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Prostituição como profissão: uma análise relacionada aos direitos humanos

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Academic year: 2021

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PROSTITUIÇÃO COMO PROFISSÃO:

UMA ANÁLISE RELACIONADA AOS DIREITOS HUMANOS.

Palhoça 2018

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LILIANE RACHADEL

PROSTITUIÇÃO COMO PROFISSÃO:

UMA ANÁLISE RELACIONADA AOS DIREITOS HUMANOS.

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Cristiane Goulart Cherem, Msc.

Palhoça 2018

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LILIANE RACHADEL

PROSTITUIÇÃO COMO PROFISSÃO:

UMA ANÁLISE RELACIONADA AOS DIREITOS HUMANOS.

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, 09 de julhode 2018.

_________________________________________ Professora e orientadora Cristiane Goulart Cherem, Msc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________ Professor Marciel Evangelista Cataneo, Msc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

_________________________________________ Professor Joel Irineu Lohn, Msc.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

PROSTITUIÇÃO COMO PROFISSÃO:

UMA ANÁLISE RELACIONADA AOS DIREITOS HUMANOS.

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Palhoça,09 de julho de 2018.

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“Una cosa es decir que las condiciones en las que se ejerce la prostiuición son, en muchos casos, indignas, y otra muy diferente es considerar que lo indigno es ejercer este trabajo.” (GARAIZÁBAL, 2008, p. 104).

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer à Universidade do Sul de Santa Catarina pela maravilhosa e engrandecedora experiência em cursar Direito à distância. Agradeço à professora Dilsa Mondardo pela luta em prol do curso e pelo constante incentivo aos alunos e, agradeço também à minha orientadora Cristiane Goulart Cherem por ter aceitado dividir comigo essa última etapa do curso.

Agradeço à Ana pela força e incentivo para que eu realizasse este trabalho de conclusão de curso e por ter me ajudado a enxergar a vida colorida novamente.

Ao Rafa, pessoa que se fez presente na maior parte da minha graduação, dando força, apoio e incentivo e, pelos nossos dez anos de companheirismo, amizade e amor.

Sou grata aos meus pais que me ensinaram o valor do estudo, a buscar meus sonhos, por terem tanta fé em mim e no meu potencial, e pelo amor que me dão incondicionalmente.

Agradeço, por fim, à minha estrelinha que não sabia que os adultos também tinham escolinha, pela paciência, ou não, em me esperar terminar um estudo antes de uma brincadeira e pelo amor recebido dela.

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RESUMO

A prostituição em qualquer aspecto é um tema difícil e complexo para se discutir, posto o estigma, a discriminação e as injustiças sofridas pelos profissionais da área. O presente trabalho buscou discutir a prostituição à luz dos direitos fundamentais, com enfoque nos princípios da dignidade da pessoa humana, da não discriminação e da liberdade. Foram analisados os sistemas legais adotados no mundo e as tentativas para regulamentar a prostituição como profissão no Brasil. Foram apresentados quatro projetos de Lei da Câmara dos Deputados, o primeiro data-se de 1997 de autoria do deputado Wigberto Tartuce, o segundo de 2003 do deputado Fernando Gabeira, o terceiro de 2004 do deputado Eduardo Valverde e, o mais recente, de 2012 do deputado Jean Wyllys. Apesar da existência de projetos visando a legalização da profissão, há certo desinteresse pelo Poder Legislativo acerca do tema. A realidade brasileira em relação à prostituição é alarmante e exige um posicionamento urgente. Os profissionais do sexo estão sujeitos à violência física e moral, e poucos buscam seus direitos. A legalização da profissão permitiria ao Estado criar instrumentos para regulamentar, fiscalizar e garantir direitos destes profissionais.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Abuso sexual na infância ou adolescência...21 Gráfico 2 – Prazer em exercer a prostituição...21 Gráfico 3 – Motivos que levaram à prostituição...22

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LISTA DE SIGLAS

AC – Antes de Cristo

AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CBO – Classificação Brasileira de Ocupações

CC – Código Civil

CP – Código Penal brasileiro

DRT – Delegacia Regional do Trabalho DSTs – Doenças Sexualmente Transmissíveis ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente HC – Habeas Corpus

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social MP – Ministério Público

MTb – Ministério do Trabalho

OEA – Organização dos Estados Americanos ONG – Organização Não Governamental PL – Projeto de Lei

STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TRT – Tribunal Regional do Trabalho USP - Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 11

2.1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 12

2.2 A NÃO DISCRIMINAÇÃO ... 13 2.3 A LIBERDADE ... 14 2.3.1 Liberdade profissional ... 15 2.3.2 Liberdade sexual ... 16 3 A PROSTITUIÇÃO ... 18 3.1 BREVE HISTÓRICO ... 23 3.2 SISTEMAS LEGAIS ... 26 3.2.1 Proibicionista ... 27 3.2.2 Regulamentador ... 28 3.2.3 Abolicionista ... 29 3.2.4 Misto ... 29 4 REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO ... 32

4.1 CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÃO ... 33

4.2 PROJETOS DE LEI ... 35 4.2.1 Projeto de Lei nº 3.436/97 ... 36 4.2.2 Projeto de Lei nº 98/03 ... 36 4.2.3 Projeto de Lei nº 4.244/04 ... 37 4.2.4 Projeto de Lei nº 4.211/12 ... 38 5 CONCLUSÃO ... 41 REFERÊNCIAS ... 44 ANEXOS ... 48

ANEXO A – PROJETO DE LEI Nº 3.436/97 ... 49

ANEXO B – PROJETO DE LEI Nº 98/03 ... 56

ANEXO C – PROJETO DE LEI Nº 4.244/04 ... 59

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1 INTRODUÇÃO

A prostituição em qualquer aspecto é um tema difícil e complexo para se discutir, posto o estigma, a discriminação e as injustiças sofridos pelos profissionais da área. Apesar da prática da prostituição ser ato lícito, vez que a Lei não a proíbe, os profissionais desta área sofrem com a exclusão social.

O presente trabalho busca analisar criticamente a prostituição como profissão diante do aspecto dos direitos humanos fundamentais e mostrar as tentativas de legalizar a profissão. Nesse aspecto, é possível citar a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) em relação aos princípios da dignidade da pessoa humana, da não discriminação e da liberdade.

A metodologia utilizada é dedutiva qualitativa, com método de procedimento monográfico. Para o alcance dos objetivos fixados neste trabalho é observada a técnica bibliográfica, baseando-se em obras que abordem o tema em comento, bem como legislação e jurisprudência, com intuito de desenvolvimento do conhecimento acadêmico e científico.

Para explanação do tema proposto serão desenvolvidos três capítulos, sendo que no primeiro são abordados os direitos fundamentais. Na sequência, há um breve histórico acerca da prostituição e sistemas legais e, por fim, a regulamentação da profissão.

A pesquisa se mostra relevante, pois poderá servir como suporte para políticas públicas, projetos de Lei, dentre outras iniciativas que busquem auxiliar na quebra de preconceitos formados ao longo da construção da sociedade.

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2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais são os direitos e liberdades reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado. Tais direitos são previstos expressa ou implicitamente por uma determinada ordem constitucional. Para Nucci (2014, p. 26), os direitos fundamentais são os alicerces básicos, elementares e primários de todos os demais que possam existir num sistema normativo. O autor acrescenta que o Estado democrático não pode se afastar de forma alguma de tais direitos. Sendo que, estes direitos têm sua origem nos Direitos Humanos.

Os Direitos Humanos são identificados e reconhecidos historicamente aos seres humanos por ser simplesmente o que são: humanos. No entanto, tais expressões não são sinônimas, pois conforme o entendimento de Ramos (2017, p. 48), os “direitos humanos” são estabelecidos pelo direito internacional e reconhecem o ser humano como tal, sem considerar seu vínculo com determinado Estado. Enquanto que os “direitos fundamentais” são os direitos do ser humano, reconhecidos e positivados pelo direito constitucional de um Estado específico.

Diferentemente das demais constituições brasileiras, a CRFB/88 traz no início de seu texto os Direitos Fundamentais, classificando-os em direitos individuais e coletivos, os quais podem ser encontrados nos seus artigos 5º, 6º, 12º, 14º a 17º e 193º, como direitos sociais, de nacionalidade e políticos. Faz-se importante citar que, em seu artigo 5º, parágrafo 2º, a CRFB/88 preceitua que os direitos e garantias expressos em seu texto não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte.

A CRFB/88 prevê os direitos e garantias como cláusulas pétreas em seu artigo 60º, §4º, IV, como observado no seguinte trecho: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: os direitos e garantias individuais”. Muitos dos direitos e garantias individuais concentram-se no rol do artigo 5º da CRFB/88. No entanto, eles se encontram espalhados por toda a Constituição. Ramos (2017, p. 504), chama as cláusulas pétreas de “garantias de imutabilidade”, pois se tratam de um limite ao poder constituinte derivado de reforma. O autor explica que a escolha do constituinte originário em criar um núcleo imutável de normas constitucionais se deve a seu entendimento de que tais valores simbolizariam a essência do Estado Democrático de Direito brasileiro.

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Sob uma perspectiva subjetiva, os direitos fundamentais garantem que uma pessoa possa exigir de outra e do Estado uma determinada prestação que pode ser comissiva ou omissiva. Estes direitos têm um valor que influencia todo o ordenamento jurídico e é a chamada força irradiante dos direitos fundamentais. Com base nesse conceito, o Estado tem o dever de proteger os direitos fundamentais, manifestando-se objetivamente para proteger tais direitos diante de ameaças vindas de terceiros (BAHIA, 2017, p. 105).

Os princípios são normas com alto grau de generalidade e orientam a aplicação de todo o Direito. Para Bonavides (2004, p. 292), os princípios encabeçam o sistema, guiam e fundamentam todas as demais normas que a ordem jurídica instituiu. Desta forma, os princípios constitucionais devem prevalecer quando colidirem com a legislação ordinária, pois “embora os princípios e regras devam atender igualmente aos ideais de justiça, os princípios estão mais próximos dessa finalidade do que as regras, em razão de seu alto conteúdo axiológico e moral e, ademais, por constituírem a própria ratio das normas jurídicas.” (BAHIA, 2017, p. 78).

A seguir serão explanados os princípios constitucionais da dignidade humana, da não discriminação e da liberdade.

2.1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A dignidade da pessoa humana possui a posição mais elevada na CRFB/88, pois foi definida como fundamento do Estado Democrático de Direito, conforme seu artigo 1º, inciso III. Para Moraes (2007, p. 48), este fundamento se apresenta como um direito individual protetivo e como dever fundamental de tratamento igualitário entre semelhantes. Ela exige que cada ser humano – como ser de razão e sentimento, independentemente de qualquer merecimento pessoal ou social – receba tratamento moral, condizente e igualitário. Fernandes (2017, p. 310), menciona que este direito fundamental foi erigido à condição de meta-princípio e, por isto, ele “irradia valores e vetores de interpretação para todos os demais direitos fundamentais”, e desta forma exige que o ser humano seja sempre tratado de forma moral e igualitária.

A proteção à dignidade da pessoa humana encontra-se em todo o ordenamento jurídico pátrio. Este direito fundamental encontra-se expresso direta ou indiretamente no texto constitucional. Como, por exemplo, na CRFB/88 em seus artigos 1º, inciso III, 170 caput (quando menciona que a todos é assegurada uma existência digna), 226 §7º (quando funda a

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família no princípio da dignidade da pessoa humana), 227 caput (quando garante à criança, ao adolescente e ao jovem o direito à dignidade).

A dignidade da pessoa humana serve como fonte ética aos demais direitos fundamentais uma vez que todos remontam à ideia de proteção e desenvolvimento das pessoas. Nucci (2014, p. 7), leciona que não é possível a existência de um Estado Democrático de Direito sem que este tenha como regente o princípio da dignidade da pessoa humana.

Dworkin (2011 apud FERNANDES, 2017, p. 311), afirma que existem duas dimensões da dignidade, a primeira ocorreria com o reconhecimento da importância de cada projeto de vida individual e a segunda com a proteção da autonomia individual na persecução desse projeto de vida. Desta forma, conclui o autor, que os governos só podem ser considerados legítimos quando demonstram igual consideração e respeito por cada um de seus cidadãos, o que implica no atendimento às duas dimensões da dignidade citadas.

2.2 A NÃO DISCRIMINAÇÃO

A não discriminação é um direito fundamental e aparece também como um dos “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil” (art. 3º, IV CRFB/88), possuindo relação muito próxima com o direito da igualdade.

Para Sant‟Ana (2005, p. 63), a discriminação é uma conduta, comissiva ou omissiva que viola direitos das pessoas com base em critérios injustificados e injustos. Ela é a manifestação e a materialização do preconceito e do estereótipo.

Os organismos internacionais têm se preocupado com o direito de não discriminação, como exemplo, cita-se a Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância, a qual foi aprovada em assembleia pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em junho de 2013. Tal convenção – assinada, mas não ratificada pelo Brasil – mostra a necessidade de que os Estados adotem políticas e ações afirmativas para garantir o gozo e o exercício de direitos por parte das pessoas e grupos discriminados.

Quanto ao fato de o Brasil ter assinado e não ratificado a convenção, Mazzuoli (2011, p. 204-216), explica tal diferença ao desmembrar a formação dos tratados internacionais nas seguintes fases: (a) negociações preliminares; (b) adoção do texto – que ocorre quando os encarregados de negociar o tratado entendem ter havido consenso sobre o texto final; (c) autenticação – ato pelo qual o texto do tratado é considerado autêntico e

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definitivo; (d) assinatura – trata-se de um aceite precário e formal, que não acarreta efeitos jurídicos vinculantes e; (e) ratificação ou adesão – nesta fase após a apreciação e aprovação do Poder Legislativo o tratado retorna ao chefe do Poder Executivo para sua ratificação, e então o Estado expressa em definitivo o seu comprometimento de engajar-se ao compromisso internacional.

2.3 A LIBERDADE

O conceito de liberdade pode ser muito amplo, mas significa, basicamente, o direito de uma pessoa agir conforme sua própria vontade, desde que não prejudique outra pessoa. Houaiss e Villar (2001, p. 1752), definem o termo liberdade como:

[...] 2 conjunto de direitos reconhecidos ao indivíduo, considerado isoladamente ou em grupo, em face de autoridade política e perante o Estado; poder que tem o cidadão de exercer sua vontade dentro dos limites que lhe faculta a lei [...] 8 possibilidade que tem o indivíduo de exprimir-se de acordo com sua vontade, sua consciência, sua natureza [...] 13 a potencialidade (nem sempre concretizada) de escolha autônoma, independente de quaisquer condições e limites, por meio da qual o ser humano realiza a plena autodeterminação, constituindo a si mesmo a ao mundo que o cerca [...] liberdade civil 2 poder de fazer o que se quer, desde que não interfira na liberdade alheia [...].

Portanto, a liberdade é uma forma de independência do ser humano, de agir com autonomia. Para Nucci (2014, p. 41), a liberdade “é a possibilidade de o ser humano decidir o seu destino, agindo conforme sua consciência, indo, vindo ou ficando em determinado lugar, manifestando, pela forma que julgar conveniente, o seu pensamento, tornando-se a expressão do seu sentir”.

A liberdade individual é também um direito humano fundamental, conforme artigo 5º, caput, da CRFB/88, bem como em alguns de seus incisos, onde a liberdade aparece nas esferas: de pensamento, conforme incisos IV e V; religiosa, nos incisos VI e VIII; de expressão, segundo inciso IX e; de profissão disposto no inciso XIII. Mendes e Branco (2017, p. 234) analisam o papel do Estado na garantia das liberdades individuais:

As liberdades são proclamadas partindo-se da perspectiva da pessoa humana como ser em busca da autorrealização, responsável pela escolha dos meios aptos para realizar as suas potencialidades. O Estado democrático se justifica como meio para que essas liberdades sejam guarnecidas e estimuladas – inclusive por meio de medidas que assegurem maior igualdade entre todos, prevenindo que as liberdades se tornem meramente formais. O Estado democrático se justifica, também, como instância de solução de conflitos entre pretensões colidentes resultantes dessas liberdades.

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Prevê o artigo 5º, incisos VI e VIII da CRFB/88, que a liberdade de consciência e de crença é inviolável, bem como determina que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política. No entanto, o artigo não permite que a pessoa use de sua liberdade para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa fixada em lei.

Desta forma, entende-se que a liberdade pode ser limitada em nome do interesse coletivo, posto que nenhum direito é absoluto. No entanto, tal limitação não pode ocorrer sem um justo e necessário motivo, pois atingiria a intimidade e vida privada do indivíduo.

2.3.1 Liberdade profissional

O direito à liberdade profissional esteve presente em todas as Constituições brasileiras e está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois o trabalho é um elemento significativo da vida e da personalidade de cada indivíduo.

O texto constitucional dispõe através do artigo 5º, XIII da CRFB/88, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. O citado artigo é genérico, englobando a todos e, desta forma, enquanto não forem estabelecidas em leis as qualificações para o exercício de uma determinada profissão, qualquer pessoa poderá exercê-la.

Este não é um direito absoluto de forma que não é possível evocá-lo para a prática de atividades ilícitas, bem como a Lei pode estabelecer restrições de acesso a algumas profissões, conforme mencionado no artigo 5º, inciso XIII da CRFB/88.

Para Martins (2017, p. 892) e para Nunes Júnior (2017, p. 892), sendo lícita a prática profissional, o Estado não pode ferir o núcleo essencial dos direitos fundamentais e nem opor embaraços irrazoáveis ou desproporcionais a ela. No Recurso Extraordinário nº 414.426/SC (2011), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que “nem todos os ofícios ou profissões podem ser condicionadas ao cumprimento de condições legais para o seu exercício. A regra é a liberdade. Apenas quando houver potencial lesivo na atividade é que pode ser exigida inscrição em conselho de fiscalização profissional”.

Assim sendo, a liberdade profissional possibilita a livre escolha do trabalho, ofício ou profissão e permite o exercício da atividade que o indivíduo se entende como mais vocacionado.

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2.3.2 Liberdade sexual

A liberdade sexual deriva do princípio da dignidade da pessoa humana e de seus desdobramentos, como o direito à liberdade, à intimidade e à vida privada. Este bem jurídico encontra-se tutelado, referido como dignidade sexual, pelo Código Penal brasileiro (CP) no Título VI da parte Especial.

Ramos (2017, p. 943), usa o termo “direitos sexuais”, mencionando que estes abrangem o direito à escolha do parceiro e sobre ter ou não relações sexuais e o direito de viver a sexualidade, sem sofrer discriminação, temor ou qualquer forma de violência. O autor ainda relaciona tais direitos ao exercício e à vivência sexual dos humanos, o que abrange a livre orientação sexual e o reconhecimento da igualdade e liberdade das diversas práticas sexuais.

Nucci (2014, p. 44), classifica como quadros da vida humana íntima as relações sexuais desde a masturbação, ato individual, até a conjunção carnal com outra pessoa, e por este motivo tais atos são atinentes apenas à orbita privada e devem estar longe do controle do Estado, como regra, sob pena de ferir a liberdade sexual do indivíduo. Obviamente, não podendo olvidar de que qualquer relação humana que contenha constrangimento ilegal por violência ou grave ameaça, como padrão, deve ser coibida.

Nenhum indivíduo poderá se realizar como ser humano caso não tiver assegurado o respeito ao livre exercício de sua sexualidade, conceito que compreende a liberdade sexual. A liberdade sexual como direito natural é inalienável e imprescritível. Desta forma, não se pode continuar pensando a sexualidade com preconceitos fixados pelo conservadorismo do passado, através de uma ideologia machista e discriminatória “que entre o preconceito e a justiça, fique o Estado com a justiça e, para tanto, albergue no direito legislado novos conceitos, derrotando velhos preconceitos” (DIAS, 2007).

Nucci (2014, p. 44), traz à discussão, da liberdade sexual, a atividade sexual por meio da prostituição:

Outro aspecto importante diz respeito ao controle da atividade sexual desenvolvida por meio da prostituição, que não constitui crime, no Brasil, mas permite a punição de inúmeras atividades correlatas, muitas das quais de simples apoio – até benéfico – ao profissional do sexo.

O citado jurista continua analisando que o sexo deve ser separado da religião, da política e dos bons costumes, pois ao misturar tais conceitos surgem normas adversas à liberdade sexual. O Estado não pode infligir conceitos religiosos aos indivíduos por respeito à

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liberdade religiosa. Da mesma forma, a influência de critérios políticos para domar o desejo sexual fere o direito à intimidade. Por fim, “confundir sexo com bons ou maus costumes é transfigurar a vida privada das pessoas em atividade pública, pois na intimidade não existem valorações de terceiros para o que se faz; seria o mesmo que julgar pensamentos ou avaliar desejos” (NUCCI, 2014, p. 45).

Destarte, um Estado democrático de direito deve preservar a liberdade sexual, como forma de respeitar a dignidade humana.

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3 A PROSTITUIÇÃO

A Prostituição, tida por muitos como a mais antiga das profissões, pode ser entendida como uma permuta de serviços sexuais de forma habitual e em troca de dinheiro. É uma atividade sexual reconhecida ou não como trabalho, este que pode ser lícito ou ilícito a depender do local, da época histórica e do ordenamento jurídico vigente. Nesse sentido, Schouten (2010, p. 92), menciona que a prostituição como a “mais velha profissão do mundo” é uma asserção duvidosa, pois, por mais usada e abusada, essa definição não corresponde às representações na sociedade, onde a prostituição dificilmente é reconhecida como profissão. A autora também menciona que “trabalhar neste setor é, geralmente, uma opção racional, e as mulheres em questão não devem ser perspectivadas como objetos, mas como agentes que, por vários motivos, têm de ganhar dinheiro” (SCHOUTEN, 2010, p. 92).

As pessoas que exercem essa profissão, tão antiga, conhecida e praticada no mundo encontram preconceito, estigmatização e exclusão social. A dificuldade de essa profissão ser reconhecida parece girar em torno da questão do preconceito. O preconceito é, de acordo com Houaiss e Villar (2001, p. 2282):

1 Qualquer opinião ou sentimento, quer favorável quer desfavorável, concebido sem exame crítico. 1.1 ideia, opinião ou sentimento desfavorável formado a priori, sem maior conhecimento, ponderação ou razão. 2 Atitude, sentimento ou parecer insensato, esp. De natureza hostil, assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio; intolerância.

O preconceito sofrido por esses profissionais pode ser notado na forma como a sociedade ignora o assunto, fato este perceptível na ausência da legalização da prostituição. A prostituição como profissão não é discutida na sociedade e não é colocada em pauta, pois mesmo em tempos de liberdade sexual, essa prática ainda é considerada um tabu.

Uma das razões que fez a prostituição feminina ser admitida e aceita em algumas sociedades é a de que ela seria um “mal necessário”, um ajuste frente ao instinto sexual do homem e que serviria para proteger a família dessa necessidade masculina. Tal discurso mostra o preconceito em relação à prostituição, quando naturaliza a sexualidade masculina e cria a dicotomia de mulher santa e puta. Ou seja, a prostituição é o mal enquanto que o usuário do serviço segue apenas seus instintos e, desta forma não sofre o preconceito.

Este trabalho não pretende com esta menção discutir o tema no momento, mas apenas evidenciar que o usuário ainda hoje se encontra nas sombras no debate sobre a prostituição, sendo que o objeto de desprezo pela sociedade e preocupação é tradicionalmente a prostituta.

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Os profissionais do sexo, por vezes, são vistos como vítimas do sistema, onde a prostituição existiria apenas por conta das más condições econômicas e sociais das pessoas que a praticam, ou no caso, que se submetem a ela. Assim sendo, o principal motivo que justifica o exercício da prostituição seria a busca pela sobrevivência diante da dificuldade de inserção no mercado de trabalho por conta de um baixo nível de escolarização. É evidente que tal visão possui fundamento em um país com muitas diferenças sociais, como o Brasil, no entanto, não se pode imaginar que esta seja a única explicação para a prática da prostituição.

Assim sendo, é possível dizer que há duas perspectivas, a respeito das prostitutas, uma na qual são perigosas por atentarem contra a moral religiosa, pois esta entende que o sexo deveria servir à reprodução e não ao prazer, atentando, portanto, contra a família estruturada, e outra onde as prostitutas seriam vítimas do sistema socioeconômico e da desestruturação familiar e aqui a responsabilidade seria da sociedade. (ALVAREZ; RODRIGUES, 2009, p. 188).

O estudo de Penha et al. (2012), conclui que as mulheres que se prostituem estão sujeitas à violência, seja por seus clientes, com agressões físicas e morais, bem como pela sociedade que as marginalizam como pessoas indignas de direitos. O estudo ressalta ainda que, para os casos de agressões sofridas por estas mulheres, há pouca procura pelos serviços jurídico, policial e de saúde, seja por medo ou vergonha.

Para Moraes (1995, p. 143), quanto mais a sociedade colocar a prostituta em uma posição de vitimização e criminalização, maiores serão seus riscos e violentações e, desta forma, será maior a chance de esta ser explorada ou “marginalizada”. De acordo com a autora, para que haja proteção, estabilidade, segurança e qualidade nos serviços prestados aos clientes é necessário que sejam desenvolvidas condições favoráveis de trabalho às prostitutas e que estas tenham maior margem de escolha.

A prostituição é praticada como forma de exercer uma profissão, apesar de não haver legislação que a regulamente. Muitas pessoas praticam a prostituição por escolha própria. Há mulheres famosas que relataram, algumas delas em livros, suas experiências como prostitutas, dentre elas é possível citar Gabriela Silva Leite, graduada em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), a qual participou de diversas lutas em busca de direitos para as prostitutas e escreveu o livro “Eu, mulher da vida”. Gabriela Leite, como é mais conhecida, foi militante dos Direitos Humanos, em especial dos direitos das profissionais do sexo, desde o final da década de 1970. A ativista participou de vínculo solidário na mobilização política entre os profissionais do sexo e fundou a Organização Não

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Governamental (ONG) “Davida”, que tem como missão o fomento de políticas públicas para o fortalecimento da cidadania das prostitutas, a mobilização e a organização da categoria e a promoção de seus direitos. (BRASIL, 2012).

Cita-se também a prostituta Raquel Pacheco, conhecida como “Bruna Surfistinha”, mulher de classe média alta, moradora da cidade de São Paulo que relata sua trajetória na profissão em sua autobiografia intitulada “O Doce Veneno do Escorpião: O Diário de uma Garota de Programa”. Diante do sucesso do livro, no ano de 2011 foi lançada uma adaptação para o cinema com o filme intitulado “Bruna Surfistinha”.

Gabriela Natália Silva, graduada em letras pela Universidade Federal de São Carlos e mestranda em Educação Sexual pela Universidade Estadual Paulista, ambas no estado de São Paulo, usava o codinome “Lola Benvenutti” para se prostituir e publicou os livros “O prazer é todo nosso” e “Porque os homens me procuram?”. Em entrevista à revista Glamour (BENVENUTTI, 2014) Lola relatou que:

A prostituição nunca foi um fardo pra mim. Escolhi esse caminho e sou feliz assim. [...] eu nunca tive problema algum com minha família, estudei, me formei e nunca usei drogas. A escolha da profissão nunca esteve associada a nada negativo na minha vida. Muito pelo contrário: me tornei alguém melhor, mais compreensiva, tolerante e ouvinte. Tenho muito prazer (literalmente) no trabalho.

Diante do exposto é possível perceber que tais mulheres não se consideram vítima da prostituição e, sim têm tal prática como exercício profissional. Importante salientar que Gabriela Silva Leite e Lola Benvenutti possuem nível superior e que Raquel Pacheco pertence a uma família de classe média alta.

Nucci (2014, p. 195-214), apresenta os dados de pesquisa (Gráficos 1, 2 e 3) realizada com sessenta trabalhadores do sexo, dentre homens, mulheres e travestis de várias regiões do país e de diferentes faixas etárias:

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Gráfico 1 - Abuso sexual na infância ou adolescência

Fonte: Nucci (2014, p.197).

Segundo o estudo apresentado é possível verificar no Gráfico 1 que 62% dos entrevistados não sofreram abuso sexual na infância ou adolescência. O que demonstra, para o grupo estudado, que a prostituição não foi consequência de traumas sexuais.

Gráfico 2 - Prazer em exercer a prostituição

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O Gráfico 2 apresenta o dado de que a grande maioria dos entrevistados sentem prazer em exercer a prostituição, ou seja, as pessoas não praticam esta profissão por falta de opções.

Gráfico 3 - Motivos que os levaram à prostituição

Fonte: Nucci (2014, p.197).

Este último gráfico, apresentado da citada pesquisa, mostra que a escolha pela prostituição decorre principalmente por dinheiro, mas também há uma parcela significativa que se motiva pelo ócio e pelo prazer.

Guimarães e Merchán-Hamann (2005), realizaram entrevistas em profundidade e grupos focais e, em seus resultados apresentam como motivos de satisfação com a prostituição a divisão entre a possibilidade da liberdade e da autonomia na administração do horário e as condições do trabalho e os maiores ganhos financeiros. Com relação aos pontos negativos, o mesmo estudo apontou a discriminação derivada do estigma e a pressão psicológica e emocional, esta originada da necessidade de esconder o exercício da prostituição.

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3.1 BREVE HISTÓRICO

Segundo Roberts (1992, p. 22/23), os primeiros registros acerca de prostituição deram-se no antigo Oriente Médio por volta do segundo milênio antes de Cristo (AC.). São relatados como “prostituição sagrada” ou “sexo ritualístico”, onde as sacerdotisas do templo eram procuradas para ter relações sexuais e, com isso, abençoar com fertilidade a pessoa que as procurava, esposa, terras ou animais. Elas eram consideradas sagradas, eram adoradas e de forma alguma sofriam com o estigma que sofrem hoje. O pagamento pelos serviços prestados era feito em nome do templo ou da divindade.

No Antigo Egito as prostitutas sagradas começaram a trabalhar fora dos templos, de forma independente e com base comercial. Com a proliferação do ofício iniciou-se o estigma da profissão, quando os sacerdotes-líderes não conseguiram mais manter a tradição de independência feminina com os planos de confinar as mulheres em casamentos exclusivos. (ROBERTS, 1992, p. 28).

Na Babilônia a prostituição era aceita e reconhecida e, no entanto, a prostituta era considerada um pária, ou seja, era excluída e marginalizada, visto que a Lei da Assíria determinava o modo que a prostituta deveria andar para que fosse diferenciada das demais mulheres. Ao longo da História a sociedade acolheu mulheres que se prostituíam em alta sociedade, por elevados valores, como Cleópatra, ao mesmo tempo em que rejeitava as pobres que se expunham por pequenos valores (NUCCI, 2014, p. 49).

O estudo de Beatriz Gimeno (2012, apud NUCCI, 2014, p. 51), mostra que as prostitutas de alta classe eram as únicas mulheres se permitiam ocupar um espaço social. Elas eram as mais educadas e, na Índia eram as únicas mulheres com acesso à educação e à cultura. Eram estas prostitutas as responsáveis por satisfazer as necessidades sexuais, intelectuais e emocionais dos homens. O casamento era considerado apenas para a procriação e alianças familiares.

A civilização Grega era centrada no homem que tinha a prerrogativa quanto à política e, às mulheres cabiam o lar e o cuidado dos filhos, sendo que eram proibidas de se adornarem. Na Grécia, a prostituição era amplamente aceita para os homens que se utilizavam dela, sendo vistos com orgulho pela sociedade na época. Para as prostitutas sobrava a estigmatização, elas eram insultadas e condenadas pelos homens da Grécia em seus escritos e falas para o público. Roberts (1992, p. 32), menciona que os homens gregos ricos tinham a sua disposição uma grande variedade de serviços sexuais. Haviam prostitutas do templo,

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cortesãs da classe alta, dançarinas-prostitutas, meretrizes, escravas de bordel, meninos adolescentes, concubinas, escravas domésticas, etc.

Na antiga Roma a sexualidade e a prostituição eram aceitas, demonstradas e exploradas de forma natural. O Estado aceitava, registrava e cobrava impostos das prostitutas (ROBERTS, 1992, p. 77). No entanto, Nucci (2014, p. 54), menciona que as mulheres romanas eram mais valorizadas como esposas do que na Grécia, fato que fazia com que houvesse certa discriminação quanto às prostitutas, as quais tinham que vestir uma toga semelhante à vestimenta masculina e não podiam se aproximar do templo de Juno, por exemplo. Às esposas Romanas da classe dominante era permitido que frequentassem espaços públicos e tinham autorização para se instruir.

Com a Idade Média e o fortalecimento do cristianismo, a prostituição sofreu uma fase mais aguda de questionamento, porém sem deixar de existir. Foi nesse período que se propagou a noção de que o sexo deveria acontecer no casamento e apenas para a procriação, sendo o sexo por prazer considerado pecado. Passando-se a relacionar moralidade com pureza sexual, definição que resiste nos dias de hoje. Gimeno (2012, apud Nucci, 2014, p. 54), mostra a hipocrisia da religião cristã ao mencionar que:

Os cristãos conseguem manter a ideia da instituição como um mal necessário e, ao mesmo tempo, culpa-la. Foi Santo Agostinho que cunhou a famosa expressão homem com duas cabeças, a mais rebelde das duas encontra-se entre as pernas. Em 1358, o Concílio de Veneza declara a prostituição como “absolutamente indispensável para o mundo”. Assim que o homem é que tem duas cabeças, mas a mulher é a culpada por sua ânsia desmedida de sexo (Gimeno, 2012 apud Nucci, 2014, p. 54).

Mesmo com a repressão religiosa, os padres sentiram a necessidade de tolerar a prostituição como um mal indispensável (BULLOUGH, 1964, apud NUCCI, 2014, p. 55). Rossiaud (1991, p. 20-22), ressalta que apesar de existir no meio rural, foi no meio urbano que a prostituição desabrochou, adquiriu formas complexas e se institucionalizou. Em todas as grandes cidades existia o bordel público, as casas de tolerância (chamadas de banhos públicos) e ainda um terceiro nível de prostituição formado por pequenos bordéis privados.

Nos séculos subsequentes, a prostituição se fez presente e, juntamente com ela o estigma que era conferido pela moral sexual conservadora. A condição das prostitutas não variava muito e continuavam a viver tiranizadas e sujeitas à diversas arbitrariedades. Segundo Roberts (1992, p. 281), no século XIX a prostituição era controlada essencialmente por mulheres, sendo que as prostitutas de rua ganhavam salários similares às dos bordéis, no entanto, estas tinham que pagar valores exorbitantes para a casa. Outro fato que o autor chama

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a atenção é o de que as prostitutas desfrutavam de um padrão de vida melhor que as mulheres que tinham ofício dito “honesto”.

Nesse século, XIX, a cafetinagem estava em seus primórdios e a maioria das mulheres continuava a trabalhar independentemente dos homens e do Estado. A cafetinagem era uma das poucas maneiras de um homem de origem pobre conseguir um padrão de vida mais elevado. Isto tornava perigoso, para a prostituta, se envolver e se relacionar com um homem. “Os cafetões eram em geral negligentes, exploradores e violentos. Uma prostituta podia pagar emocionalmente e fisicamente – também financeiramente – pelo relacionamento” (ROBERTS, 1992, p. 283/284).

Murphy (1994, p. 243-261) menciona que a história do comércio do sexo no século XX foi similar aos séculos anteriores. Durante a Primeira Guerra Mundial surgiram bordéis regulamentados “da noite para o dia” na França e na Alemanha para satisfazer as necessidades de descanso e recreação das tropas de soldados. No período entre as guerras mundiais, os Estados Unidos passaram a lidar com a ilegalidade do comércio sexual, porém garçonetes trabalhavam também como prostitutas, as tabacarias eram fachadas para os bordéis e as casas de massagem tornaram-se um meio popular de escapar da Lei e na Califórnia e em Nova Iorque foram estabelecidas as primeiras agências de acompanhantes e garotas de programas.

Nos Estados Unidos a prostituição é inteiramente ilegal, tendo como exceção apenas algumas áreas do Estado de Nevada. Evidentemente isso não significa que o comércio do sexo deixou de existir, principalmente por causa dos enormes lucros provenientes da prostituição (MURPHY, 1994, p. 331-334).

Atualmente, vários países têm adotado leis que regulamentam a prostituição como profissão. Como é o caso de Alemanha, Austrália, Holanda e Nova Zelândia, países em que os bordéis têm licença para funcionar e a prostituta tem direitos trabalhistas. Faz-se necessário salientar que, nesses países, há restrições no tocante à idade mínima para prostituir-se e necessidade de licenças para os prostíbulos.

No Brasil a prostituição não constitui ilícito penal, no entanto, também não é regulamentada. O CP, Decreto-Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940, trata “dos crimes contra a dignidade sexual” em seu Título VI, parte especial, e o Capítulo V, desse Título, intitula-se “do lenocínio e do tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual”. O Lenocínio é definido por Nucci (2014, p. 86) como sendo o ato de “favorecer, de qualquer modo, a libidinagem alheia, com ou sem proveito pessoal,

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constituindo gênero de outras condutas, denominadas de proxenetismo, alcovitice e rufianismo”.

A Prostituta não se enquadra no CP, mas sua atividade é uma das que mais sofrem preconceito e repressão policial e, o que é considerado criminoso no Brasil é o explorador sexual, quem pratica o lenocínio. Nucci (2014, p. 88/89), divide os crimes no CP em quatro tipos: (a) prostituição individual de maior de 14 anos de idade, que é fato atípico e irrelevante penalmente; (b) prostituição de pessoa menor de 14 anos, que é considerado crime de estupro de vulnerável, tipificado no Art. 217-A, CP; (c) qualquer induzimento, submissão, atração, favorecimento, impedimento ao abandono, violência ou ameaça para o exercício da prostituição de pessoa maior de 14 anos é crime tipificado nos artigos 218-B, 228 e 230 do CP e; (d) manter local destinado à exploração sexual é conduta criminosa tipificada no Art.229 do CP.

No Brasil, em resumo, a prostituição é permitida e, inclusive, é reconhecida como ocupação legal pelo Ministério do Trabalho (MTb), mas são proibidas as condutas de lenocínio, ou seja, atividades que permeiam e movimentam o comércio sexual de variadas formas. Destarte, o país permite e ao mesmo tempo marginaliza a prática da prostituição. As condutas que o Brasil criminaliza existem e são amplamente praticadas, sendo que suas práticas não são coibidas.

3.2 SISTEMAS LEGAIS

A prostituição é vista e tratada de formas diversas em todo mundo. Cada país trata dela de sua forma, de acordo com suas legislações e políticas públicas. Conforme os diferentes arranjos legais e por meio de sistemas normativos os serviços sexuais prestados por prostitutas são objeto de regulação pelo Estado. Segundo Nucci (2014, p. 68), estes sistemas de regulação se aglutinam, historicamente, em quatro tipos: (a) proibicionista; (b) regulamentador; (c) abolicionista e; (d) misto. Tais sistemas podem ser diferenciados pela forma como interpretam a prostituta, a qual pode ser vista como criminosa, trabalhadora ou vítima.

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3.2.1 Proibicionista

Neste sistema a prostituição é vista como uma violência contra as mulheres, um grave atentado contra os direitos humanos e símbolo de exploração sexual. Desta forma, pretende proibir o comércio sexual e castigar quem o pratica. Não há diferenciação entre quem se prostitui, o cliente e os que lucram com a atividade sexual alheia e, tão pouco se distingue o trabalho voluntário do forçado. (NUCCI, 2014, p. 68/69).

Este é o sistema mais repressivo e, o qual considera crime a prática da prostituição e as atividades a ela vinculadas, sendo as prostitutas consideradas como criminosas. Ele se fundamenta na visão da prostituição como desvio moral condenável e que deve ser punido para que este seja erradicado. Países com forte influência religiosa costumam adotar este sistema pois entendem que o Estado deve regular a moral pública e, sendo a prostituição imoral, ela deve ser proibida.

A crítica contra o sistema proibicionista encontra-se no desrespeito à individualidade e autonomia dos envolvidos na prostituição, prostitutas e clientes e na clandestinidade a que as pessoas são expostas. Nucci (2014, p. 69) menciona que o referido sistema não permite que pessoas pobres elevem seus ganhos por meio da atividade de comércio do corpo a qual em nada prejudica a terceiros, e a hipocrisia de proibir algo menos danoso do que outras atividades e de permitir que a indústria do sexo em seus demais aspectos (sexo pela internet, telefone, camuflado a domicílio, em clubes, nas saunas, entre outras formas) se desenvolva livremente.

Quanto à clandestinidade, é importante citar que não há evidências de que países que adotaram o sistema proibicionista tenham conseguido alcançar o objetivo de eliminar a prostituição. Desta forma, aqueles que se prostituem são lançados à clandestinidade e deixados à mercê de diversas formas de violências.

Desta forma é possível analisar este sistema como falho na defesa dos direitos humanos. No entanto, este modelo é adotado em diversos países como, por exemplo, Camboja, China e Estados Unidos (com exceção em apenas algumas áreas do Estado de Nevada). É importante salientar que este último país tem uma das mais ativas e movimentadas indústrias do sexo do mundo.

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3.2.2 Regulamentador

O sistema regulamentador pensa na prostituição como um fenômeno social e concentra-se na livre escolha e autodeterminação da pessoa que se prostitui, a qual o faz por livre e espontânea vontade, sendo considerado pelo Estado como uma trabalhadora comum que possui obrigações fiscais e direitos trabalhistas e sociais.

O Estado ao legalizar a prostituição, dá benefícios ao trabalhador, define os espaços, horários, funcionalidades em que essa pode ser exercida, registra e fiscaliza os profissionais. De forma em que a prostituição é reconhecida como profissão de fato e o trabalho dos seus profissionais é plenamente reconhecido, assim como são os contratos de trabalho. Nesta visão a prostituta é vista como prestadora de serviços, o cafetão como o empresário e o prostituidor, como o cliente.

A necessidade em regulamentar a atividade, vem do reconhecimento da pessoa que se prostitui como profissional, como trabalhadora, de modo que esta regulamentação possa alcançar o âmbito dos direitos civis e trabalhistas ao invés do direito penal. Deste modo, pretende que o foco das discussões a esse respeito mude de posições morais para as condições de trabalho e para os direitos dos trabalhadores.

Para Medeiros (2013, p. 69), a falta de regulamentação da profissão impossibilita aos trabalhadores do sexo reivindicarem melhorias nas condições de trabalho, dificultando o seu exercício e aumentando o estigma sofrido por esses profissionais. Nesse sentido a autora segue ao dizer que:

Durante muito tempo a prostituição foi teorizada pelos modelos jurídicos sem que fossem ouvidas as principais interessadas, aquelas que verdadeiramente atuavam no mercado do sexo. Quando as prostitutas passaram a reivindicar direito de voz no espaço público e de atuação como sujeitos políticos o debate sobre a prostituição tornou-se mais interessante. Ao expressar a escolha pela prostituição e a necessidade de legalização da atividade elas questionam vários dos conceitos tradicionais do que é bom ou ruim, moral ou imoral e até mesmo digno e indigno (MEDEIROS, 2013, p.69).

O que torna a prostituição opressiva é a ausência de direitos e de regulamentação, reafirmando a necessidade de descriminalizar não apenas a prostituição, mas todas as atividades de lenocínio (MEDEIROS, 2013, p.69).

Alguns críticos desse sistema, principalmente do movimento feminista, argumentam que a legalização da prostituição legitima a opressão de gênero das mulheres, bem como sua condição histórica de objeto perante a sociedade patriarcal.

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Nucci (2014, p. 69-86), cita como exemplo de países que adotaram o sistema regulamentador, a Alemanha, o Equador, a Grécia, a Holanda, a Nova Zelândia, a Suíça e a Venezuela.

3.2.3 Abolicionista

Este sistema vê a prostituta como vítima da prostituição, que é um mal social e degradante, devendo ser abolida. Neste pensamento a prostituição é uma forma de violência e de exploração do corpo da mulher pelo homem, o que fere a dignidade da pessoa, os direitos humanos e oprime essas mulheres. Então, se busca a abolição da prostituição como forma de proteger as mulheres vítimas, penalizando todos os que se beneficiam dela, inclusive os clientes.

Ao desconsiderar a autonomia de vontade da pessoa que se prostitui, este sistema supõe que esta atividade seja exercida apenas sob a coação de um terceiro, o agenciador ou o explorador, que recebe parte dos lucros obtidos pelos profissionais do sexo. Aqui, aquele que se prostitui é considerado vítima independentemente da postura dele em relação a isso e a prostituição é vista como um atentado à moral e aos bons costumes. Neste sistema não se faz diferenciação entre a prostituição consentida e a forçada, porém mesmo que a pessoa que se prostitui seja considerada vítima, ela continua à margem da sociedade e do acesso aos direitos básicos, vez que o estigma que permeia a profissão ainda é imenso.

Esse modelo é bastante criticado, pois ao penalizar todos os envolvidos, a prostituição torna-se ilegal, ou seja, as prostitutas podem exercer a atividade, no entanto, tudo que a cerca é considerado como ilícito (os cafetões, as casas de prostituição e os clientes) o que inviabiliza a prática desta atividade. Nucci (2014, p. 70/71) fala da crítica quanto a este sistema tratar a prostituição como ócio sexual, quando, na verdade, é um trabalho e não adota uma perspectiva prática, escondendo-se num discurso moral alheio à vida real.

Entre os países que adotam o sistema abolicionista estão a Noruega, Reino Unido e Suécia.

3.2.4 Misto

Acerca do abolicionismo, Nucci (2014, p. 71), considera que nesse sistema tanto o cliente quanto o proxeneta e o dono da casa prostituição devem ser penalizados. Nos casos em

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que um desses não seja penalmente tipificado pela sua conduta ou quando o país além de adotar o abolicionismo também traz características de regulamentação, para o autor, este é um sistema misto.

O sistema misto traz características de um e de outro sistema, mas não se define exclusivamente por um deles. Nucci (2014, p. 71), considera que o Brasil adota um sistema misto, pois apesar de apresentar características do abolicionismo, aqui o cliente não é penalizado, bem como não se reconhece a prostituição como atividade laboral em lei, no entanto é considerada uma ocupação, dentro do âmbito administrativo do MTb. Portanto, a prostituição não é regulamentada e nem abolida.

Nos países como o Brasil e a Argentina que possuem tendências abolicionistas ou de sistema misto, a existência do contrato de trabalho referente à prostituição é considerada, mas não validada. O contrato de trabalho com objeto ilícito (contrário ao direito, aos costumes e à ordem pública) é nulo no Brasil. A nulidade atua de forma ex tunc, retroagindo para a data do negócio jurídico para negar-lhe efeitos. Para Rodrigues (2002, p. 174), os tribunais brasileiros atuam da seguinte forma para lidar com as situações de anulação contratual por problemas no objeto:

Os tribunais por vezes aplicam, quando o objeto do contrato é imoral, o adágio nemo auditor propriam turpitudinem allegans, ou seja, a regra segundo a qual ninguém pode ser ouvido ao alegar sua própria torpeza. Ou então o princípio ira pari causa turpitudinis cessat repetitio, o que vale dizer que, se ambas as partes, no contrato, agiram com torpeza, não pode qualquer delas pedir devolução da importância que pagou. A primeira dessas parêmias tem por fim excluir a repetição das prestações pagas em virtude de um contrato contrário aos bons costumes, ou à ordem pública. Tal repetição, em rigor, seria devida, pois, sendo nulo o contrato, impõe-se devolver as partes ao estado em que se encontravam antes dele (CC, art. 182). Mas os tribunais, na defesa de sua dignidade, recusam-se a ouvir o autor, pois não lhes é permitido tolerar que uma pessoa proclame, nos pretórios, sua própria torpeza (RODRIGUES, 2002, p. 174).

Também, neste sentido, colaciona-se o seguinte julgado do ano de 2004 do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 6ª Região:

NULIDADE CONTRATAL. ATIVIDADE ILÍCITA. FAVORECIMENTO E MANUTENÇÃO DE CASA DE PROSTITUIÇÃO - VEDADOS PELOS ARTIGOS 228 E 229, DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. A licitude do objeto é requisito à validade de qualquer espécie de contrato, inclusive o de trabalho. Destarte, contrato de emprego que tenha por objeto a atividade de "prostituição" é nulo de pleno direito, em face da ilicitude do objeto, não gerando, portanto, qualquer efeito, por afrontar "bem social tão relevante, que o Direito do Trabalho cede espaço à regra geral do Direito Comum, também negando qualquer repercussão justrabalhista à prestação laborativa concretizada" (Maurício Godinho Delgado). Incide, no caso, o regramento inserto nos artigos 82 e 145, II, do Código Civil de 1916 (arts. 104, II e 166, I, da Lei Civil de 2003), e o entendimento cristalizado na Orientação Jurisprudencial nº 199, da SDI-1, do Colendo do TST. Recurso ordinário improvido.

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Na maioria dos contratos aplica-se o artigo 182 do Código Civil (CC), porém para aqueles em que o objeto é imoral e, acredita-se que uma das partes ou ambas se usaram de torpeza não se pode pedir restituição ou fazer cobrança sobre o fato. Logo, os profissionais do sexo se tornam mais vulneráveis, pois não possuem apoio institucional para resolver quaisquer problemas que venham a ocorrer, como a cobrança judicial de pagamento não realizado por determinado cliente.

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4 REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO

No Brasil os movimentos de luta das prostitutas contra a discriminação e violência começaram no final da década de 80. Como exemplo de organização e associação de prostitutas no país está a Rede Brasileira de Prostitutas, de ação no âmbito nacional. Sendo que, esta defende a regulamentação da prostituição com o reconhecimento da prostituição como profissão, e buscando que através da descriminalização em torno da atividade possa combater a exploração que sofrem as prostitutas. No entanto, nem todas as organizações tem a mesma posição, como no caso da Federação Nacional das Trabalhadoras do Sexo que tem ressalvas em relação à legalização alegando que ela concederia ainda mais poder aos empresários da indústria do sexo, aumentando a vulnerabilidade das prostitutas (MELLO, 2009).

Inicialmente, esses movimentos utilizavam para definir a pessoa que se prostitui a expressão “Profissional do sexo” e, mais recentemente têm buscado o termo “Prostituta” por entenderem que este termo valoriza as mulheres que se prostituem e enfrentam diretamente o preconceito e a discriminação sem utilizar eufemismos. (ALVAREZ e TEIXEIRA RODRIGUES, 2001; AZEREDO, 1995 apud RODRIGUES, 2009, p. 69).

O CP vigente, criado em 1940 e em 1988 recepcionado pela CRFB/88 traz o conservadorismo e moralismo da época em que foi escrito. Tratava a mulher como vítima da dominação masculina, mas exigia dela honestidade e virgindade. Várias reformas foram feitas no CP. A Lei 11.106/2005 descriminalizou condutas como a sedução (Art. 217 CP) e o rapto consensual (art. 220 CP). A Lei 12.015/2009 mudou o Título VI da parte Especial do CP de “Crimes contra os costumes” para “Crimes contra a dignidade sexual”, além de alterar, incorporar e criar artigos (NUCCI, 2014, p. 183).

Desta forma, é possível perceber que algumas alterações legislativas têm sido feitas quanto às mudanças sociais e culturais referentes à liberdade sexual. No entanto, apesar de algumas tentativas legislativas da Câmara de deputados, que serão adiante expostas, nenhuma lei foi aprovada em relação à prostituição. O Brasil continua sem abolir e sem regulamentar a profissão, continuando a se posicionar, conforme o entendimento de Nucci, num sistema legal misto.

Diante da falta de regulamentação e em busca de respeitar os direitos fundamentais, o Poder Judiciário tem tomado decisões com relação à prostituição. Um exemplo disso é que, no ano de 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio de sua 6ª

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turma, em votação unânime e decisão inédita, no Habeas Corpus (HC) 211.888/TO, considerou a prostituição como ato lícito. No caso julgado a prostituta não foi paga pelo serviço prestado e então tomou do cliente um objeto pessoal, utilizando-se de uma faca para garantir a posse do bem até que fosse paga pelo seu serviço prestado. O Ministério Público (MP) acusou-a de roubo impróprio, porém todas as instâncias do Judiciário desclassificaram a infração para exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 CP). O relator, Ministro Rogério Schietti Cruz, frisou que “A figura típica em apreço relaciona-se com uma atividade que padece de inegável componente moral relacionado aos „bons costumes‟, o que já reclama uma releitura do tema, mercê da mutação desses costumes na sociedade hodierna e da necessária separação entre a Moral e o Direito” e “não se pode negar proteção jurídica àquelas (e àqueles) que oferecem serviços de cunho sexual em troca de remuneração”.

No caso acima exposto o MP alegava que a ré, prostituta, não tinha pretensão legítima e, por isso, não se caracterizava o crime de “exercício arbitrário das próprias razões”. Conforme o exposto pelo MP no HC, para configuração do artigo 345 do CP seria necessário que o interesse pudesse ser satisfeito em juízo. De acordo com o artigo 104 do CC, é válido o negócio jurídico que envolver agente capaz, objeto lícito, possível e determinado ou determinável e forma prevista ou não defesa em lei. O entendimento do STJ foi o de que a prostituição é ato lícito, possível, determinado, inexistindo expressa proibição legal, e, desta forma, passível de proteção jurídica. Analisando que anteriormente se considerava que a dívida referente à prestação de serviços sexuais não poderia ser cobrada judicialmente por ser a atividade da prostituição contrária a moral e aos bons costumes, surge, a partir desse julgado, uma mudança na visão jurídica acerca da prostituição.

4.1 CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÃO

A Classificação Brasileira de Ocupação (CBO) foi instituída pela Portaria Ministerial nº 397 de 2002 e o MTb e tem a finalidade de identificar as ocupações no mercado de trabalho brasileiro para fins classificatórios junto aos registros administrativos e domiciliares. Segundo a página eletrônica do MTb, os efeitos de uniformização da CBO são de ordem administrativa e não se estendem às relações de trabalho, enquanto que a regulamentação da profissão é realizada por meio de lei.

Com a instituição da CBO houve a inserção da profissional do sexo sob o número CBO-5198 (BRASIL, 2002), colacionada a seguir:

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CBO 5198

Profissionais do sexo

5 - TRABALHADORES DOS SERVIÇOS, VENDEDORES DO COMÉRCIO EM LOJAS E MERCADOS

51 - TRABALHADORES DOS SERVIÇOS

519 - OUTROS TRABALHADORES DE SERVIÇOS DIVERSOS 5198 - Profissionais do sexo

5198-05 - Profissional do sexo Sinônimos do CBO

Garota de programa, Garoto de programa, Meretriz, Messalina, Michê, Mulher da vida, Prostituta, Trabalhador do sexo.

Descrição Sumária

Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão.

Formação e Experiência

Para o exercício profissional requer-se que os trabalhadores participem de oficinas sobre sexo seguro, o acesso à profissão é restrito aos maiores de dezoito anos; a escolaridade média está na faixa de quarta a sétima série do ensino fundamental. Condições Gerais de Exercício

Trabalham por conta própria, em locais diversos e horários irregulares. No exercício de algumas das atividades podem estar expostos a intempéries e discriminação social. Há ainda riscos de contágios de DST, e maus-tratos, violência de rua e morte.

Segundo Diniz (2009, p. 111), estas atribuições definidas pelo CBO contaram com a contribuição da Rede Brasileira de Prostitutas para a sua elaboração. Para a autora, as atividades desta associação refletiram no processo de normatização da prostituição como ocupação.

Na CBO (BRASIL, 2002) ainda consta as áreas de atividade da profissão, que são: buscar programa, minimizar as vulnerabilidades, atender clientes, acompanhar clientes, promover a organização da categoria e demonstrar competências pessoais. Essas áreas ainda são especificadas através da seguinte configuração:

a) Buscar programa - agendar o programa, produzir-se visualmente, esperar possíveis clientes, seduzir o cliente e abordar o cliente;

b) Minimizar as vulnerabilidades - negociar com o cliente o uso do preservativo, usar preservativos, utilizar gel lubrificante à base de água, participar de oficinas de sexo seguro, identificar doenças sexualmente transmissíveis (dst), fazer acompanhamento da saúde integral, denunciar violência física, denunciar discriminação, combater estigma e administrar orçamento pessoal;

c) Atender clientes - preparar o kit de trabalho (preservativo, acessórios, maquilagem), especificar tempo de trabalho, negociar serviços, negociar preço, realizar fantasias sexuais, manter relações sexuais, fazer streap-tease, relaxar o cliente, acolher o cliente e dialogar com o cliente;

d) Acompanhar clientes - em viagens, em passeios, em festas, jantar com o cliente e pernoitar com o cliente;

e) Promover a organização da categoria - promover valorização profissional da categoria, participar de cursos de auto-organização, participar de movimentos organizados, combater a exploração sexual de crianças e adolescentes, distribuir preservativos, multiplicador informação e participar de ações educativas no campo da sexualidade;

f) Demonstrar competências pessoais - capacidade de persuasão, capacidade de comunicação, capacidade de realizar fantasias sexuais, paciência, solidariedade aos colegas de profissão, capacidade de ouvir, capacidade lúdica, sensualidade, planejar

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o futuro, reconhecer o potencial do cliente, cuidar da higiene pessoal e manter sigilo profissional.

Cabe ressaltar que a CBO 5198-05 (BRASIL, 2002) entende o profissional do sexo não somente como a pessoa que faz sexo em troca de dinheiro, mas também como a que trabalha de acompanhante de viagens, passeios e festas, bem como aquela que janta ou pernoita com o cliente o que não especifica que ela deve manter relações sexuais.

Por fim, a CBO apresenta como recursos de trabalho dos profissionais do sexo: guarda-roupa de trabalho, preservativo, cartões de visita, documentos de identificação, gel à base de água, papel higiênico, lenços umedecidos, acessórios, maquiagem, álcool, celular e agenda.

Para Marlene Teixeira Rodrigues (2009, p. 71), a inclusão da prostituição na legislação do MTb representa um avanço inequívoco no modo como as políticas públicas brasileiras têm tratado o tema da prostituição e no combate à exclusão e discriminação. No entanto, a CBO se restringe ao âmbito administrativo e não possui o poder de reconhecer a prostituição como uma profissão, circunstância que demandaria outro tipo de iniciativa e legislação.

Em sentido contrário a esta regulamentação, o Deputado Flavio Augusto da Silva é autor da indicação – documento legislativo que tem como objetivo sugerir a outro Poder que adote providências – nº 2371/2016 que sugere e requer retirada da descrição da ocupação de profissional do sexo em verbete da CBO.

4.2 PROJETOS DE LEI

Conforme salientado anteriormente, os efeitos de uniformização da CBO são de ordem administrativa e é apenas por meio de Leis que a Prostituição poderá ser regulamentada. Para ocorrer a regulamentação da atividade é preciso que uma lei seja aprovada pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal e, por fim, sancionada pela Presidência da República.

Houveram algumas tentativas com o intuito de regularizar a profissão por meio de projetos de Lei na Câmara de Deputados, dentre as quais é possível citar os de nº 3.436/97 de autoria de Wigberto Tartuce, nº 98/03 de Fernando Gabeira, nº 4.244/04 de Eduardo Valverde e, o mais atual nº 4.211/12, de autoria do deputado federal Jean Wyllys.

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4.2.1 Projeto de Lei nº 3.436/97

Em 1997 o Deputado Federal Wigberto Tartuce propôs o Projeto de Lei (PL) nº 3.436/97 junto à Câmara dos Deputados. Tal projeto previa “a regulamentação das atividades exercidas por pessoas que praticam a prostituição em desacordo com os costumes morais e atentatórios ao pudor” (BRASIL, 1997).

Na justificativa do projeto havia menção de se reconhecer a cidadania dos profissionais do sexo, assegurar o acesso a assistência médica e jurídica e de dar dignidade a esses profissionais. No entanto, percebe-se uma conotação higienista no texto do citado projeto, quando, em seu artigo 3º, exige do profissional o cadastramento em unidades de saúde e o exame mensal para prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs).

Art. 3° E obrigatório aos profissionais de que trata esta lei o cadastramento em unidades de saúde e o exame mensal para a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.

Na década de 1990 houve o ápice da disseminação da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) no Brasil e uma associação frequente com a figura da prostituta, de forma que o PL buscava “a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, especialmente a AIDS” (BRASIL, 1997).

O artigo 4º do PL salientava que “O livre exercício da prostituição não autoriza que a atividade seja incentivada ou explorada”, ou seja, continuava criminalizando aqueles que, de alguma forma, fomentavam de maneira periférica as atividades relacionadas à prostituição ou outra forma de exploração sexual. Dois anos após a sua propositura, em 1999, este PL foi arquivado.

4.2.2 Projeto de Lei nº 98/03

Proposto em 2003 pelo Deputado Fernando Gabeira, o PL nº 98 dispunha “sobre a exigibilidade de pagamento por serviços de natureza sexual e suprime os artigos 228, 229 e 231 do Código Penal” (BRASIL, 2003a). Desta forma, deixariam de ser considerados crimes o favorecimento da prostituição, a casa de prostituição e o tráfico de mulheres (este último foi posteriormente revogado pela Lei nº 13.344 de 2016).

Na justificativa do projeto, o deputado federal Gabeira (BRASIL, 2003a) pondera que houveram várias tentativas de suprimir a prostituição, ainda que de formas violentas, sem sucesso, de forma que o único caminho digno que se apresenta é o de admitir a realidade e

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