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A (im)possibilidade de usucapião lajeária de bens públicos

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA JOÃO RAFAEL DE FAVERI LEACINA

A (IM)POSSIBILIDADE DA USUCAPIÃO LAJEÁRIA DE BENS PÚBLICOS

Içara 2019

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JOÃO RAFAEL DE FAVERI LEACINA

A (IM)POSSIBILIDADE DA USUCAPIÃO LAJEÁRIA DE BENS PÚBLICOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Prof. Claudia Helena Coradi, Esp.

Içara 2019

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JOÃO RAFAEL DE FAVERI LEACINA

A (IM)POSSIBILIDADE DA USUCAPIÃO LAJEÁRIA DE BENS PÚBLICOS

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Içara, 2 de dezembro de 2019.

______________________________________________________ Professora e orientadora Claudia Helena Coradi Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof.ª. Ana Carla Ferreira Marques, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof.ª. Vanessa de Assis Martins, Ms.

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Dedico este trabalho à minha Família, que foi o meu porto seguro durante toda a jornada acadêmica.

E também à memória dos meus avós e amigo que deixaram imensa saudade.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de agradecer a Deus.

A todos os meus professores do curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, em especial à minha orientadora Claudia Helena Coradi, que com sua dedicação e docência me fez amar a matéria de “Direito de Propriedade”, agradeço imensamente por aceitar conduzir o meu trabalho.

À minha família, Daniel Leacina, Marli de Faveri e Luiza de Faveri Leacina, que sempre estiveram ao meu lado me apoiando ao longo de toda a minha trajetória. A todos os meus amigos do curso de graduação, em especial os do grupo, que compartilharam dos inúmeros desafios que enfrentamos, sempre com o espírito colaborativo.

Ao professor, Júlio Cesar da Rosa, pela indicação de bibliográfica, que ajudou muito na pesquisa do contexto histórico.

Também quero agradecer à Universidade do Sul de Santa Catarina que, como Universidade Comunitária, demonstrou estar comprometida com a qualidade e excelência do ensino.

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“Esse é o grande mistério das cidades: elas crescem e se modificam, guardando porém sua alma profunda apesar das transformações do seu conteúdo demográfico, econômico e da diversificação de suas pedras.” (Milton Santos, 1999).

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RESUMO

Como uma legislação inovadora, a Lei 13.465/2017 trouxe ao ordenamento jurídico nacional um novo direito real, o chamado direito real de laje; contudo, muito se discute sobre a aplicação de institutos comuns do Direito das Coisas ao direito de laje, sendo o objeto do trabalho a aplicação do instituto da usucapião, com enfoque na possibilidade de usucapir lajes de imóveis públicos. A doutrina ainda não tem posicionamento consolidado sobre o tema, com argumentações prós e contras, enquanto que a jurisprudência ainda é tímida ao tema do direito de laje.

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ABSTRACT

As an innovative legislation, Law 13.465/2017 brought to the national legal system a new real right, the so-called real right of slab; However, much is discussed about the application of common institutes of the Law of Things to the slab law, and the object of the work is the application of the usucapion institute, focusing on the possibility of usucapirating slabs of public real estate. The doctrine has not yet consolidated position on the subject, with pros and cons arguments, while jurisprudence is still timid to the theme of slab law.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Oswaldo Cruz 'limpando' o morro da favela ... 22

Figura 2 - Morro da Favela ... 24

Figura 3 - Classificação das Lajes ... 42

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LISTA DE SIGLAS

ART – Anotação de Responsabilidade Técnica BNH – Banco Nacional da Habitação

CGJ/SP – Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo CEF – Caixa Econômica Federal

CSN – Companhia Siderúrgica Nacional COHAB – Companhia de Habitação

FAR – Fundo de Arrendamento Residencial FCP – Fundação da Casa Popular

FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FHC – Fernando Henrique Cardoso

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPMF – Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras MCMV – Programa Minha Casa Minha Vida

MP – Medida Provisória

PAR – Programa de Arrendamento Residencial PAIH – Plano de Ação Imediata para Habitação REURB – Regularização Fundiária Urbana

REURB-E – Regularização Fundiária Urbana de Finalidade Específica REURB-S – Regularização Fundiária Urbana de Finalidade Social RRT – Registro de Responsabilidade Técnica

SBPE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo

SERFHA – Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-higiênicas

SFH – Sistema Financeiro Habitacional SNH – Sistema Nacional de Habitação STJ – Superior Tribunal de Justiça STF – Supremo Tribunal Federal

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 12 1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA ... 13 1.2 JUSTIFICATIVA... 14 1.3 OBJETIVOS ... 16 1.3.1 Objetivo Geral ... 16 1.3.2 Objetivo Específico ... 16 1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 16

1.5 ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS ... 17

2 CONTEXTO HISTÓRICO ... 19

2.1 EXPLOSÃO DEMOGRÁFICA ... 20

2.1.1 Sobre a Lei Áurea e a expulsão dos pobres para os morros ... 20

2.1.2 O êxodo rural brasileiro ... 22

2.2 SOBRE A FALTA DE ESPAÇO FÍSICO ... 23

2.3 POLÍTICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS ... 24

2.3.1 Governos Populistas ... 26

2.3.2 Ditadura Militar ... 27

2.3.3 República Nova ... 28

3 A LAJE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 32

3.1 DOS DIREITOS REAIS ... 32

3.1.1 Conceito ... 32

3.1.2 Características ... 33

3.1.3 Classificação dos direitos reais ... 34

3.2 DO DIREITO REAL DE LAJE ... 35

3.2.1 Conceito e natureza jurídica ... 35

3.2.2 Distinção entre direito real de laje, direito de superfície e condomínio ... 39

3.2.3 Classificação ... 41

3.2.4 Laje e normas urbanísticas ... 43

3.2.5 Aquisição e instituição da laje ... 44

3.2.6 Da alienação da laje ... 48

3.2.7 Da extinção da laje ... 49

4 USUCAPIÃO LAJEÁRIA ... 51

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4.1.1 Conceito ... 51

4.1.2 Requisitos comuns para todas as modalidades de usucapião ... 52

4.1.3 Modalidades de usucapião de bens imóveis ... 53

4.1.3.1 Usucapião ordinária ... 54

4.1.3.2 Usucapião extraordinária ... 54

4.1.3.3 Usucapião especial urbana ... 55

4.1.3.4 Usucapião especial rural... 55

4.1.3.5 Usucapião urbana por abandono do lar ... 55

4.1.3.6 Usucapião especial urbana coletiva ... 56

4.1.3.7 Usucapião especial indígena ... 56

4.2 DA USUCAPIÃO DE LAJES ... 56

4.3 DA USUCAPIÃO LAJEÁRIA DE BENS PÚBLICOS ... 59

4.3.1 Breve considerações sobre bens públicos ... 59

4.3.2 Da usucapião de bens públicos e da (im)possibilidade de usucapião lajeária de bens públicos ... 60

5 CONCLUSÃO ... 64

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1 INTRODUÇÃO

A questão relativa à moradia sempre esteve no centro do debate sobre políticas públicas no Estado brasileiro; o “ter onde morar” afeta não apenas a questão habitacional, pois irradia também sobre a qualidade de vida geral da população.

Como resultado da notória falta de planejamento urbano e de políticas públicas habitacionais efetivas em nosso país, nasceram as chamadas favelas, formas de periferia exclusivas do Brasil, criadas por trabalhadores pobres e carentes de presença do Estado, como explicitado na música “No Brooklin”, do álbum o “Rap é Compromisso” do rapper Sabotage:

Lá no bairro do Brooklin, reparei que, na periferia, a maioria dos moradores é gente pobre, carente de cultura própria. O terceiro mundo tem sido cruel. Eu vejo a marca do sofrimentos no rosto dos brasileiros. É, Sabotage, cada pessoa tem a sua história, e o respeito é tu que faz prevalecer. Vai na fé negô! (SABOTAGE, 2000).

Nas favelas, lares passaram a se amontoar sobre lares em espaços físicos reduzidos e irregulares, sendo que nesses ambientes inóspitos surgiu a laje brasileira, de nome popular e de características parecidas com os direitos de sobrelevação regulamentados ao redor do mundo.

Diante da realidade fática cada vez mais consolida, o legislador brasileiro decidiu regulamentar as moradias lajeadas, como forma de garantir segurança jurídica àqueles que encontraram na laje uma forma de moradia alternativa às convencionais. Assim, por meio da Lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017 (que trata, dentre outros temas, da regularização fundiária urbana – a chamada Reurb), foi incluído no Código Civil de 2002, no rol de direitos reais do art. 1.225, o direito real de laje, como um mecanismo voltado à concretização da regularização fundiária com enfoque principalmente nas favelas, como disposto na justificativa para a promulgação da Medida Provisória n. 759/16, embrião legislativo da Lei n. 13.465/17:

113. VI – SOBRE O DIREITO REAL DE LAJE. Em reforço ao propósito de adequação do Direito à realidade brasileira, marcada pela profusão de edificações sobrepostas, o texto prevê a criação do direito real de laje. [...] 115. O direito de laje não enseja a criação de co-domínio sobre o solo ou sobre as edificações já existentes. Trata-se de mecanismo eficiente para a regularização fundiária de favelas. (BRASIL, 2016).

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Apesar de não ser uma figura exclusiva das favelas, foi pensando nelas que o direito real de laje foi regulamentado, para, em conjunto com os demais mecanismos previstos na Lei n. 13.465/17 (Reurb), regularizar as moradias de inúmeras famílias.

Com a criação do direito real de laje surgem dúvidas por parte da doutrina e da jurisprudência com relação à sua aplicação em consonância com os demais institutos já consolidados no ordenamento jurídico brasileiro, e nesta conjuntura questiona-se sobre a aplicação do instituto da usucapião em lajes, aprofundando-se o tema acerca da sua utilização para aquisição de lajes em prédios públicos.

Essa questão tem a sua importância, pois sendo possível a utilização de usucapião lajeária para aquisição de bens públicos, poder-se-ia então regularizar inúmeras moradias em prédios ocupados, caso que ocorre com frequência nos grandes centros urbanos brasileiros.

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA

O Direito é, entre as ciências humanas, aquela que tem a maior capacidade de transformação da realidade social; no entanto, por vezes ocorre que a sociedade passa por mudanças e alguns mecanismos da ciência jurídica acabam por se tornar obsoletos.

Isso ocorreu com o Direito Civil, no que cabe aos direitos reais. As famílias que constituíram suas moradias sobre ou sob uma outra construção se encontravam em um limbo jurídico, tendo alguns de seus direitos ceifados por conta de uma omissão dos legisladores brasileiros. Com essa perspectiva criou-se um novo direito real, denominado de direito real de laje.

Apesar do avanço da legislação brasileira, tal inovação por si só não foi suficiente para a regularização das inúmeras lajes ao redor do país, em decorrência de muitas das ocupações irregulares ocorrerem, por exemplo, em prédios públicos.

Ora, sabe-se que a aquisição de bens públicos é vedada pela Constituição Federal que dispõe que “os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.” (BRASIL, 1988) – tal vedação, no entanto, estende-se ao direito real de laje? Assim, com base no exposto, apresenta-se a seguinte delimitação temática de pesquisa: A (im)possibilidade da usucapião lajeária de bens públicos.

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E para corroborar com a natureza do tema proposto e motivar a investigação lançam-se primeiramente algumas indagações, como: O que é o direito real de laje? Quais as suas principais características? Quais as formas de constituição do direito real de laje? Em qual contexto surgiu a necessidade regularização dessa situação habitacional? São aplicáveis todas as modalidades de usucapião ao instituto do direito de laje? É defeso a aquisição de todos os direitos reais constituídos em bens públicos mediante usucapião? Destacadas as indagações e com o fim de tornar preciso o problema da pesquisa, estabelece-se como pergunta central: Há possibilidade de usucapir a laje de um prédio público?

1.2 JUSTIFICATIVA

O grande período de êxodo rural iniciado no Brasil durante a Era Vargas (período compreendido entre 1930 e 1945), somado à marginalização dos negros libertos no século XIX, originaram graves problemas durante o processo de urbanização no Brasil.

Conforme leciona Rodrigues (1994, p. 40), nesse cenário de desordem no desenvolvimento dos centros urbanos é que surge a favela, nascida da necessidade do onde e como morar; a favela, para muitos, mostrava-se (e ainda se mostra) como a única alternativa de moradia.

Um dos problemas mais graves das cidades atuais é a falta de moradia, que faz com que milhares de pessoas não tenham outra alternativa a não ser viver em precárias condições de vida, quase sempre em áreas de risco. As favelas, cortiços e loteamentos clandestinos são exemplos clássicos deste tipo de situação. (BRAICK; MOTA, 2010, p. 253).

O Estado, na sua busca de reordenar o manto urbano e garantir o direito constitucional à moradia, passou a criar leis e projetos públicos com esse objetivo, a exemplo de programas como Habitar-Brasil e Morar-Município no Governo de Itamar Franco, da Lei nº 10.188/01 (que institui o Programa de Arrendamento Residencial - PAR), durante o a gestão de Fernando Henrique Cardoso, e os programas Minha Casa Minha Vida (MCMV), positivados pelas leis 11.578/07, 11.977/09, 12.424/11 e 13.173/15, dos governos Lula e Dilma.

No entanto, por seguir uma lógica de mercado, a maioria desses programas habitacionais focavam na construção de grandes condomínios por empreiteiras, que

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por sua vez optavam por construí-los em áreas afastadas, quando não em áreas rurais, por conta do baixo valor do terreno. O resultado era que esses condomínios habitacionais para famílias de baixa renda acabavam sendo construídos em áreas isoladas, longe dos centros comerciais e dos parques industriais, o que no fim dificultava a vida dos novos moradores.

Em muitos casos, os moradores de favelas e cortiços localizadas em áreas centrais recusam-se a aceitar os programas governamentais de habitação, que tentam resolver essa situação construindo conjuntos habitacionais nas periferias. As pessoas não aceitam mudar-se porque essas moradias – construídas com baixo custo e vendidas para serem quitadas em prazos longos e a juros baixos – estão longe dos locais de trabalho, fato que gera maiores despesas com transporte, que tem grande peso no orçamento familiar. (MENDES; TAMDJIAN, 2005, p. 153).

De outro turno, as favelas continuavam a se expandir, e sua expansão é marcada pelo crescimento vertical dos imóveis, resultado do pouco espaço geográfico e do crescimento populacional. Esse processo resultou no surgimento da figura da laje, que se configura pela cessão da parte superior do imóvel para que terceiro edifique sobre, de acordo com Feitosa (2017, p. 16).

Essas construções se popularizaram nas comunidades periféricas, ocorrendo da seguinte maneira: o dono de uma construção aliena, de forma onerosa ou gratuita, a sua laje superior ou inferior para a construção de uma residência - em tese, é nisso que se baseia o direito real de laje.

O tema se justifica pela importância que representa ao campo jurídico, principalmente no que se refere ao direito que todos têm garantido (ou deveriam) na Constituição Federal brasileira que é o direito à moradia, que deve ser digna, segura e regular.

Outro motivo de ordem jurídica relaciona-se ao fato do direito de laje ser recente no sistema jurídico brasileiro; inicialmente, teve sua regulamentação normativa por meio da Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016, que serviu de embrião para a Lei 13.465, que teve sua promulgação na data de 06 de setembro de 2017, pelo então Presidente da República Michel Temer. Por isso, as implicações jurídicas e sociais foram pouco estudadas pelos juristas e doutrinadores em geral.

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1.3 OBJETIVOS

Objetivo trata-se daquilo que se alcançar, são propósitos a serem observados na condução de uma produção cientifica, segundo o dicionário Houaiss (2011, p. 673), a palavra objetivo tem o significado de “o que quer se alcançar”.

1.3.1 Objetivo Geral

Analisar as consequências no âmbito do direito, da justiça e da sociedade em geral, da promulgação da Lei nº 13.465/17, que dentre outras providências, acrescentou o direito de laje no rol dos direitos reais previstos no art. 1.225 do Código Civil Brasileiro de 2002.

1.3.2 Objetivos Específicos

Os objetivos específicos são pontos importantes a serem desvendados para elaboração do presente trabalho, sendo eles:

a) Discorrer sobre o contexto histórico e cultural acerca da criação do sistema de lajes;

b) Discorrer sobre os conceitos doutrinários e legais pertinentes ao tema em estudo;

c) Discutir acerca dos encadeamentos resultantes da criação deste novo direito real;

d) Relacionar a importância da regulamentação do direito de laje para a regularização das inúmeras situações fáticas consolidas; e

e) Discorrer sobre a possiblidade de usucapir a laje, em especial as constituídas sobre/sob de bens públicos.

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os procedimentos metodológicos que serão utilizados na pesquisa consistem no monográfico e no comparativo. O primeiro é referente à uma preocupação com o aprofundamento do tema em estudo e o segundo, a necessidade de comparações entre leis, normas e doutrinas.

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Método é o meio pelo qual o pesquisador se utiliza para buscar respostas e obter resultados confiáveis. “O método é um recurso que requer detalhamento de cada técnica aplicada na pesquisa. É o caminho sistematizado, formado por etapas, que o pesquisador percorre para chegar à solução.” (MOTTA, 2012, p. 83).

O método de abordagem que se aplicará na pesquisa é o do tipo dedutivo, uma vez que se analisarão documentos, inerentes às normas e leis, e doutrinas vinculadas ao tema proposto no projeto e a pesquisa proposta para o trabalho monográfico, quanto ao seu objetivo, será a do tipo exploratória, envolvendo levantamento bibliográfico.

Quanto aos procedimentos na coleta de dados, serão aplicadas as pesquisas dos tipos bibliográfica e documental, a primeira decorre da necessidade de se fazer leituras, análises e interpretações de fontes secundárias (livros, revistas, jornais, monografias, teses, dissertações, relatórios de pesquisa, doutrinas, etc.). A finalidade desta consiste em colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que já foi escrito ou dito sobre o tema em estudo. (MOTTA, 2012). É uma pesquisa que explica o tema em questão à luz dos modelos teóricos pertinentes, em relação à segunda, pesquisa documental baseia-se em fontes primárias ou documentais, uma vez que serve de base material ao entendimento da tese em questão. Pertence ao campo da hermenêutica, pois o documento deve ser analisado como se apresenta, e não como quer que se apresente. (MOTTA, 2012).

Por sua vez, com base no objeto de estudo, a pesquisa será a do tipo instrumental, pois diz respeito à preocupação prática, que busca “[...] trazer uma contribuição teórica à resolução de problemas técnicos (transformando o saber em saber-fazer).” (SILVA, 2004 apud MOTTA, 2012, p. 48). As pesquisas bibliográfica e documental definem-se como instrumentais, podendo ser divididas em doutrinárias, legal ou jurisprudencial.

1.5 ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS

O presente trabalho está organizado de modo que após o capítulo introdutório será abordado, no segundo capítulo, em continuidade o contexto histórico que levou o legislador a criar o direito real de laje. O terceiro capítulo abordará a laje no ordenamento jurídico brasileiro, discorrendo brevemente sobre os direitos reais e, na sequência, sobre o direito real de laje propriamente dito (conceito, natureza

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jurídica, distinção de outros institutos com os quais guarda semelhança, classificação, normas urbanísticas aplicáveis à laje, aquisição e instituição, alienação e extinção). No último capítulo, será discutida a possibilidade ou não de usucapião de lajes de bens públicos, razão pela qual serão feitas considerações necessárias quanto ao instituto da usucapião e acerca do conceito de bens públicos.

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2 CONTEXTO HISTÓRICO

O direito real de laje é um instituto jurídico que visa concretizar os direitos constitucionais à propriedade e à moradia; de outro ângulo, também visa integrar os moradores das periferias brasileiras às cidades, garantindo o acesso dessas pessoas às políticas públicas habitacionais.

O enorme salto populacional ocorrido no país no Século XX e da falta de espaço físico-territorial obrigaram a população de baixa renda a buscar moradia em ambientes inóspitos, denominados de favelas.

O termo favela, de acordo com o mesmo IBGE, diz respeito a um aglomerado de pelo menos cinqüenta domicílios – na sua maioria carentes de infra-estrutura – e localizados em terrenos não pertencentes aos moradores. O que distingue a favela de outros locais de moradia, também sem infra-estrutura é a natureza da ocupação das terras. Os mais variados termos são utilizados: invasão de terras alheias, apropriação indevida de vazios urbanos, câncer urbano. (RODRIGUES, 1994, p. 36).

Conforme explica Rodrigues (1994, p. 35), as causas de existência das favelas e de seu crescimento estão relacionadas à expulsão dos trabalhadores rurais dos campos, eufemisticamente chamada pela sociedade de ‘atração da cidade’, e aos baixos salários aos quais são submetidos parte dos trabalhadores urbanos, o que os impede de pagarem aluguel.

Segundo Bezerra (2018, p. 130):

nas unidades habitacionais irregulares, a comunidade cria regras de convivência, sendo tais regras erigidas espontaneamente, resultado das necessidades das pessoas que nela convivem. Assim surgiu o direito de laje, principalmente nas favelas.

Na realidade brasileira, a laje foi gestada nesse ambiente de desordem urbana – ou seja, da favela surge a laje. Tanto que, no Brasil, a laje, como estrutura física ainda está ligada, no imaginário do senso comum, às favelas. Este tipo de pensamento, atrasado (e talvez até um pouco preconceituoso) decorre da origem da laje no cenário urbano nacional, qual seja, mediante construções de unidades autônomas sobrepostas em favelas, como alternativa à falta de espaço físico-territorial e ao alto custo na aquisição de imóveis próprios, seguros e regulares.

A falta de políticas públicas também foi importante para o crescimento desordenado das cidades, que resultou na necessidade de criação das lajes. De

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acordo com Rodrigues (1994, p. 35), o Estado não se importava com as verdadeiras necessidades dos favelados, mas sempre um interesse particular ou eleitoral, e quando aparecia de fato uma organização com um interesse coletivo efetivo esta era sempre perseguida pelas organizações estatais.

No debate sobre prédios periféricos é importante destacar também a existência dos cortiços que, conforme Rodrigues (1994, p. 46), são habitações coletivas, em imóveis com pouca ou nenhuma conservação, que se proliferam nas áreas decadentes dos centros urbanos, onde há uma coabitação forçada, onde tudo o que é disponível nos cortiços é coletivo e deve ser usado por mais de uma família. A problemática repete-se nas inúmeras cidades brasileiras, ressalvadas as diferenças relacionadas ao tamanho, tipo de atividade e região ao qual o município se integra. De acordo com Santos (1993, p. 95-97), as organizações internas das cidades revelam-se um problema estrutural, cuja análise sistêmica permite verificar como todos os fatores mutuamente se causam e se perpetuam.

2.1 EXPLOSÃO DEMOGRÁFICA

Cabe discorrer inicialmente sobre o modo como ocorreu o salto populacional nas periferias brasileiras. Como forma de dinamizar a exploração do conhecimento, este tópico será dividido em duas partes, abordando inicialmente a segregação dos negros libertos para os morros, seguido pelo êxodo rural brasileiro.

2.1.1 Sobre a Lei Áurea e a expulsão dos pobres para os morros

Em 13 de maio de 1.888, era assinado pela Princesa Isabel, Regente do Império do Brasil, a Lei Imperial de n. 3.353/88, que declarava a extinção da escravidão no Império do Brasil. Tal medida veio para consolidar situação que já ocorria de fato pelas províncias, e surgia em decorrência de uma mobilização de intelectuais e da demanda de impérios estrangeiros que consideravam a mão de obra assalariada menos custosa do que a mão de obra escrava. (MARINGONI, 2011).

Apesar de abolida a escravidão, não houve por parte do Estado Brasileiro nenhuma medida reparatória ou compensatória para com aqueles que foram escravos e agora eram libertos; não houve qualquer tomada de medida por parte do Império do Brasil, tampouco pelo regime republicano que se seguiu após o fim da monarquia,

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alguma política que integrasse o negro liberto na sociedade. Sobre o assunto ensina Fernandes (2008, p. 29) que:

a desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho.

O liberto se viu como senhor de si mesmo, sendo obrigado a custear a o seu próprio sustento, o que inclui alimentação, saúde e moradia para si e para os seus dependentes, e apesar de tamanha responsabilidade, este não dispunha de meios materiais e morais para que atravessasse esse período de transição de um regime para outro. (FERNANDES, 2008, p. 29).

Portanto, após o fim da escravidão, os negros libertos não tiveram outra escolha a não ser buscarem moradias em regiões precárias e afastadas dos bairros centrais das cidades. Tal fato só piorou a situação, por exemplo, na cidade do Rio de Janeiro, onde houve uma reforma urbana que expulsou as populações pobres para os morros. (MARINGONI, 2011).

A reforma urbana ocorrida no Rio de Janeiro no início do Século XX teve origem em uma política pública que tinha como objetivo modernizar a capital nacional (na época) aos moldes das cidades europeias, e deu-se com um caráter higienista, tanto no caráter medicinal quanto no caráter doutrinário. (CHALHOUB, 1996).

Os intelectuais da medicina, liderados durante a reforma urbana pelo prestigiado sanitarista Oswaldo Cruz, começaram a ver as classes mais pobres como perigosas, não apenas no sentido de organização do trabalho e da manutenção da ordem pública, mas agora pelo perigo de contágio de doenças por conta de seus hábitos nocivos à ‘sociedade’, e suas habitações coletivas, na época denominadas de cortiços, seriam focos de irradiação de epidemias e vícios. (CHALHOUB, 1996, p. 29). De forma didática, Zaluar e Alvito (1999, p. 12) discorrem sobre o pensamento de parte dos intelectuais cariocas, e todos são categóricos ao afirmar que existia uma intenção em dividir a cidade do Rio de Janeiro em duas, uma sendo europeia e a outra indígena.

O discurso higienista agradava boa parte do Capital local e nacional, pois, com a derrubada dos cortiços e habitações coletivas semelhantes abria-se espaço

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para construção de novos empreendimentos imobiliários, tal aliança foi de grande valia para execução da reforma urbana. (CHALHOUB, 1996, p. 52).

Figura 1 - Oswaldo Cruz 'limpando' o morro da favela

Fonte: Revista “O Malho” de n. 247 (1907)

A limpeza social efetuada durante esse episódio fez com que inúmeros moradores de habitações coletivas e cortiços se refugiassem nas favelas, e fez com que o estigma dos moradores das comunidades periféricas e favelizadas aumentasse, não sendo realizadas, à época, políticas públicas que possibilizassem condições de higiene e de moradia ideais para a dignificação daquelas pessoas.

Segundo Valladares (2000), importante destacar também a contribuição para a formação das favelas dos antigos soldados que batalharam na Guerra de Canudos, e que após a dispensa do exército foram se abrigar também nos morros.

2.1.2 O êxodo rural brasileiro

Por muito tempo a economia brasileira girou em torno da produção e exportação do café; as fazendas cafeeiras eram tão importantes para economia nacional que, por um período da história (denominado pelo historiadores como República Velha), as elites fazendárias do café dominavam a política nacional, a ponto

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de conseguirem eleger diversos presidentes em alternância com a oligarquia leiteira. (MAIA; SARAIVA, 2012).

Após a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque em 1929, a indústria cafeeira entra em colapso, sendo necessária a criação de políticas desenvolvimentistas com o objetivo de nutrir os novos anseios das elites nacionais, o que acabou com culminar na criação e expansão de políticas de incentivo à indústria nos centros urbanos.

Em função da transição da economia de base agro-exportadora para uma economia urbano-industrial, a partir da crise do café em 1929 o Estado passou a exercer forte presença no desenvolvimento econômico, por meio de políticas macroeconômicas e desenvolvimentistas que atendiam aos interesses da oligarquia cafeeira. O interesse pela industrialização e o anseio em aumentar a produção nacional resultaram no processo de modernização da agricultura brasileira nos anos de 1960, culminando na manutenção dos problemas no campo e a existência de conflitos localizados pela posse da terra. (PRIORI; POMARI; AMÂNCIO; IPÓLITO, 2012).

Como alerta Ribeiro (1995, p. 198), apesar de a industrialização e a urbanização serem processos que complementam um ao outro, ao modo em que com a industrialização são gerados empregos em áreas urbanas, o que eventualmente potencializa o êxodo rural, deve-se considerar os demais fatores que afetam os dois processos, entre eles o monopólio da terra e a monocultura que promovem a expulsão do trabalhador rural.

Embora haja variações regionais, o fenômeno ocorreu por todo o país (RIBEIRO, 1995, p. 198), sendo, em geral, efeito do desenvolvimento da indústria nacional, dos conflitos pela posse da terra e do desemprego desencadeado pelo declínio das fazendas monoculturais, o que iniciou o processo de migração humana do campo para os centros urbanos. E como resultado prático, em decorrência da falta de condições financeiras que assegurasse uma moradia digna, muitos trabalhadores viram nos morros uma opção para construírem suas casas.

2.2 SOBRE A FALTA DE ESPAÇO FÍSICO

Após a chegada de inúmeros migrantes, trabalhadores rurais e nordestinos, a favela passou a ser vista como ambiente retrógrado de migrantes mal adaptados aos desafios da vida urbana, ignorando os problemas resultados do convívio forçado em um espaço pequeno. (ZALUAR; ALVITO, 1999, p. 15).

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Portanto, da explosão populacional derivou outro grave problema nas periferias e favelas dos grandes centros urbanos, que é a falta de espaço físico, que gerou a necessidade de adaptação das populações faveladas, que foram obrigadas a buscar meios alternativos de constituição de moradia.

Figura 2 - Morro da Favela

Fonte: Tarsila do Amaral (1924)

Deste problema surgiram duas soluções: a primeira era construir um segundo imóvel no mesmo terreno; no entanto, como podemos perceber na obra “Morro da Favela”, da pintora modernista Tarsila do Amaral, essa solução não era das mais viáveis nas favelas, por conta da utilização da maior parte do terreno e da aproximação entre os prédios, que por vezes eram literalmente ‘grudados’ à construção confrontante.

Portanto, a única saída era construir para cima; assim, da falta de espaço físico originou-se a necessidade de construção de moradias na direção vertical (CÔRREA, 2008), sendo uma forma inclusive de manter famílias próximas, com pais cedendo suas lajes para seus filhos constituírem novas famílias.

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O Estado brasileiro tem uma vasta gama de precedentes em políticas públicas habitacionais, algumas com o objetivo de diminuir o déficit habitacional por meio de construção de casas populares ou por meio de alugueis pagos ou subsidiados pelos entes públicos, outras com o foco na regularização fundiária. Também existiram políticas de construção de moradias por meio de associações comunitárias e por meio de financiamentos bancários subsidiados pelo governo.

Quanto às favelas, Rodrigues (1994, p. 41) salienta que durante muito tempo a preocupação do Estado tem sido na sua erradicação, por meio da remoção dos moradores e a liberação da área antes ocupadas para outros usos.

Durante um longo período o governo brasileiro não se interessou por este tipo de política pública, em razão da maior parte da população viver em zonas rurais e por conta do vasto território. Bezerra (2018, p. 121) explica que:

a ausência de políticas públicas urbanas gerou direito informal a várias comunidades que ocuparam o espaço urbano sem nenhum planejamento/investimento governamental, nascendo nessas comunidades um conjunto de regras de convivência/necessidade para o convívio social.

Conforme leciona Rodrigues (1994, p. 55), apesar de não haver políticas públicas habitacionais por parte do Estado Brasileiro, o setor industrial, ainda embrionário no país, atraía mão de obra por meio de oferecimento de empregos com moradia garantida, dando origem às vilas operárias, que contavam com incentivos estatais com a exoneração de impostos e facilidades da compra da terra pela indústria.

Exemplo de tal prática ocorreu na região sul de Santa Catarina, onde grandes empresas, como Companhia Siderúrgica Nacional-CSN, criaram vilas operárias com residências confortáveis como forma de incentivo aos seus trabalhadores.

Devido ao incentivo do governo federal à indústria nacional e consequente instalação da Companhia Siderúrgica Nacional-CSN. Empresa que assumiu a maioria das ações da Carbonífera Próspera em 1952. A intervenção estatal resultou em uma série de “benefícios”. As casas operárias construídas pela CSN possuíam um maior conforto com o número maior de cômodos sendo que alguns eram feitas em alvenaria. (COSTA, 2004).

Tal situação perdurou por muitas décadas; contudo, as vilas operárias eram prejudiciais aos trabalhadores, pois obrigava-os a continuarem no emprego independente das condições, sendo que, no momento em que eram demitidos, também ficavam sem moradia.

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A partir da Crise de 29 e do Golpe de 30, o Brasil inicia um período de desenvolvimento industrial que leva a muitos nacionais a migrarem para os centros urbanos, sendo todo esse contexto exposto anteriormente. Deste quadro, surge por necessidade, a iniciativa dos gestores públicos em lidar com esse novo desafio.

Burgos (1999, p. 27) explicam que em razão da impossibilidade dos analfabetos votarem, e após o início da Era Vargas, confere-se maior participação política para os trabalhadores formais; contudo, as favelas não foram alvos iniciais das políticas habitacionais.

2.3.1 Governos Populistas

Na Década de 40, após o fim da Era Vargas e com o início dos Governos Populistas, Dutra, o primeiro presidente pós-varguismo que governou o Brasil de 1945 a 1950, criou a Fundação da Casa Popular (FCP) pelo Decreto-lei de n. 9.218/46, sendo este o primeiro órgão público com o objetivo de promover políticas públicas habitacionais.

Segundo Almeida (2010, p. 28-29), “a atuação da FCP evidencia a baixa prioridade que os governos da época concederam ao problema da carência habitacional do país”, pois mesmo em conjunto com a atuação dos institutos e das caixas de aposentadorias e pensões dos governos dos demais entes federativos, o problema do déficit habitacional não chegou perto de ser resolvido, sendo construído no período cerca de duzentas mil moradias.

Nos anos 50, por receio da instrumentalização dos morros pelos comunistas, a Arquidiocese do Rio de Janeiro e a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro organizaram uma instituição dedicada a assistência material e moral dos habitantes das favelas do Rio, que promovia políticas assistencialistas e iniciava uma cooptação dos movimentos sociais locais em prol da Igreja e do Estado que perduraria por muitos anos. (BURGOS, 1999, p. 29).

Após o avanço dos programas assistenciais, as favelas passam a gozar de certa identidade positiva, o que levou a Igreja e a Prefeitura a aprofundarem o trabalho que estava sendo realizado, sendo criado pela Igreja Católica em 1955 a Cruzada de São Sebastião, e pelo Governo Municipal é criado em 1956 o Serviço Especial de Recuperação das Favelas e Habitações Anti-higiênicas (SERFHA), que avançaram muito bem em projetos de urbanização das favelas cariocas. (BURGOS, 1999, p. 30).

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Por conta de divergências políticas, a SERFHA sofre um esvaziamento que resulta em sua extinção após um ano e meio de existência; para sua substituição é criada a Companhia de Habitação Popular (COHAB) que teria como foco a construção de casas populares de baixa renda (BURGOS, 1999, p. 33), sendo que tal programa foi replicado por diversos Munícipios e Estados até o início do Século XXI.

2.3.2 Ditadura Militar

Durante a Ditadura Militar, que tem início de 1964, são promulgados pelo governo os Decretos de n. 870 e 3.330, que colocavam as organizações de moradores sob controle da Secretaria de Serviços Sociais, passando a permitir a existência de uma única organização por comunidade, sendo que esta deveria cumprir uma séria de requisitos para que pudesse funcionar de forma legal, de acordo com Burgos (1999, p. 35):

ao fixar a competência da associações, esse novo decreto completa a obra iniciada em 1961 pelo Serfha, subvertendo o papel das associações, que de representante dos moradores passam a fazer as vezes do poder público na favela, cabendo-lhes, entre outras atribuições, controlar, autorizando-as ou não (“consultados os órgãos do Estado”), as reformas e concertos nas habitações, bem como reprimir novas construções.

Além do controle das organizações sociais, a plataforma da nova política habitacional seria marcada por projetos de remoção das populações faveladas para novos residenciais de casas populares, porém, tais operações removeram menos de 1% (um por cento) das populações das favelas cariocas. Ademais, o resultado insignificante todo o procedimento foi muito traumático para as populações periféricas, sendo difícil computar a extensão do dano causado por esse modelo de política habitacional. (BURGOS, 1999, p. 35-39).

Também é criado durante este período o Banco Nacional de Habitação (BNH) pela Lei n. 4.380/64, sendo definida a sua finalidade pelo art. 17 desta lei:

Art. 17. O Banco Nacional da Habitação terá por finalidade:

I - orientar, disciplinar e controlar o sistema financeiro da habitação;

II - incentivar a formação de poupanças e sua canalização para o sistema financeiro da habitação;

III - disciplinar o acesso das sociedades de crédito imobiliário ao mercado nacional de capitais;

IV - manter serviços de redesconto e de seguro para garantia das aplicações do sistema financeiro da habitação e dos recursos a êle entregues;

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V - manter serviços de seguro de vida de renda temporária para os compradores de imóveis objeto de aplicações do sistema;

VI - financiar ou refinanciar a elaboração e execução de projetos promovidos por [...] conjuntos habitacionais, obras e serviços correlatos;

VII - refinanciar as operações das sociedades de crédito imobiliário;

VIII - financiar ou refinanciar projetos relativos a [...] de materiais de construção e pesquisas tecnológicas, necessárias à melhoria das condições habitacionais do país [...]

Parágrafo único. O Banco Nacional da Habitação operará exclusivamente como órgão orientador, disciplinador e de assistência financeira, sendo-lhe vedado operar diretamente em financiamento, compra e venda ou construção de habitações, salvo para a venda dos terrenos referidos no artigo 26 ou para realização de bens recebidos em liquidação de garantias. (BRASIL, 1964).

Na mesma lei de fundação do BNH é criado o Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Segundo Almeida (2010, p. 30) “a criação do SFH se deu num momento de intensa crise do setor de habitação no Brasil” e o processo de urbanização do país aumentou a demanda por moradia, o que acabou gerando um grande déficit habitacional.

O SFH tinha como fontes de seus recursos o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e era gerido pelo BNH.

A política habitacional assume um modelo empresarial, num momento em que é crucial para o novo regime dar provas de que é capaz de atacar os problemas sociais, resolvendo a questão da moradia. É preciso ocupar os vazios deixados com o fechamento político. “As massas estão órfãs”, diz Sandra Cavalcanti na exposição de motivos de criação do BNH. (RODRIGUES, 1994).

Durante muitos anos o BNH foi o grande protagonista das políticas públicas habitacionais, porém após o agravamento da crise que se iniciou no fim da Ditadura Militar Brasileira o banco foi incorporado à Caixa Econômica Federal (CEF), que passou a lidar com os problemas habitacionais como um setor dentro da autarquia, sendo diferente do BNH que tinha a habitação como sua atividade fim.

2.3.3 República Nova

Após a redemocratização, o setor habitacional apresentava um baixo rendimento social e econômico para o país, e por conta da grave crise financeira que o Brasil atravessava, o executivo nacional iniciou programas alternativos ao Sistema Financeiro Nacional, destacando-se entre eles o Programa Nacional de Mutirões Comunitários que alcançou a construção de apenas dois terços das moradias

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populares previstas, muito por conta da corrupção e do clientelismo que marcava o programa. (ALMEIDA, 2010, p. 39).

Durante o Governo Collor, que durou de 1990 a 1992, com a continuidade da grave crise no sistema de habitação, foi necessária a criação de uma nova política habitacional conhecido como Plano de Ação Imediata para Habitação (PAIH), que fracassou pelos motivos expostos por Almeida (2010, p. 40):

interessante ressaltar que não se cumpriu o prazo inicialmente previsto e tampouco se atingiu o número de unidades a serem construídas. O tempo previsto foi dilatado por mais de dezoito meses, o custo unitário médio extrapolou o previsto, resultando na diminuição da meta inicial para 210 mil unidades e, por fim, o clientelismo impediu a alocação de recursos definidos pelo conselho curador do FGTS para os diversos estados da Federação.

Com o impeachment de Collor e a ascensão de Franco como Presidente da República, as políticas habitacionais sofrem grandes mudanças, a começar pelo criação de conselhos comunitários que aumentaram o controle e a transparência no uso do dinheiro público, sendo os programas ‘carros chefes’ da política habitacional o Habitar-Brasil e Morar-Município (ALMEIDA, 2010, p. 41), que funcionavam a partir de financiamentos para construção de moradias sob o regime de ajuda mútua entre os entes federativos. Tais programas tinham como alvo as populações de baixa renda e eram mantidos com recursos do Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF), entretanto não obtiveram sucesso em decorrência da burocracia estatal, apesar de mantidas pelos governos predecessores e servirem de modelo para novos programas. (BEZERRA, 2018, p. 125).

O Governo de Fernando Henrique Cardoso, que durou de 1994 a 2002, condenou a má utilização de programas alternativos e a centralização da gestão desses programas pela falta de controle social. Segundo Almeida (2010, p. 42-43), o modelo proposto pelo governo tinha quatro premissas básicas:

- a focalização das políticas públicas voltadas para a área habitacional no atendimento das camadas populacionais de baixa renda;

- a necessidade de descentralizar e aumentar o controle social sobre a gestão dos programas federais de habitação;

- o reconhecimento, por parte do governo, de sua incapacidade de resolver sozinho o problema habitacional do país e da necessidade de tentar melhorar o funcionamento do mercado de moradias no Brasil;

- o reconhecimento de que as políticas públicas não devem negligenciar a grande parcela da população de baixa renda do país que trabalha no setor informal da economia e/ou habita moradias informais.

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Conforme Moreira e Leme (2011, p. 10-11), até 1988 houve uma ausência de um projeto habitacional bem definido, e com o Governo FHC foram introduzidos princípios de mercado na provisão da habitação. Foram grandes conquistas durante este governo a promulgação do Estatuto das Cidades e da Lei nº 10.188/01, que instituiu o Programa de Arrendamento Residencial (PAR).

No Governo Lula, que durou de 2003 a 2010, foi criado o Plano Nacional de Habitação, que constituía o primeiro pacote de projetos públicos habitacionais desde a falência do BNH, e dentro deste plano foi criado o Sistema Nacional de Habitação, que estabeleceu o desenho institucional da política. (MOREIRA; LEME, 2011, p. 19).

Em 2009 foi criado o pacote de programas do Minha Casa Minha Vida (MCMV) positivados pela Lei de n. 11.977/09 e posteriormente alterado pelas Leis de n. 12.424/11 e 13.173/15. Já no Governo Dilma, que durou do ano de 2011 até o ano de 2016, deu continuidade à política de seu predecessor.

O MCMV é um programa instituído em larga escala e foi utilizado com dois propósitos: o primeiro foi de suprir o grave déficit habitacional que o país ainda tinha, e o segundo foi como uma forma de encarar a Crise Internacional de 2008 por meio de incentivos e subsídios governamentais (MOREIRA; LEME, 2011). O programa funcionava de forma que incumbia à iniciativa privada prover a construção de moradias, e tinha como população alvo as famílias de baixa renda, que conseguia alcançar o sonho da casa própria mediante financiamentos através da CEF, com recursos do FGTS e subsídios do Governo Federal. (BEZERRA, 2018, p. 126).

Por fim, no Governo Temer, que durou de 2016 a 2018, foi editada a Medida Provisória de n. 759/2016 que sancionou regras para a regularização fundiária e criou novos formas de aquisição de propriedade, além é claro do direito real objeto de estudo do presente trabalho, o direito real de laje. Referida MP foi convertida, após discussão no congresso, na Lei n. 13.465/17, que lapidou a norma jurídica inovada pelo Executivo Nacional.

Depreende-se, assim, que o legislador, em especial nos últimos anos, tem empreendido esforços no sentido de concretizar e assegurar o direito à moradia, o qual foi elevado ao status de direito fundamental por meio da Emenda Constitucional nº 26/2000, que alterou o art. 6º da Constituição Federal: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a

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segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (BRASIL, 1988)

Segundo Mendes e Branco (p. 944), a relação entre os direitos social de moradia e o Estado Social de Direito é inegável e é um dos seus elementos essenciais para a consolidação de uma democracia social efetiva.

Ainda cabe salientar que a Constituição Federal institui que compete a todos os entes federativos a promoção e desenvolvimento de programa de construção de moradias, determinando inclusive como obrigação o progresso de políticas públicas de melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, em consonância com o direito fundamental à moradia digna. (BRASIL, 1988).

Importante elencar também que os direitos e garantias fundamentais em geral decorrem do princípio geral da dignidade da pessoa humana, o qual constitui entre outros dispositivos como fundamento da República Federativa do Brasil. (MEDEIROS; SILVA, 2018, p. 92).

Segundo Medeiros e Silva (2018, p. 94), “o direito à moradia digna revela-se como um direito fundamental compreendido como esrevela-sencial e impositivo tanto internamente quanto externamente”. Ser tratado dignamente como ser humano significa a garantia de direitos como educação, saúde, lazer, entre outros, sendo inclusive necessário que a pessoa tenha sua propriedade resguardada e uma moradia digna de se viver.

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3 A LAJE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Visto o contexto histórico do nascimento da laje e a sua importante contribuição para a concretização do direito constitucional à moradia para inúmeras famílias, em especial em áreas de grande concentração populacional, se dará início à análise do direito real de laje, incluído no rol dos direitos reais do Código Civil brasileiro pela Lei n. 13.465/17. Contudo, antes de adentrarmos no estudo do direito de laje propriamente dito, importante tecer algumas breves considerações sobre os direitos reais, como forma de melhor compreender e situar o objeto do presente trabalho.

3.1 DOS DIREITOS REAIS

3.1.1 Conceito

O direito das coisas, disciplinado no Livro III da Parte Especial do Código Civil de 2002, é o complexo de normas que trata das relações jurídicas entre pessoas e coisas, e como coisas podemos entender como tudo aquilo que não é humano e é suscetível de apropriação por pessoas. (TARTUCE, 2018, p. 862).

Nos dizeres de Gagliano e Pamplona Filho, “consiste no conjunto de princípios e normas que regem as relações jurídicas relativas às coisas, que são os bens passíveis de apropriação pelo homem, segundo uma finalidade social.” (2019, p. 27).

Alguns doutrinadores, a exemplo de Orlando Gomes, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Pablo Stolze Gagliano, defendem que o termo “direito das coisas” é arcaico, preferindo utilizar a denominação “direitos reais”. Neste sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2017, p. 971) definem direitos reais como “[...] o direito que traduz o poder jurídico direto de uma pessoa sobre uma coisa, submetendo-a em todos (propriedade) ou em alguns de seus aspectos.”.

Outrossim, os direitos reais são considerados pela doutrina como um conjunto de categorias jurídicas relacionadas à propriedade, sendo que os direitos reais formam o principal conteúdo do direito das coisas (TARTUCE, 2018, p. 862).

Por fim, como forma de melhor compreender a definição de direitos reais, importante diferenciá-los dos direitos pessoais, iniciando pelo fato de que os primeiros têm como conteúdo as relações jurídicas à coisa em si, sendo erga omnes a eficácia

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dos atos relacionados, enquanto que os segundos têm por conteúdo as relações jurídicas estabelecidas entre duas ou mais pessoas, sendo o efeito relacionado inter

partes. Outra importante diferença refere-se ao princípio norteador: enquanto para os

direitos reais o princípio norteador é o princípio da publicidade, para os direitos pessoais o princípio norteador é o princípio da autonomia privada. (TARTUCE, 2018, p. 869-871).

De outro turno, conforme leciona Tartuce (2018, p. 871), cabe salientar também que os direitos reais têm rol taxativo, geram direito de sequela e têm caráter permanente, enquanto que os direitos pessoais têm rol exemplificativo, geram responsabilidade patrimonial e têm um suposto caráter temporário.

3.1.2 Características

Entre as principais características dos direitos reais podemos citar sua a

oponibilidade erga omnes, vinculada ao princípio do absolutismo, que se relaciona

com a eficácia, que têm a sua validade oposta contra todos os membros da coletividade, e não apenas contra aqueles que se encontram na relação jurídica. (TARTUCE, 2018, p. 869).

De outro turno, é necessário arguir sobre a existência de um direito de

sequela nas relações advindas dos direitos reais, ou seja, trata-se da perseguição que

ocorre do direito real sobre a coisa; tal característica se relaciona tanto com o princípio do absolutismo, quanto com o princípio da aderência (FARIAS; ROSENVALD; NETTO, 2018, p. 1.351).

O princípio da aderência ou da inerência, por sua vez, pode ser conceituado, segundo Farias, Rosenvald e Netto (2018, p. 1.351), como a aderência do direito real à coisa, podendo então ser perseguida.

Existe também a previsão de um direito de preferência em favor do titular de um direito real, consistente no “[...] privilégio do titular do direito real em obter o pagamento de um débito com o valor do bem aplicado exclusivamente à sua satisfação.”. (FARIAS; ROSENVALD; NETTO, 2018, p. 1.351).

Segundo Tartuce (2018, p. 864), outro ponto importante na temática dos direitos reais refere-se à regência pelo princípio da publicidade dos atos e que se dá pela entrega da coisa, ou tradição (no caso de bens móveis) e pelo registro (no caso de bens imóveis).

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Merece destaque também a suposta obediência a um rol taxativo de

institutos, previstos em lei, o que, conforme Tartuce (2018, p. 864), consagra o

princípio da tipicidade dos direitos reais. Gagliano e Pamplona Filho (2019, p. 47), a seu turno, afirmam que a tipicidade corresponde à legalidade, ou seja, os direitos reais somente podem existir se decorrentes de previsão legal correspondente, sendo que a taxatividade seria no sentido de que o rol dos direitos reais não admite ampliação por vontade das partes.

Existe também, em relação aos direitos reais, a característica de previsão da usucapião como um dos meios de sua aquisição (TARTUCE, 2018, p. 864), podendo então serem adquiridos por meio deste instituto quaisquer direitos reais, exceto os de natureza de garantia.

Por fim, outras características apontadas por Tartuce (2018, p. 864) são a

possibilidade de abandono dos direitos reais, de renúncia a tais direitos e a viabilidade de incorporação da coisa por meio da posse.

3.1.3 Classificação dos direitos reais

De acordo com o art. 1.225 do Código Civil de 2002, são direitos reais: a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor, a hipoteca, a anticrese, a concessão de uso especial para fins de moradia, a concessão de direito real de uso, e a laje. (BRASIL, 2002).

Tais direitos reais são tradicionalmente classificados pela doutrina civilista em direitos reais sobre coisa própria e direitos reais sobre coisa alheia.

O direito real sobre coisa própria, segundo Gomes (2012, p. 17), resume-se à propriedade, resume-sendo uma inovação da nova Constituição Federal, que evidenciou a fragmentação principal da disciplina de direitos reais, que seria a propriedade.

A propriedade é o mais amplo dos direitos reais, o direito real na coisa própria por excelência, sendo o proprietário capaz de usar de sua propriedade como lhe for conveniente, gozar de todos os rendimentos do seu bem, reivindicar se injustamente deposto de sua posse e dispor se for do seu agrado. (TARTUCE, 2018, p. 910).

Já o direito real sobre coisa alheia conceitua-se como domínio estático do titular sobre a coisa, a relação de subordinação do objeto ao senhorio, trata-se de um

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exercício de direito real limitado, onde os titulares desses direitos têm a obrigação de coordenar a satisfação de seus interesses com a do proprietário que cedeu parcelas de seu domínio. (FARIAS; ROSENVALD; NETTO, 2018, p. 1.592).

Dentro dessa classificação, ainda podemos dividir os direitos reais sobre coisa alheia em três categorias, sendo elas: 1) direitos reais de uso e fruição (que englobariam o usufruto, o uso, a habitação, a servidão, a superfície e as concessões de uso); 2) direito real de aquisição (que incluiria somente o direito do promitente comprador); e 3) direitos reais de garantia (que incluiriam a hipoteca, o penhor e a anticrese).

Quanto à laje, existe discussão doutrinária acerca de sua natureza jurídica: se direito real na coisa própria ou se direito real na coisa alheia (na categoria direito de gozo e fruição) – sendo que, a depender do entendimento adotado, diferentes serão as consequências de ordem prática, como se verá adiante.

3.2 DO DIREITO REAL DE LAJE

3.2.1 Conceito e natureza jurídica

Nascido da necessidade de regularização das moradias verticalizadas, muito comuns em regiões favelizadas no Brasil, o direito de laje foi inserido em nosso ordenamento jurídico para possibilitar moradia regular acessível a todos os brasileiros. Conforme Farias, El Debs e Dias (2019, p. 28-29), o direito real de laje pode ser definido como uma lâmina da propriedade originária, cedida de forma onerosa ou gratuita, podendo ser referente à superfície concretada superior ou inferior de uma construção já existente, por parte de seu proprietário, para que o novo titular do direito possa edificar construção de uma unidade autônoma da construção original.

No mesmo entendimento, Loureiro (2018, p. 1.533) define o direito real de laje como:

Nova modalidade de propriedade, na qual o titular adquirente (lajeário) torna-se proprietário de unidade autônoma consistente de construção erigida ou a erigir sobre ou sob acessão alheia, sem implicar situação de condomínio tradicional ou edilício. Cuida-se de direito real sobre coisa própria, nova modalidade proprietária sobre ou sob construção com a forma de unidade autônoma, desligada da propriedade sobre o solo. Não se trata de condomínio tradicional (arts. 1.314 e seguintes do CC/02) nem de condomínio edilício (arts. 1.331 e seguintes do CC/02), muito menos de direito de superfície temporário (arts. 1.369 e seguintes do CC/02).

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As nomenclaturas das figuras participantes na constituição da laje como direito autônomo seguem a lógica civilista, sendo aquele que cede a laje da construção-base para a edificação de unidade autônoma denominado proprietário da

construção-base ou somente lajeado, e aquele que titulariza o direito de laje em seu

nome chamado de lajeário.

A inovação legislativa está em total consonância com o disposto na Lei Maior do Brasil, já que o constituinte originário decidiu impor aos entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), em seu art. 23, inciso IX, a competência de promover programas de construção de moradias e o desenvolvimento de políticas que promovam melhores condições habitacionais. (BRASIL, 1988).

Segundo Medeiros e Silva (2018, p. 97), pode-se constatar inclusive que o direito à moradia digna, disposto no art. 6º da Constituição Federal, está relacionado aos direitos e garantias fundamentais, sendo uma das cláusulas pétreas firmadas na Constituição Federal brasileira, constituindo então fundamento basilar do estado democrático de direito brasileiro, não podendo ser alvo de alterações.

Nesse liame, dispõem Mendes e Branco (2012, p. 191):

argui-se que os direitos sociais não podem deixar de ser considerados cláusulas pétreas. No Título I da Constituição (Dos Princípios Fundamentais) fala-se na dignidade da pessoa humana como fundamento da República e essa dignidade deve ser compreendida no contexto também das outras normas do mesmo Título em que se fala no valor social do trabalho, em sociedade justa e solidária, em erradicação da pobreza e marginalização e em redução de desigualdades sociais. Tudo isso indica que os direitos fundamentais sociais participam da essência da concepção de Estado acolhida pela Lei Maior. Como as cláusulas pétreas servem para preservar os princípios fundamentais que animaram o trabalho do constituinte originário e como este, expressamente, em título específico da Constituição, declinou tais princípios fundamentais, situando os direitos sociais como centrais para a sua ideia de Estado democrático, os direitos sociais não podem deixar de ser considerados cláusulas pétreas.

A natureza jurídica do direito real de laje dentro do sistema dos direitos reais é motivo de divergência na doutrina. No que se refere à natureza jurídica do direito real de laje, a discussão hoje existente é no seguinte sentido: trata-se de direito real na coisa própria ou de direito real na coisa alheia (direito de gozo e fruição)?

Os que defendem que o direito real de laje se enquadra como direito real sobre coisa alheia o fazem com base nos seguintes argumentos: a laje tem um caráter de subordinação para com a construção-base, sendo então um direito real limitado; para haver a construção de uma nova laje sobre uma já existente, faz-se necessária

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a permissão do proprietário da construção-base; existe a necessidade de averbação da laje na matrícula da construção-base.

Inclusive sobre o enquadramento da laje no sistema jurídico, Mazzei (2009, p. 345) defendia que o direito de laje seria somente uma variação do direito real de superfície, e seguindo esta lógica deveria ser enquadrado na mesma categoria, ou seja, nos direitos reais sobre coisa alheia.

Em continuidade, Gagliano e Pamplona Filho (2017, p. 1.075) entendem que:

diferentemente de outros direitos reais na coisa alheia, o direito de laje tem, em seu conteúdo, um singular animus, equiparável ao de domínio, embora não se caracterize, pela sua estrutura peculiar, como direito real na coisa própria (propriedade), na medida em que, derivando de mera cessão de uso, gratuita ou onerosa, da superfície do imóvel que lhe é inferior, resulta na coexistência de unidades autônomas em uma mesma área.

Em sentido oposto, os que entendem que o direito real de laje trata-se na verdade de um direito real sobre coisa própria afirmam que, por se tratar de um direito autônomo e perpétuo, sua natureza jurídica não poderia ser diferente; além dessas características, destacam-se o fato da necessidade de abertura de matrícula para a laje e de seu usuário deter todos os quatro poderes que um proprietário teria, ou seja os direitos de gozar, reivindicar, usar e dispor.

Ao defender este ponto de vista Farias, El Debs e Dias (2019, p. 65) entendem que não é necessariamente em decorrência da abertura da matrícula que o direito real de laje se enquadraria nesta categoria, mas sendo este a sua consequência:

Secundos, não se pode negar que o reconhecimento ao titular da laje (lajeário) de poderes inerentes às titularidades próprias recomenda o seu afastamento dos direitos reais sobre coisa alheia. Usar, fluir, dispor livremente e reivindicar são poderes conferidos a quem exerce direito próprios e não a quem está em perspectiva de subordinação para com outrem.

Até mesmo porque, enquanto direito real sobre a coisa alheia, o titular da laje dependeria da aquiescência expressa do proprietário para conferir a funcionalidade desejada à coisa – o que se mostra incompatível com a estrutura conferida pela normatividade legal.

Por fim, lecionam Kümpel e Borgarelli (2017) que o direito real sobre coisa própria é aquele em que há uma unidade de poder, não havendo divisão do poder como ocorre sobre os direitos reais sobre coisa alheia, e é exatamente o caso da laje, onde não há dois titulares, pois o titular do imóvel-base não guarda vínculo jurídico

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real com o titular da laje superior ou inferior, havendo entre eles direitos e deveres, na medida em que existem áreas comuns, tal qual ocorre nos direitos de vizinhança.

Segundo Farias, El Debs e Dias (2019, p. 56), a relevância do debate acerca da natureza jurídica residiria, a título de exemplo, na questão relativa ao ajuizamento de ações: considerando-se como um direito real sobre coisa alheia, o lajeário ficaria impossibilitado de ajuizar ações petitórias para proteger o domínio da sua laje, enquanto que se considerado como direito real sobre coisa própria, o lajeário poderia ajuizar a ação reivindicatória.

De acordo com o art. 1.510-A, § 3º, do Código Civil Brasileiro, o titular da laje pode dela usar como lhe aprouver, gozar da forma que lhe for conveniente e dispor deste direito se for do seu interesse, sendo a sua instituição no Ofício de Registro de Imóveis feita em matrícula própria. (BRASIL, 2015).

Embora não esteja implícito na norma legal em questão, Loureiro (2018, p. 1.536) defende que o direito de reivindicar a coisa de quem injustamente a detenha também integra o conjunto de direitos do lajeário. No mesmo entendimento, seguem Farias, El Debs e Dias (2019, p. 91), que afirmam:

o art. 1.510-A, § 3º, da Lei Civil não menciona o direito de reivindicar, mas trata-se de uma clara situação em que a letra da lei traz mais do que olhos podem ver. Seguindo-se o posicionamento [...] de que o direito de laje pertence à classe dos direitos reais sobre coisa própria não há outra conclusão plausível do que legar ao lajeário o direito de se valer da tutela petitória.

O direito de reivindicar o bem está entrelaçado com a característica de sequela dos direitos reais, cujo exercício é garantido pela ação reivindicatória, medida judicial de natureza real e que pode ser usada pelo lajeário para reaver a coisa de quem injustamente a possua ou a detenha. A ação reivindicatória não afasta outras medidas, podendo o lajeário utilizar de qualquer umas das três modalidades de ações possessórias, quais sejam, ação de manutenção de posse em caso de turbação, ação de reintegração de posse se houver esbulho possessório e, no caso de ameaça, o interdito proibitório. (FARIAS; EL DEBS; DIAS, 2019, p. 91).

Em sentido oposto, conforme destaca Tartuce (2017, p. 1.088), aqueles que defendem que o direito de laje trata-se de um direito real sobre coisa alheia entendem que a omissão quanto ao direito de reivindicação foi proposital, já que este

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direito em tese permaneceria com o lajeado, sendo então direito deste ajuizar ações reivindicatórias para reaver o bem imóvel de quem injustamente o detém.

3.2.2 Distinção entre direito real de laje, direito de superfície e condomínio

O direito de laje guarda muitas semelhanças com outros direitos reais identificados no Código Civil brasileiro, em especial com o direito real de propriedade e com o direito real de superfície.

Em relação à superfície, por muito tempo os doutrinadores consideraram a laje como uma subespécie deste direito real. Mazzei (2007, p. 351) defendia que, por conta do silêncio legislador, seria possível utilizar, em razão dos princípios da operabilidade e sociabilidade, o mecanismo do legal da superfície para aplicação das cessões de sobrelevação. Esse mesmo autor (2007, p. 346) defende que o art. 21, § 1º, do Estatuto da Cidade, autorizava a aplicação da sobrelevação:

Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.

§ 1º O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística. (BRASIL, 2001).

Ao indicar a utilização do espaço aéreo, entendiam alguns doutrinadores que o legislador havia formalizado a sobrelevação no direito brasileiro, entendimento que não prosperou.

Atualmente, o direito de laje se difere do direito de superfície por conta da sua independência da construção-base e da sua perpetuação, ou seja, não tem prazo para sua extinção, valendo por tempo indeterminado.

Tabela 1 – Principais diferenças entre os direitos reais de laje e superfície

Laje Superfície

Arts. 1.510-A e seguintes do CC/02 Arts. 1.369 e seguintes do CC/02

Matrícula própria Matrícula alheia

Caráter perpétuo Caráter temporário

Construção vertical Indiferente

Gozar, usar, dispor e talvez reivindicar Gozar e usar

Referências

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