Departamento de Microbiologia Insti tuto de Ciências Biológicas Universidade Federal de Minas Gerais htt p://www.icb.ufmg.br/mic
Introdução à Microbiologia Ambiental
Introdução
A microbiologia ambiental é a interface entre as ciências ambientais e a ecologia microbiana. Estuda os microrganismos e suas funções na condução de processos nos sistemas naturais e prioriza os efeitos provocados pela presença e ati vidade desses no meio ambiente. Com os avanços da biologia molecular aumentou-se a habilidade de detectar e identi fi car microrganismos e suas ati vidades no ambiente.
A diretriz principal da vida microbiana é sua sobrevivência, manutenção, geração de ATP e cresci-mento. A grande diversidade de habitats fez com que os microrganismos esti vessem sob diferentes pressões seleti vas o que resultou na seleção de grande variedade metabólica, fi siológica e molecu-lar. Considerando-se que microrganismos ambientais podem afetar vários aspectos da vida, e são facilmente transportados entre ambientes, as interfaces do campo de microbiologia ambiental têm um número grande de diferentes sub-especialidades, incluindo solo, ambiente aquáti co, qualidade da água, saúde ocupacional e controle de infecções e microbiologia industrial.
Impacto dos microrganismos no ambiente
Os microrganismos são agentes primários das mudanças geoquímicas. Algumas característi cas que possibilitam essa atuação ampla no ambiente são sua distribuição ubíqua devido à grande diversi-dade metabólica e fi siológica, pelo fato de serem pequenos e possuírem grande área superfi cial e as altas taxas de ati vidade metabólica e de crescimento.
Os microrganismos são elementos chave na ciclagem e liberação dos nutrientes e na manutenção da composição química do solo, água, sedimentos e atmosfera. Além disso, são importantes na de-toxifi cação de poluentes orgânicos e inorgânicos, sendo a base de muitas tecnologias emergentes com aplicação ambiental e industrial.
É o estudo da distribuição da diversidade no tempo e no espaço. Desti na-se a revelar onde os orga-nismos vivem, sua abundancia e o porque, ou seja, revela a diversidade e a ati vidade desses.
População microbiana
Os ecossistemas são formados pelas comunidades biológicas e pelos componentes abióticos. Cada ecossistema apresenta uma diversidade de microrganismos distribuídos em duas categorias:
1 – Autóctones ou indígenas, que são os microrganismos residentes e naturais daquele am-biente.
2- Alóctones ou não indígenas, que são os microrganismos transitórios.
O ecossistema pode ser ocupado por microrganismos especializados metabolicamente e que são restritos a um ambiente distinto.
Nicho Ecológico
O nicho corresponde ao papel funcional do microrganismo na comunidade e suas características de adaptação às condições ambientais. Cada espécie apresenta requerimentos nutricionais particula-res, propriedades cinéticas e potenciais bioquímicos. As características do microrganismo são deter-minantes da habilidade ou não de realizar uma função particular no ambiente (Figura 1).
Figura 1. Representação de diferentes nichos ecológicos determinados por re-querimentos nutricionais
Ecologia
É o estudo da estrutura e da função do ecossistema. A estrutura é a composição da comunidade biológica, a quantidade e a distribuição dos componentes abióticos e a faixa gradiente das condi-ções ambientais. Já a função envolve processos relacionados com o fluxo de energia, a ciclagem de nutrientes e a regulação mútua dos organismos no ambiente.
Densidade Populacional
Corresponde ao número de indivíduos por área. Pode ser modificada por fatores abióticos, como modificações físico-químicas no meio, por fatores bióticos, especialmente por relações ecológicas como a competição, e pelas taxas de migração, mortalidade e natalidade.
Biofilmes
É uma forte associação de microrganismos atacados com a produção de uma matriz extracelular polimé-rica (glicocálix). São sistemas microbianos organiza-dos, que consistem em camadas de células microbia-nas que se desenvolvem sobre superfícies sólidas. A complexidade de um biofilme é dependente dos recursos energéticos disponíveis.
Os biofilmes possibilitam a criação de microambientes e nichos na ausência de um ambiente físico estruturado e propiciam melhor condição de sobrevivência nos ambientes naturais. Protegem con-tra flutuações de pH, radiação ulcon-travioleta, concencon-tração de sais, desidratação, predadores, fagoci-tose, biocidas e antimicrobianos. Aumentam a possibilidade de trocas de material genético entre seus componentes e facilitam o estabelecimento de microconsórcios, possibilitando a utilização de substratos de difícil degradação. Também aumentam a quantidade de nutrientes disponíveis, atra-vés da deposição e concentração desses na matriz polimérica.
Biofilmes têm sido extensivamente estudados pelo seu papel no ciclo de nutrientes e controle de poluentes em ambientes aquáticos, além dos efeitos benéficos ou prejudiciais à saúde humana.
A formação dos biofilmes (Figura 2) acontece da seguinte forma:
1- Formação de filme condicionado – adsorção de substancias orgânicas a uma superfície sólida e colonização inicial por um único tipo bacteriano.
2- Associação transiente do microrganismo com a superfície ou com outros microrganismos. Produção de EPS (proteínas, carboidratos e polissacarídeos) e biosurfactantes. Apêndices externos, como adesinas e pilus tipo III, facilitam a associação.
3- Associação estável – adesão firme dos microrganismos à superfície. Redução da motilida-de motilida-desses através da inibição do gene da flagelina. Síntese motilida-de exopolissacarímotilida-deos e motilida-desenvolvimento de camadas compostas por diferentes microrganismos.
Figura 2. Etapas da formação do biofilme: Coloniza-ção inicial por um único tipo bacteriano (1) Desen-volvimento de camadas de diferentes microrganis-mos (2 e 3)
Lei do mínimo de Liebig
A ocorrência e abundância de um microrganismo em um ambiente depende não somente dos nu-trientes disponíveis, mas também dos fatores químicos e físicos. O microrganismo apresenta um conjunto complexo de condições, dentro de uma faixa de tolerância. Se qualquer condição exceder os limites mínimo ou máximo, o organismo falha e morre. Para todo fator abiótico existe uma faixa de crescimento, com valores cardeais mínimo, ótimo e máximo.
Determinantes ambientais
1- Químicos – nutrientes, minerais, composição atmosférica, pH, fatores de crescimento, fontes de carbono e energia, potencial de eletro-redução.
2- Físicos – radiação, pressão, salinidade, temperatura, atividade de água, superfície. 3- Biológicos – relações espaciais, genética do microrganismo e relações ecológicas.
Microrganismos extremófilos
Prosperam ou requerem condições extremas que excedem as condições ótimas para o crescimento e reprodução da maioria dos microrganismos. Sobrevivem em um leque de ambientes diferentes e utilizam uma gama de diferentes fontes de carbono e energia. Possuem estratégias para reter água e manter suas membranas, proteínas e ácidos nucléicos funcionais.
Temperatura
Afeta a taxa de crescimento por alterar a taxa das reações químicas. A elevação da tempera-tura, até certos limites, leva ao aumento do crescimento e das atividades metabólicas até um ponto, a partir do qual as reações de inativação começam a atuar.
Os microrganismos são classificados de acordo com a faixa de temperatura em que sobrevivem e crescem em (Gráfico 1):
Os biofilmes podem ter as seguintes formas de dispersão:
Expansiva – ocorre a liberação de células do interior das colônias após a morte celular, a de-gradação da matriz por liases ou a restauração da motilidade dos microrganismos.
Fragmentação por forças mecânicas. Migração superficial.
A formação do biofilme é afetada pelas características da superfície, pela cobertura polimérica da água, pela presença de materiais particulados, pela qualidade e concentração de nutrientes do meio circundante e pelas características da bactéria e do fluido, se houver.
A biomassa total de um organismo é determinada pelo nutriente presente no meio em menor con-centração em relação a seus requerimentos. Em um dado ecossistema sempre haverá algum fator nutricional limitante.
Gráfico 1. Faixa de temperatura de crescimento de microrganismos psicrófilos, psicrotolerantes, mesófilos, termófilos e hipertermófilos.
1- Psicrófilos – crescem em temperaturas baixas, na faixa de 0oC a 200C, com temperatura ótima em torno de 15oC. Não toleram o calor e são encontrados em ambientes constantemente frios, tais como as regiões polares.
2- Psicrotolerantes – capazes de crescer a 0 oC, mas com crescimento ótimo na faixa de 20 oC a 40 oC. São um problema na conservação de alimentos, sendo comumente encontrados em alimentos estragados.
3- Mesófilos – com temperaturas medianas como ótimas de crescimento (25 oC a 40 oC). São encontradas em animais de sangue quente e em ambientes terrestre e aquáticos de latitudes tropicais.
4- Termófilos – com crescimento ótimo em temperaturas superiores a 45oC. São encontra-dos em ambientes quentes. Geralmente produzem esporos resistentes ao calor que sobrevivem inclusive aos tratamentos térmicos a que são submetidos os alimentos enlatados. Importantes tam-bém em acúmulos de compostos orgânicos cuja temperatura pode ser bastante alta.
5- Hipertermófilos - crescimento ótimo em temperaturas superiores a 80oC. encontrados em fontes termais, gêiseres e fendas hidrotermais.
Estresse em baixas temperaturas:
- Desestabilização da bicamada lipídica da membrana. - Despolimerização do citoesqueleto.
- Citoplasma viscoso devido ao aumento da concentração de soluto, o que interfere na difu-são.
- Mudança de pH, muitas vezes levando à desnaturação de proteínas.
- Desidratação em decorrência da saída de água das células devido a formação de cristais de gelo no meio extracelular.
Pressão hidrostática
Os microrganismos são classificados de acordo com a faixa de pressão hidrostática em que crescem. E são classificados em:
1- Sensíveis – crescem bem a 1 atm.
2- Barotolerantes – resistem a pressões bastante altas.
3- Barofílicos – Precisam de grande pressão para crescer bem. Morrem a 1 atm.
Pressão osmótica
Força com a qual a água se move através da membrana plasmática, de uma solução hipotônica para uma solução hipertônica. Pode causar desidratação, lise ou plasmólise.
Salinidade
É a soma da concentração de todos os constituintes iônicos dissolvidos na água. A alta concentração de sal afeta a pressão osmótica, desnatura proteínas e desidrata a célula. De acordo com a salinida-de os microrganismos posalinida-dem ser classificados em (Gráfico 2):
1- Não halofílicos – não necessitam de sal para crescer e não toleram sua presença no meio. 2- Halotolerantes – não necessitam de sal para crescer, mas suportam certa quantidade no meio. O crescimento ótimo ocorre na ausência do sal.
3- Halófilos- requerem certa quantidade de sal para crescer. Podem ser discretos ou mode-rados, necessitando de baixa concentração de sal no meio, ou extremo, necessitando de altíssima concentração de sal para crescer.
O sistema de transporte de membrana dependente de sódio em bactérias marinhas é um exemplo de adaptação à salinidade.
Gráfico 2: Faixa de salinidade de crescimento de microrganismos não halofílicos, halotolerantes, halófilos moderados e halófilos extremos.
Disponibilidade de água
A água é essencial para a atividade e crescimento dos microrganismos. Processos fisiológicos reque-rem água para movimentação, trocas gasosas, trocas de soluto, excreção de resíduos, obtenção de nutrientes e outras funções.
A atividade de água (Aa ou aw) é o parâmetro que mede a disponibilidade de água para o micror-ganismo. Os valores de aw podem variar de 0 a 1. Representa a água que está livre para agir como solvente ou participar de reações químicas. É a água não ligada a macromoléculas por forças físicas. A atividade de água corresponde à pressão de vapor da solução dividida pela pressão de vapor da água pura. A atividade de água reduzida aumenta a fase lag do crescimento, inibe a produção de toxinas por alguns microrganismos e altera a permeabilidade da membrana celular, levando à perda de moléculas essenciais.
Fatores que interferem nos efeitos da atividade de água:
- Temperatura– quanto mais próximo à temperatura ótima de crescimento, maior a faixa de atividade de água em que o crescimento microbiano é possível.
- Nutrientes – a disponibilidade amplia a faixa de atividade de água onde o crescimento mi-crobiano é possível.
Microrganismos que crescem em baixas atividades de água bombeiam íons inorgânicos para o in-terior da célula ou sintetizam solutos orgânicos (chamados de solutos compatíveis). A quantidade máxima de solutos compatíveis acumulados corresponde a uma característica geneticamente deter-minada.
Adaptações aos períodos de dessecação:
- Formação de esporos.
- Formação de polissacarídeos extracelulares (cápsula, camada mucosa com trehalose). - Síntese de açúcares que formam uma fase de cristal não cristalino que se liga a proteínas, impedindo sua desnaturação.
- A trealose forma ligações de hidrogênio com lipídeos, substituindo a molécula de água e mantendo o estado fluido da membrana.
Adaptações à grande quantidade de água:
- Parede celular rígida para evitar a lise em bactérias.
- Vacúolos contráteis em protozoários para bombear o excesso de água para fora da célula. - Excreção de água através de aquaporinas em algumas bactérias.
pH
Assim como na temperatura, cada organismo possui uma faixa de pH onde seu crescimento é possí-vel, exibindo no entanto um pH ótimo definido. Esse pH ótimo corresponde ao pH do meio externo, sendo que o pH intracelular deve permanecer próximo a neutralidade, o que é possível devido a impermeabilidade da membrana plasmática aos íons. Alguns procariotos que vivem em pH extremo parecem manter a neutralidade interna bombeando prótons para fora da célula.
A maioria dos ambientes tem o pH entre 5 e 9 e os organismos mais comuns são os que crescem nessa faixa, conhecidos como neutrófilos. Os organismos acidófilos crescem em pH menor que 5. Os fungos tendem a ser mais tolerantes à acidez, mas algumas bactérias também são acidófilas. Os
Valores de pH fora da faixa de crescimento tolerada pelos microrganismos pode levar à desnatura-ção de proteínas, alterações na fluidez da membrana plasmática, a dissociadesnatura-ção e solubilizadesnatura-ção de moléculas e à solubilidade de gás carbônico. Também afeta a força próton motora e a mobilidade de metais pesados.
Potencial de oxi-redução
Mede a tendência de um composto doar ou receber elétrons. É uma escala útil para medida de ana-erobiose. O oxigênio molecular é um poderoso agente oxidante. Ambientes com potenciais de oxi--redução positivos favorecem a oxidação e permitem o crescimento de microrganismos aeróbios. Em contrapartida, ambientes com potenciais de oxi-redução negativos favorecem a redução e permitem o crescimento de microrganismos anaeróbios. Os microrganismos aeróbios facultativos sobrevivem a uma ampla faixa de potencial de oxi-redução. À medida que o oxigênio vai sendo reduzido vão sendo formadas moléculas altamente reativas como o ânion superóxido (O2-) e o peróxido de hi-drogênio (H2O2). Os microrganismos que crescem na presença de oxigênio sintetizam enzimas que transformam as moléculas reativas em moléculas inertes como a água e o oxigênio (O2).
Literatura sugerida
MADIGAN, Michael T.; MARTNKO, John M.; PARKER, Jack. Microbiologia de Brock. 12 ed. Editora: Artmed. São Paulo. 2010.
PELCZAR, Michael Joseph; CHAN, E.C.S; KRIEG, Noel R. Microbiologia: conceitos e aplicações. 2.ed. São Paulo: Makron Books.
MAIER, Raina M.; PEPPER Ian L.; GERBA Charles P. Environmental Microbiology. 2ª ed. Editora: Aca-demic Press. 2009