que desapareceu com pletam ente quando Michael Corleone fez dezessete anos de idade.

Agora, o filho caçula achava-se sentado no canto extrem o do j ardim , para proclam ar a sua alienação voluntária do pai e da fam ília. Ao lado dele, estava sentada a m oça am ericana de quem todo m undo ouvira falar, m as que ninguém havia visto até aquele dia. Ele tinha, evidentem ente, m ostrado o devido respeito e apresentado a tal m oça a todos os presentes ao casam ento, inclusive à própria fam ília. Não se im pressionaram com ela. A m oça era m uito m agra, m uito loura. Seu rosto era bem acentuadam ente inteligente para um a m ulher e seus m odos m uito livres para um a donzela. O nom e dela, tam bém , soava de m odo esquisito aos ouvidos: cham ava-se Kay Adam s. Se ela tivesse dito que a sua fam ília se estabelecera na Am érica há duzentos anos e que o seu nom e era com um , eles não dariam a m enor im portância.

Todos os convidados perceberam que Don Vito não dava atenção especial ao terceiro filho. Michael fora o filho preferido antes da guerra e, obvia m ente, seria o herdeiro escolhido para dirigir o negócio da fam ília, quando chegasse o m om ento propício. Ele possuía a força tranqüila e inteligência do seu grande pai, o instinto inato para agir de tal m aneira, que os hom ens não tinham outro j eito senão respeitá-lo. Mas quando estourou a II Guerra Mundial, Michael Corleone alistou-se voluntariam ente no Corpo de Fuzileiros Navais. Desafiou a ordem expressa do pai quando fez isso.

Don Corleone não tinha o desej o, a intenção, de deixar que seu filho caçula m orresse a serviço de um a potência estrangeira. Médicos foram subornados, m edidas secretas foram tom adas. Um a grande im portância em dinheiro foi gasta para tom ar as precauções necessárias. Mas Michael tinha 21 anos de idade e nada se podia fazer contra a sua própria vontade. Ele se alistou e lutou no Oceano Pacífico. Chegou ao posto de capitão e ganhou m edalhas. Em 1944, o seu retrato foi publicado na revista Life com um a série de fotografias de suas façanhas. Um am igo m ostrou a revista a Don Corleone (a fam ília não teve coragem ) e este resm ungou desdenhosam ente:

— Ele fez esses m ilagres para estrangeiros.

Quando Michael Corleone foi desligado, no início de 1945, para restabelecer-se de um ferim ento grave, não tinha a m enor idéia de que o pai lhe havia arranj ado a sua baixa. Ficou em casa algum as sem anas e, depois, sem consultar ninguém , ingressou no Colégio Dartm outh, em Hanover, New Ham pshire, e assim deixou a casa do pai. Voltava agora para o casam ento da irm ã e para m ostrar-lhes a sua futura esposa, aquele tipo debilitado de m oça am ericana.

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alguns dos m ais curiosos convidados do casam ento. Ele, por sua vez, divertia-se pelo fato de ela achar essa gente exótica e, com o sem pre, encantado pelo seu im enso interesse em algum a coisa nova e estranha para ela. Finalm ente, a atenção da m oça voltou-se para um pequeno grupo de hom ens reunidos em torno de um barril de m adeira, de vinho feito em casa. Os hom ens eram Am erigo Bonasera, Nazorine Padeiro, Anthony Coppola e Luca Brasi. Com sua habitual e viva inteligência, ela fez um a observação sobre o fato de que esses quatro hom ens não pareciam particularm ente felizes. Michael sorriu.

— Não, eles não parecem felizes — afirm ou ele. — Estão esperando para falar com m eu pai em particular. Têm favores a pedir.

Na verdade, era fácil verificar que os quatro hom ens seguiam constantem ente Don Vito com os olhos.

Enquanto Don Vito Corleone saudava os convidados, um Chevrolet sedan preto parava no lado distante da alam eda pavim entada. Dois hom ens no assento dianteiro puxaram cadernos de notas do bolso do paletó e, sem qual quer tentativa de ocultar o gesto, anotaram os núm eros dos outros carros estacionados em torno da alam eda.

— Aqueles suj eitos ali devem ser tiras — disse Sonny voltando-se para o pai. Don Corleone deu de om bros.

— Não sou o dono da rua. Eles podem fazer o que quiserem . O rosto de cupido de Sonny ficou verm elho de raiva. — Esses patifes im undos, eles não respeitam nada.

Sonny desceu os degraus da casa e atravessou a alam eda encam inhando-se para onde estava estacionado o Chevrolet. Aproxim ou o rosto raivosam ente do rosto do m otorista, o qual não recuou, m as abriu inopinadam ente a carteira para m ostrar um cartão de identidade verde. Sonny deu um passo atrás sem dizer um a palavra. Cuspiu de tal m aneira que a saliva atingiu a porta traseira do sedan, depois afastou-se. Ele esperava que o m otorista saísse do carro e viesse atrás dele, na alam eda, m as nada aconteceu. Quando ele alcançou os degraus, disse para o pai:

— Esses suj eitos são agentes do FBI. Estão anotando os núm eros de todos os carros. Moleques safados.

Don Corleone sabia quem eles eram . Os seus am igos m ais chegados e m ais íntim os tinham sido aconselhados a com parecer ao casam ento em autom óveis que não fossem da propriedade deles. E em bora ele desaprovasse a tola dem onstração de raiva do filho, o acesso de cólera tinha um a utilidade. Convenceria os intrusos de que a presença deles era indesej ável e que ninguém a aguardava. Assim , o próprio Don Corleone não estava zangado. Aprendera há m uito que a sociedade im põe insultos que devem ser suportados, confortados pelo conhecim ento de que neste m undo chega o m om ento em que o m ais hum ilde dos hom ens, se conservar os olhos abertos, pode vingar-se do m ais poderoso. Era este conhecim ento que im pedia Don Vito de perder a hum ildade que todos os am igos adm iravam nele.

Mas agora, no j ardim atrás da casa, um conj unto de quatro instrum entos com eçava a tocar. Todos os convidados tinham chegado. Don Corleone expulsou os intrusos de sua m ente e conduziu os dois filhos para a festa do casa m ento.

Havia agora centenas de convidados no enorm e j ardim . Alguns dançando na plataform a de m adeira adornada com flores, outros sentados nas m esas com pridas abarrotadas de com ida condim entada e grandes j arros de vinho tinto feito em casa. A noiva, Connie Corleone, estava esplendorosa, sentada num a m esa especialm ente levantada, com o noivo, as dam as de honra e os acom panhantes. Era um quadro rústico no velho estilo italiano. Não para o gosto da noiva, m as Connie consentira num casam ento à italiana para agradar o pai porque ela lhe causara grande desgosto com a escolha do m arido.

O noivo, Carlo Rizzi, um m estiço, cuj o pai era siciliano e a m ãe, natural do Norte da Itália, de quem herdara o cabelo louro e os olhos azuis. Os seus pais viviam em Nevada, e Carlo deixara esse Estado em conseqüência de um a pequena com plicação com a lei. Em Nova York, conheceu

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Sonny Corleone e assim conheceu a irm ã. Don Corleone, naturalm ente, enviou am igos de confiança a Nevada e estes apuraram que a com plicação policial de Carlo foi um a indiscrição j uvenil com um a arm a, não m uito séria, que podia ser facilm ente apagada dos livros para deixar o rapaz com um a ficha lim pa. Voltaram tam bém com inform ações detalhadas Sobre o j ogo legal em Nevada, o que interessou grandem ente a Don Vito e sobre o que ele vinha m atutando desde então. Era parte da grandeza de Don Vito que ele tirasse lucro de tudo.

Confie Corleone não chegava a ser um a garota bonita: era m agra e nervosa e certam ente se tornaria de m au gênio com o correr dos anos. Porém hoj e, transform ada pelo seu vestido branco de noiva e ansiosa virgindade, ela estava tão radiante que parecia bonita. Por baixo da m esa, sua m ão repousava na coxa m usculosa do noivo, enquanto sua boca de arco de cupido espichava-se para dar no noivo um beij o im aginário.

Connie o achava incrivelm ente bonito. Carlo trabalhara ao ar livre do deserto quando m uito j ovem e realizara trabalho pesado. Seus braços eram m usculosos e seus om bros se destacavam em baixo do smoking. Ele se com prazia sob o olhar apaixonado da noiva e enchia o copo dela de vinho. Era extrem am ente gentil para ela, com o se eles fossem dois atores representando um a peça. Mas seus olhos se achavam voltados para a enorm e bolsa de seda que a noiva trazia pendurada no om bro direito e que estava agora abarrotada de envelopes de dinheiro. Quanto conteria a bolsa? Dez m il? Vinte m il? Carlo Rizzi ria. Isso era apenas o com eço. Afinal de contas, ele havia casado com um a m oça da fam ília real. E os m em bros dessa fam ília deviam cuidar dele.

Na m ultidão de convidados um rapaz esperto, de cabeça lisa, estudava tam bém a bolsa de seda. Por sim ples hábito, Paulie Gatto im aginava precisam ente com o poderia apoderar-se dessa carteira recheada. A idéia o divertia. Mas ele sabia que isso era um sonho vago, inocente, tal com o as crianças sonham em atacar tanques de guerra com espingardas de brinquedo. Ele observava seu chefe Peter Clem enza, gordo e de m eia-idade, rodopiando com m oças adolescentes em torno da pista de dança de m adeira ao som de um a rústica e vigorosa tarantella. Clem enza, im ensam ente alto, im ensam ente grande, dançava com tam anha habilidade e desem baraço, sua barriga dura lascivam ente com prim indo os seios das delicadas j ovens, que todos os convidados o aplaudiam . As m ulheres m ais velhas agarravam -lhe o braço para ser o seu próxim o par. Os hom ens m ais novos respeitosam ente esvaziavam a pista de dança e batiam palm as ao ritm o do som selvagem do bandolim . Quando Clem enza finalm ente caiu prostrado num a cadeira, Paulie Gatto trouxe-lhe um copo de vinho tinto gelado e enxugou-lhe a testa j upiteriana suada com o seu lenço de seda. Clem enza ofegava com o um a baleia à m edida que engolia o vinho. Mas, em vez de agradecer a Paulie, ele disse rispidam ente:

— Não procure ser j uiz de dança, faça o que deve. Dê um a volta pela redondeza e vej a se tudo está correndo bem .

Paulie esgueirou-se na m ultidão.

A orquestra fez um a pausa para descanso. Um rapaz cham ado Nino Valenti pegou de um bandolim abandonado, pôs o pé esquerdo em cim a de um a cadeira e com eçou a cantar um a indecente canção siciliana de am or. O rosto de Nino Valenti era bonito, em bora inchado pelas constantes bebedeiras, e j á se m ostrava um pouco em briagado. Ele revirava os olhos à proporção que a sua língua acariciava a letra obscena da canção. As m ulheres davam gritinhos de alegria e os hom ens berravam a últim a palavra de cada estrofe com o cantor

Don Corleone, notoriam ente puritano nessa questão, em bora sua robusta m ulher estivesse gritando alegrem ente com as outras, desapareceu habilidosam ente, encam inhando-se para dentro da casa. Vendo isso, Sonny Corleone dirigiu-se para a m esa da noiva e sentou-se ao lado da j ovem Lucy Mancini, a dam a de honra. Estavam livres. Sua m ulher se achava na cozinha dando os últim os retoques para que fosse servido o bolo de casam ento. Sonny m urm urou algum as palavras no ouvido da m oça e ela se levantou. Ele esperou alguns m inutos e depois casualm ente a seguiu, parando aqui e ali para falar com um convidado à m edida que abria passagem por entre a m ultidão.

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escola, era um a m oça m adura que j á gozava de certa “reputação”. Durante todos os ensaios do casam ento ela flertara com Sonny Corleone de m odo provocante e brincalhão, que ela pensava ser perm itido, porque ele era padrinho e seu par na cerim ônia nupcial. Agora, segurando o seu longo vestido cor-de-rosa para que não arrastasse no chão, Lucy Mancini entrou na cana, sorrindo com fingida inocência, subiu vaporosam ente a escada e correu para o banheiro, onde perm aneceu por alguns m om entos. Quando saiu, Sonny Corleone estava no patam ar de cim a, acenando para que ela subisse.

Por trás da j anela fechada do “escritório” de Don Corleone, um a sala no canto ligeiram ente elevada, Thom as Hagen observava a festa de casam ento que se realizava no j ardim engalanado. As paredes atrás dele estavam abarrota das de livros de Direito. Hagen era o advogado de Don Corleone e o consigliori, ou conselheiro interino, e com o tal m antinha a posição subordinada m ais im portante nos negócios da fam ília. Ele e Don Corleone tinham resolvido m ais de um problem a com plicado nessa sala, e assim , quando ele viu o Padrinho deixar a festa e entrar na casa, sabia que, com casam ento ou não, haveria um trabalhinho a fazer nesse dia. Don Corleone viria vê-lo. Depois Hagen viu Sonny Corleone sussurrar no ouvido de Lucy Mancini e a pequena com édia que desem penharam , quando ele a seguiu ao entrar na casa. Hagen fez caretas, debatendo intim am ente se inform ava ou não o fato a Don Corleone, e decidiu não com unicá-lo. Foi até a escrivaninha e apanhou a lista m anuscrita das pessoas que tinham obtido perm issão para ver Don Corleone em particular. Quando este entrou na sala, Hagen entregou-lhe a lista. Don Corleone balançou a cabeça e disse:

— Deixe Bonasera para o fim .

Hagen atravessou as portas de vidro e encam inhou-se diretam ente para o j ardim onde os suplicantes estavam reunidos em torno do barril de vinho. Ele apontou para o padeiro, o rechonchudo Nazorine.

Don Corleone recebeu o padeiro com um abraço. Eles haviam brincado j untos quando crianças, na Itália, e cresceram am igos. Toda Páscoa, saborosos pastéis chegavam à casa de Don Corleone. No Natal, nos aniversários dos m em bros da fam ília, tortas deliciosas proclam avam o respeito dos Nazorine. E durante todos os anos, m agros e gordos, Nazorine com entusiasm o pagava a sua contribuição ao sindicato dos panificadores, organizado por Don Corleone no tem po em que era ainda inexperiente. Jam ais pedira um favor em troca, a não ser a possibilidade de com prar cupões de racionam ento oficiais no câm bio negro durante a guerra. Chegara agora o m om ento de o padeiro fazer valer os seus direitos com o am igo leal, e Don Corleone nutria grande prazer em atender-lhe o pedido.

Deu ao padeiro um charuto Di Nobili e um copo de strega am arelo e pôs a m ão no om bro do am igo para estim ulá-lo. Isso era um gesto que denotava a sim plicidade d Don Corleone. Ele sabia, pela sua própria experiência dolorosa, que era preciso ter coragem para pedir um favor a um sem elhante.

O padeiro contou a história de sua filha e Enzo, um belo rapaz da Sicília, aprisionado pelo exército am ericano, enviado aos Estados Unidos com o prisioneiro de guerra, agraciado com a liberdade condicional para aj udar o nosso esforço de guerra! Um am or respeitoso e puro nascera entre o honesto Enzo e a sua adorada Katherine m as agora que a guerra term inara, o pobre rapaz seria repatriado para a Itália e a filha de Nazorine certam ente m orreria de paixão. Só o Padrinho Corleone poderia aj udar esse atribulado casal de nam orados. Ele era a últim a esperança deles.

Don Corleone passeava com Nazorine de um lado para o outro da sala, com a m ão no om bro do padeiro e balançando a cabeça com preensivam ente para m anter a coragem do hom em . Quando o padeiro term inou, Don Corleone sorriu para ele e disse:

— Meu caro am igo, ponha todas as suas preocupações de lado.

E continuou a falar, explicando cuidadosam ente o que se devia fazer. Devia-se fazer um a petição ao congressista (deputado) eleito pelo distrito. O congressista apresentaria um proj eto de lei especial que concederia a cidadania am ericana a Enzo. O proj eto certam ente seria aprovado

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pelo Congresso. Isso era um privilégio que esses patifeS se outorgavam reciprocam ente. Don Corleone explicou que isso custaria dinheiro, sendo que o preço agora em vigor era dois m il dólares. Ele, Don Corleone, garantia a “execução do trabalho” e aceitava o pagam ento. Será que o am igo concordava?

O padeiro acenou com a cabeça vigorosam ente. Ele não esperava um favor tão grande de graça. Isso era com preensível. Um a lei especial do Congresso não pode custar barato. Nazorine estava quase chorando ao agradecer. Don Corleone levou-o até a porta, assegurando-lhe que pessoas idôneas seriam enviadas à padaria para colher todos os detalhes, para com pletar todos os docum entos necessários. O padeiro abraçou-o antes de desaparecer pelo j ardim .

Hagen sorriu para Don Corleone.

— Isso é um bom investim ento para Nazorine. Um genro e um aj udante barato na padaria para toda a vida por apenas dois m il dólares.

— A quem devo dar esse trabalho? — perguntou, depois de um a pausa. O Don franziu as sobrancelhas e pensou.

— Não ao nosso paisan. Dê ao j udeu do distrito próxim o. Mude os endereços das residências. Penso que deve haver m uitos casos desses, agora que a guerra term inou; devem os ter gente extra em Washington para controlar a abundância de pedidos e não aum entar o preço.

Hagen fez um a anotação em seu caderninho: “Não Congressista Luteco. Experim entar Fischer.”

O hom em seguinte trazido por Hagen era um caso m uito sim ples. Seu nom e era Anthony Coppola e ele era filho de um hom em com quem Don Corleone em sua j uventude trabalhara, em suas atividades ferroviárias. Coppola precisava de quinhentos dólares para abrir um a pizzaria; para um depósito de algum m aterial e o forno especial. Por m otivos que não vêm ao caso, ele não dispunha de crédito. Don Corleone m eteu a m ão no bolso e puxou um m aço de notas. Não era bastante.

— Em preste-m e cem dólares, eu lhe pagarei segunda-feira quando for ao banco — disse a Tom Hagen, fazendo um a careta.

O pedinte protestou que quatrocentos dólares chegariam , m as Don Corleone bateu-lhe am igavelm ente no om bro, dizendo em tom de desculpa:

— Esse luxuoso casam ento deixou-m e sem dinheiro.

Ele pegou o dinheiro que Hagen lhe entregou e deu-o a Anthony Coppola, j untam ente com o seu próprio m aço de notas.

Hagen observava com tranqüila adm iração. Dou Corleone sem pre preconizara que quando um hom em era generoso devia m ostrar a generosidade de m odo pessoal. Que honra para Anthony Coppola que um hom em com o Don Corleone tom asse dinheiro em prestado de alguém para em prestar a ele. Não que Coppola não soubesse que Don Corleone fosse m ilionário, m as quantos m ilionários se dignariam proporcionar a si m esm os um pequeno incôm odo sequer para atender o pedido de um am igo pobre?

Don Corleone levantou a cabeça inquisitivam ente.

— Ele não está na lista — com entou Hagen — m as Luca Brasi desej a vê-lo. Ele acha que não pode ser em público, m as quer felicitá-lo em pessoa.

Pela prim eira vez, Don Corleone pareceu m ostrar certo descontentam ento. A resposta foi evasiva.

— É necessário? — perguntou ele. Hagen deu de om bros.

— Você o entende m elhor do que eu. Mas ele está m uito grato por ter sido convidado por você para o casam ento. Jam ais sonhou com isso. Penso que ele quer m ostrar a sua gratidão.

Don Corleone balançou a cabeça e fez o gesto para que Luca Brasi fosse trazido à sua presença.

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No j ardim , Kay Adam s estava im pressionada pelo rubor estam pado no rosto de Luca Brasi. Ela perguntou quem era ele. Michael trouxera Kay ao casam ento para que ela se inteirasse lentam ente e, talvez sem um grande choque, da verdade a respeito do pai dele. Mas até então ela parecia considerar Don Corleone com o um hom em de negócios um tanto despido de ética. Indiretam ente, Michael resolvera contar-lhe parte da verdade. Explicou que Laca Brasi era um dos hom ens m ais tem idos do m undo do crim e na região. O seu grande talento, dizia-se, consistia em que ele, sozinho, podia executar um a tarefa crim inosa sem cúm plices, o que autom aticam ente tornava a descoberta e condenação pela lei quase im possíveis. Michael fez um a careta e acrescentou:

— Não sei se toda essa história é verdade. O que sei é que ele é um a espécie de am igo de m eu pai.

Pela prim eira vez, Kay com eçou a entender.

— Você não está insinuando — perguntou ela um tanto incrédula — que um hom em com o esse trabalha para o seu pai?

O diabo que se im portava com aquilo, pensou ele. Falou então diretam ente.

— Há coisa de quinze anos, alguns indivíduos queriam apoderar-se dos negócios de im portação de azeite do m eu pai. Tentaram m atá-lo e quase o conseguiram . Laca Brasi foi atrás deles. O fato é que ele m atou seis hom ens em duas sem anas e isso acabou com a fam osa guerra do azeite.

Ele sorriu com o se tivesse contado um a anedota engraçada. Kay deu de om bros.

— Você diz que seu pai foi baleado por gangsters?

— Há quinze anos passados — respondeu Michael. — Tudo ficou calm o desde então. Ele receava que tivesse avançado dem ais.

— Você está procurando assustar-m e — falou Kay. — Você não quer exatam ente que eu case com você. — Sorriu, cutucou-lhe com o cotovelo e acrescentou: — Muito sabidinho!

— Quero que você pense nisso — falou Michael, tam bém sorrindo. — Ele m atou realm ente seis hom ens? — perguntou Kay .

— Isso é o que os j ornais afirm am — respondeu Michael. — Ninguém j am ais provou isso. Mas há outra história a respeito dele que ninguém gosta de contar. Diz-se que é tão horrível, que nem m esm o m eu pai toca nesse assunto. Tom Hagen sabe a história, m as não m e quer contar. Um a vez, brincando, perguntei a ele: “Quando terei idade bastante para ouvir essa história a respeito de Laca?” Ele respondeu: “Quando você tiver cem anos.”

Michael sorveu alguns goles do copo de vinho. — Isso deve ser um a história! Isso deve ser um Luca!

Luca Brasi era na verdade hom em para intim idar o próprio diabo no inferno. Baixo, atarracado, cabeçudo, a sua presença em itia alarm antes toques de perigo. O seu rosto estam pava um a m áscara de fúria. Tinha os olhos castanhos, m as sem nada do calor dessa cor, parecendo m ais um a cor m orena m or ta. A boca não era tão cruel quanto sem vida: fina, elástica e descorada.

Sua reputação de violento era pavorosa e a sua devoção a Don Corleone, lendária. Ele era, em pessoa, um dos sustentáculos do poder de Don Corleone. Pertencia a um a espécie rara de hom ens.

Não tem ia a polícia, nem a sociedade, nem Deus, nem o inferno, com o tam bém não tem ia nem am ava seus sem elhantes. Mas resolvera e escolhera tem er e am ar a Don Corleone. Levado à presença de Don Corleone, o terrível Luca Brasi m anteve-se em rigorosa atitude de respeito. Gaguej ou a respeito das floreadas felicitações que apresentou e externou a esperança form al de que o prim eiro neto seria do sexo m asculino Em seguida, entregou a Don Corleone um envelope abarrotado de dinheiro a título de presente para o par de noivos.

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Assim , era isso o que ele desej ava fazer. Hagen notou a m udança em Don Corleone. Este recebeu Brasi com o um rei que saúda um súdito que lhe prestou um enorm e serviço, j am ais com fam iliaridade, m as com um respeito real. Por m eio de cada gesto, de cada palavra, Don Corleone tornava claro a Laca Brasi que ele tinha valor. Nem por um m om ento m ostrou-se surpreso pelo fato de lhe ser entregue pessoalm ente o presente de casam ento. Ele com preendia.

O dinheiro contido no envelope era certam ente m ais do que qualquer outra pessoa teria dado. Brasi gastara m uitas horas decidindo sobre a quantia, com parando-a com que os outros convidados deveriam oferecer. Ele queria ser o m ais generoso para m ostrar que era o que tinha m ais respeito, e esse o m otivo por que ele entregara o envelope pessoalm ente a Don Corleone, um a gafe que este perdoava por m eio de sua própria enternecida frase de agradecim ento. Hagen viu o rosto de Laca Brasi perder a sua m áscara de fúria, pleno de orgulho e prazer. Brasi beij ou a m ão de Don Corleone, antes de sair pela porta que Hagen m antinha aberta. Hagen prudentem ente apresentou um sorriso am istoso a Brasi a que o hom em atarracado correspondeu esticando delicadam ente os seus lábios descorados.

Quando a porta se fechou Dou Corleone deu um pequeno suspiro de alivio. Brasi era o único hom em no m undo que podia fazê-lo ficar nervoso. Ele era com o urna força natural e sem autocontrole. Tinha de ser m anej ado tão cautelosam ente com o dinam ite. Don Corleone deu de om bros. Podia-se explodir inofensivam ente até dinam ite se surgisse a necessidade. E olhou interrogadoram ente para Hagen.

— Bonasera é o único que falta? — Hagen balançou a cabeça afirm ativam ente. Don Corleone franziu as sobrancelhas pensativam ente. — Antes de trazê-lo — continuou — diga a Santino que venha aqui. Ele precisa aprender algum as coisas.

Saindo para o j ardim , Hagen com eçou a procurar ansiosam ente Sonny Corleone. Pediu a Bonasera que fosse paciente e esperasse m ais um pouco, depois se dirigiu a Michael Corleone e sua pequena.

— Você viu Sonny por aí? — perguntou ele.

Michael balançou a cabeça negativam ente. Diacho, pensou Hagen, se Sonny estivesse trepando com a dam a de honra esse tem po todo, ia haver um a com plicação danada. A m ulher dele, a fam ília da m oça; seria um desastre. Ansiosam ente ele se dirigiu às pressas para a entrada pela qual vira Sonny desaparecer quase m eia hora antes.

Vendo Hagen entrar na casa, Kay Adam s perguntou a Michael Corleone:

— Quem é aquele? Você o apresentou com o seu irm ão, m as o nom e dele é diferente e certam ente não parece italiano.

— Tom viveu conosco desde os doze anos de idade — respondeu Michael. — Os pais m orreram e ele estava vagando pelas ruas com um a horrível inflam ação no olho. Sonny o trouxe para um a noite e ele aí ficou. Não tinha lugar para onde ir. Viveu conosco até casar.

Kay Adam s estava em ocionada.

— Isto é realm ente rom ântico — disse ela. — O seu pai deve ser um hom em bondoso. Adotar alguém assim , quando j á tem tantos filhos dele m esm o!

Michael não se preocupou em explicar que os im igrantes italianos consideravam quatro filhos um a fam ília pequena

— Tom não foi adotado. Ele apenas vivia conosco — disse sim plesm ente.

— Oh! — exclam ou Kay. — Por que vocês não o adotaram ? — perguntou ela com curiosidade.

Michael riu.

— Porque m eu pai disse que seria desrespeitoso para Tom m udar o nom e dele. Desrespeitoso para os próprios pais dele.

Então viram Hagen em purrar Sonny, atrás da porta de vidro, para o escritório de Don Corleone e depois cham ar com o dedo Am erigo Bonasera.

— Por que eles incom odaram o seu pai com negócios num dia com o esse? — indagou Kay . Michael riu novam ente.

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— Porque eles sabem que por tradição nenhum siciliano pode recusar um pedido no dia do casam ento da filha. E nenhum siciliano deixa escapar um a oportunidade com o essa.

Lucy Mancini levantou o longo vestido cor-de-rosa para não arrastar no chão e subiu a escada correndo. O rosto carregado de cupido de Sonny Corleone, averm elhado, obsceno e com luxúria de vinho, assustava-a, m as ela o provocara durante a últim a sem ana j ustam ente para esse fim . Em dois casos de am or na escola, ela nada sentira e nenhum deles durou m ais de um a sem ana. Ao brigar com seu segundo am or, ele resm ungara algo acerca de ser ela “m uito larga” Lucy entendera e pelo resto do período escolar recusara sair com qualquer outro rapaz.

Durante o verão, ao participar dos preparativos para o casam ento de sua m elhor am iga, Connie Corleone, Lucy ouvira as histórias m urm uradas a respeito de Sonny. Um a tarde de dom ingo, na cozinha de Corleone, a esposa de Sonny, Sandra, falou francam ente. Sandra era um a m ulher rústica, de bom tem peram ento, que nascera na Itália, m as fora trazida para a Am érica quando ainda m uito pequena. Tinha um a com pleição robusta, com seios enorm es, e j á tivera três filhos em cinco anos de casada. Sandra e as outras m ulheres atorm entavam Connie contando os terrores do leito nupcial.

— Meu Deus — falava Sandra rindo — quando vi a vara de Sonny pela prim eira vez e sabendo que ele ia m eter aquilo em m im , gritei com m edo. Depois do prim eiro ano, m inhas entranhas estavam tão m oles com o m acarrão que cozinhou durante um a hora. Quando eu soube que ele andava com outras m oças, fui à igrej a e acendi um a vela.

Todas elas riram , m as Lucy sentira sua carne contorcendo-se entre as pernas.

Agora, à m edida que ela subia a escada em direção a Sonny, um trem endo ardor de desej o percorria-lhe o corpo. No patam ar, Sonny agarrou-a e em purrou-a pelo corredor para um quarto vazio. As pernas dela fraquej aram quando a porta se fechou atrás deles. Ela sentiu a boca de Sonny na sua, os lábios dele com gosto de fum o queim ado, am argo. Abriu a boca. Nesse m om ento, ela sentiu a m ão dele subindo por baixo do seu vestido, ouviu o ruído de m aterial cedendo, sentiu a m ão quente dele entre as suas pernas, rasgando- lhe as calcinhas de cetim para acariciar-lhe a vulva. Ela passou-lhe os braços em torno do pescoço e pendurou-se aí enquanto ele desabotoava as calças. Depois, ele pôs as duas m ãos por baixo das nádegas nuas de Lucy e levantou-a. Ela deu um pequeno salto no ar de form a que as pernas se enroscaram em torno das coxas dele. A língua de Sonny estava na boca da m oça e ela chupava-a. Ele deu um im pulso selvagem que a fez bater com a cabeça na porta. Ela sentiu qualquer coisa queim ando passar-lhe pelas coxas. Deixou cair o braço direito do pescoço dele e o abaixou para guiá-la. Sua m ão fechou-se em torno de um a enorm e vara com prida feita de m úsculos e intum escida de sangue. Pulsava em sua m ão com o um anim al, e quase chorando de êxtase e prazer, ela introduziu-a em sua própria carne túrgida, úm ida. O im pulso da penetração desse obj eto e a sensação incrível fizeram -na respirar ofegantem ente. Alucinada de prazer, Lucy, sem perceber, passara as pernas quase na altura do pescoço de Sonny, e depois, com o um a alj ava, o seu corpo passou a receber as setas selvagens dos im pulsos relam pej antes dele; inúm eros, torturantes, arqueando sua pelve cada vez m ais profundam ente até que pela prim eira vez na vida ela atingiu um clím ax despedaçante, sentiu a firm eza dele fraquej ar e o form igante escorrer de sêm en pelas coxas. Lentam ente suas pernas se desprenderam do corpo dele e deslizaram para baixo até alcançar o chão. Eles estavam inclinados um sobre o outro, sem respiração.

Deve ter transcorrido algum tem po, m as agora eles ouviram um as pancadas leves na porta. Sonny abotoou rapidam ente as calças, enquanto bloqueava a porta para que não pudessem abri-la. Lucy freneticam ente desam arrotou o vestido cor-de-rosa alisando-o com as m ãos, os olhos piscando, m as a coisa que lhe dera tanto prazer estava escondida dentro de um pano preto. Tinham ouvido a voz de Hagen.

— Sonny , você está aí? — interrogou ele em tom m uito baixo. Sonny deu um suspiro de alívio. Ele piscou o olho para Lucy . — Sim , Tom , que é que há?

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tom baixo.

Eles ouviram as pisadas de Hagen afastando-se. Sonny esperou alguns m om entos, deu um beij o forte nos lábios de Lucy , e depois saiu sorrateira m ente pela porta, indo atrás de Hagen.

Lucy penteou o cabelo. Exam inou o vestido e puxou as ligas para cim a. O seu corpo sentia-se m achucado, os sentia-seus lábios carnudos e suculentos. Ela saiu pela porta e, em bora sentia-sentissentia-se a um idade pegaj osa entre as coxas, não foi ao banheiro lavar-se, m as desceu correndo a escada e encam inhou-se para o j ardim . Tom ou o seu assento na m esa da noiva perto de Confie, que exclam ou petulantem ente

— Lucy , onde estava você? Você parece bêbada. Fique ao m eu lado.

O noivo louro serviu um copo de vinho a Lucy e sorriu conscientem ente. Lucy não se im portava. Ergueu o suco verm elho-escuro de uva até a sua boca ressecada e bebeu. Ela sentia a um idade pegaj osa entre as pernas. Seu corpo trem ia. Por cim a da borda do copo, enquanto ela bebia, seus olhos procuravam avidam ente Sonny Corleone. Não havia nenhum a outra pessoa que lhe interessasse ver. Maliciosam ente, ela sussurrou no ouvido de Connie.

— Algum as horas m ais e você saberá tudo a respeito.

Connie deu um a risadinha. Lucy recatadam ente cruzou as m ãos sobre a m esa, perfidam ente triunfante, com o se tivesse roubado um tesouro da noiva.

Am erigo Bonasera seguiu Hagen até a sala do canto da casa e encontrou Don Corleone sentado atrás de um a enorm e escrivaninha. Sonny Corleone estava postado j unto à j anela, olhando para o j ardim . Pela prim eira vez nessa tarde, Don Corleone portava-se friam ente. Não abraçou o visitante nem apertou-lhe a m ão. O pálido agente funerário devia o seu convite ao fato de que a sua esposa e a esposa de Don Corleone eram am igas íntim as. O próprio Am erigo Bonasera gozava de com pleta antipatia por parte de Don Corleone.

Bonasera com eçou o seu pedido de m odo indireto e habilidoso.

— O senhor deve desculpar m inha filha, a afilhada de sua m ulher, por não ter prestado à sua fam ília o respeito de com parecer hoj e aqui. Ela ainda está no hospital.

Lançou um olhar para Sonny Corleone e Tom Hagen para indicar que não desej ava falar na frente deles. Mas Don Corleone foi im piedoso.

— Todos nós sabem os da infelicidade de sua filha — disse. Se posso aj udá-la de algum m odo, você precisa apenas falar. Minha m ulher, afinal de contas, é m adrinha dela. Nunca esqueci essa honra.

Isso era com o que um a repreensão. O agente funerário j am ais cham ara Don Corleone de “Padrinho”, com o m andava o costum e.

Bonasera, lívido, perguntou, agora diretam ente: — Posso falar com o senhor a sós?

Don Corleone balançou negativam ente a cabeça.

— Confio im ensam ente nesses dois hom ens. São m eus dois braços direi tos. Não posso insultá-los m andando-os em bora.

O agente funerário fechou os olhos por um m om ento e depois com eçou a falar. A sua voz era serena, voz que ele usava para consolar os desolados.

— Eduquei m inha filha à m oda am ericana. Acredito na Am érica. A Am érica fez a m inha fortuna. Dei liberdade à m inha filha, contudo lhe ensinei a nunca desonrar sua fam ília. Ela arranj ou um “nam orado”, não-italiano. Foi ao cinem a com ele. Ficava na rua até tarde. Ele veio conhecer os pais dela. Aceitei tudo isso sem um protesto, a culpa é m inha. Há coisa de dois m eses, foi passear de carro com ela. Tinha um am igo em sua com panhia. Fizeram -na beber uísque e depois tentaram aproveitar-se dela. Minha filha resistiu. Defendeu sua honra. Eles bateram nela. Com o um anim al. Quando cheguei ao hospital, ela tinha dois olhos pretos. O nariz quebrado. O queixo arrebentado. Tiveram de costurá-la com fio m etálico. Ela chorava através de sua dor. “Meu pai, m eu pai, por que fizeram isso? Por que fizeram isso com igo?” E eu chorei.

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em oção.

Don Corleone, com o que contra a sua própria vontade, fez um gesto de com paixão, e Bonasera retom ou a palavra, a sua voz denotando grande sofrim ento,

— Porque chorei? Ela era a luz de m inha vida, um a filha carinhosa. Um a garota bonita. Confiava nas pessoas e agora j am ais confiará nelas novam ente. Jam ais será bonita novam ente.

Ele trem ia, seu rosto pálido apresentava um a horrenda cor verm elho-escura.

— Procurei a polícia com o um bom am ericano. Os dois rapazes foram presos, levados a j ulgam ento. As provas eram esm agadoras e eles confessaram . O j uiz Condenou-os a três anos de prisão e suspendeu a sentença. Foram soltos nesse m esm o dia. Fiquei no tribunal com cara de idiota e esses patifes riram de m im . Então eu disse à m inha m ulher: “Devem os ir a Don Corleone para obter j ustiça.”

Don Corleone curvara a cabeça para m ostrar respeito pela desgraça do hom em . Mas, quando ele falou, as suas palavras denunciavam um a frieza de dignidade ofendida.

— Por que você foi à polícia? Por que não veio a m im no com eço desse negócio? Bonasera m urm urou de m odo quase inaudível:

— O que quer o senhor de m im ? Diga-m e o que desej a. Mas faça o que estou pedindo. Havia algum a coisa quase insolente em suas palavras.

Don Corleone perguntou solenem ente: — E o que é que você quer que eu faça?

Bonasera olhou para Hagen e Sonny Corleone e balançou a cabeça. Don Corleone, ainda sentado na escrivaninha de Hagen, inclinou o corpo na direção do agente funerário. Bonasera hesitou, depois curvou-se e pôs os lábios tão perto da orelha cabeluda de Don Corleone que chegaram a tocá-la. Don Corleone ouvia com o um padre no confessionário, olhando atentam ente para longe, im passível, distante. Perm aneceram assim por um longo m om ento até que Bonasera term inou de sussurrar e endireitar o corpo. Don Corleone olhou seriam ente para Bonasera. Este, com o rosto enrubescido, olhou por sua vez firm em ente para Don Corleone.

— Isso não posso fazer — falou, finalm ente, Don Corleone. — Você está querendo ir m uito longe.

— Pagarei o que o senhor pedir — disse Bonasera em voz alta e clara.

Ouvindo isso, Hagen recuou, dando um a pancadinha nervosa na cabeça. Sonny Corleone cruzou os braços, sorrindo sarcasticam ente à m edida que voltava da j anela para observar a cena na sala pela prim eira vez.

Don Corleone ergueu-se de trás da escrivaninha. Seu rosto ainda perm anecia im passível, m as a sua voz soava com o m orte fria.

— Nós nos conhecem os há m uitos anos, você e eu — disse ele ao agente funerário — m as até o dia de hoj e você nunca tinha vindo a m im pedir conselho ou aj uda. Não m e lem bro da últim a vez que você m e convidou a tom ar um café em sua casa, em bora a m inha m ulher sej a m adrinha de sua única filha. Vam os ser francos. Você rej eitou m inha am izade. Você tinha m edo de m e dever algum a coisa.

— Eu não queria envolvê-lo em dificuldades — m urm urou Bonasera. Don Corleone levantou a m ão.

— Não. Não fale. Você achava a Am érica um paraíso. Você tinha um bom negócio, tinha um a vida boa, pensava que o m undo era um lugar inocente onde você poderia obter o prazer que desej asse. Você nunca se cercou de am igos verdadeiros. Afinal de contas, a polícia o guardava, havia tribunais de j ustiça, você e os seus não podiam sofrer m al algum . Você não precisava de Don Corleone. Muito bem . Meus sentim entos achavam -se feridos, m as não sou desse tipo de pessoa que força a sua am izade àqueles que não dão valor a ela — àqueles que não m e levam m uito em conta.

Don Corleone fez um a pausa e apresentou ao agente funerário um riso irônico e cortês. — Agora, você vem a m im e diz: “Don Corleone, faça j ustiça.” E você não pede com

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respeito. Não m e oferece sua am izade. Você vem à m inha casa no dia do casam ento de m inha filha e m e pede para m atar, dizendo — aqui a voz de Don Corleone fez um a im itação desdenhosa — “pagarei o que o senhor pedir”. Não, não, eu não estou ofendido, m as o que fiz eu para você m e tratar de m odo tão desrespeitoso?

Bonasera chorou em sua agonia e m edo:

— A Am érica era boa para m im . Eu queria ser um bom cidadão. Queria que m inha filha fosse am ericana.

Don Corleone bateu palm as com aprovação decisiva.

— Bem dito. Muito bem . Então você não tem do que se queixar. O j uiz decidiu. A Am érica decidiu. Leve flores para sua filha e um a caixa de bom bons, quando for visitá-la no hospital. Isso a confortará. Fique contente. Afinal de contas, isso não é um a coisa séria, os rapazes eram j ovens, ardorosos, e um deles é filho de um político poderoso. Não, m eu caro Am erigo, você sem pre foi honesto. Devo adm itir, em bora você rej eitasse m inha am izade, que eu confiaria m ais na palavra dada de Am erigo Bonasera do que na de qualquer outro hom em . Assim , dê-m e a sua palavra de que você porá de lado essa loucura. Não é um a atitude am ericana. Esqueça. A vida é cheia de infortúnios.

A ironia cruel e desdenhosa com que tudo isso foi dito e a raiva controlada de Don Corleone reduziram o pobre agente funerário a um a geléia trêm ula, m as ele desabafou coraj osam ente outra vez:

— Peço-lhe j ustiça.

— O tribunal lhe fez j ustiça — respondeu Don Corleone laconicam ente. Bonasera balançou a cabeça obstinadam ente.

— Não. Eles fizeram j ustiça aos j ovens. Não fizeram j ustiça a m im .

Don Corleone reconheceu essa fina distinção com um aprovador aceno de cabeça, depois perguntou:

— Qual é sua j ustiça?

— Olho por olho — respondeu Bonasera.

— Você pede m ais do que isso — disse Don Corleone. — Sua filha está viva. Bonasera afirm ou relutantem ente:

— Que eles sofram com o ela está sofrendo.

Don Corleone esperou que ele dissesse m ais algum a coisa.

— Quanto devo pagar ao senhor? — perguntou Bonasera, num últim o assom o de coragem . Era um lam ento desesperado.

Don Corleone voltou-lhe as costas. Era um sinal de despedida. Bonasera não se m oveu. Finalm ente, suspirando, com o um hom em de bom coração que não pode ficar zangado com um am igo que erra, Don Corleone voltou-se para o agente funerário, que estava agora tão pálido com o um de seus cadáveres. Don Corleone foi gentil, paciente.

— Por que você receia dar-lhe a sua prim eira lealdade? — perguntou ele. — Você vai aos tribunais de j ustiça e espera m eses. Gasta dinheiro com advogados que sabem m uito bem que lhe farão de bobo. Aceita o j ulgam ento de um j uiz que se vende com o a pior prostituta das ruas. Há anos passados, quando você precisava de dinheiro, ia aos bancos e pagava j uros exorbitantes, esperava de chapéu na m ão com o um m endigo, enquanto eles farej avam por aí, m etiam o nariz até onde não deviam , para terem certeza de que você poderia pagar a eles. — Don Corleone fez um a pausa, sua voz se tornou m ais ríspida. — Mas se você tivesse vindo a m im , m inha bolsa estaria à sua disposição. Se você tivesse vindo pedir-m e j ustiça, essa escória que desgraçou sua filha estaria hoj e chorando lágrim as de am argura. Se por infelicidade um hom em honesto com o você fizesse inim igos eles se tornariam m eus inim igos — Don Corleone levantou o braço, o dedo apontando para Bonasera — e então, acredite em m im , eles teriam m edo de você.

Bonasera baixou a cabeça e m urm urou com voz abafada: — Sej a m eu am igo. Eu aceito.

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— Bem — disse Don Corleone, a m ão no om bro do hom em — você terá a sua j ustiça. Algum dia, e esse dia talvez nunca chegue, eu lhe pedirei que m e faça um serviço em troca. Até esse dia, considere essa j ustiça com o um presente de m inha m ulher, a m adrinha de sua filha.

Quando a porta se fechou atrás do agente funerário agradecido, Don Corleone voltou-se para Hagen e disse:

— Dê esse trabalho a Clem enza e diga-lhe que tom e cuidado para só usar gente de confiança, gente que não se em polgue pelo cheiro de sangue. Afinal de contas, não som os assassinos, pouco im portando o que esse servidor de cadáveres possa im aginar em sua cabeça de idiota.

Ele percebeu que o seu filho prim ogênito estava olhando através da j anela para a festa no j ardim . Era inútil, Don Corleone pensou. Se recusava a ser instruído, Santino nunca poderia chegar a dirigir os negócios da fam ília, nunca chegaria a ser Don. Teria de encontrar outra pessoa. E im ediatam ente. Afinal de contas, não era im ortal.

Do j ardim , surpreendendo os três hom ens, veio um trem endo grito de felicidade. Sonny Corleone aproxim ou-se o m ais que pôde da j anela. O que ele viu fê-lo correr em direção à porta, com um sorriso de satisfação no rosto.

— É Johnny , ele veio para o casam ento. Que foi que eu disse? Hagen foi até a j anela.

— É realm ente seu afilhado — disse ele a Don Corleone. — Devo trazê-lo aqui? — Não — respondeu Don. Deixe o pessoal se divertir com ele. Que ele venha a m im , quando estiver pronto.

Sorriu para Hagen.

— Você vê? Ele é um bom afilhado.

Hagen sentiu um a pontada de ciúm e e disse secam ente:

— Faz dois anos. Ele provavelm ente está em dificuldade de novo e precisa de sua aj uda. — E a quem deve ele vir senão a seu padrinho? — perguntou Don Corleone.

A prim eira pessoa a ver Johnny Fontane entrar no j ardim foi Connie Corleone. Ela esqueceu a sua dignidade de noiva e gritou.

— Johneee.

Depois atirou-se em seus braços. Ele abraçou-a apertadam ente, beij ou-a na boca, conservando seu braço em volta dela, enquanto outros vinham saudá-lo. Todos eram velhos am igos, gente com quem ele havia crescido na Zona Oeste. Então, Connie com eçou a puxá-lo para j unto do seu m arido. Johnny achou graça ao ver que o rapaz louro estava um tanto agastado por não ser m ais a vedete do dia. Ele m ostrou todo o seu encanto ao apertar a m ão do noivo e brindá-lo com um copo de vinho.

— Que tal oferecer-nos um a canção, Johnny ? — gritou, do coreto, um a voz conhecida. Ele olhou para cim a e viu Nino Valenti sorrindo para ele. Johnny Fontane subiu no coreto e lançou os braços em torno de Nino. Eles tinham sido inseparáveis cantando j untos, saindo j untos com garotas, até que Johnny com eçou a ficar fam oso e a cantar no rádio. Quando foi para Holly wood fazer film es, Johnny telefonou para Nino algum as vezes, apenas para falar com ele, e prom etera-lhe m arcar um a data para vir cantar no clube. Mas j am ais o fez. Vendo Nino agora, com seu sorriso alegre, zom beteiro, de bêbedo, toda a afeição voltou.

Nino com eçou a dedilhar o bandolim . Johnny Fontane pôs a m ão no om bro de Nino. — Isso é para a noiva — disse ele e, batendo com o pé, entoou as palavras de um a obscena canção de am or siciliana.

Enquanto cantava, Nino fazia m ovim entos sugestivos com o corpo. A noiva corou orgulhosam ente, a m ultidão de convidados rugiu a- sua aprovação. Antes de a canção term inar, todos estavam batendo com os pés e gritando o estribilho m alicioso, de duplo sentido, que term inava cada estrofe. No fim , não pararam de aplaudir, enquanto Johnny não lim pou a

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garganta para cantar outra m elodia.

Todos estavam orgulhosos dele. Johnny era um deles e se tornara um cantor fam oso, um astro de cinem a que dorm ia com as m ulheres m ais desej adas do m undo. Contudo, m ostrara o devido respeito pelo Padrinho, viaj ando quase 5.000 quilôm etros para com parecer a esse casam ento. Ele ainda am ava velhos am igos com o Nino Valenti. Muitas das pessoas ali presentes haviam visto Johnny e Nino cantar j untos, quando eram m eninos, e ninguém sonhava que Johnny Fontane crescesse para ter em suas m ãos o coração de cinqüenta m ilhões de m ulheres.

Johnny Fontane esticou os braços e alcançou a noiva, levantando-a para o coreto, de form a que Connie ficou entre ele e Nino. Os dois hom ens se agachavam , um de frente para o outro. Nino tocando o bandolim e tirando uns acordes ásperos. Era um velho costum e deles, um a batalha sim ulada e um galanteio, usando as vozes com o espadas, cada um gritando um coro por sua vez. Com a m ais delicada cortesia, Johnny deixou a voz de Nino superar a sua, deixou Nino tirar-lhe a noiva do braço, deixou Nino vibrar com a últim a estrofe vitoriosa enquanto a sua própria voz m orria. Todos os convidados soltaram gritos de aplauso; os três se abraçaram m utuam ente no fim . Os convidados pediram outra canção.

Só Don Corleone, postado na entrada do canto da casa, sentiu qualquer coisa errada. Entusiasticam ente, com um bom hum or franco, cauteloso para não ofender os convidados, ele gritou:

— Meu afilhado viaj ou quase 5.000 quilôm etros para nos prestar essa honra e ninguém pensa em m olhar sua garganta?

Im ediatam ente, um a dúzia de cálices de vinho foram postos diante Johnny Fontane. Ele tom ou um gole de todos eles e correu para abraçar o Padrinho. Ao fazer isso, m urm urou algum a coisa no ouvido de Don Corleone. Este levou-o para dentro da casa.

Tom Hagen estendeu a m ão, quando Johnny entrou na sala. Johnny apertou-a, perguntando: — Com o vai você, Tom ?

Sem o seu encanto habitual, que consistia num a autêntica cordialidade para com as pessoas. Hagen sentiu-se um tanto m agoado pela sua frieza, m as deu de om bros. Isso era um a das inconveniências por ser o hom em de confiança de Don Corleone.

Johnny Fontane disse a Don Corleone:

— Quando recebi o convite de casam ento eu disse para m im m esm o: “Meu Padrinho não é m ais louco por m im .” Eu lhe telefonei cinco vezes depois do m eu divórcio e Tom sem pre m e dizia que você estava fora ou ocupado; assim eu sabia que você estava aborrecido.

Don Corleone enchia os cálices com o líquido da garrafa de strega.

— Tudo está esquecido. Agora, posso ainda fazer algo por você? Não será você tão fam oso, tão rico, que eu não possa aj udá-lo m ais?

Johnny engoliu o líquido am arelo ardente e estendeu o cálice para ser enchido novam ente. Ele procurava parecer j ovial.

— Não sou rico, Padrinho. Estou em decadência. Você tinha razão. Eu nunca devia ter deixado m inha m ulher e filhas por essa vagabunda com quem casei. Não o culpo por ter ficado aborrecido com igo.

Don Corleone deu de om bros.

— Eu m e preocupo com você, você é m eu afilhado, é só isso. Johnny andava de um lado para o outro da sala.

— Eu estava louco por essa cadela. A m aior estrela de Holly wood. Parece um anj o. E você sabe o que ela faz depois de um film e? Se o m aquilador executa um bom trabalho em seu rosto, ela trepa com ele. Se o cinegrafista consegue dar-lhe um a aparência extrem am ente boa, ela o leva para o cam arim e dá um a m etida com ele. Todo m undo. Ela usa o corpo com o eu uso o dinheiro trocado de m eu bolso para dar gorj eta. Um a prostituta feita de encom enda para o diabo.

— Com o vai sua fam ília? — interrom peu Don Corleone bruscam ente. Johnny suspirou.

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