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2009MarciadosSantosCaron parte1

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Academic year: 2021

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(1)Márcia dos Santos Caron. Mapear, demarcar, vender... A ação da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda no Alto Uruguai gaúcho – 1915/1930.. Passo Fundo, fevereiro de 2009..

(2) Márcia dos Santos Caron. Mapear, demarcar, vender... A ação da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda no Alto Uruguai gaúcho – 1915/1930.. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo como requisito parcial e final para obtenção do grau de mestre em História sob a orientação do Prof. Dr. João Carlos Tedesco.. Passo Fundo. 2009.

(3) À Lewis, Raisa e Rômulo... pelo amor incondicional... pela compreensão nas longas horas de ausência e por fazerem parte da minha vida..

(4) 4. AGRADECIMENTOS Apesar de o trabalho de pesquisa ser, normalmente, solitário, devo reconhecer que, para que essa pesquisa fosse concluída com êxito, contei com o auxílio e colaboração de muitas pessoas. Em primeira ordem, agradeço ao Prof. Dr. João Carlos Tedesco, que paciente e criteriosamente orientou esse trabalho, incentivando, instigando e apontando sugestões em relação à pesquisa. À CAPES, pela concessão de bolsa, sem a qual esse trabalho não se concretizaria. Ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo, em especial à coordenação e ao corpo docente pela colaboração na minha construção enquanto pesquisadora. À Jenifer de Brum, secretária do Programa de Pós-Graduação em História pela presença sempre eficiente, compreensiva e alegre. Aos meus colegas da UPF, pela amizade e oportunidade de convivência e aprendizado; em especial à Sonia Monego e ao Mateus Couto. Tenho um especial agradecimento à Paula Zanotelli e Cheila Milczarek: mais que colegas de trabalho são amigas-irmãs, que souberam compreender o mau-humor e a falta de paciência em diversos momentos nesses dois anos de estudo intenso. Ao corpo diretivo da ASSEC Colégio São José – Ir. Cassilda Prigol, Ana Maria Smozinski, Anelise Brod e Mara Terra – minha gratidão por me liberarem, sempre que necessário, para o estudo. Aos funcionários do Arquivo Histórico Municipal Juarez Miguel Illa Font – Luciana Gotinski, Ana Lúcia Tomazelli, Liliane Aderichn e também à Simone Zago – que sempre auxiliaram na busca por documentação e foram ótimas companhias nas manhãs e tardes de pesquisa no Arquivo. Ao professor Ernesto Cassol, pela disponibilização de materiais para pesquisa e pelas sugestões quando da qualificação do trabalho; à Isabel Rosa Gritti, sempre incentivadora desse trabalho. À Helga e Carlos Frederico Fünfgelt, pela cedência da documentação para pesquisa. Ao Roberto Natal Perin, que por conhecer profundamente o interior do Alto Uruguai, prestou-se a auxiliar no recolhimento dos relatos orais. Especial agradecimento aos meus pais – Jandir e Oriete – pela forma como me educaram, fazendo-me acreditar que o conhecimento deve ser incessantemente buscado. Finalmente aos amores da minha vida, que durante esses dois anos souberam compreender minha ausência em muitos momentos e eventos – Lewis, Raisa e Rômulo. Nossas vidas estão, também, entrelaçadas a esse trabalho. A todos, sou profundamente grata!.

(5) 5. Amo a história. Se não a amasse não seria historiador. [...] Amo a história – e é por isso que estou feliz por vos falar, hoje, daquilo que amo. Lucien Febvre.

(6) 6. RESUMO Valendo-se da Lei de Terras de 1850, que passou a tratar a terra como um bem comerciável, surgiram as companhias colonizadoras, empresas que objetivavam obter lucro com a venda das terras que adquiriam. Essas empresas mapeavam, demarcavam e vendiam as terras aos imigrantes vindos da Europa ou então a migrantes que deslocavam-se das “colônias velhas” em busca de novas terras e novas oportunidades de trabalho. Paralelamente à colonização oficial realizada pelo Estado, realizou-se na região do Alto Uruguai gaúcho a colonização promovida pelas companhias colonizadoras particulares. Duas companhias colonizadoras tiveram destacada atuação na região do Alto Uruguai gaúcho: a Jewish Colonization Association, que se propunha a colonizar a Fazenda Quatro Irmãos com judeus vindos da Europa e a Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda, que se propunha a assentar imigrantes alemães e italianos. Esse trabalho procura demonstrar e analisar a ação da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda na região do Alto Uruguai gaúcho entre 1915 e 1930, período no qual a Empresa Colonizadora adquiriu, mapeou, demarcou e vendeu terras na região; seguindo os moldes propostos pelo Estado positivista. Analisa e demonstra a forma como a Empresa Colonizadora organizou uma complexa rede de propaganda e venda de suas terras entre imigrantes italianos e alemães, a fim de promover a separação dessas etnias em áreas pré determinadas pela Empresa Colonizadora.. Palavras-chave: Terra, colonização, imigração, Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda..

(7) 7 ZUSAMMENFASSUNG 1850 gab es eine Landgesetz, das das Land als eine geschäftliche Eigentum behandelte. Durch diesem Landgesetz auftraten die Kolonisierungsbetriebe und ihrer Ziel war mit der Verkauf der erwerbten Ländern Verdienst haben. Die Kolonisierungsbetriebe maßen, abgrentzten und verkauften Länder für die Einwanderer, die aus Europa kamen oder die Umsiedler, die nach neue Ländern und neue Arbeitsplätze suchten. Parallel die ofizielle Kolonisierung des Staates, geschah die private Kolonisierung der Region des Alto Uruguai gaúcho. Zwei waren die Kolonisierungsbetriebe, die im Alto Uruguai gaúcho große Erfolg hatten: die Jewish Colonization Association, die die Fazenda Quatro Irmãos von europäischen Juden kolonisiert wurde und der Kolonisierungsbetrieb Luce, Rosa & Cia Ltda, der die deutsche und die italiene Einwanderer besiedelte. Diese Arbeit zeigte und analisierte die Handlung des Kolonisierugnsbetriebes Luce, Rosa & Cia Ltda, der im Region des Alto Uruguai gaúcho von 1915 bis 1930 war. In diesen Jahren hatte der Kolonisierungsbetrieb nach dem Gesetzt des Positivismus des Staates Länder gekauft, abgegrenzt und wieder verkauft. Diese Arbeit demonstrierte und analisierte die Organisation des Kolonisierungsbetriebes, seine komplizierte Netzwerbung und Verkauf den Ländern für die deutsche und die italiene Einwanderen. Der Ziel des Betriebes war die beide Etnieen durch die Länder trennen.. Schlüsselwörter: Land, Kolonisierung, Einwanderung, Kolonisierungsbetrieb Luce, Rosa & Cia Ltda..

(8) 8. LISTAS DE ILUSTRAÇÕES. Figura 1. Contrato de representação de terras da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda. .............................................................................................102 Figura 2. Contrato para representação e venda de terras da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda. ...........................................................................105 Figura 3. Contrato de prestação de serviço de propagandista das terras da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda. ....................................................111 Figura 4. Contrato de propagandista das terras da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda. ..............................................................................................113 Figura 5. Excerto de um contrato para venda de terras da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda. ...........................................................................115 Figura 6. Comunicação de lotes disponíveis à venda, localização e preço das colônias pertencentes à Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda..........................................................................................................121 Figura 7. Ofício enviado ao sub-intendente de Rio Novo (atual Aratiba) .............123 Figura 8. Fragmento que fala da visita do Barão Lindquist à Colônia Erechim ....130 Figura 9.Folheto de propaganda no qual foi traçado um raio de abrangência que deixa entendido um projeto de ocupação para o Brasil Meridional................................................................................................132 Figura 10. Mapa resumido sobre as colônias da serra do Rio Grande do Sul e Santa Catarina....................................................................................................134 Figura 11. Prospecto institucional da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda que mostra as estradas abertas pela Empresa na região por ela colonizada. Década de 1920 .......................................................................................142 Figura 12. Propaganda institucional da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda. Década de 1920 ............................................................................. 147.

(9) 9. LISTA DE FOTOGRAFIAS Foto 1: Índios (bugres) na Barra da Paloma, Rio Novo (atual Aratiba); 1926........68 Foto 2: Chegada de imigrantes na Colônia Erechim em 1919.................................71 Foto 3: Adolpho Guilherme Luce e Carlos Guilherme Luce, sócios proprietários da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda.........................................89 Foto 4: Indicador de terras efetuando assentamento de colonos italianos interessados em comprar novas terras. Cerca de 1920. ..................................................119 Foto 5: Acampamento da equipe de medição de terras da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda. Década de 1920 ............................................... 150. `.

(10) 10. LISTA DE MAPAS Mapa 1: Mapa da Colônia Erechim em 1913 .........................................................18 Mapa 2: Mapa do povoamento do RS em cerca de 1890......................................... 49 Mapa 3: Planta da área denominada Barra Grande, em Santa Catarina................... 93 Mapa 4: Mapa demonstrativo da área de SC contestada pelo Paraná ..................... 94 Mapa 5: Planta do conjunto de imóveis entre o Rio do Peixe e o Rio Uruguai em 1893........................................................................................................... 96 Mapa 6: Mapa Fazenda Barra Grande, estado de Santa Catarina ............................97 Mapa 7: Mapa ferroviário do Rio Grande do Sul ...................................................112 Mapa 8: Mapa das colônias da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda com o plano de viação para ligação entre as colônias ........................................135 Mapa 9: Planta das estradas de rodagem nas terras da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda.......................................................................................136 Mapa 10: Mapa político do Rio Grande do Sul em 2008 .......................................149.

(11) 11. LISTAS DE TABELAS Tabela 1. Legitimação de terras no RS em m²..........................................................51 Tabela 2. Colônias organizadas no Rio Grande do Sul (1824-1920)........................81 Tabela 3. Demonstrativo das terras da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia. Ltda. em Santa Catarina.............................................................................98 Tabela 4. Inventário da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia. Ltda. em 30/06/1930................................................................................................125.

(12) 12. LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS. AHMJMIF – Arquivo Histórico Municipal Juarez Miguel Illa Font DTC – Diretoria de Terras e Colonização PPGH – Programa de Pós-Graduação em História PRR – Partido Republicano Riograndense UPF – Universidade de Passo Fundo.

(13) 13. SUMÁRIO. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................15 1 A CONSTRUÇAO DA LEI DE TERRAS DE 1850....................................................... 25 1.1 Sesmarias e posse livre............................................................................................. 25 1.2 A pressão inglesa e a Lei de Terras de 1850 ........................................................... 31 1.3 A Lei de Terras de 1850 e sua aplicação no Rio Grande do Sul ............................. 39 2. PROPOSTA ESTATAL PARA A OCUPAÇÃO DO ALTO URUGUAI (1890-1910) ........................................................................................................................................ 48 2.1 Política agrária no Rio Grande republicano............................................................. 48 2.2 Colonização oficial: ordem para o progresso! ........................................................ 53 2.3 A fundação da Colônia Erechim ..............................................................................59 2.4 O elemento nacional e o imigrante na proposta de colonização oficial .................. 63 2.5 Frente de expansão e frente pioneira na ocupação do Alto Uruguai ....................... 66 2.6 Diferenciações entre o espaço do caboclo e o espaço do imigrante ........................ 70. 3. A EMPRESA COLONIZADORA LUCE, ROSA & CIA LTDA. ............................... 76 3.1 Estado positivista e colonização particular...............................................................77 3.2 As companhias de colonização particulares ............................................................ 80 3.3 A Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda .................................................. 85 3.3.1 A consolidação e a expansão da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda................................................................................................................. 99 3.3.2 Contratar para expandir................................................................................. 101 3.3.3 Propagandear: forma de atrair compradores .................................................109 3.3.4 Os caminhos da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda: geopolítica e imigração .......................................................................................................128.

(14) 14 4. ESPALHANDO CIVILIZAÇÃO: A ESTRADA, O POVOADO, A ESCOLA E A IGREJA ........................................................................................................................138 4.1 A chegada nas colônias...........................................................................................139 4.2 “Linha”: extensão de sociabilidade e relacionamento ........................................... 147 4.3 Um cenário multiétnico com profundas diferenciações e conflitos ...................... 154. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................. 160 REFERÊNCIAS................................................................................................................. 164.

(15) 15 INTRODUÇÃO. A chegada do colonizador português representa o início de seguidos desdobramentos em torno da questão agrária brasileira que se arrastam até os dias atuais. Em todo o Brasil aconteceram embates, combates e disputas pela posse da terra. O entendimento dessa imbricada questão agrária é pré-requisito para o entendimento da sociedade na qual vivemos hoje. A adoção do sistema de capitanias hereditárias e, posteriormente da divisão da terra em sesmarias para distribuição gratuita do solo brasileiro, foi a saída encontrada pelo governo português para ocupar o território, cuja extensão era imprecisa. Esse sistema perdurou até meados do século XVIII, época em que se disseminou a prática da apropriação da terra pela posse. Em 1822, uma resolução assinada pelo príncipe regente D. Pedro suspendeu a concessão de sesmarias. A partir de então, o posseiro passou a ter certa importância social, visto que a resolução o reconhecia como parte integrante no desenvolvimento da agricultura. Concomitantemente, muitos viam o sistema sesmarial como responsável pela miséria e pelo atraso da agricultura do país. Não se permitiam novas concessões de sesmaria, nem se admitiam novas posses, porém reconheciam aquelas ocorridas antes da resolução, através de leis complementares. O período que abrange os anos de 1822 a 1850, também chamada “fase áurea do posseiro” foi caracterizado pela predominância, em um primeiro momento, do posseiro, na figura do pequeno lavrador. Esse posseiro surgia como uma grande ameaça ao regime de sesmaria. Ao longo dos anos, o posseiro passou a ser representado pelo grande fazendeiro. Em decorrência disso, muitos sesmeiros assumiram também o papel de posseiros. Os problemas relacionados ao controle da aquisição de terras não foram resolvidos, pois novas concessões continuavam sendo efetuadas e o número de posseiros crescia sem controle algum. No período imperial, não houve legislação que tratasse,.

(16) 16 especificamente, das chamadas “terras imperiais”, ou seja, das terras devolutas.1 O período que se seguiu à suspensão da concessão de sesmarias e a promulgação da Lei de Terras criou um hiato jurídico que possibilitou o apossamento de grandes áreas de terras em todo o Brasil. Paralelamente a esse contexto brasileiro, uma série de transformações passaram a acontecer no cenário mundial, em meados do século XIX. Conduzida pelo comércio, a economia mundial cedeu espaço ao capitalismo industrial. A Inglaterra, grande potência econômica da época, buscava atingir seus interesses econômicos pressionando as demais nações para que se adequassem aos novos contornos tomados pela economia mundial. Assim, é importante compreender o fim do sistema sesmarial também como uma forma de inserção da colônia em uma nova dinâmica de mercado e de relações sociais, pré-requisitos para a implantação do sistema capitalista, que no continente europeu já se impunha. Com relação ao uso da terra, essas transformações incidiram diretamente nas tradições que antes vinculavam a posse de terras enquanto símbolo de distinção social. O avanço da economia capitalista assumia um caráter cada vez mais mercantil: a terra deveria ter um uso integrado à economia e seu potencial produtivo explorado ao máximo. Em conseqüência dessa nova prática econômica, havia necessidade de adequar o Brasil a esse cenário internacional. A Lei 601 – também conhecida como Lei de Terras – promulgada em 1850, estabeleceu critérios em relação aos direitos e deveres dos antigos e novos proprietários de terras. O principal, em relação às terras devolutas, é que as mesmas só poderiam ser adquiridas através da compra. Dessa maneira, a Lei de Terras transformou a terra em mercadoria, ao mesmo tempo em que dificultava a possibilidade de acesso à propriedade aos ex-escravos e também aos camponeses, imigrantes europeus que substituiriam a mão de obra escrava nas lavouras de café no sudeste brasileiro. Por isso, a Lei de Terras deve ser vista inserida num cenário maior, como parte de um conjunto de leis que visavam a extinção do trabalho escravo e o incentivo à 1. Importante salientar que o conceito de “terras devolutas” utilizado nessa pesquisa é aquele que considera as terras que pertenciam ao Estado brasileiro, sem nenhum tipo de utilização pública específica e que não estavam integradas como propriedade privada por qualquer título..

(17) 17 imigração européia; tornava-se premente a regulamentação do acesso à propriedade, uma vez que a economia baseada no escravismo estava em colapso, passando a depender da mão-de-obra dos imigrantes. Sob esse aspecto, a Lei de Terras foi essencial para abastecer os cofres públicos com o pagamento das intermediações financeiras; excluir empobrecidos no campo e marginalizar grandes contingentes de posseiros que não conheciam a lei; não tinham recursos e nem poder para legitimar posses. Desenvolveu, em terras brasileiras, o espírito nascente na Europa liberal do individualismo possessivo (para os que tinham recursos financeiros e culturais em adequação) ao mesmo tempo em que retirou do Estado o controle sobre um grande bem (natureza/terra). No Rio Grande do Sul, deram-se outros encaminhamentos à questão das terras. O incentivo à formação da pequena propriedade familiar buscava a inserção do estado nos moldes capitalistas, bem como povoar e modernizar o estado. Nessa tarefa, consideram-se essenciais a condução política do PRR2 aliado à doutrina positivista, os quais teceram uma complexa rede de normatização e controle das terras devolutas do estado, a partir do advento da República. Necessário ressaltar que apenas no ano de 1891 a União delegou aos estados a tarefa de legislar e administrar as terras devolutas. No Rio Grande do Sul, a grande maioria das terras devolutas encontrava-se na região do Planalto, ao norte do estado; área de densa mata nativa e reduto das populações nativas que iam se embrenhando pelas matas, conforme avançava o processo de colonização do estado. Comprovadamente, para que a proposta positivista obtivesse sucesso, necessário fazia-se que toda uma estrutura de controle e regulamentação da terra fosse posta em prática, assim como também em relação à imigração. Ao voltar-se à região norte do Rio Grande do Sul – em especial ao Alto Uruguai – o governo objetivava “civilizar” a região, bem como inseri-la no contexto capitalista de produção. A fundação da Colônia Erechim em 1908 é demonstrativo dessa preocupação do governo gaúcho.. 2 A sigla PRR representa Partido Republicano Riograndense, que a partir de 1895 conduziu politicamente o Rio Grande do Sul, implantando a doutrina positivista como norteador do processo de administração do Estado..

(18) 18 Mapa 1: Planta da Colônia Erechim em 1913.. Fonte: AHMJMIF, Erechim/RS. Caixa 82H.. É nesse contexto de apropriação e exploração da terra como mercadoria que se desenvolveu essa pesquisa. Tratar a terra como bem comerciável, passível de compra, venda e obtenção de lucro foi o objetivo principal das companhias colonizadoras que atuaram no Rio Grande do Sul e também em outros estados..

(19) 19 Radin caracteriza as companhias colonizadoras como sendo [...] empresas formadas por um grupo de sócios, com diferentes participações de capital e, na maioria das vezes, apenas um deles atuava na região com as atividades relacionadas à venda das terras e, outro ou outros operava no escritório, nas cidades sede das empresas. Com isso, os sócios não se envolviam muito nas atividades diretas de venda e colocação dos colonos nas terras.3. Essas companhias particulares de colonização adquiriam terras com o objetivo de dividi-las em lotes e vendê-las. Os potenciais compradores eram tanto imigrantes vindos do continente europeu em busca de melhores oportunidades e condições de vida quanto colonos vindos das “terras velhas”, que migravam à procura de mais terra. A presença de companhias colonizadoras particulares se fez forte e atuante no Rio Grande do Sul. No decorrer da pesquisa, constatou-se que a maioria das companhias colonizadoras que atuaram nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, originaram-se no Rio Grande do Sul. No Alto Uruguai, zona de colonização oficial, duas companhias colonizadoras tiveram profícua atuação: a Jewish Colonization Association e a Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda. Sobre a primeira, existe o trabalho de Gritti4, que colaborou para o entendimento da ação da colonizadora na região. No entanto, em relação à Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda permanecia um hiato historiográfico, visto se tratar de uma empresa particular e de o acesso ao acervo ser restrito. Por se tratar de uma empresa particular, a documentação da Empresa Colonizadora está sob a guarda de Carlos Frederico Fünfgelt, filho de Carlos Guilherme Fünfgelt, que foi representante – e mais tarde gerente – da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda na região do Alto Uruguai e de Santa Catarina de 1923 a 1968. Com o falecimento de Carlos Guilherme, passou a gerenciar a Empresa Colonizadora a viúva Johana Maria Fünfgelt, auxiliada pelo filho Carlos Frederico e pela nora Helga. A cedência da documentação da Empresa Colonizadora para pesquisa foi essencial para a construção deste trabalho. Sem o subsídio das fontes disponibilizadas não seria possível desenvolver a reconstrução e a análise das ações da Empresa Colonizadora 3. RADIN, José Carlos. Companhias colonizadoras em Cruzeiro: representações sobre a civilização do sertão. Florianópolis: UFSC, 2006. (Tese de Doutorado em História) 4 GRITTI, Isabel Rosa. Imigração Judaica no Rio Grande do Sul: a Jewish Colonization Association e a Colonização de Quatro Irmãos. Porto Alegre: Martins Livreiro Editor, 1997..

(20) 20 Luce, Rosa & Cia Ltda no empreendimento colonizatório do Alto Uruguai gaúcho. O arquivo da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda configura-se em um valioso material de pesquisa. Nele, foram encontrados mapas, contratos, cartas e panfletos, o que possibilitou uma reconstrução das estratégias e ações da companhia colonizadora. Houve, no entanto, dificuldades em relação à tradução das fontes, que em sua maioria estão escritas em alemão. De acordo com os responsáveis – Carlos Frederico e Helga Fünfgelt – grande parte do acervo se perdeu devido a um incêndio, que queimou as correspondências da Empresa Colonizadora posteriores a 1929. Isso porém não afetou a pesquisa, uma vez que o recorte espaço temporal abrange o período de 1889 a 1930. Optou-se por esse recorte uma vez que o ano de 1889 marca o fim do período imperial e o início do período republicano, quando uma série de ações coordenadas acabaram por delegar às províncias a administração e tutela sob as terras devolutas; já o ano de 1930 é marco que finda a chamada “República Velha”. Em 1930 a colonização da região do Alto Uruguai é considerada consumada. Destarte, a pesquisa buscou identificar, através da análise dos dados do acervo da Empresa Colonizadora, a forma como a mesma se organizou para atrair e vender as terras que havia adquirido no Alto Uruguai gaúcho. Por ter atuado, no Rio Grande do Sul, em uma zona de colonização oficial, ao longo do tempo a Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda passou a incorporar o ideário de “colonização filantrópica”, de forma a construir a idéia de que a Empresa Colonizadora não visava lucro com a venda das terras. Configura-se, então, outro objetivo da pesquisa, que é o de desvendar se as ações da Empresa Colonizadora visavam lucro ou apenas o bem estar dos imigrantes que aos quais vendiam as terras. Outro aspecto que permanecia obscuro era o surgimento da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda, assim como a localização das terras por ela colonizadas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Partiu-se da hipótese de que a Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda devia contar com alguma influência nas esferas políticas do PRR, partido que então administrava o Rio Grande do Sul, para obter autorização de comercializar terras em uma região na qual o governo positivista implementava de forma efetiva a colonização oficial, parte de um plano de modernização e civilização da região do Alto Uruguai..

(21) 21 A partir dessa hipótese, a pesquisa girou em torno das seguintes questões: Qual a origem da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda? De que forma a companhia iniciou a comercialização de terras em uma área de colonização oficial – a planejada Colônia Erechim – símbolo da ordenação positivista? E as populações nativas, como foram vistas/tratadas pela companhia colonizadora? Como a Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda atuou na região do Alto Uruguai? Qual foi sua relação com o estado? Afinal, ocupar espaços, colonizar/modernizar era uma das atribuições do estado. A fim de responder esses questionamentos, construiu-se um trabalho baseado na pesquisa bibliográfica, complementado pela análise de documentos do arquivo da Empresa Colonizadora. Outra fonte documental importante foram os cartórios de registro, principalmente os de Concórdia e de Curitiba. Nos cartórios de registro, em Concórdia e Curitiba, foi possível buscar documentos que mostram o modo como a companhia colonizadora iniciou suas atividades. As certidões de propriedade (Curitiba) e dos memoriais (Concórdia) registrados nos cartórios foram imprescindíveis para a construção da pesquisa. Dessa forma, de posse da documentação e bibliografia existentes sobre o tema, conseguiu-se delinear a origem e a forma como a Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda encetou seus primeiros passos na região, bem como de que modo ela se expandiu e se consolidou no Alto Uruguai gaúcho e catarinense. Os depoimentos de imigrantes que fazem parte do Arquivo Histórico Municipal Juarez Miguel Illa Font, de Erechim, constituíram-se em importante fonte histórica, e contribuição fundamental para o entendimento das relações entre as diversas etnias que realizaram a colonização do Alto Uruguai. Através dos depoimentos foi possível delinear a forma como se estabeleceram as relações entre os imigrantes de diferentes etnias e também entre os imigrantes e os moradores nativos da região – índios e caboclos. Entende-se por “caboclo” o lavrador nacional pobre; observando-se para essa designação principalmente os aspectos étnicos, socioeconômicos e culturais.5. 5. ZARTH, Paulo A. História Agrária do Planalto gaúcho 1850-1920. Ijuí: Unijuí, 1997..

(22) 22 Essa denominação caracterizava um modo de vida diferenciado do modo de vida do colono europeu, colocando o “caboclo” como mais próximo ao nível de vida indígena.6 A figura do caboclo aparece quase sempre vinculada ao extrativismo de ervamate, bem como às roças de sobrevivência. Sendo assim, não se enquadrava na proposta de modernização da região do Alto Uruguai; esse papel estava reservado ao imigrante europeu, o pioneiro. Martins trabalhou com os conceitos de frente de expansão e frente pioneira para compreender as relações entre índios e “brancos” na região amazônica. Com o devido rigor, esses conceitos podem ser aplicados também na compreensão da colonização da região do Alto Uruguai. Como frente de expansão Martins caracteriza o deslocamento das populações civilizadas sobre espaços ocupados por populações nativas, caracterizando-a como a frente da população não incluída na fronteira econômica.7 Já frente pioneira traz consigo a ideia do novo, de uma nova sociabilidade fundada no mercado e na contratualidade das relações sociais.8 Gregory afirma que “[...] Pioneiro é aquele que desloca a fronteira sertão adentro. Fronteira significa o limite da zona povoada. É uma zona mais ou menos larga que se intercala entre a mata virgem e a região civilizada”.9 Nesse contexto esperava-se que a vinda dos colonos pioneiros transformasse o mato fechado em uma zona produtora de alimentos, expandisse o povoamento, intensificasse e criasse novos padrões de vida. Observado sob esse prisma, o processo oficial de ocupação da região proposto pelo estado positivista pretendia a construção de uma nova territorialidade: a do pequeno proprietário e agricultor familiar. Esse incentivo à imigração estrangeira como forma de povoar o planalto do Rio Grande do Sul, fez destacar a figura do intruso. A palavra intruso já traz em si sua definição: significa que se introduz sem direito; usurpador; intrometido. Intrusos eram os agricultores pobres, posseiros, também chamados de “nacionais” que foram excluídos do 6 MARCON, Telmo. Memória e cultura: modos de vida dos caboclos do Goio-em (SC). 1998. Tese (Doutorado em História) PUC/SP, São Paulo. 7 MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: HUCITEC, 1997, p. 158. 8 Idem, p. 153. 9 GREGORY, Valdir. Capitalismo, latifúndio, migrações: a colonização do período republicano no Rio Grande do Sul – Zona Norte e região do grande Santa Rosa. Porto Alegre: PUCRS. Dissertação de Mestrado, 1988, p. 44..

(23) 23 processo de apropriação da terra através da aplicação da Lei de Terras de 1850, que previa a posse da terra apenas pela compra. O intruso era aquele que explorava a terra sem ter direito legal. Giaretta estima em cinqüenta mil o número de intrusos nas florestas do Rio Grande do Sul em 1914, o que demonstra ter sido a intrusão um grande problema que demandava soluções imediatas por parte do governo.10 Na tentativa de solucionar a questão da intrusão foi fundada em 1915 pelo governo do estado a Colônia Santa Rosa, que se destinava ao assentamento dos intrusos que povoavam áreas de colonização particular e oficial. Como se depreende, esse é um intenso e imbricado cenário, que propicia uma enorme gama de análises e abordagens. A fim de apresentar os resultados analisados, estruturou-se a pesquisa em quatro capítulos. O primeiro capítulo “A construção da Lei de Terras” apresenta um panorama da questão da posse da terra no Brasil, desde a instituição do sistema sesmarial até a promulgação da Lei de Terras, em 1850; bem como a aplicação da Lei de Terras no estado do Rio Grande do Sul e seus desdobramentos. No segundo capítulo, intitulado “A proposta estatal para a ocupação do Alto Uruguai (1890-1910)”, buscou-se esclarecer as propostas do Estado positivista para a ocupação da região do Alto Uruguai, bem como o planejamento de inserção da região nos moldes de produção capitalista. A fundação da Colônia Erechim, em 1908, é um dos marcos principais para a efetivação desse corolário de proposições positivistas que propunham a “ordem para o progresso”. O terceiro capítulo, “A Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda” objetivou dissecar as atividades da Empresa Colonizadora no Alto Uruguai. Demonstra que a preocupação da Empresa Colonizadora focava-se na publicidade, a fim de atingir compradores potenciais tanto das “colônias velhas” quanto dos que emigravam da Europa. Mostra também a construção de uma significativa teia de relações entre representantes das companhias colonizadoras com segmentos sociais diversos, com um único objetivo: a venda da terra e o lucro que poderia ser obtido através dessa atividade.. 10. GIARETTA, Jane Gorete Seminotti. O grande e velho Erechim: ocupação e colonização do povoado Formigas (1908-1960). Passo Fundo: UPF. Dissertação de Mestrado, 2008, p. 41..

(24) 24 A pesquisa demonstrou que, muitas vezes, as companhias colonizadoras propagandeavam a venda de terras férteis e despovoadas; como se a região fosse o jardim do éden, aguardando moradores. Essa, no entanto, não era a realidade. Por isso, no quarto capítulo enfoca-se a forma como a Empresa Colonizadora relacionava-se com o imigrante e com o “nacional”. Nesse capítulo trabalhou-se a construção das relações entre imigrantes de diversas etnias entre si e também com o morador nativo das terras, num rico panorama multiétnico. Reconhecendo o conhecimento histórico como um processo dinâmico, salienta-se novamente que essa pesquisa buscou suprir algumas lacunas historiográficas em relação à atuação da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda. A leitura e a análise das fontes da Empresa Colonizadora propicia uma gama de possibilidades de pesquisa, não sendo objetivo desse trabalho esgotar as possibilidades de compreensão sobre a ação da Empresa Colonizadora Luce, Rosa & Cia Ltda, já que não tem a pretensão de ser exaustivo..

(25) 25 1 A CONSTRUÇÃO DA LEI DE TERRAS DE 1850 Em todo estudo que pretende tratar da questão da ocupação do espaço no Brasil – e em especial no Rio Grande do Sul – no final do século XIX e início do século XX, torna-se imprescindível tecer algumas considerações sobre a Lei de Terras de 1850. A historiografia referente à Lei de Terras é ampla e profícua11. Este primeiro capítulo destina-se, então, a traçar um cenário de como se deu a apropriação do solo no Brasil. Serão feitas breves considerações sobre o instituto das sesmarias, passando a seguir pela chamada época da posse livre para chegar, então, à abordagem de como se deu a implantação e a implementação da Lei de Terras de 1850 no Brasil Imperial – sob forte influência das idéias do inglês Wakefield. Em seguida, é apresentada a postura adotada pelo governo no Brasil Republicano, que delegou aos estados poderes para que, a partir de 1891, esses fossem responsáveis pela administração das terras devolutas e, conseqüentemente, cuidassem da imigração. Foi a partir da Lei de Terras de 1850 que a terra passou a ser tida como mercadoria de compra e venda passível de comercialização em hasta pública. Esse é, portanto, o marco do início da atividade das companhias colonizadoras particulares no Brasil. Sendo este um trabalho que aborda a questão da apropriação privada e legalização da terra, a discussão em torno da questão agrária é imprescindível para que se trace o panorama no qual se desenrolaram as ações que culminaram com a promulgação da Lei de Terras e seus conseqüentes desdobramentos. 1.1 Sesmarias e posse livre O Brasil, país de proporções continentais e com muitas terras disponíveis ao capital, necessitava, no início do século XIX, de um projeto que promovesse a regulamentação do acesso à terra. No entanto, para compreender esse processo e analisar as discussões que envolveram a legislação agrária implantada a partir do século XIX – a conhecida Lei de Terras de 1850 – é necessário retroceder ao tempo do Brasil colônia, a 11. Ver obras na bibliografia..

(26) 26 fim de conhecer como se deu, a partir do descobrimento, a distribuição das terras brasileiras. De 1532 até 1822, vigorou no Brasil o regime de concessão de sesmarias12. Motta ressalta que, na América, a aplicação da Lei de Sesmarias portuguesas deveria principalmente ser capaz de garantir e normatizar a colonização. Assim, a concessão de sesmarias com extensões, em geral, de treze mil hectares, mostrava claramente o desejo de promover uma colonização dominada por grandes proprietários de terra, tendo sob suas ordens inúmeros trabalhadores, responsáveis por produzir diretamente, promovendo assim o sustento e, ao mesmo tempo, a geração de renda aos detentores das sesmarias. Para Ortiz, A Lei de Sesmarias caracterizou-se como regra econômica e social, objetivando reforçar o padrão de propriedade e de exploração feudal da agricultura e da nação portuguesa da época. Foi um instrumento jurídico que visou a ocupação produtiva das terras ociosas, ao mesmo tempo em que coagiu a reprodução das relações feudais de produção.13. Sistema de distribuição de terras transladado de Portugal para o Brasil, o instituto das sesmarias não levava em consideração uma especificidade da colônia muito importante: a extensão do território. Além disso, na época, a metrópole não levou em conta que as terras da colônia não tinham proprietários – eram habitadas por índios que desconheciam o sentido de propriedade. Silva situa essa característica das novas terras como a responsável pela distorção de um termo que, no século XIX , no período da implementação da Lei de Terras, adquiriu grande importância: o de terras devolutas.. O sentido original do termo devoluto era “devolvido do senhor original”. Terra doada ou apropriada, não sendo aproveitada, retornava ao senhor de origem, isto é, à Coroa Portuguesa. [...] Com o passar do tempo, as cartas de doação passaram a 12. Definidas nas Ordenações portuguesas, sesmarias eram, originalmente, “propriamente as dadas de terras, casais ou pardieiros que foram ou são de alguns senhorios, e que já em outro tempo foram lavradas e aproveitadas e agora não o são”. Ordenações Manuelinas. Livro IV. Título 67. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, [s.d.], p. 164; Ordenações Filipinas. Livros IV e V. Título 43. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, [s.d.], p. 822. In: ORTIZ, Helen S. O banquete dos ausentes: A Lei de Terras e a formação do latifúndio no norte do Rio Grande do Sul (Soledade – 1850-1889). Dissertação de Mestrado. UPF, 2006. 13 ORTIZ, Helen S. O banquete dos ausentes: A Lei de Terras e a formação do latifúndio no norte do Rio Grande do Sul (Soledade – 1850-1889). Dissertação de Mestrado. UPF, 2006..

(27) 27 chamar toda e qualquer terra desocupada, não aproveitada, vaga, de devoluta; assim consagrou-se no linguajar oficial e extra-oficial, devoluto como sinônimo de vago. Assim [...] a utilização do termo devoluto levou a grandes discussões, mesmo depois que a lei de 1850 redefiniu o significado do termo para poder aplicá-lo ao caso brasileiro.14. Depois de vigorar durante quase três séculos, o instituto das sesmarias entrou em uma crise que levaria esse sistema de ocupação de terras à extinção, a partir do século XVIII. Segundo Silva, o crescimento populacional, territorial e econômico – atribuído às atividades mineradoras – propiciou o desenvolvimento, no sudeste brasileiro, de outras atividades econômicas, principalmente em relação à produção de alimentos e de animais de carga. Para ela, um dos aspectos mais importantes da economia mineira foi o de “constituir um sistema integrado com os setores produtores de alimentos com o setor de criação de animais de transporte.”15 Em se tratando da apropriação da terra – pano de fundo para o desenvolvimento deste trabalho – o efeito de maior impacto nas transformações que ocorreram na colônia no século XVIII foi a disseminação de uma forma de apropriação que já existia desde os primeiros tempos da colonização: a posse pura e simples.16 Com o objetivo de regrar esse processo de apossamento, a metrópole, durante o século XVIII, fez inúmeras tentativas de retomar o controle sobre o processo de apropriação do território, com a edição de diversos decretos que buscavam acompanhar mais de perto a execução das exigências legais para a apropriação do solo. Importa, nesse caso, ressaltar a existência de uma burocracia dispendiosa e complicada, para que o interessado viesse a ser contemplado com a concessão de uma sesmaria. Em face disso, eram freqüentes os atos de apossamento puro e simples de glebas. Devido a todo esse impedimento burocrático, “desde fins do século XVIII e início do século XIX, a ocupação pela posse generalizou-se de tal forma que tornou insustentável a manutenção do instituto sesmarial no Brasil”.17 Ainda a esse respeito, Motta afirma que o processo de apossamento 14. SILVA, Ligia Osório. Terras Devolutas e Latifúndio – Efeitos da Lei de 1850. Campinas: Editora da UNICAMP, 1996, p. 39. 15 Idem, p. 58. 16 Idem, p. 59. 17 Id., ib. p. 37..

(28) 28 [...] corroía o que restava do sistema de sesmarias, tornando-se uma prática recorrente nos diversos processos de interiorização do território. Mesmo à revelia da lei, a realidade da posse transformava-se num costume, compartilhado por todos aqueles que ansiavam pelo acesso a uma parcela de terra ou que desejavam expandir a extensão de suas sesmarias, para além dos limites originais.18. A falta de controle sobre a demarcação das sesmarias bem como as poucas informações sobre as terras apropriadas desencadeou o fato de que, cada vez mais fosse reconhecida a presença de moradores e posseiros nas terras. As autoridades adotaram, então, uma prática que visava estimular a legalização da posse, ao invés de expulsar esses posseiros. “A posse com cultura efetiva, como modo de aquisição de domínio estabeleceuse aos poucos como costume, para afirmar-se mais tarde como direito consuetudinário.”19 Infere-se, a partir desses aspectos já abordados sobre a questão da ocupação fundiária no Brasil colônia e o instituto das sesmarias, que, ao chegar no século XIX, não havia um ordenamento jurídico que definisse quem era ou não proprietário de terras no país.20 Pode-se também deduzir que as sesmarias serviram como um instrumento – talvez o principal – para a formação de uma estrutura agrária marcada pelo signo da grande propriedade. Um sistema no qual só os mais ricos tinham acesso às terras concedidas. De acordo com Tedesco, citado por Taglietti, O século XIX se caracterizou pela expansão dos mercados (via colônias, anexação e intercâmbios laterais, independências, etc.), crescimento intenso da população e sua conseqüente onda migratória em busca de espaços internos e externos, centros urbanos em expansão via dinâmica da revolução industrial sob a hegemonia inglesa, acumulação de capital nos ramos comercial e industrial, tudo isso em consonância com o desenvolvimento do capitalismo.21. A partir disso, é importante compreender o fim do sistema sesmarial também como uma forma de inserção da colônia em uma nova dinâmica de mercado e de. 18. MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteias do poder: conflito de terra e direito à terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Vício de Leitura: Arquivo Público do estado do Rio de Janeiro, 1998, p. 122. 19 SILVA, Ligia Osório. Terras devolutas [...] Op. cit. p. 66. 20 TAGLIETTI, Dáblio Batista. Leis de terras e a colonização do médio Alto Uruguai – RS – 1917-1960. Frederico Westphalen: Ed. URI, 2006, p. 23. 21 TEDESCO, João Carlos. A teoria da colonização sistemática e a lei de terras: tópicos para auxiliar na compreensão da questão agrária nacional. Passo Fundo: UPF, 2002, p. 1. In: TAGLIETTI, Dáblio Batista. Leis de terras e a colonização do médio Alto Uruguai – RS – 1917-1960. Frederico Westphalen: Ed. URI, 2006, p. 23..

(29) 29 relações sociais, pré-requisitos para a implantação do sistema capitalista, que no continente europeu já se referendava. Inserido nesse contexto, em 17 de julho de 1822, através da Resolução n° 76, o Príncipe Regente D. Pedro, veio a extinguir o sistema de sesmarias. A extinção do sistema sesmarial acabou por beneficiar posseiros que cultivavam a terra: era o reconhecimento de uma legitimidade entre a exploração efetiva da terra e o direito sobre ela.22. Importante salientar que essa distinção entre cultivo e ocupação da terra seria. mantida para as legitimações feitas posteriormente com base na Lei de Terras de 1850. Extinguiu-se definitivamente o regime sesmarial em 22 de outubro de 1823, através de uma Provisão Imperial, decretada então pelo recém imperador D. Pedro I. O Brasil já era uma nação independente. Desse modo, o fim das sesmarias e a não substituição imediata do sistema por uma nova regulamentação, deixou o território brasileiro, por muitos anos, à mercê de um regime determinado pela posse efetiva da terra, conhecido como de posses livres: na ausência de um poder concedente de terras, eram estas apropriadas, através de ocupação real e direta, por quem por elas se interessasse. Silva ressalta que [...] a suspensão do regime de concessão de sesmarias quase que simultaneamente à declaração da independência, não pode ser vista como uma coincidência. As contradições entre o senhoriato rural da colônia e a metrópole em torno da questão da apropriação territorial contribuíram significativamente, também, para a ruptura definitiva dos vínculos coloniais.23. Deve-se considerar, então, que o ano de 1822 marca o início de um Brasil independente, controlado pelos grandes escravistas. No que tange à apropriação territorial, passa a vigorar um regime de apossamento de terras caracterizado pela posse livre, ou seja, a apropriação, pelos latifundiários, das terras devolutas que pudessem explorar. Para Tedesco Entre o fim das concessões sesmeiras (1822) até a aprovação da Lei de Terras (1850) e suas regulamentações (1854), há um interregno, uma vacância de lei muito 22 23. ORTIZ, Helen S. O banquete dos ausentes [...]. Op. cit. p. 37. SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e [...]. Op. cit. p. 75..

(30) 30 significativa no processo de ocupação que daria futura legitimação da posse/propriedade da terra, a qual coincide, em lei, com o fim do tráfico de escravos, com formas variadas de trabalho livre e continuadas relações de trabalho cativo.24. É de se notar que a ausência de regulamentação neste período também não veio – nem assim – a servir para que as camadas menos favorecidas – caboclos e nacionais – pudessem ter acesso à terra. Os antigos sesmeiros, já estabelecidos e dotados de maior capacidade para abrir novos espaços, foram os que puderam, com mais presteza e efetividade, ampliar ainda mais suas possessões. Com efeito, na sistemática até então vigente, não havia uma distinção clara entre posse e propriedade: a posse da terra, concedida pelo colonizador, visava tão somente o povoamento e o processo produtivo; não havia a idéia de domínio, nem reclamos de legitimação, até porque, em eventuais disputas territoriais, recorria-se ao velho princípio do uti possidetis. De tal modo, a fisionomia senhorial da estrutura agrária brasileira recebeu, por este tempo – até o ano de 1850 – um novo reforço. Foi quando, impulsionado pela crescente condenação internacional ao tráfico negreiro, principalmente por parte da Inglaterra, o país viu-se em face da necessidade de modernizar-se. Isso significou, do ponto de vista das terras, a efetiva afirmação de um sistema de atribuição e controle da propriedade agrária. Nesse sentido, Taglietti afirma que [...] é importante ressaltar que as noções de “modernização” passavam a ocupar espaço nas decisões políticas, trazendo para o cenário nacional um novo projeto de ordenamento jurídico para a normatização do acesso e apropriação da terra.25 O pensamento liberal – que exercia fortes influências na Europa desde as Revoluções Inglesas do século XVII – espalhava-se mundo afora, opondo-se ao trabalho escravo e defendendo a abolição da escravidão, bem como um melhor aproveitamento do solo, a fim de obter produção para o mercado interno e externo. Outro aspecto básico do. 24. TEDESCO, João Carlos. Imigração Italiana, colonização e ocupação da terra no Brasil: uma análise a partir da teoria de Wakefield. In: História: debates e tendências – Brasil-Itália travessias. Passo Fundo: EdiUPF, vol. 5, nº 1, julho de 2004, p. 68. 25 TAGLIETTI, Dáblio Batista. Leis de terras e [...] Op. cit. p. 25..

(31) 31 pensamento liberal era a apropriação privada da terra. Estas influências do pensamento liberal inglês fizeram parte das discussões que levaram à criação da Lei de Terras de 1850. 1.2 A pressão inglesa e a Lei de Terras de 1850 No Brasil Imperial, a expansão das lavouras de café e o movimento antiescravista e pró-abolicionista, liderado pela Inglaterra, exercia grande pressão externa sobre o Brasil. Isso começava a deixar visíveis sinais do colapso que sofreria o sistema cafeeiro baseado no trabalho escravo. A Lei Eusébio de Queiroz, que extinguiu o tráfico de escravos, causou grande impacto na organização social brasileira. Prado Junior defende que talvez nenhum outro acontecimento da História do Brasil teve repercussões tão profundas quanto a interrupção do tráfico de escravos, evento que trouxe conseqüências que se fizeram sentir até o final do século XIX.26 Silva, consoante com essa idéia, afirma que [...] a sustação do tráfico teve um papel fundamental nas transformações que afetaram a sociedade brasileira na segunda metade do século XIX.27 Ao decretar a extinção do tráfico de escravos para o Brasil, a Lei Eusébio de Queiroz limitava a renovação da mão-de-obra nas lavouras de café. A partir de então se tornou necessário que as elites brasileiras passassem a pensar em alternativas de mão-deobra que substituíssem o trabalho do escravo negro nas lavouras de café. Os tratados de abolição da escravatura, efetivados principalmente por causa da pressão da Inglaterra sobre o governo brasileiro, por razões econômicas, tais como a abertura de novos mercados consumidores, provocaram grandes repercussões, como já se ressaltou acima. O fim do tráfico internacional de escravos foi decorrência da nova forma de inserção da Inglaterra no comércio internacional. Essa pressão externa exercida pela Inglaterra levou a uma crise de mão-deobra nas lavouras de café do Sudeste paulista. Ora, se a mão-de-obra utilizada nos latifúndios deixaria de ser escrava, seria necessário fazer a substituição dessa mão-de-obra por outra de igual força: a mão-de-obra imigrante. Com o incentivo à imigração européia, o Estado brasileiro supria duas necessidades ao mesmo tempo: a substituição do trabalho. 26 27. PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 22ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979, p. 170. SILVA, Ligia Osório. Terras Devolutas e [...] Op. cit. p. 123..

(32) 32 escravo pelo trabalho livre e também a oportunidade de criar uma nova face para o Brasil, através do branqueamento, ou seja, a europeização da população brasileira. Houve, então, necessidade de regulamentar o acesso à propriedade, uma vez que a economia baseada no escravismo estava em colapso, passando a depender da mão-deobra dos imigrantes. Para Tedesco Em torno da nova legislação agrária, várias questões se fizeram presentes. (...) havia questões como terras abertas e terras devolutas, a escravidão e as formas de trabalho livre, a possível dispersão da mão-de-obra sobre o território, a possibilidade de imigrantes tornarem-se proprietários, a perda, em grande parte, do domínio do Estado, [...] o problema do excesso de terras e escassez de trabalhadores, a discussão em torno do preço da terra e sua conseqüente dificuldade de apropriação aos recém-livres e recém-chegados e aos lavradores pobres-livres [...]28. Considerando-se essas questões, torna-se evidente a preocupação em criar uma legislação agrária que fornecesse ao Estado Brasileiro o controle sobre a apropriação do solo – controle este que existiu precariamente no período colonial – e que se tornou vital para que se obtivesse sucesso no posterior processo de transição do trabalho escravo para o trabalho livre. Conforme citações anteriores, através dessa transição o Brasil estaria se “modernizando” e se inserindo no cenário mundial do desenvolvimento do capitalismo. Os autores da Lei de Terras foram buscar essa inspiração liberal nas idéias do economista inglês Edward G. Wakefield. Expressivo teórico do liberalismo no que tange à questão da terra, na metade do século XIX , na Inglaterra, Wakefield propunha a substituição da prática emigratória espontânea e ininterrupta pela colonização sistemática, integrando a colônia à estrutura e ao funcionamento do capitalismo. Defendia também o princípio de que, em lugares com grande extensão de terras não legalizadas, os governantes deveriam impor elevados preços às propriedades, impedindo a compra por pessoas de baixa renda e preservando, desse modo, as grandes fazendas.29 Segundo Wakefield, os objetivos da colonização justificavam-se, em primeiro lugar, pela elasticidade do mercado para a produção de excedentes; em segundo. 28. TEDESCO, João Carlos. Imigração Italiana, colonização [...] Op. cit. p. 69. ZARTH, Paulo. Do arcaico ao moderno – O Rio Grande do Sul agrário do século XIX. Ijuí: Editora Unijuí, 2002, p. 99. 29.

(33) 33 lugar, pela colocação da força de trabalho excedente e, em terceiro lugar, pela ampliação do emprego do capital. Dessa forma, capital e trabalho ganhariam extensão e materialidade com a colonização sistemática. A teoria de Wakefield respondia a grandes inquietações do Estado Brasileiro, pois, nas primeiras décadas do início do século XIX, devido às pressões exercidas pela Inglaterra no sentido de se extinguir a escravidão, passou a existir no cenário político brasileiro uma. certa preocupação com temas relacionados ao. aproveitamento da imigração para promover a colonização e a substituição do trabalho escravo. Seguindo essa linha de análise, Viotti da Costa ainda esclarece O projeto baseava-se nas teorias de Wakefield e inspirava-se na suposição e que, numa região onde o acesso à terra era fácil, seria impossível obter pessoas para trabalhar nas fazendas, a não ser que fossem compelidas pelo escrivão. A única maneira de conseguir trabalho livre, nessas circunstâncias, seria criar obstáculos à propriedade rural, de modo que o trabalhador livre, incapaz de conseguir terras, fosse forçado a trabalhar nas fazendas.30. Fica claro então que o pensamento de Wakefield propunha estipular um preço elevado à terra, com o objetivo de evitar que os trabalhadores se tornassem proprietários da mesma de imediato. Inserido em um contexto maior de implantação do capitalismo no mundo, a idéia central de Wakefield é a de que O Estado exerceria um papel de intermediador no avanço do capitalismo sobre novas fronteiras e novas formas de produção econômica e de existência social, em que, fundamentalmente, a moderna propriedade da terra tornar-se-ia uma peça importante para a submissão da força de trabalho e para a divisão em proprietários de capital e proprietários de trabalho.31. Nessa perspectiva, ao Estado caberia a tarefa de estipular preço suficiente para o trabalhador adquirir a terra, não supervalorizando e nem desvalorizando o mercado de terras. Tedesco ainda destaca que é difícil determinar com que intensidade os políticos brasileiros que construíram o projeto da Lei de Terras de 1850 conheciam a teoria de Wakefield. No entanto, ele atenta para o fato de que os debates parlamentares nos círculos. 30 VIOTTI DA COSTA, Emília. Da monarquia à república: momentos decisivos. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 146. 31 TEDESCO, João Carlos. Imigração italiana, [...] Op. cit. p. 62-83..

(34) 34 do grande capital fundiário e de seus representantes atestam certa familiaridade, certos referenciais em relação ao teórico.32 O que de fato pode-se afirmar, é que a Lei de Terras de 1850 tornou-se um marco divisor na normatização e regulamentação da posse da terra e trouxe importantes repercussões, a partir de sua promulgação. Através da Lei de Terras, o governo imperial buscou adaptar-se às exigências do avanço do capitalismo, ao mesmo tempo em que promovia um ordenamento jurídico da propriedade da terra no Brasil. A publicação da Lei de Terras, em 1850, legitimava as terras que haviam sido até então ocupadas, mas impedia novas posses que não fossem realizadas através da compra. Silva destaca que “estava o governo autorizado a vender as terras devolutas em hasta pública ou fora dela, como e quando julgasse conveniente.”33 Os recursos advindos da venda deveriam ser direcionados a novas demarcações e ao custeio da importação de colonos livres. Depreende-se, assim, que o futuro problema de mão-de-obra – resultante da iminente abolição da escravatura – já havia permeado as discussões preliminares da Lei de Terras, influenciando a revisão na política de terras do Brasil. Dessa forma, o tema “colonização” mereceu quatro artigos na Lei de 1850. Ficava assim explicitado que o governo subvencionaria a vinda regular de colonos livres para trabalhar como empregados ou para formar colônias. Ao adotar esse princípio, a Lei de Terras passou a compreender a terra como mercadoria, objeto de compra e venda por elevados valores, o que colocava fim à possibilidade de milhares de ex-escravos – ou qualquer outro segmento social com menos posses, como os imigrantes – de possuírem sua própria terra. Além de, em seus artigos iniciais, proibir a aquisição de terras por outro meio que não fosse o da compra, a Lei de Terras também tecia algumas disposições sobre a legitimação das terras já ocupadas. Previa a legitimação das “posses mansas e pacíficas”34 que estivessem cultivadas e servissem de moradia aos posseiros ou a seus representantes.. 32. TEDESCO, João Carlos. Imigração italiana, [...] Op. cit. p. 62-83. SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e [...] Op. cit. p. 143. 34 “Por posses mansas e pacíficas entendem-se as posses não contestadas ou impugnadas judicialmente de sorte que os posseiros, por si, ou por quem os represente e suceda, tenham sempre praticado todos os atos de domínio e tido todos os cômodos e vantagens de senhor, sem que houvesse quem a isso tenha oposto 33.

(35) 35 No entanto, havia a ressalva de que “não se entendiam por ‘princípios de cultura’ os simples roçados, derrubada de matos, queimadas, levantamento de ranchos e outros atos de semelhante natureza.”35 De certa forma, com isso, entende-se que os caboclos – ou nacionais, como eram chamados – ficavam à margem da legitimação por “posse mansa e pacífica”, posto que a exceção prevista na Lei configurava justamente as práticas dos caboclos em relação à atividade extrativista. Em seu texto, a Lei de Terras estabelecia prazos para essas demarcações que legitimariam a posse caracterizada como “mansa e pacífica”. Ao mesmo tempo, previa sanções aos que não legitimassem suas posses no tempo devido. Além disso, a Lei previa que a demarcação das terras devolutas destinadas à colonização indígena, para a fundação de povoados e para a construção naval, também ficava a cargo do governo. 36 Na prática, a Lei acabava ainda por expulsar das terras os pequenos agricultores que não portavam os títulos de propriedade. Esse segmento social se transformou assim em força de trabalho, em um contexto no qual se abolia a escravidão. Zarth afirma que [...] o acesso à terra, do ponto de vista legal, difícil para as camadas pobres da população camponesa, mas nem tanto para as elites locais, que além de regularizar suas propriedades, procuravam avançar ou incorporar novas áreas, onde viviam muitos posseiros pobres sem poderes para reagir.37. Constata-se assim que, através dessa lei, vedou-se o acesso à terra aos segmentos sociais com menos condições econômicas. Ao mesmo tempo, possibilitou a emergência de uma estrutura agrária que, posteriormente, levou à formação da pequena propriedade através da imigração. Taglietti ressalta que “[...] não rompeu com o modelo agrícola, ou seja, desencadeou um “novo” modelo agrário.”38 A partir de então, a regulamentação da posse da terra, além de ser uma preocupação pertinente do Estado, era também uma necessidade, pois através dessa. obstáculo.” Cf. VASCONCELLOS, J. M. Pereira. Livro das terras. Rio de Janeiro, 1860, p. 348. In: SILVA, Lígia Osório. Terras devolutas e [...] Ob. cit. p. 163. 35 Idem, p. 142. 36 Id. Ibidem, p. 143. 37 ZARTH, Paulo A. História Agrária do Planalto gaúcho 1850-1920. Ijuí: Unijuí, 1997, p. 76-77. 38 TAGLIETTI, Dáblio Batista. Leis de Terras e [...] Op. cit. p. 49..

(36) 36 regulamentação, o Estado adquiria o controle das terras devolutas, que até aquele momento não eram alvo de uma política específica de ocupação.39 Viotti da Costa explica muito bem essa necessidade de regulamentação ao dizer que De acordo com as modernas idéias de lucro e produtividade, os legisladores deram vários passos para forçar o proprietário rural a usar a terra de uma maneira mais racional. Conscientes da necessidade de um novo tipo de trabalho para substituir o escravo, eles recorreram à imigração como fonte de trabalho. Finalmente, supondo que num país onde a terra era disponível em grandes quantidades o imigrante poderia tornar-se proprietário rural ao invés de trabalhar numa fazenda, eles tentaram tornar mais difícil o acesso à terra, a fim de forçar os imigrantes a trabalharem nas fazendas.40. Outro aspecto importante a destacar é o de que, com essa Lei, o governo podia regular as ocupações das terras devolutas – terras estas que, em sua maioria, seriam destinadas à colonização através da imigração européia. Silva chama atenção para o conceito de terras devolutas que foi redefinido pela Lei de 1850 Essa redefinição tornou legal o sentido com o qual o temo devoluto vinha sendo aplicado desde os tempos coloniais, como sinônimo de vago. (...) o sentido original de devoluto era aquele de terra concedida, que pelo fato de o concessionário não preencher as condições da concessão, voltava para o senhor original, no caso, a Coroa. Entretanto, com o tempo, o segundo significado de devoluto entrou definitivamente para a língua portuguesa. 41. A mesma autora afirma que o produto da venda das terras devolutas visava financiar a medição das terras e, ao mesmo tempo, auxiliar no financiamento da vinda de colonos livres para o Brasil.42 Dessa forma, a partir da Lei de Terras, as províncias receberam concessões de léguas de terras devolutas, que serviriam ao propósito da colonização. Kliemann, ao tratar de terras devolutas, constata que. 39. SILVA, Ligia Osório. Terras devolutas e latifúndio [...] Op. cit., p. 157 VIOTTI DA COSTA, Emília. Da monarquia à república. [...] Op. cit., p. 136. 41 SILVA, Ligia Osório. Terras devolutas e latifúndio[...] Op. cit., p. 157. Grifo meu. 42 Idem, p. 143. 40.

Referências

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