Parecer n° 1080/2003 Processo n° 2.253823.00.7
Interessado: Sérgio Afonso Manica
Assunto: Exceção à aplicação de lei municipal que dispõe sobre acessibilidade.
Acessibilidade. Exceção à aplicação do artigo 2° da Lei Municipal n° 8317/99. Impossibilidade física e jurídica do objeto. Hipótese que autoriza o órgão competente a excepcionar a regra geral que impõe a eliminação de barreiras arquitetônicas em edificação de uso público.
O processo administrativo em epígrafe veio encaminhado a esta PGM pelo titular da SECON/SMOV, que solicita manifestação quanto ao pedido de isenção de rampa ou equipamento alternativo de acesso a PPD’s, no caso específico, ante a alegação do responsável técnico que quaisquer providências nesse sentido exigiria avanço sobre passeio público e rompimento da viga de fundação que sustenta o prédio.
A documentação inclusa demonstra que existe rampa no local, porém essa não atende a declividade estabelecida na NB 9050.
A Lei n° 8317/99 estabelece no seu artigo 7° que “Em qualquer hipótese deverão ser asseguradas as condições mínimas de acessibilidade, de forma que, diante da impossibilidade de adequação física nos termos do art. 2° desta Lei, deverão ser adotadas soluções de configurações físico-espacial alternativas”.
À primeira vista tal dispositivo leva ao entendimento que não há qualquer exceção à adaptação de prédios existentes, pois diante da impossibilidade física de execução de rampa segundo as normas técnicas, obrigatoriamente deverá ser adotada solução alternativa.
Atualmente o comércio dispõe de diferentes equipamentos eletromecânicos que tem por escopo garantir a acessibilidade de forma autônoma nas edificações.
Entretanto, no caso em voga há alegação do responsável técnico no sentido de que mesmo a adoção de solução de configuração físico-espacial alternativa é impossível, pois requer o rompimento de viga e utilização do passeio público.
Este último argumento esbarra em disposição legal que estabelece a seguinte proibição :embaraçar ou impedir, por qualquer meio, o livre trânsito de pedestres ou veículos nos logradouros públicos (art. 18,IX, da LC n° 12/75).
De outra sorte o rompimento da viga poderia gerar o comprometimento da estrutura do prédio, o que demonstra ser faticamente impossível o cumprimento da norma.
No direito obrigacional o objeto impossível é causa de nulidade da obrigação, como preleciona Carlos Roberto Gonçalves, in Direito das Obrigações (Parte Geral), Ed. Saraiva, p. 5:
“Nula será a obrigação se o objeto for ilícito ou impossível (art. 145, II). A impossibilidade pode ser física ou jurídica. Haverá impossibilidade sempre que a prestação avençada ultrapassar as forças humanas; e jurídica, sempre que a estipulação disser respeito a prestação proibida por lei, como a alienação de herança de pessoa viva ou de bens públicos”.
Tal pressuposto também se aplica ao objeto dos atos administrativos, para os quais a possibilidade física e jurídica é condição de existência, sob pena de estar-se diante de mero fato.
Buscamos o ensinamento de Weida Zancaner, citada por Celso Antônio Bandeira de Mello na obra Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 8ª edição, pp. 222/223:
“Argumenta, procedentemente a autora em questão: “O conteúdo, realmente, tem que se referir a um objeto; todavia, nada obsta, lógica e faticamente, que esse objeto possa inexistir ou ser impossível juridicamente... se no mundo fenomênico o conteúdo sempre irá se referir a um objeto, seja este real ou ideal, existente ou não, nas declarações jurídicas não é qualquer objeto que serve como suporte para a manifestação de um conteúdo. Destarte, a afirmação de que num conteúdo há implicitamente referência a um objeto não pode ser extrapolada para o Direito, pois há objetos que não servem de sustentáculo à emanação de uma declaração jurídica e a análise da existência ou viabilidade jurídica do objeto refere-se ao plano da existência ou perfeição do ato e não, exclusivamente, como pretendem alguns, ao plano de sua validade... Ele é condição de existência do ato, pois sua ausência, ou a existência de um objeto impossível de ser albergado pelo ordenamento jurídico, não torna o ato inválido, mas ao menos no nosso entender, o faz material ou juridicamente impossível, conforme o caso... Portanto, é a conjugação dos elementos do ato – conteúdo e forma -, com seu pressuposto de existência – o objeto -, que nos conduz à idéia de perfeição” (Da Convalidação e da Invalidação do Ato Administrativo, 2ª ed., Malheiros Editores, 1993, pp. 31-33).
A impossibilidade material e jurídica vem caracterizada na documentação juntada aos autos, entretanto a apreciação do alegado não prescinde da formalidade estabelecida no parágrafo único do artigo 7° da Lei n° 8317/99, que assim determina:
“Parágrafo único - Para o cumprimento do que dispõe o “caput” deste artigo, a adequação observará o procedimento de “Avaliação Pós-Ocupação do Ambiente Construído”, conforme determinações metodológicas da literatura científica pertinente, sob a responsabilidade de profissionais legalmente habilitados para tal,
com a apresentação prévia à Secretaria Municipal de Obras e Viação - SMOV, de um plano de realização contendo, no mínimo, os seguintes itens: a) caracterização do conjunto de espaços em questão e suas impossibilidades de adequação às disposições da Norma NBR 9050/94; b) caracterização detalhada e cronograma de execução dos procedimentos de avaliação a serem implementados;
c) Anotação de
Responsabilidade Técnica (ART) e, relativamente aos enfoques e abordagens adotadas, fundamentação teórica e referencial bibliográfico.”
Trata-se de uma exceção à regra geral estabelecida no artigo 2° da Lei 8317/99, que obriga a adaptação dos prédios existentes conforme a NB 9050, e portanto, deverá ser interpretada de forma restrita, desde que preenchidas todas as formalidades determinadas no mesmo diploma legal.
Ao explicar o direito excepcional , assim ensina o mestre Carlos Maximiliano, na obra Hermenêutica e Aplicação do Direito, Ed. Forense, 19ª edição, p.183:
“Em regra, as normas jurídicas aplicam-se aos casos que, embora não designados pela expressão literal do texto, se acham no mesmo virtualmente compreendidos, por se enquadrarem no espírito das disposições: baseia-se neste postulado a exegese extensiva. Quando se dá o contrário, isto é, quando a letra de um artigo de repositório parece adaptar-se a uma hipóteadaptar-se determinada, porém adaptar-se verifica estar esta em desacordo com o espírito do referido preceito legal, não se coadunar com o fim, nem com os motivos do mesmo, presume se tratar-se de um fato da esfera do Direito Excepcional, interpretável de modo estrito.
Estriba-se a regra numa razão geral, a exceção, numa particular; aquela baseia-se mais na justiça, esta, na utilidade social, local, ou particular. As duas proposições devem abranger coisas da mesma natureza; a que mais abraça, há de construir a regra; a outra, a exceção.”
Assim, a excepcionalidade do caso sob exame, cujo objeto é manifestamente impossível, possibilita ao órgão competente dispensar o particular do cumprimento da regra geral, desde que comprovada mediante apresentação de laudo de avaliação pós-ocupação do ambiente construído segundo a literatura científica pertinente1, a impossibilidade física
alegada, bem como a impossibilidade adoção de solução alternativa e/ou de equipamentos eletromecânicos disponíveis no comércio local sem a ocupação do passeio público.
A consideração superior. EAUMA, em 25.07.03.
Candida Silveira Saibert Procuradora –OAB/RS N° 33.734
1 Exemplificativamente cit amos : ROMERO, Marcelo de Andrade e ORNSTEIN, Sheila Walbe. Avaliação Pós ocupacional. Métodos e Técnicas Aplicados à Habitação Social. POA. ANTAC/FINEP/CEF 2003.
HOMOLOGAÇÃO
APROVO o Parecer nº 1080/2003, subscrito pela Procuradora Cândida Silveira Saibert, que afirma a
possibilidade da SMOV flexibilizar a aplicação da regra geral da Lei nº 8.317/99 sobre a acessibilidade nas edificações, quando
verificada a impossibilidade concreta de adoção dos mecanismos convencionais, seja quanto à solução alternativa ou ponderação de requisitos normais, com base em manifestação do órgão técnico.
Registre-se, com cópia da homologação à EAUMA, devolvendo-se o expediente a SMOV.
PGM, 30 de julho de 2003.
ROGERIO FAVRETO