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Amizade como modo de vida no cinema coming of age: a identidade feminina fluída em Garotas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL CURSO LICENCIATURA EM CINEMA E AUDIOVISUAL

LARIZA LIMA SANTOS RELVAS

AMIZADE COMO MODO DE VIDA NO CINEMA COMING OF AGE: A IDENTIDADE FEMININA FLUÍDA EM GAROTAS

Niterói, 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO FLUMINENSE

LARIZA LIMA SANTOS RELVAS

AMIZADE COMO MODO DE VIDA NO CINEMA COMING OF AGE: A IDENTIDADE FEMININA FLUÍDA EM GAROTAS

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Licenciatura em Cinema e Audiovisual para obtenção do

grau de Licenciatura.

Orientadora: Prof.a Dr.a, Karla Holanda

Niterói, 2018

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LARIZA LIMA SANTOS RELVAS

AMIZADE COMO MODO DE VIDA NO CINEMA COMING OF AGE: A IDENTIDADE FEMININA FLUÍDA EM GAROTAS

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Licenciatura em Cinema e Audiovisual para obtenção do

grau de Licenciatura.

Aprovada em 06 de dezembro de 2018.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________ Profª Drª. Eliany Salvatierra Machado

Universidade Federal do Fluminense

_____________________________________________ Prof. Dr. João Luiz Leocadio

Universidade Federal do Fluminense

_____________________________________________ Prof. Drª Karla Holanda (orientadora)

Universidade Federal do Fluminense

Niterói,

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe e minha irmã que sempre estiveram presentes nesse ano difícil e que sempre acreditaram que eu sempre posso mais.

Ao Pedro, companheiro de PIBID e de graduação que me apresentou o coming of age e mudou toda a minha relação com a pesquisa acadêmica.

À Eliany por ter me acolhido de braços abertos no PIBID e me mostrado um caminho que eu nunca imaginei que pudesse trilhar.

À Glaucia por ter acreditado em todas as minhas propostas de aula e ter me ensinado tantas coisas sem saber.

À todos que foram meus alunos e não tem ideia do impacto que tiveram sobre minha vida.

À Tati, Laura e Barbara companheiras de casa e que sempre me ajudaram em tudo que eu precisei.

À Luana e Natalia, amigas surpresas que eu ganhei.

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Na vocação para a vida está incluído o amor, inútil disfarçar, amamos a vida. E lutamos por ela dentro e fora de nós mesmos. Principalmente fora, que é preciso peito de ferro para enfrentar essa luta na qual entra não só o fervor mas uma certa dose de cólera, fervor e cólera. Não cortaremos os pulsos, ao contrário, costuraremos com linha dupla todas as feridas abertas. E tem muita ferida porque as pessoas estão bravas demais, até demais, até as mulheres, umas santas, lembra?

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RESUMO

Este trabalho propõe-se, a partir das semelhanças entre as narrativas de amadurecimento no cinema com a literatura Bildungsroman alemã do séc. XVIII, apresentar o gênero cinematográfico coming of age. Analisando historicamente a representação da amizade feminina no cinema, os conceitos de amizade na filosofia e os conceitos de mudança e ruptura do pós-estruturalismo, a monografia partirá para a subdivisão de coming of age feminino, nos quais a amizade entre personagens adolescentes femininas age como responsável ou como suporte para a construção da identidade da protagonista.

Palavras-chave: narrativas de amadurecimento, amizade no cinema, representação da mulher, adolescente

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ABSTRACT

This work aims to introduce the cinematographic genre coming of age from the similarities between the narratives of maturity in the cinema with the german literature Bildungsroman of the century XVIII. After analyzing, historically, the representation of female friendship in cinema, the concepts of friendship in philosophy and the concepts of the change and rupture of poststructuralism, this work will focus on the subdivision of feminine coming of age, in which the friendship between female teenage characters acts as responsible or as support for the construction of the protagonist's identity.

Keywords: narratives of maturity, friendship in the cinema, representation of the woman, adolescent

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……….. 9

Capítulo 1 - Bildungsroman e o gênero coming of age no cinema………. 11

1.1 - O gênero literário Bildungsroman………....11

1.2 - O Bildungsroman feminino………..14

1.3 - O gênero cinematográfico coming of age………17

Capítulo 2 - Amizade feminina no cinema e construção da identidade na adolescente.. 25

2.1 - A amizade feminina no cinema hollywoodiano e o Buddy Film masculino………... 25 2.2 - A construção da identidade na adolescência………... 31 Capítulo 3 - A personagem Marieme em Garotas………... 38

CONSIDERAÇÕES FINAIS……… 50

REFERÊNCIAS………... 52

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INTRODUÇÃO

A minha motivação para a pesquisa desse trabalho surgiu no meu estágio de Iniciação a Docência no Colégio Guilherme Briggs em Niterói nos anos de 2014 à 2016. Lá tive contato com duas turmas de ensino médio completamente diferentes: uma composta majoritariamente de meninos e a outra de meninas. Eu percebi como a adolescência acontecia de forma diferente para os meninos e para as meninas e percebi também que a amizade entre os meninos e entre as meninas eram diferentes entre si e a partir disso, desenvolvi a vontade de estudar o por que e como isso acontecia.

Além das percepções, na turma de meninas o meu objetivo foi conseguir encontrar formas de discutir o cinema a partir de filmes que dialogassem com as alunas - tarefa que deveria ser simples, não fosse o fato que o número de filmes que tratam sobre a adolescência feminina negra e periférica, passando pelas questões pertinentes à idade e também às angústias da vida adulta que está por chegar, não fossem tão pequenos.

Tempos depois fui apresentada pelo meu amigo Pedro Alves ao gênero coming of age no cinema. Descobri então que os filmes que eu estava procurando para as minhas alunas faziam parte desse gênero e, além disso, eram os filmes que eu mais gostava de consumir. Quando eu soube que o número de estudos sobre esse tipo de filme é muito pequeno e feito principalmente fora do Brasil, decidi que o assunto seria o tema do meu trabalho de conclusão de curso.

Além de ser um gênero cinematográfico muito pouco falado, quando ele vai para o âmbito coming of age feminino, quase não há o que se ler sobre. E se pensarmos sobre esse tipo de filme com narrativas centradas nas amizades entre adolescentes meninas, ficamos mais limitados ainda.

Para conseguir pesquisar sobre filmes coming of age que tem a amizade entre meninas como força-motriz no amadurecimento da personagem adolescente, pesquisei sobre as origens literárias das narrativas de amadurecimento, sobre como a amizade entre mulheres historicamente foi retratada no cinema, sobre como sociologicamente se dá a construção da identidade na adolescência, sobre conceitos de amizade na filosofia e pesquisei sobre adolescência feminina.

No primeiro capítulo, o meu objetivo é traçar as semelhanças do gênero literário

Bildungsroman - surgido na sociedade alemã burguesa do século XVIII com a obra de J. W.

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amadurecimento no cinema que são classificadas por alguns estudiosos como um gênero denominado coming of age.

No segundo capítulo, o objetivo é apresentar como é a representação da amizade feminina no cinema hollywoodiano e a partir do trabalho de Melanie Nash traçar as semelhanças entre os chamados buddy films e os women's films. Depois apresento conceitos de amizade na filosofia, destacando a amizade como modo de vida de Foucault. E finalmente, escrevo sobre como se dá a construção da identidade na adolescência a partir da teoria psicossocial de Erik Erikson e analiso filmes nos quais a amizade feminina é ponto forte de suporte ou impulsionamento no processo de amadurecimento da personagem adolescente.

No terceiro capítulo, apresento a cineasta francesa Céline Sciamma que realizou uma trilogia coming of age inteiramente protagonizada por meninas com Lírios D'Água (2007),

Tomboy (2012) e Garotas (2014). Utilizando os conceitos de busca por mudança e ruptura do

pós-estruturalismo, da representação da mulher no cinema clássico hollywoodiano e das teorias feministas de gênero, traço as semelhanças entre esses estudos com as três transformações interiores que a personagem Marieme passa em Garotas (2014).

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Capítulo 1 - Bildungsroman e o gênero coming of age no cinema

1.1 - O gênero literário Bildungsroman

Apesar de estar presente na descrição de inúmeros filmes que narram sobre o amadurecimento do personagem jovem, o coming of age na história do cinema ainda não é considerado um gênero em si como ocorre por exemplo com os filmes de terror, as comédias e os dramas. O número de estudos sobre o que seria este gênero e o por que ele deveria ser caracterizado como tal é bastante reduzido, principalmente quando se trata de textos publicados em português. O objetivo deste capítulo é, a partir do viés histórico da literatura com os chamados romances de formação, e em adição com a psicologia e a antropologia, traçar quais são as características em comum destes tipos de filmes com a literatura

Bildungsroman que nos permitem classificá-los como o gênero cinematográfico intitulado

então de coming of age.

O Bildungsroman é um termo alemão que justapõe a palavra Bildung e a palavra

Romance, classificando um gênero literário que em português é conhecido por ''romance de

formação’’. A palavra Bildung não tem uma tradução de palavra única para o português, ela significa ao mesmo tempo: formação, crescimento, constituição, desenvolvimento, treino, educação, aprendizagem escolar, cultura, educação superior, concretização, melhoramento, etc… (Corujo, 2015, p.42). Foi utilizado pela primeira vez por Karl Morgenstern em 1810, em uma conferência na universidade de Dopart, em associação a Anos de Aprendizado de

Wilhelm Meister, (1795-1796) de J. W. Von Goethe, considerada a obra literária precursora

do gênero na Alemanha:

A possibilidade de um texto ficcional se dedicar ao retrato de um jovem comum e à problematização da sua formação individual, como um herói responsável pelo seu destino, teve sua gênese nos ideais iluministas do final do século XVIII e a sua realização na publicação do romance “Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister” (1795-1796) de J. W. von Goethe (Corujo, 2015, p.48).

Afastando-se da anterior classe aristocrática que não abria espaço para o trabalho da reflexão do Eu interior e de seu pertencimento ao mundo e a sociedade, o Bildungsroman surge numa sociedade burguesa do séc XVIII. O gênero literário romance que surgiu no século anterior, se diferencia do Bildungsroman por apresentar a novidade de um herói mutável

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Bakhtin afirma que, na maioria dos romances e suas subcategorias, o personagem permanece uma constante na história, o que se modifica seria apenas o que se passa com ele em relação ao mundo externo” (Santos, 2016, p. 23).

A diferença da construção de personagem nesses romances se dá pela transformação pessoal e interior como marco de enredo das narrativas do Bildungsroman - ou romance de formação - em contraposição ao romance clássico, no qual o personagem apenas sofre mudanças externas. O romance de formação é também um romance que nasce com a classe média para ela mesma, “surge como uma ficção que põe à prova a importância da instrução escolar e a sua crítica, a autoformação estético-espiritual e a passagem por experiências vivenciais para o revelar de uma identidade e individualidade num indivíduo” (Corujo, 2015, p.49).

É a primeira vez que o passar por várias experiências na vida, a experimentação, o conhecer o novo, o explorar e a liberdade para cometer erros é visto como algo além de positivo, também recomendado para a formação individual do Eu. Até o século XVIII, a palavra experiência foi considerada como algo negativo, mas com a literatura Bildungsroman passa a ser parte intrínseca do crescimento pessoal:

Implica crescimento, expansão do Eu e até mesmo uma espécie de ‘experimento’ performado por si mesmo. Um experimento e seu temporal: o episódio torna-se uma experiência do indivíduo que administra a fim de proporcionar um significado que expande e fortaleça a sua personalidade (Moretti, 2000, p.46. tradução livre).1

A permissão de um tempo para descoberta de si próprio é um privilégio concedido “devido não apenas à crescente capitalização da burguesia, mas do seu investimento na educação, com a criação de escolas e universidades, o que proporcionou o alargamento do tempo de formação e o retardamento de entrada no mercado de trabalho, expansão que criou assim um novo grupo social: a juventude” (Corujo, 2016, p.50). Apesar dessa valorização do aperfeiçoamento do indivíduo, o sistema vai cobrar deste mesmo um tempo limite para sua conclusão: é esperado que em algum momento a juventude com suas características exploratórias do Eu chegue ao fim com uma conclusão deste processo que terá de ser realizado com sucesso, característica que marca o Bildungsroman clássico.

1 It now refers to an acquisitive tendency. It implies growth, the expansion of self and even of a sort of 'experiment' performed with one's self. An experiment, and this provisional: the episode becomes an experience if the individual manages to give it a meaning that expands and strengthens his personality… (Moretti, 2000, p.46).

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Esse sucesso se dá na passagem de uma juventude dedicada somente à descoberta da identidade pessoal para uma maturidade definitiva dentro da sociedade tradicional para promover sua emancipação:

O espírito de liberdade individual alarga-se então à <liberdade do espírito do povo>, pois sobre este age gradualmente a mesma natureza, tornando-o <pouco a pouco mais apto a atuar segundo a liberdade> (Kant, 2006:17): nessa perspectiva otimista, a emancipação de cada um permitirá, por extensão, a emancipação global de toda a humanidade (Carvalho, 2010, p.48).

A liberdade então aparentemente valorizada e estimulada no jovem, é contraditória quando se conclui na sua narrativa. Ela existe mas está condicionada à chegada de um único final: a responsabilidade do indivíduo depois de vivenciar por um tempo o que considerava importante para si, tem de chegar ao fim para ele poder finalmente se integrar à sociedade que pertence, ocupando seu lugar nela mesma. Esse ‘privilégio’ concedido ao jovem, logo o é retirado, tem um prazo a ser cumprido que visa “a tomada de conscientização por parte da personagem da necessidade da recessão dessa mesma individualidade elaborada e da sua resignação a uma vivência comum dentro da sociedade” (Corujo, 2015, p.51). Como se o personagem tivesse uma espécie de insight no momento em que atinge a maturidade durante a sua juventude, ele percebe e conclui que não é vantajoso permanecer nesse estado que agora considera anterior: vê as experimentações da sua juventude como um processo transitório que sendo deixado para trás, o guiará para o real encontro com a felicidade, alcançando:

[...] seu Eu presente, um ser pleno e melhor. É uma maturidade que é desejada pelo indivíduo passado um período de tempo porque vê no excesso da juventude, nos seus atrativos, na sua liberdade e autonomia, um caminho demasiado arriscado, se excessivamente prolongado, um caminho de indefinição e precariedade (Corujo, 2015, p.51).

Essa estruturação conclusiva é a solução narrativa mais utilizada nos contos de fadas e também em muitos filmes hollywoodianos que a partir de uma 'moral da história' pretendem educar seu espectador, principalmente quando diz respeito aos filmes dedicados ao público jovem ou infantil, considerado um público ''vulnerável às mensagens da mídia'' (Shary, 2007, p.2). Cabe ressaltar que neste trabalho os filmes analisados irão se sobrepor ao

Bildungsroman clássico e focar nas características em comum com o Bildungsroman para

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Moretti demonstra que os trabalhos iniciais deste gênero literário começam por mostrar o indivíduo a sair da sociedade tradicional para acabar com este a regressar, numa conscientização da personagem e do próprio leitor de que a felicidade esteve sempre ali, mesmo ao lado, no âmbito do conhecido e do familiar (Corujo, 2015, p.52).

Interessa apontar que o romance de formação divide os críticos literários em dois grupos: os que acreditam que o gênero só existiu na literatura alemã dos séculos XVIII e XIX e os que defendem que o romance não se extinguiu com o tempo, ele apenas se transformou e se adaptou a realidade das novas sociedades, começando com o avanço da modernidade. Tal discórdia se dá pelo primeiro grupo caracterizar o gênero por sua data de surgimento e o segundo priorizar características de seu conteúdo, que poderia então ser percebido em obras literárias dos anos subsequentes e até os dias de hoje com a literatura infanto-juvenil por exemplo, como bem podemos observar na dissertação ''Narrativas de Amadurecimento -

Relações entre o Romance de Formação e a Literatura Infantil'' (Santos, 2016). Além disso,

há também estudos que revelam a existência de um Bildungsroman feminino, que diria respeito à também personagens em uma jornada de autoconhecimento mas, desta vez, se trata de personagens femininos em literaturas escritas por mulheres. Antes de apresentar as semelhanças do gênero literário de formação com o cinema, acredito ser de suma importância para este trabalho apontar sobre o que se trata o Bildungsroman feminino.

1.2 - O Bildungsroman feminino

Historicamente a educação e a formação da mulher foi direcionada ao casamento, maternidade e à submissão ao marido. A preocupação com seu desenvolvimento como pessoa era restringida no âmbito físico e biológico, de forma que o desenvolvimento da infância para a fase adulta tinha como único objetivo o seu preparo para o casamento. O desenvolvimento intelectual, os sentimentos, as emoções, as habilidades, as escolhas e as vontades não eram prioridade para o desenvolvimento feminino dentro da organização patriarcal. O gênero Bildungsroman teve expressivamente personagens masculinos e a ausência de uma protagonista feminina na tradição do Bildungsroman é prova que o “O Bildungsroman é um assunto masculino” para Ellen Morgan (1972).

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Maria Alessandra Galbiati2 em sua tese de doutourado ''Revendo o gênero: formação

e representação da mulher no Bildungsroman feminino contemporâneo'' nos aponta que

apesar dessa literatura ter sido predominantemente escrita por homens e protagonizada por esses, por conta da popularidade do gênero ela também foi adotada na escrita e no protagonismo de mulheres, como nos romances de Jane Austen: Emma (1816), Mary Shelley: Frankenstein, or The Modern Prometheus (1818), Charlotte Brontë: Jane Eyre (1847), Emily Brontë: Wuthering Heights (1847), Anne Brontë: The Tenant of Wildfell Hall (1848), George Eliot (pseudônimo de Mary Anne Evans): The Mill on the Floss (1860), Louisa May Alcott: Little Women (1868), Kate Chopin: The Awakening (1899), Virginia Woolf: The Voyage Out (1915) e Jacob’s Room (1922) e Doris Lessing: The Golden Notebook (1962).

O Bildungsroman masculino e feminino tem diferenças cruciais na construção de suas narrativas e a necessidade de reconhecer a existência dessa narrativa literária de formação feminina, escrita por mulheres e com a personagem principal sendo uma mulher (criança, adolescente ou adulta), é objeto de estudo de The Madwoman in the Attic (Gilbert; Gubar, 1979), Archetypal Patterns in Women’s Fiction (Pratt, 1981), The Voyage in (Abel; Hirsch; Langland, 1983), The Myth of the Heroine (Labovitz, 1986) e Living Stories, Telling Lives (Frye, 1986), segundo Galbiati. A autora também diz que a formação da menina acontece socialmente e culturalmente de forma diferente da do menino, influenciando diretamente no seu desenvolvimento pessoal. O protagonista menino acaba frequentemente com um final harmônico se integrando de volta à sociedade que inicialmente teve um conflito e a mulher quando tenta ir para um caminho alternativo do esperado socialmente, era incompreendida e marginalizada, sendo relegada ao espaço doméstico tornando a sua afirmação e auto-realização mais difíceis e distantes. A busca pela mudança é também uma diferença significativa nas narrativas: na narrativa de formação feminina, ''a protagonista geralmente encontra-se em estado de insatisfação, infelicidade, frustração, incompletude ou dilema existencial. A personagem central demonstra baixa autoestima e ausência de amor-próprio, configurando um quadro problemático quanto à imagem de si mesmo, à identidade e ao conhecimento. Como se pode inferir, a natureza do motivo de se iniciar a busca é variada e abrangente'' (Galbiati, p. 1720, 2011). Dessa maneira, as narrativas de formação femininas

2 É de extrema importância destacar além deste trabalho, o livro de Cristina Ferreira Pinto, ''O Bildungsroman feminino: quatro exemplos brasileiros'' publicado em 1990, constituiu um marco na pesquisa sobre o Bildungsroman na língua portuguesa, trazendo a público a protagonista feminina em processo de formação.

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são construídas de uma forma particular com diferenças entre a jornada que a protagonista vai realizar, os impulsionamentos para tal, os objetivos e o desfecho.

A autora também destaca que Annis Pratt em 1981 define como romance de renascimento e transformação - Novel of Awakening - as narrativas de formação com protagonistas mulheres adultas buscando desenvolver seu crescimento interior. Elizabeth Abel, Marianne Hirsch e Elizabeth Langland (1983) sugerem o termo Novel of Female Development para os romances de aprendizagem femininos que iniciam na infância ou adolescência e acompanham o processo de crescimento e educação da menina. De acordo com Fuderer (1990), além das designações propostas por Pratt, Abel, Hirsch e Langland, podem ser destacados os termos: Female Coming-of-age Novels; The (Female) Novel of Self-discovery; The Awakening Novel e The Female Bildungsroman. A crítica literária feminista vem sugerindo também alguns termos, conforme a especialidade da narrativa contada, como, por exemplo, Reifungsroman (Waxman, 1985).3 Portanto, com a terminologia definida, a literatura de formação feminina pode ser caracterizada diferentemente da masculina.

Os romances de formação femininos estão presentes até os dias de hoje mas se modificaram ao longo do século XX em relação a condição da mulher contemporânea: ''As tarefas desempenhadas pela mulher no âmbito do lar deixaram de ser consideradas trabalho, solapadas pelas ideias do amor, da felicidade familiar e doméstica. A divisão entre a esfera “pública” – presidida pelo homem – e a esfera “privada” – protagonista pela mulher, a “rainha do lar” –, que tanto havia engrandecido o puritanismo inglês do século XVII, fez-se uma inquebrantável realidade entre as famílias burguesas do século XVIII'' (BAUER, 2001, p. 60-61). Para Galbiadi, O Bildungsroman feminino contemporâneo apresenta uma visão de mundo feminina que reavalia criticamente o papel e a imagem da mulher no cenário da sociedade atual e promove a escrita como um caminho para a liberdade e afirmação da intelectualidade feminina:

No romance de formação feminino contemporâneo, constata-se uma maior aberturado gênero – exibilidade estrutural, variedade temática (inclusive, assuntos tradicionalmente considerados “não-literários”), reorientação de conceitos, reconstrução de valores éticos, morais, religiosos e quebra de paradigmas sociais [...] A heroína de um Bildungsroman feminino contemporâneo caracteriza-se,

3 A autora criou o termo para identificar uma variante particular do Bildungsroman feminino, no qual a protagonista vive a maturidade de uma maneira emocional. Seria um termo alemão equivalente ao “romance de renascimento e transformação”, cunhado por Pratt (1981) e citado no trabalho de Galbiati, p. 1721.

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principalmente, pela sua capacidade de reflexão sobre sua posição como sujeito no mundo e pela conscientização acerca de sua diferença. Há protagonistas homossexuais, negras, de classe média (baixa), de níveis de escolaridade diferentes e de faixas etárias variadas, que buscam – ao longo da narração do seu processo de formação – por afirmação de sua(s) identidade(s), realização pessoal e profissional, independência financeira e intelectual, liberdade de escolha, reconhecimento artístico, entre outros (Galbiadi, p. 1723, 2011).

Como exemplo de Bildungsroman feminino contemporâneo a autora cita Rubyfruit Jungle de Rita Mae Brown (1973), Hotel du Lac (Anita Brookner, 1984), Lucy (Jamaica Kincaid, 2004) e Wetlands (Charlotte Roche, 2008). Esses romances escritos por mulheres teriam protagonistas mulheres em uma jornada em busca de autoconhecimento, traçando suas trajetórias individuais e contemplando os dilemas entre ''o que se quer ser'' e ''o que a sociedade quer que se seja'', encaixando-se no modelo the initiation-awakening novel: ''nessas narrativas de formação feminina contemporâneas a imagem da mulher, sua sexualidade e seu papel social estão em constante questionamento'' (Galbiadi, p. 1726, 2011).

1.3 - O gênero cinematográfico coming of age

As características comuns do romance de formação desde “Os Anos de Aprendizagem

de Wilhelm Meister” (obra considerada como marco inicial do gênero) até as obras literárias

produzidas posteriormente, dizem respeito à juventude e à exploração desta: descrevem o herói em seu desenvolvimento que ao se deparar com alguma dificuldade na vida (seja no âmbito familiar, social, escolar, etc) adentra em um questionamento de si e de seu lugar no mundo e busca por uma libertação do Eu perante as pressões do mundo externo. O confrontamento do personagem com seu meio que vai levá-lo a experimentar o mundo e a refletir sobre sua existência parece ser a característica principal do Bildungsroman na literatura alemã com “Os Anos de Aprendizado”, e são encontradas também inúmeras narrativas literárias com esse enredo “como acontece com “O apanhador no campo de

centeio”, de J.D. Salinger” (Santos, 2016. p.12). Além disso, o livro As Vantagens de ser Invisível, de Stephen Chbosky, é uma obra infanto-juvenil de 2007 considerada como

‘exemplo de romance de formação pela crítica especializada’ (Matos, 2013). Em 2012, esse livro tornou-se um longa-metragem (The Perks of Being a WallFlower, Stephen Chbosky, EUA, 2012, 120min) e conta a história de Charlie, um jovem com dificuldades de interação

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na sua nova escola depois de um período de depressão e sua jornada de recuperação, crescimento e socialização se dá com a amizade de Patrick e Sam.

As vantagens de ser invisível além de ser considerado um romance de formação pela

crítica especializada, é frequentemente caracterizada (seja em artigos, sinopses e críticas cinematográficas) tanto uma narrativa de amadurecimento quanto um coming of age film ou

coming of age story.

Como momento de transição da infância para a fase adulta, coming of age é frequentemente considerado um processo natural cujo desenvolvimento positivo do protagonista adolescente acontece (Hardcastle, Morosini e Tarte, 2009, p.2, tradução livre). 4

Complementando a similaridade da literatura Bildungsroman com as narrativas cinematográficas do chamado coming of age, o livro-coletânea Coming of Age on Film traçou também um paralelo com o trabalho de teóricos no campo da antropologia e da psicologia. O antropólogo Arnold Van Gennep em seu estudo The Rites of Passage argumenta como os ritos iniciais de nascimento, puberdade, casamento e morte são marcos de transições da vida. Para ele, trata-se de uma jornada da vida, um movimento de um lugar para outro que cruza fronteiras:

Van Gennep definiu um padrão de conhecimento de três fases de cerimônia de iniciação: separação, transição e reincorporação à sociedade. Com isso, enfatiza a passagem de um lugar para outro - em uma jornada - esse modelo é pertinente para nossa discussão sobre transições cinematográficas, coming of age no e para o filme (Hardcastle, Morosini e Tarte, 2009, p.4, tradução livre).5

O psicólogo Erik Erikson desenvolveu um trabalho sobre os estágios de desenvolvimento psicológico humano. Para ele, o coming of age envolve o desenvolvimento da identidade do indivíduo e a sua reflexão sob esta: “o movimento de um estágio para o próximo necessariamente envolve um ponto de virada, um momento crucial que, quando desenvolvido, deverá mover de um lugar para outro [...]” (Hardcastle, Morosini e Tarte, 2009 p.4, tradução livre).

4 As the moment of transition from childhood to adulthood, coming of age is often considered a natural process through which positive development of the adolescent protagonist occurs (Hardcastle, 2009, p.2).

5 Van Gennep defined a now well-known pattern of three phases in the initiation ceremony: separation, transition and reincorporation into society. With its emphasis on the passage from one phase or place to another - on the journey - this model is germane to our discussion of cinematic transitions, coming of age in and of film.

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O coming of age é muitas coisas ao mesmo tempo e todas elas dizem respeito a um mesmo raciocínio que está estritamente ligado às características de enredo do

Bildungsroman: é a transição de uma pessoa jovem da infância para a maturidade, vivendo

uma jornada de conhecimento pessoal se deparando com conflitos no campo social, político, familiar ou escolar em relação aos desejos dessa pessoa. Esse embate do mundo interior com o exterior resulta em uma transformação psicológica, física e/ou emocional. Pode ser também a busca de pertencimento ao mundo ou de entendimento do Eu com seu redor e normalmente conta com um momento crucial de encontro com a liberdade almejada pelo personagem:

A narrativa iniciática é a versão infantil do roadmovie adulto. Há divergências apenas na escolha das geografias e nas vias de acesso. Se, para os adultos, é comum a rodovia asfaltada, para as crianças são radicalmente diferentes os meios de transporte e as vias de acesso. Para elas é frequente a utilização do trem ou da própria via férrea, o rio ou o caminho através da floresta (Lopes, 2008, p. 28).

Momento de encontro com a liberdade em Divinas (Uda Benyamina, 2016) e As Vantagens de Ser Invisível (Stephen Chbosky, 2012).

O emprego da palavra jornada neste trabalho é complicado pois traz a ideia de algo que se inicia em um momento e termina em outro. De fato é isso que acontece nos filmes

coming of age, mas é importante apontar que a ideia de término da jornada não está ligada ao

sucesso do jovem, como o Bildungsroman clássico sugeria. A jornada no cinema coming of

age diz respeito a passar por uma fase, longe de uma perspectiva maniqueísta de bem e mal e

mais próxima de uma ideia de caminho por conhecimento de si mesmo perante as expectativas da sociedade.

Coming of age aparece não só como um processo psicológico ou biológico, mas como um produto da sociedade na qual a cultura influencia os indivíduos e se torna

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parte do desenvolvimento retratado nesses filmes (Hardcastle, Morosini e Tarte, 2009, p.2, tradução livre).6

Come of age traduzindo para o português seria algo mais ou menos como “chegar a

idade”. Trataria-se de atingir ou buscar a maturidade, um amadurecimento a ser vivenciado como uma passagem do personagem para chegar em algum lugar:

A narrativa segue os rituais de passagem do herói até um certo grau de maturidade, centrada no confronto com a realidade existencial, as crises que problematizam o processo transformador e de aperfeiçoamento da vida interior em tensão com as forças exteriores que a influenciam e querem ordenar e dominar, processo no qual descobertas, equívocos, erros e correções, dialeticamente indissociáveis da evolução, conduzem o indivíduo ao conhecimento de si mesmo (que lhe permite preservar a sua identidade na metamorfose) e do seu lugar funcional na sociedade (que lhe permite viver com adulto no mundo de adultos), independentemente do sucesso ou fracasso do desfecho, da realização harmônica da socialização, de uma integração oportunista ou da distanciação crítica (Carvalho, 2010, p.133).

José de Sousa Miguel Lopes em seu estudo sobre O cinema da infância, afirma que na história do cinema os filmes que tratam sobre infância não são considerados um gênero em si mas que por se dedicarem à assuntos específicos e sobre temáticas bastantes semelhantes possuem também códigos implícitos, temáticas recorrentes, estilo próprio e esquemas narrativos tão precisos quanto imutáveis que transitam de um filme para outro e de um país para outro - características que configuram a marca de um gênero (Lopes, 2008, p.24). Ele também conclui que a vastidão existente de filmes com essas particularidades permite que se estabeleçam sub-gêneros dessas narrativas: filmes de duos criança/adulto, sobre conflito, liberdade, o luto ou a perda, crianças e animais, a crueldade infantil, a amizade, a solidariedade e o amor, o medo, a delinquência, a fuga, os maus-tratos, o espírito de grupo, as fronteiras, o maravilhoso, a passagem à idade adulta, as problemáticas sociais, a nostalgia e, em alguns casos, filmes difíceis de classificar (Lopes, 2008, p.24).

O autor nomeia esse gênero como narrativas iniciáticas, termo que a partir de sua descrição podemos relacionar diretamente com o coming of age aqui estudado, salvo a ressalva de sua ênfase no cinema da infância pois trata-se de

6 Coming of age, then, appears not only as a psychological or biological process, but as product of society where culture influences individuals and itself becomes a part of the development pictured in these films.

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um processo iniciático que baseia-se numa relação exterior/interior, quer se trate do percurso de um personagem que entra no mundo dos homens [...] quer se trate da descoberta de uma outra vertente, que seria um caminho iniciático direcionado para um melhor conhecimento de si, possibilitando encontrar uma entrada para o autoconhecimento. Assim, a questão do rito de passagem, do abre-te sésamo, do ingresso está sempre presente (Lopes, 2008, p.26).

O rito de passagem é característica chave tanto no Bildungsroman quanto no cinema coming of age. A construção da identidade, a busca pelo conhecimento de si, as dificuldades que instigam o crescimento do Eu, os conflitos interiores com o mundo exterior, a busca pela liberdade e a jornada para busca de alguma maturidade são elos-comuns desses enredos. As narrativas iniciáticas se assemelham a todas essas características, mesmo tratando-se de um cinema sobre a infância, o ponto-chave do enredo é ainda a viagem de conhecimento de si mesmo e o amadurecimento do personagem em busca de pertencimento ao mundo no qual está inserido. Dito isso, podemos começar a argumentar que o cinema coming of age tem subdivisões dentro do seu próprio gênero e a primeira delas que podemos citar é o coming of

age na infância.

Antes de discorrer sobre os sub-gêneros, é importante demarcar que além da presente dificuldade de se classificar o coming of age como um gênero, falar sobre suas subdivisões é mais difícil ainda, uma vez que os estudos sobre o caso são extremamente reduzidos e as publicações em português quase inexistentes. O livro “Youth Cinema” que faz parte da bibliografia escolhida para esse trabalho, é a primeira coleção publicada em inglês sobre o papel do jovem adulto no cinema internacional7. Conta com 17 artigos de acadêmicos residentes de 11 países diferentes, enriquecendo o estudo do come of age a partir de suas diferentes e diversificadas perspectivas globais. Apesar dessa iniciativa que nos pode trazer esperança quanto ao aumento de estudo sobre o tema, de acordo com a Library of Congress, apenas 10 livros sobre o cinema jovem foram publicados fora dos Estados Unidos até o ano de 20048 (Shary, 2007, p.5).

7 This is also the first time that a collection on young adult roles in internacional cinema has been published in English. (Shary, 2007, p.3)

8 According to the Library of Congress, only 10 books on youth films have been published outside the U.S: Alberto Spezzato: Cinema e Psicoanalisi su Infanzia e Adolescenza, by Maurizio Regosa (Italy, 2003) Calaccitre Santrasa o Yuba Samaja: Gabeshana Pratibedana, no author listed (Bangladesh, 2002) Cinema e Adolescenza: Saggi e Strumenti, by Flavio Vergerio (Italy, 2000)

Film w Zyciu i Wychowaniu Mlodziezy, by Henryk Depta (Poland, 1983)

Gioventù Perduta: Gli Anni Cinquanta Dei Giovani e del Cinema in Italia, by Enrica Capussotti (Italy, 2004) Kultura Filmowa Mlodziezy, by Stanislay Morawski (Poland, 1977)

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Tal fato pode ser atribuído a diversos fatores, mas o principal talvez seja o fato de a juventude até os dias de hoje não ter uma definição concreta, é muito líquida e mutável: não se baseia em uma faixa etária ou um desafio na vida de um adolescente, por exemplo. É um conjunto de fatores que juntos definem a existência de um jovem na sociedade. Além disso, nos estudos já realizados, a prioridade da academia foi se debruçar na análise da influência da mídia na vida do jovem e não a sua representação por esta:

Numerosos estudos e livros são escritos sobre os efeitos positivos e negativos da mídia na juventude que frequentemente a consideram vulnerável as mensagens dessa mídia, tanto porque a indústria midiática as taxa, quanto porque suas mentes são consideradas para serem particularmente impressionáveis. Ainda quase não foi colocado muito tempo ou esforço para expandir estudos sobre como a juventude é representada pela mídia9 (Shary, 2007, p.3, tradução livre).

Estudos acadêmicos sobre a adolescência no cinema dos Estados Unidos só começaram de fato nos anos 80, com livros como “The Cinema of Adolescence de David

Considine (1985) e Teenagers and Teenpics: The Juvenilization of American Movies in the 1950s de Thomas Doherty” (1988 - revisado em 2002). Desde essa época, foram realizados

mais alguns estudos sobre adolescentes nos filmes americanos, como “The Road to Romance

and Ruin: Teen Films and Youth Culture”, de Jon Lewis (1992) e “Generation Multiplex: The Image of Youth in Contemporary American Cinema” (2002) de Timothy Shary10 (Shary, 2007, p.3, tradução livre).

A análise de filmes com protagonistas adolescentes aconteceu ocasionalmente no passado, devido apenas à presença de atores ou diretores famosos na época. Alguns exemplos citados são os filmes Los Olvidados (Luis Bunuel, México, 1950), Rebel With a Cause

Seishun eiga no keifu, by Tadao Sato (Japan, 1976)

Sinama Ksetraya Udesa Antar Jatika Taruna Varsayedi Tarunaya ge Anugrahaya, by Piyasoma Medis ge vigr (Sri Lanka, 1985)

Zwischen Bluejeans und Blauhemden: Jugendfilm in Ost and West, by Ingelore Konig and Dieter Wiede (Germany, 1995)

9 Numerous studies and books have been written on the negative and positive effects of media on youth, who are so often considered vulnerable to media messages, both because media industries target them and because their minds are thought to be particularly impressionable. Yet not nearly as much time or effort has been expended in examination of how youth are represented by the media.

10 In fact, serious studies of adolescence in U.S cinema only began in the 1980s, with such books as The Cinema of Adolescence by David Considine (1985) and Teenagers and Teenpics: The Juvenilization of American Movies in the 1950s by Thomas Doherty (1988 - revised 2002). Since then, a few more studies of teenagers in U.S films have appeared, including The Road to Romance and Ruin: Teen Films and Youth Culture by Jon Lewis (1992) and Generation Multiplex: The Image of Youth in Contemporary American Cinema (2002).

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(Nicholas Ray, EUA, 1955) e Les Quatre cents coups (François Truffaut, France, 1959), entre outros11 (Shary, 2007, p.3).

Les Quatre Cents Coups, filme de François Truffaut dedicado à memória de André Bazin fala sobre a felicidade, o sofrimento, a solidão e a importância do papel da família para a formação da criança.

Mesmo com essa análise no passado, a escassez de os estudos sobre o tema nos revelam uma espécie de descaso com a juventude e sua compreensão. Um dos efeitos colaterais disso são inúmeros filmes adolescentes realizados pela indústria hollywoodiana que pouco se importam a forma com que retratam o adolescente e, sim, apenas se preocupa em atrair o maior número de pessoas às salas de cinema. Isso resulta em filmes que pouco representam a adolescência ou a juventude em si de fato, mostrando-nos uma visão muito rasa e superficial do adolescente, o reduzindo a estereótipos do jovem ao invés de tratar cada um como um ser individual que passa por dificuldades e/ou sucessos e está assim tentando se encaixar na sociedade:

Quando Hollywood focou em personagens entre a infância e a fase adulta, os filmes se tiveram a tendência a seguir os sonhos de sucesso e popularidade que muitas pessoas jovens compartilham, e a cultura jovem é retratada principalmente branca, classe média, não religiosa, suburbana e divertida. [...] Hollywood tem sido predominantemente etnocêntrica, preocupada com a história de seus cidadãos americanos. [...] seu apelo para juventude é essencialmente para o lucro, uma vez que

11 Occasionally, some ''classic'' youth films have generated analysis in the past, primarily due to the surrounding oeuvre of their stars and/or directors; examples include Los Olvidados (Luis Bunuel, México, 1950), Rebel With a Cause (Nicholas Ray, EUA, 1955) and Les Quatre cents coups/The 400 Blows (François Truffaut, France, 1959) (Shary, 2007, p.3).

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os jovens constituem uma parte grande da audiência dos filmes 12 (Shary, 2007, p.2, tradução livre).

Somando os poucos estudos específicos sobre o cinema e a juventude com o fato da falta de uma representatividade mais realista do jovem nos filmes hollywoodianos, o cenário consegue se agravar mais ainda quando vamos analisar quantos desses filmes protagonizados por adolescentes são protagonizados por uma adolescente menina. Se afunilar se essa análise para quantos desses filmes a direção foi realizada por uma diretora mulher, o número de filmes que podemos listar cai drasticamente. E é nesse cerne que vou trabalhar: o cinema adolescente/jovem protagonizado por meninas (e realizado por mulheres majoritariamente) nos quais a força que dá o suporte ou impulsiona a construção de identidade da personagem se dá a partir da amizade que ela vivencia. Portanto, o segundo capítulo irá tratar de uma análise das narrativas de amadurecimento na sua subdivisão coming of age feminino.

12 When Hollywood has focused on characters between childhood and adulthood, the films tend to follow the dreams of success and popularity that many young people share, and youth culture is portrayed as primarily white, middle class, non religious, suburban and fun. [...] Hollywood has been predominantly ethnocentric, concerned about the stories of U.S citizens [...] and Hollywood's appeal to youth is essentially for profit, since young people constitute such a high portion of the moviegoing audience.

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Capítulo 2 - Amizade feminina no cinema e construção da identidade na adolescente

2.1 - A amizade feminina no cinema hollywoodiano e o Buddy Film masculino

De acordo com Melanie Nash em seu trabalho realizado em 1994 “The Woman’s

Film, The New Women’s Cinema and The Women’s Buddy Film”, durante os últimos quinze

anos houve um notável aumento no número dos filmes mainstream hollywoodianos que retratam a amizade entre duas ou mais mulheres como ponto central da narrativa (Nash, p.06, 1994, tradução livre13). Para ela, os tipos de relações que essas protagonistas femininas desenvolvem são variadas: podem ser familiares, como em Crimes do Coração (Bruce Beresford, 1986), podem ser profissionais como em Como Eliminar seu Chefe (Colin Higgins, 1980), como amigas em Amigas para Sempre (Gary Marshall, 1988) ou como amantes em As Parceiras (Robert Towne, 1982). Em Celluloid Sisters, um estudo sobre os filmes comerciais mais sucedidos na Britânia desde os anos 1940 aos anos 1960, Janet Thumim destaca que “representações de quaisqueres amizades entre mulheres são raras; amizades contendo narrativas significativas são quase totalmente ausentes” (Nash, 1994, p. 09, tradução livre14).

Em uma sociedade na qual mulheres são ensinadas a valorizar relações heterossexuais conduzidas para o casamento, e depois esperando manter-se confinadas em casa tomando conta das crianças (mesmo que os números de mulheres solteiras e casadas trabalhando no mercado de trabalho tenha crescido constantemente), tem-se pouca motivação narrativa para histórias simplesmente sobre a amizade feminina, e essas amizades eram consideradas, no melhor, “inconsequentes ao lado do trabalho mais pesado de assegurar um marido” (Thumim, p.184) (Nash, 1994, p.10, tradução livre15).

Segundo Nash, as representações de amizade entre as mulheres foram construídas positivamente só como uma pobre segunda opção até que o casamento se tornasse disponível

13 During the past fifteen years, there has been a notable increase in the number of mainstream Hollywood films that depict the relationship between two or more women as a central point of narrative interest.

14 Representations of any friendships between women are rare; friendships carrying narrative significance are almost entirely absent (182-3).

15 In a society in which women were taught to value heterosexual romance leading to marriage, and then expected to remain confined to the home caring for children (even as the numbers of both single and married women in the work force steadily increased), there could be little narrative for stories simply about women's friendship, as such friendships were considered, at best, ''inconsequential alongside the altogether weightier business of securing a husband (Thumim 184).

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como uma opção e o cinema clássico hollywoodiano retratou essas amizades como não existentes, competitivas, adversárias ou negativas de alguma maneira. Ela afirma que as narrativas de competição nos filmes sobre mulheres quase sempre privilegiou a posição de uma sob a outra, e essa caracterização contrastante das mulheres e das resoluções narrativas fílmicas, trabalharam para estabelecer um senso de justiça ou tragédia, que determinou a preferência do filme como um discurso sobre a feminilidade e as relações femininas. Além disso, para a autora, essa preferência envolve uma lição ou um aviso patriarcal sobre a atitude que as mulheres devem tomar nas suas potenciais vidas como esposas, mães ou mulheres no mercado de trabalho, como em The Wicked Lady (1945).

Nos anos 70 filmes como Uma Mulher Sob Influência (John Cassavetes, 1974), Alice

Não Mora Mais Aqui (Martin Scorsese, 1975), Julia (Fred Zinnemann, 1977), Momento de Decisão (Herbert Ross, 1977), Girlfriends (Claudia Weill, 1978), Uma Mulher Descasada

(Paul Mazursky, 1978), Coma (Michael Crichton, 1978) e Encontros e Desencontros (Alan J. Pakula, 1979), foram definidos como “new women’s cinema” por Annette Kuhn em 1982 e depreciativamente descritos por Haskell como uma “gota de filmes com inspiração feminista” (Nash, 1994, p.17, tradução livre16).

Uma parte da crítica considerou a amizade em Alice Não Mora Mais Aqui e em Uma Mulher Descasada como um retrato de amizades positivas e solidárias entre as protagonistas, enquanto alguns críticos como Joan Mellen consideraram Julia como sugerindo que “a amizade entre mulheres é perigosa, devido a implicação da narrativa de uma possível relação lésbica entre Lilly e Julia”. Mellen também afirma que “longe de amizade, Momento de Decisão postula uma inimizade natural entre mulheres e que o filme é reacionário sugerindo que carreira e casamento tem que ser mutuamente exclusivos” (Nash, p.18, tradução livre17).

A representação positiva da amizade no cinema tem seu destaque principalmente nos filmes do gênero buddy films, que são, “por definição, sobre a relação entre dois homens” (Nash, p.29, tradução livre18). Para Wood, filmes como Butch Cassidy and The Sundance Kid

(George Roy Hill, 1969), Sem Destino (Dennis Hopper, 1969) e Perdidos na Noite (John Schlesinger, 1969) foram os iniciadores no ciclo do buddy films; e O Último Golpe (Michael Cimino, 1974), Scarecrow (Jerry Schatzberg, 1973) e Jogando com a Sorte (Robert Altman, 1974) como exemplos posteriores nesta tendência. Ele caracteriza o buddy film como um gênero a partir da presença de seis características comuns nestes filmes. A primeira seria um

16 [...] and disparagingly described by Haskell as a ''trickle of feminist-inspired movies'' (375).

17 Mellen also states that ''far from friendship, The Turning Point posits a natural enmity between women (533); that the film is ''reactionary'' in suggesting that career and marriage must be mutually exclusive.''

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motivo para uma viagem ou jornada. A segunda é a marginalização da mulher na história que, de acordo com Wood, é importante porque não permite a possibilidade da “mulher-como-esposa que fornece um final feliz” (Nash, 1994, p.28, tradução livre19) e além disso, serve como confirmação da heterossexualidade dos buddies, ou mais precisamente como uma negação de sua homossexualidade. A terceira semelhança é ''a presença de um personagem explicitamente gay, que é apresentado como um vilão ou um palhaço'' (Nash, 1994, p.28, tradução livre20). A quarta semelhança é a ausência de um lar que não é apenas a ausência de

uma “casa”, mas também dos “elementos fundamentais da ordem patriarcal que constituem “normalidade”: as relações heterossexuais, monogamia, a família e a perpetuação do status quo, da lei de Deus”. Depois, trata-se do foco da narrativa na história de amor masculina e essa relação é sempre o núcleo emocional destes filmes. A narrativa foca em dois homens que se posicionam em direções opostas aos clássicos hollywoodianos nos seus finais felizes na união heterossexual. A última semelhança é a morte ou a debilitação grave de um ou dos dois companheiros:

Eles [male buddy films] mais frequentemente parecem glorificar auto-indulgentemente a trágica rebelião de dois homens contra as regras de um mundo que eles mesmo criaram, enquanto culpam ou abusam das mulheres no caminho, porque elas foram construídas sob o patriarcalismo como representantes da sociedade rígida que os buddies chegaram a ressentir (Nash, p.30, tradução livre21).

Publicado em 1986, o livro de Wood precedeu o florescer de um grupo de filmes do meio ao final dos anos 1980 e do início dos anos 1990 que lidam com a relação entre duas amigas mulheres como núcleo emocional da narrativa e que tem muito em comum a fórmula genérica dos buddy filmes de Wood como tem com as preocupações melodramáticas do new women's cinema. Nash nos aponta que no livro de Marsha McCreadie publicado em 1990 sobre o retrato das mulheres nos filmes em 1970 e 1980, é observado que uma ocorrência extraordinária tomou lugar na metade dos anos 1980: mulheres, pela primeira vez na mídia popular, começaram a se apoiar ao invés de enfraquecer umas às outras. Os filmes Silkwood - O Retrato de uma Coragem (Mike Nichols, 1983), Amor em Perigo (Jonathan Demme, 1984), A Cor Púrpura (Steven Spielberg, 1986), Crimes do Coração (Bruce Beresford, 1986), Hannah e suas Irmãs (Woody Allen, 1986), Just Between Friends (Allan Burns, 1986)

19 ''Woman-as-wife to provide a happy end (Wood 228).

20 The presence of an explicitly gay character, who is presented as a villain or a clown (Wood 229).

21 They more often seem to self-indulgently glorify the tragic rebellion of two men against the rules of a world they themselves have created, while blaming or abusing women along the way, because women have been constructed under patriarchy as representatives of the social rigidity which the buddies have come to resent.

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e Que Sorte Danada! (Arthur Hiller, 1987) estão entre os filmes que McCreadie exemplifica como ''female bonding'', que podemos aqui traduzir para algo próximo de ''laços femininos''

A conexão feminina retratada nesses filmes pode ser pensada como pelo menos superficialmente diferente das relações entre mulheres no período do cinema clássico hollywoodiano, em que mulheres não necessariamente são contrastadas em ordem de estabelecer uma dicotomia entre bom e mau, e há um número de formas admissíveis que os dilemas da narrativa podem ser resolvidos (Nash, 1994, p.33, tradução livre22).

Para McCreadie diferentemente dos filmes citados acima Que Sorte Danada! serviu como análogo para os futuros filmes com o tema buddy feminino e inaugurou o recente genérico híbrido entre ''women's film'' e ''buddy films''. Nash acredita que a emergência do chamado women's buddy films - ou filmes sobre amizade feminina - tem chances de sobrepor algumas limitações ideológicas dos buddy films masculinos

A ideia de substituir os male buddies por mulheres estende a possibilidade de uma crítica feminista mais explícita sobre o patriarcado, assim como evitar os impulsos misóginos que minaram drasticamente a crítica dos filmes male buddy sobre a ideologia dominante (Nash, 1994, 34, tradução livre23).

No terceiro capítulo de seu trabalho, Nash analisa Thelma e Louise (Ridley Scott, 1991), Tomates Verdes Fritos (Jon Avnet, 1991) e Mary & Darly (Edward Zwick, 1992) como três filmes dos anos 1990 que combinam elementos dos woman's film com os buddy film.

O filme Tomates Verdes Fritos é uma adaptação do livro publicado em 1987 por Fannie Flagg e conta a história de um romance entre Idgie e Ruth que se conhecem na adolescência e fala sobre como uma muda a vida da outra. O romance de Flagg é um exemplo entre vários filmes lésbicos que são vendidos como histórias de amizade muito forte entre duas amigas nas quais a relação amorosa acontece entrelinhas. É também o caso em diversas histórias centradas em garotas adolescentes nos quais a protagonista tem um desafio para

22 The feminine rapport depicted in these films can be thought of as at least superficially different than the relationships between women in the classical period of Hollywood cinema, in that women are not necessarily contrasted in order to establish a dichotomy of good and evil, and there are greater number of admissible ways that narrative dilemmas may be resolved.

23 The idea of replacing the male buddies with women holds out the possibility for a more explicitly feminist critique of patriarchy, as well as avoiding the misogynistic impulses that have drastically undermined the male buddy films progressive critique of dominant ideology.

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vencer seja ele somente as dificuldades da adolescência por exemplo, e tem uma grande amiga ao lado que a ajuda a passar por todos esse problemas mas, ao mesmo tempo, tem um namorado ao lado que nada acrescenta a trama, está ali só para confirmar sua heterossexualidade. Podemos observar esse padrão nos filmes Teenagers: As Apimentadas (Peyton Reed, 2000), Aos Treze (Catherine Hardwicke, 2003) e Garota Fantástica (Drew Barrymore, 2009), por exemplo.

As representações positivas de um romance adolescente coming of age lésbico/queer no cinema foram o foco do trabalho de Susan Driver sobre coming of age queer em ''The Visual Pleasures and Social Empowerment of Queer Teen Romance Flicks''. Para ela, o surgimento dos filmes femininos, queer e independentes nos anos 1990 está relacionado com o filme O Par Perfeito (Rose Troche, 1994). Posteriormente, os filmes Almas Gêmeas (Peter Jackson, 1994), The Incredibly True Adventure Of Two Girls (Maria Maggenti, 1995) e Assunto de Meninas (Léa Pool, 2001) seriam exemplos que retratam a adolescência feminina com suas protagonistas lutando para lidar com a isolação social, as amizades, aos desejos, ao 'coming out', ao suicídio e a homofobia. Para ela, esses filmes transmitem os desafios dessas experiências para as garotas e sua busca de pertencimento enquanto resistem aos ideais de feminilidade normativa no dia a dia escolar e nos ambientes familiares. Diferentemente dos filmes sobre o tema já realizados, neles as personagens-amigas-namoradas não morrem no final, não acabam por ter um relacionamento heterossexual e seu amor não fica apagado sobre o pretexto de uma forte amizade. Driver acredita que as imagens positivas de amor, amizade e descoberta da sexualidade estão presentes e são importantes porque providenciam esperanças e promovem mudanças no cinema adolescente que é majoritariamente heterossexual e que exclui ou ignora a existência do amor entre duas meninas

Não é uma progressão racional entre uma maturidade normativa que estrutura esses filmes, mas sim uma dinâmica entre o Eu e o outro, corpo e mente, silêncio e fala. [...] Coming out e coming of age são representados como processos criativos envolvendo sentimentos profundos, inteligência emocional e insight social'' (Driver, p. 254, tradução livre24).

Para além da representação da amizade no cinema, é fato que na vida mundana ''os laços de amizade podem constituir relações privilegiadas de experimentação de outras formas

24 It is not a ration progression toward moral normative maturity that structures these films, but rather a dynamic interplay of self and other, body and mind, silence and language. [...] Coming out and coming-of-age is represented as a creative process involving deep feeling, emotional intelligence, and social insight.

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de relacionamento incompatíveis com os modelos individualistas e excludentes do capitalismo'' (Gomes, Júnior, 2007, p.149). Na filosofia, para Aristóteles a amizade é uma virtude extremamente necessária a vida e que a partir dela, atingiria-se a expansão social do

eu (Pichler, p. 201). Para Foucault, ''a amizade é uma profunda experiência humana na qual

cada um pode cuidar de si e estimular o outro para que também cuide de si'' (Pellizzaro, p.114) e é também a única relação não institucionalizada que podemos ter, diferente das relações de casamento e família, por exemplo:

Um modo de vida pode ser compartilhado por indivíduos de idade, estatuto e atividade sociais diferentes. Pode dar lugar a relações intensas que não se pareçam com nenhuma daquelas que são institucionalizadas e me parece que um modo de vida pode dar lugar a uma cultura e a uma ética (Foucault, 1981).

Rezende (2002) observou que a amizade, enquanto relacionamento social, envolve companhia agradável, sociabilidade, beijos, abraços e afagos; já a amizade entre ''amigos mesmo'' (melhores amigos) abrange estilo de vida e valores semelhantes, intimidade (troca de confidências e experiências), revelação e abertura, confiança (sinceridade, apoio mútuo), constante diálogo e, consequentemente, um investimento considerável de tempo para o surgimento e desenvolvimento desses aspectos (Souza; Hutz, 2007, p.127). A amizade entre meninos e meninas também é caracterizada como tendo suas particularidades, ''entre crianças mais velhas e adolescentes surgem aspectos como lealdade, confiança, intimidade, interesses comuns, comprometimento, competição e conflitos (Bukowski, Newcomb e Hartup, 1996; Hartup, 1989). As meninas tendem a estabelecer relações diádicas e recíprocas. Os meninos formam grupos mais amplos com maior abertura para novos integrantes (Hagglund, 1999)''.

Os filmes Stella (Sylvie Verheyde, 2008), O Sonho de Wadjda (Haifaa Al-Mansour, 2012) e Projeto Flórida (Sean Baker, 2018) podem ser classificados como filmes coming of

age infantis. Nos três, as meninas personagens principais passam por transformações internas

estimuladas pelo exterior e vivem uma jornada se deparando com conflitos principalmente no campo escolar e familiar. Pude notar que no coming of age infantil que mesmo que a presença da amizade possa ser importante, a presença da família é unanimidade. Não há nesses filmes a possibilidade da família não estar presente na vida da criança e não influenciar diretamente na mesma. O processo de amadurecimento está fortemente ligado à relação que tem com sua família e a amizade nestes filmes serve como um suporte ou um impulsionamento para a transformação do personagem na jornada que passa.

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2.2 - A construção da identidade na adolescência

De acordo com a teoria psicossocial de Erikson a tarefa mais importante da adolescência é a construção da identidade (Farias; Silvares; Schoen-Ferreira, 2003, p.107). Essa tarefa tem como objetivo definir quem a pessoa é, quais são seus valores e quais direções ela quer seguir na vida. Kimmel e Weiner (1998) afirmam que, quanto mais desenvolvido o sentimento de identidade, mais o indivíduo valoriza o modo em que é parecido ou diferente dos demais e mais claramente reconhece suas limitações e habilidades. Quanto menos desenvolvida está a identidade, mais o indivíduo necessita o apoio de opiniões externas para avaliar-se e compreende menos as pessoas como distintas (Farias; Silvares; Schoen-Ferreira, 2003, p.107). Para Bosma (2001), identidade é a resultante de um processo que ocorre dentro de um contexto sociocultural. Ela é também a concepção de si mesmo e talvez essa seja a maior questão do ser humano: compreender seu lugar no mundo, seus valores e quem ele é.

Marcia (1966) questionou adolescentes sobre suas escolhas profissionais, religião e política. A partir dos resultados ela propôs quatro estados de identidade: execução, difusão de identidade, moratória e construção de identidade, respectivamente. O estado de execução seria o estado inicial do processo de formação da identidade adulta, partindo dos valores infantis (Stephen, Fraser e Marcia, 1992). Já o estado de difusão de identidade é o estágio inicial no processo de aquisição da identidade, no período da adolescência inicial, ou o fracasso em chegar a um comprometimento depois de um período de exploração (Farias; Silvares; Schoen-Ferreira, 2003, p.108). A crise de identidade é a indefinição das escolhas que caracterizam o estado de moratória. E, por fim, na construção da identidade o indivíduo atravessou essa crise e chegou a sua identidade pessoal.

No coming of age Cinco Graças (Deniz Erguven, 2016) podemos verificar esses quatro estados de identidade retratados pelas cinco irmãs protagonistas do enredo. O filme conta a história de cinco irmãs órfãs que vivem em um vilarejo turco com sua avó. Depois de serem vistas pela vizinhança brincando com uns amigos meninos da escola no caminho para casa, são reprimidas pela avó por acharem que elas teriam perdido a virgindade e ela pede ajuda do filho - o tio das meninas - para corrigi-las. A correção que ele impõe é mantê-las presas em casa até que seus casamentos sejam arranjados e elas não possam ser mais mal faladas pelos vizinhos.

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Lale (Gunes Sensoy) é a irmã mais nova das cinco e é quem narra a história. Ela sofre as limitações da sua liberdade como suas irmãs mas de forma mais prolongada por ser mais jovem e ainda não ter idade para casar, assim representa o estado de execução. Sonay, a mais velha das cinco, tinha um namorado e teve a ''sorte'' de conseguir se casar com ele, dessa maneira ela representa a construção da identidade, por ser a irmã mais madura de todas e a que não se importa tanto com a condição imposta contanto que possa se casar com seu namorado. Selma, a segunda mais velha, é obrigada a se casar no mesmo dia com um rapaz que só conhecia de vista e em seu casamento bebe descontroladamente e se esconde no banheiro para chorar, representando a crise de identidade. Ece e Nur representam a difusão de identidade - depois de serem obrigadas pela avó a se casarem, elas rejeitam completamente a ideia.

A construção da identidade das irmãs e o processo natural de amadurecimento é totalmente corrompido pelos valores da sociedade que estão inseridas. O tio e a avó acreditam que a castidade deve ser mantida a todo custo e anulam toda a existência das meninas como seres humanos que tem seu direito e capacidade de fazer escolhas para apenas cumprir com um achismo dogmático. Elas não têm a oportunidade de construírem sua identidade no processo natural do amadurecer e são precocemente obrigadas a atingir a maturidade de uma mulher adulta para se tornarem esposas de um homem que passará então a ter a posse sobre elas.

[Cinco Graças, 2016] Nesta cena acontece o casamento de Sonay e Selma. As irmãs se abraçam e Lale narra ''Foi a última vez que estivemos todas juntas.''

Para Dayrell (2007) a escola atualmente é um espaço aberto a uma vida não-escolar, passou de um espaço de conhecimento para ser um espaço de interação e de reconhecimento

Referências

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