o júri
presidente Professor Doutor Carlos Alberto Pereira de Meireles Coelho
professor associado da Universidade de Aveiro
Doutora Maria Cacilda de Freitas Marado
professora aposentada do Instituto Superior de Ciências da Informação e da Administração
Professor Doutor Manuel Maria de Melo Alte da Veiga professor aposentado da Universidade do Minho
Professor Doutor Manuel Fernando Ferreira Rodrigues professor auxiliar da Universidade de Aveiro
ÍNDICE
INTRODUÇÃO... 13
1. BRINCAR A SER — O TEATRO NA EDUCAÇÃO... 21
1.1. A ARQUITECTURA DAS IDEIAS: CONCEITOS... 26
1.2. DIVERGÊNCIAS: (CON)FUNDIR CONCEITOS... 31
1.3. CONSENSOS: A FUSÃO... 35
2. TEMPO PARA SONHAR — O TEATRO AMADOR EM AVINTES... 41
2.1. RAÍZES HISTÓRICAS DE AVINTES... 42
2.2. ANOS 60-‐90, ANOS DE OURO DO TEATRO EM AVINTES... 49
2.3. O CONTRIBUTO ACTUAL... 52
3. VOZES QUE SONHAM — O ASSOCIATIVISMO E A ESCOLA DE AVINTES... 57
3.1. A PEDAGOGIA DO ÓCIO... 58
3.2. AS VOZES QUE SONHAM... 61
3.3. A TERRA DE NINGUÉM... 67
4. CHEGAR A SER — CONCLUSÃO E PROBABILIDADES ... 75
4.1. O TEATRO NA EDUCAÇÃO ... 75
4.2. O TEATRO AMADOR EM AVINTES... 81
4.3. O ASSOCIATIVISMO E A ESCOLA EM AVINTES... 82
5. APÊNDICES... 87
5.1. ANA RODRIGUES... 89
5.2. CLÁUDIA XAVIER... 90
5.3. DANIEL JOSÉ LOUSADA... 91
5.4. DINIZ CAYOLLA... 91
5.5. JOÃO LUIZ... 92
5.6. JOSÉ VAZ... 93
5.7. JOSÉ MANUEL ARAÚJO... 94
5.8. TIAGO PIRES... 96
6. FONTES ORAIS E BIBLIOGRAFIA... 99
6.1. FONTES ORAIS... 99
6.2. BIBLIOGRAFIA SOBRE TEATRO E EDUCAÇÃO... 99
INTRODUÇÃO
Brincar é sonhar com o corpo (G. Duhamel)
Num perpétuo relacionamento, sempre complexo, interagimos com o mundo e apropriamo-‐nos de conhecimentos comuns à história da humanidade. Este nosso relaciona-‐ mento assume inúmeras formas, consideradas arte. Uma das mais antigas e complexas formas de arte é sem dúvida essa linguagem universal que denominamos teatro. Da Índia chega-‐nos o mais antigo tratado que se conhece sobre o teatro: Bharata é o seu autor, um sábio quase mítico a quem os deuses ordenaram que criasse o teatro. Nele se diz que “o teatro é a representação do mundo inteiro […]. Não há máxima de sabedoria, ciência, arte, ofício, procedimento, acção, que não se encontre no teatro” (Borie, Rougemont e Scherer, 2004: 37). Neste antigo tratado, o teatro assume já um papel essencial para o conhe-‐ cimento, integrando as mais diversas tendências, tornando-‐se um dos melhores registos da interacção do indivíduo com o mundo.
O teatro surge espontaneamente “desde muito cedo na vida de cada um e entre as crianças das várias culturas e civilizações” (Kowalski, 2005: 7). A questão central, para o teatro educacional, consiste em saber como o conceber e apoiar nas escolas, sem que estas vivências se tornem apenas eventos isolados, mas, sim, um contributo para o desenvol-‐ vimento global das crianças e para o gosto e apetência pela cultura. Antes de ser um instru-‐ mento pedagógico o teatro é uma arte, não perdendo a sua especificidade própria.
Toda a investigação se inicia “com uma pergunta sobre o que já é conhecido empírica e teoricamente acerca do que desejamos estudar” (Graue e Walsh, 2003: 49). A existência histórico-‐-‐cultural das colectividades de teatro amador em Avintes fornece os dados de uma interacção local contextualizada, onde o diálogo entre o passado e o futuro é imprescindível, mantendo viva a memória dos lugares, reforçando o sentido de pertença, a consciência
social e a cidadania. O intercâmbio cultural promovido pelo associativismo divulga a cultura histórica e contribui para que se não percam as vivências comunitárias, bem como a herança das suas obras culturais. Estas são as principais ideias que motivam a tese aqui apresentada sobre teatro na educação.
Os principais objectivos deste estudo passam:
• por tentar compreender as relações entre teatro e educação no âmbito das corren-‐ tes e teorias sobre a temática;
• por procurar as razões socioculturais para a importância que o teatro amador tem em Avintes;
• por apreciar as pontes entre o associativismo cultural e a educação e • por propor caminhos para a integração do teatro na educação.
A escola de formação para a vida preconizada pelas colectividades de teatro de ama-‐ dores de Avintes funde-‐se com os preceitos da própria escola. As teias tecidas nesta socie-‐ dade ligaram os seus membros, as crianças, os operários, os escritores, os poetas, os profes-‐ sores, num sistema onde uns não se distinguem dos outros formando um todo. Estas colec-‐ tividades, que se dedicam ao teatro de amadores em Avintes, surgiram no séc. XX e, com elas, inúmeras casas de teatro que se mantêm até hoje, tornando Avintes um caso único a nível nacional. Deparamo-‐nos ainda com uma situação única pela quantidade de colec-‐ tividades que se dedicam ao teatro de amadores tornando as relações estabelecidas com a Escola de extrema importância sob o ponto de vista da formação pessoal e social.
A investigação feita equaciona hipóteses a serem consideradas por outras comuni-‐ dades tornando mais visível o teatro, a educação pela arte e a expressão dramática. Temos sempre presente que “uma acção ao nível da ‘Arte e Educação’ deve recusar fechar-‐se no interior das escolas, o que só se consegue com o lançamento de um projecto capaz de mobi-‐ lizar os diferentes actores e estruturas sociais que desenvolvem outros projectos artísticos no exterior das escolas” (Fragateiro, 2001: 33).
Podemos encontrar múltiplas referências à articulação entre teatro e escola e à expressão dramática, nas mais variadas obras. Numa pequena busca, encontram-‐se mais de dois mil títulos recentes, que mencionam esta temática e, só por este facto, podemos aferir a importância e pertinência do seu estudo. Camilo Cunha, no 1.º Congresso Internacional em Estudos da Criança, realizado em 2008, na Universidade do Minho, constata que a impor-‐ tância da relação entre as crianças e a arte constitui “matéria de investigação científica rele-‐ vante” (Cunha, 2008: 1). Segundo o mesmo autor, esta relação deverá ser intencionalizada ao nível educativo e configura-‐se como um recurso pedagógico e expressivo completo.
Esta tentativa de teatro, se “não é feita desde já na escola, perguntamos quando será feita” (Ryngaert, 1981: 58). Segundo este autor, é a idade escolar a mais própria para o con-‐ tacto com esta forma de arte. Embora o teatro educacional abra caminho a uma “relação
entre educação e teatro que supõe transgressão”, luta contra a corrente do “medo com-‐ tiano de que a fantasia domine o bom senso” (Pacheco, Caldas, e Terrasêca, 2007: 14), o que se enquadra nas preocupações cada vez mais crescentes de uma mudança de paradigma da educação, que actualmente, persiste na orientação para os mercados de trabalho, tornando-‐ se cada vez mais autocrática.
Através do jogo e da expressão dramática, a criança aprende desde cedo a conhecer-‐ se, a dominar as suas emoções, a conhecer o seu corpo, a fazer representações do mundo exterior e, mais tarde, a agir sobre ele. A expressão dramática é ainda considerada, por inú-‐ meros autores, como um instrumento pedagógico valioso, capaz de cimentar as relações entre os vários intervenientes da educação, principalmente as relações professor e aluno. A educação deve pensar-‐se para além da sala de aula, como parte da sociedade, e a actividade teatral potencia a acção cultural.
Ao longo da minha actividade profissional, como educadora de infância, a expressão dramática constituiu uma parte integrante da metodologia pedagógica e tornou-‐se um recurso valioso na tentativa de desenvolver a comunicação. A prática envolve dificuldades que a formação inicial não colmata, e que entravam a sua utilização como técnica expressiva global. Estas dificuldades aumentam quando não é dada a devida importância ao ensino considerado não formal e quando o teatro é visto como uma arte menor, sem importância nos conteúdos curriculares.
Em Avintes, esta realidade altera-‐se: uma boa parte da população tem uma ligação às colectividades e ao teatro, e a escola pode desenvolver com maior facilidade esta área da expressão e comunicação. Os espaços das diferentes casas de teatro, plenos de magia, cheios de histórias contadas e por contar estão disponíveis para a sua utilização e abrem um sem número de possibilidades a quem os quiser utilizar. Trata-‐se de uma singularidade desta localidade, onde a cultura se funde com o pão e o teatro de uma forma poética, enchendo de orgulho as suas gentes e está patente na forma como os Avintenses falam dos seus cos-‐ tumes e os vivem.
A formulação das hipóteses a considerar neste estudo constituem a base, a ser veri-‐ ficada empiricamente junto de um público-‐alvo, escolhido pela sua comprovada contribuiçã-‐ o para o estudo e realização de mudanças promovendo o teatro e as relações sociais. A experiência partilhada de vários investigadores mobiliza para a temática em causa.
Cabe-‐nos verificar que, em Avintes, o associativismo e o teatro contribuem para a relação entre os indivíduos e a sua promoção cultural: “a explicação dos comportamentos individuais ou de pequenos grupos requer a compreensão do modo como essa actividade se relaciona com o propósito do sistema mais alargado” (Graue e Walsh, 2003: 67). O teatro possibilita uma cidadania activa, uma intervenção na vida associativa e cultural com uma
marca que de outra forma seria difícil. Avintes dá respostas, fora do espaço escolar, através de diversas actividades nas casas de teatro.
O Agrupamento de Escolas Adriano Correia de Oliveira, face a uma crescente pressão política e social, está a perder o interesse pela participação activa e efectiva na instauração da educação pela arte e da escola cultural. O movimento internacional, iniciado por Herbert Read nos anos 40, de um método de educação pela arte, teve as suas repercussões com a aceitação mundial da educação através da arte. Portugal não ficou aquém deste movimento com a institucionalização do ensino artístico no ensino oficial nos anos 70. A educação pelo teatro é fundamental para uma visão abrangente do mundo, para nos colocarmos no lugar dos outros, para a construção de uma sociedade tolerante.
No entanto, “o modelo de educação adoptado em cada país, para além de assente formalmente nos seus princípios constitucionais, nas suas questões de fundo, depende de inúmeros parâmetros (política governamental, condições geossociais da escola, condições psicossociais de professores e alunos, visão do futuro) e, ainda, de outros afins (condições económicas, interesse cultural, existência de professores qualificados, etc.)” (Reis, 2003: 18). Embora analisados de forma breve, estes parâmetros serão abordados ao longo deste tra-‐ balho. A falta de interesse político pelas questões culturais e educativas é notória. Apesar disso os progressos fazem-‐se, os frutos da dedicação e do amor à arte estão patentes na vida social, cultural das comunidades.
A análise dos sucessivos acontecimentos na escola remete-‐nos para a importância e centralidade da criança em toda esta investigação, pois descrever “toda a riqueza das vidas das crianças nos inúmeros contextos em que elas se movem” e investir numa determinada imagem “promove uma prática que desenvolve as crianças de acordo com essa imagem” (Graue e Walsh, 2003: 22). A amplitude etária é abrangente, começa na primeira infância com os jogos de faz-‐de-‐-‐conta e, tal como a educação, não tem prazo para terminar. A designação expressão dramática, em Portugal, está quase sempre ligada ao lúdico, ao jogo como forma de aprendizagem. Já teatro educacional não é uma designação tão utilizada por subentender formalidade.
A crescente participação da sociedade nas tomadas de decisão da escola para que possam decidir, em conjunto, sobre os destinos da educação minimiza os problemas sociais pela promoção da população envolvida. A preocupação central da escola em Avintes é o sucesso educativo, que depende de princípios e valores de vária ordem, patentes no Pro-‐ jecto Educativo do Agrupamento de Escolas Adriano Correia de Oliveira, dos quais salien-‐ tamos: “contribuir para o alargamento do interesse dos alunos por conteúdos culturais e o desenvolvimento de atitudes conducentes à valorização e defesa do património natural e cultural”, através do reforço da “ligação do agrupamento com o meio envolvente, através do desenvolvimento de parcerias, protocolos e projectos, que concorram para a melhoria do
serviço educativo e a criação de novas oportunidades de aprendizagem” (2009: 39). É visível que a comunidade escolar de Avintes reconhece a importância da cultura e do seu contexto específico, que traz vantagens para o teatro e para a escola através do trabalho cooperativo. Foi precisamente o contexto local que nos levou a uma procura de fontes que con-‐ firmassem a importância do teatro na educação. Este contexto “é um espaço e um tempo cultural e historicamente situado um aqui e agora especifico. É o elo de união entre as cate-‐ gorias analíticas dos acontecimentos macro-‐sociais e micro-‐sociais” (Graue e Walsh, 2003: 25) daí a análise entre os contextos social local e alargado.
Para que um projecto de educação pela arte resulte é necessário o máximo interesse de todos os intervenientes daí que, a importância que os autores dão a esta teoria, seja fun-‐ damental para organizar o método de educação a ela inerente.
Ao verificar as teorias existentes sobre educação pela arte fomos construindo hipóte-‐ ses e expectativas e ligando “contribuições individuais de estudo interpretativo a horizontes mais vastos de pesquisa” (Graue e Walsh, 2003: 31). Por essa razão, neste trabalho uti-‐ lizámos como suporte metodológico a abordagem biográfica.
A principal inspiração para esta metodologia surgiu com a leitura de, O desejo de tea-‐ tro: o instinto do jogo teatral como dado antropológico de Isabel Alves Costa, que con-‐ távamos ter como respondente, mas que faleceu a 15 de Agosto de 2009, sem que o con-‐ tacto tenha sido estabelecido. Constitui uma singela forma de homenagem a esta Actriz e Professora, a utilização da sua metodologia que, acreditamos, teria aprovado dado o seu altruísmo e o seu profundo interesse na divulgação cultural e no teatro.
No entanto, ao definir a metodologia, a investigação descritiva foi a mais utilizada, por recorrer às etapas estabelecidas pelos autores Hermano Carmo e Manuela Ferreira: a defini-‐ ção do problema, a revisão da literatura, a formulação de hipóteses, qual a população alvo e a escolha da técnica da recolha de dados, e qual a dimensão da amostra (2008: 231).
O problema, a questão inicial que suscitou todo o trabalho subsequente foi a preocu-‐ pação, enquanto profissional de educação, com uma escola que se afasta cada vez mais do seu propósito fundamental como pólo cultural por excelência, onde deveriam fervilhar as ideias e a criatividade, onde se fabricam sonhadores e não autómatos.
Toda a conjuntura profissional em Avintes mostrou o interesse das crianças pelo faz-‐de-‐ conta e pelas lides teatrais (quase todas tinham familiares ligados às colectividades), e os projectos curriculares desenvolvidos reflectem isso mesmo. Havia, na escola, uma dinâmica interessante, com um ateliê de teatro para as crianças do 1.º Ciclo do Ensino Básico da escola do Magarão e actividades extra-‐curriculares, para as crianças do ensino pré-‐escolar, nas instalações do Grupo Mérito Avintense. Na Escola Básica de 2.º e 3.º Ciclo, existia a opção de teatro e protocolos estabelecidos com os Plebeus Avintenses. A escrita é um pro-‐ cesso interpretativo e o papel do investigador condiciona-‐o. O facto de ter trabalhado em
Avintes e ter contactado com inúmeros adultos e crianças, despertou a vontade de analisar o contexto local. A interpretação baseia-‐se nas análises documentais e nos registos de dados sobre Avintes, mas o contributo mais decisivo consistiu em escutar as pessoas.
A bibliografia reflecte uma procura de teorias e ideias sobre a temática do teatro na escola. O contexto alargado refere-‐se a toda a problemática que envolve a educação pela arte e o teatro na escola. A verificação das principais teorias sobre educação pela arte, teatro na educação, expressão dramática e animação teatral (associativismo), ligaram o con-‐ texto alargado ao contexto local, abrindo um caminho, que embora nem sempre fácil por envolver controvérsias de toda a ordem, conduziu a uma questão central: a educação pela arte, e especificamente o teatro e a expressão dramática, tem uma importância indubitável.
Não é demais mencionar a importância de fazer descobertas contextualizadas his-‐ tórica, social e culturalmente. “A investigação histórica envolve o estudo, a compreensão e a explicação de acontecimentos passados” (Carmo e Ferreira, 2008: 229), tornando-‐se uma parte significativa do trabalho desenvolvido. Também para Elizabeth Graue e Daniel Walsh este constitui um dos temas principais quando se trata de investigação etnográfica com crianças, título da sua obra editada em 2003. Outro tema presente na obra citada é a natureza contextualizada do investigador e a centralidade da interacção social em que estamos interessados. A natureza social e interaccional destas investigações, ainda segundo estes autores, vai providenciar informação para os outros, a família, os colegas, os amigos.
A escolha dos respondentes não gerou grandes dificuldades. Trata-‐se de um grupo de pessoas muito qualificadas nos domínios da educação e do teatro, que propõem mudanças na função da arte teatral e nos processos educacionais, possibilitando o aparecimento de um tipo de teatro que vai ao encontro das questões suscitadas. Por este motivo a aposta foi feita não na quantidade, mas na qualidade inegável do seu contributo. Algumas dessas pes-‐ soas estão directamente ligados ao teatro e à cultura de Avintes. A todos enviámos um questionário que possibilitasse uma reflexão sobre as principais questões desta dissertação. De um universo inicial de dez respondentes, obtivemos oito respostas.
Numa primeira parte do trabalho abordaremos o teatro como expressão de uma sociedade cultural. O teatro é “um excelente meio de civilização, mas não prospera onde não a há”, nas palavras de Almeida Garrett, e constitui tanto um recurso como uma forma de intervenção na procura de valores como a integração ou a cidadania. O teatro educa-‐ cional, enquanto arte, possui um poder especial, toca-‐nos de uma forma global, contribui para a tomada de consciência ao mesmo tempo exigente e activa.
O título do primeiro capítulo, “Brincar a ser”, remete-‐nos para a acção, para o fazer, para a utilização do corpo enquanto instrumento de conhecimento. As questões principais centram-‐se na educação pela arte, nos conceitos inerentes e consequentemente, no melhor modo de apoiar a expressão dramática nas escolas sem que estas vivências se tornem
eventos isolados. As actividades dramáticas em educação recorrem à totalidade da criança aos aspectos físicos e afectivos, ajudam-‐na a tornar-‐se actor no seio da sua comunidade e a contribuir para o seu desenvolvimento.
O nascimento e a afirmação do teatro em Avintes torna-‐se essencial, na segunda parte, onde procurámos mostrar a ancestralidade das raízes desta comunidade, as suas características dessas manifestações, num passado próximo e nos nossos dias. O conhe-‐ cimento das colectividades e dos homens e mulheres que deram vida a este movimento demonstrará como o teatro e a escola em Avintes contribuem, na sua inter-‐relação, para o aumento da qualidade da educação que se quer perspectivadora de futuros e com “Tempo para sonhar”, título deste segundo capítulo. A expressão dramática, enquanto prática peda-‐ gógica do teatro no sentido mais lato, pode fixar-‐se como finalidade e favorecer o desen-‐ volvimento, o desabrochar da criança através de uma actividade lúdica que permita uma aprendizagem global abrangendo os aspectos cognitivos, afectivos, sensoriais, motores e estéticos. Neste sentido, partilha das intenções da finalidade geral da educação: o desen-‐ volvimento harmonioso e global da personalidade da criança.
Na terceira parte, abordamos o movimento associativo e os principais actores nesta ligação teatro-‐escola e uma visão sucinta, quase sinóptica, da evolução do teatro na edu-‐ cação em Portugal. Através da opinião de um grupo de pessoas ligadas à educação e ao teatro, que propõem mudanças na função da arte teatral e nos processos educacionais, per-‐ cebemos que as “Vozes que sonham” se fazem ouvir.
O teatro é vida, permitindo reflectir, discutir, criticar e expressar-‐se. Este tipo de prá-‐ tica tem sido usado em diversos contextos como forma de envolver a todos num processo de crescimento. Na escola, desde a etapa pré-‐escolar, os educadores utilizam a expressão dramática como uma via de conhecimento e de relação. A comunicação gestual e os jogos simbólicos são o campo favorito da imaginação, da criatividade e da espontaneidade, dando-‐ nos a possibilidade de experimentar: “aprendemos através da experiência, e ninguém ensina nada a ninguém” (Japiassu, 1998: 1).
No mundo apressado em que vivemos, com crianças que se desligam dos conteúdos escolares, com toda a diversidade de interesses, com todas as especificidades, com todas as dificuldades, o teatro e a expressão dramática contribuem para nos podermos (re)pensar. Todos os envolvidos nesta relação aprendem e apreendem de tudo e, fundamentalmente, conseguem pôr-‐-‐se no lugar do outro, ver o Mundo com diferentes olhos.
Em última análise, esta dissertação destina-‐se à escola, em particular às crianças, que continuam a ser as principais visadas de toda a investigação, aprofundando o que as leva a gostarem tanto de brincar aos teatros, já que se prevê que “uma sociedade que evita saber mais das suas crianças tomou uma péssima decisão sobre as suas prioridades” (Graue e Walsh, 2003: 15).
Augusto Boal, que faleceu dois meses após proferir o discurso sobre o Dia Mundial do Teatro, diz-‐nos que “mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas em forma teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modu-‐ lação das vozes, o confronto de ideias e paixões, tudo que fazemos no palco fazemos sempre em nossas vidas: nós somos teatro” (Boal, 2009: 1). Brincamos a ser nas fases mais vitais do nosso crescimento e fazemo-‐lo ao longo da nossa vida. Enquanto educadores a atenção a esta peculiaridade dos seres humanos, a este desejo de teatro nunca será demais. O jogo está na base dos grupos humanos, o jogo teatral mais do que qualquer outro. Esta é a ideia que sustenta esta dissertação, perspectivando a ligação entre o teatro e a educação.
1. BRINCAR A SER — O TEATRO NA EDUCAÇÃO
O teatro é um excelente meio de civilização, mas não prospera onde não a há (Almeida Garrett)
O teatro foi utilizado desde sempre e sempre fez parte da transmissão de conhe-‐ cimentos, contribuindo para o desenvolvimento do ser humano. Este fenómeno deve-‐se a essa característica do teatro, que o torna distinto entre todas as formas de arte, que é a que mais se aproxima da vida das pessoas e é verdadeiramente social por só ser possível praticá-‐ la em grupo. Peter Brook afirma que o teatro é a vida, “mas é a vida sob uma forma mais concentrada, mais breve, condensada no tempo e no espaço”, considerando que o ins-‐ trumento universal é o corpo e que o que “difere são os estilos, as culturas” (1993: 19). O corpo, a palavra, a proximidade são referências para uma grande maioria dos autores, guar-‐ dando uma carga de utopia e sendo um “acto poético, talvez de poesia impura, porque demasiado contaminado pelo humano. Mas sempre de poesia. Como a ideia de eternidade ou a própria vida” (ibidem). De todas as expressões artísticas a que particularizamos é o teatro por, precisamente, proporcionar experiências relacionais, sociais e políticas. O teatro é “um veículo de educação individual e, simultaneamente, colectiva” (Jacinto, 1991: 15), constituindo uma via educativa de natureza formativa “ao serviço da promoção social das nossas populações” (ibidem), que estimula as capacidades de maior prioridade educacional que englobam a independência e autonomia, a criatividade, a expressividade, a auto-‐ afirmação, a comunicação, a capacidade de tomar decisões, em suma, as competências sociais.
A associação da educação e do teatro faz-‐se na escola, um dos espaços comunitários onde se pode construir o saber pela e com a expressão artística. Segundo Ana Paula Figueira (2004: 2), “a expressão dramática, tendo em consideração os aspectos afectivos/sociais,
cognitivo/linguísticos e psicomotores de desenvolvimento, perspectiva-‐se como um ins-‐ trumento de actualização e potenciação sociais”, retomando, desta forma, o valor das emo-‐ ções, uma vez que são elas que nos tornam verdadeiramente humanos.
A escola nega, muitas vezes, a aproximação ao mundo do sensível, formalizando as aprendizagens e tornando o processo educativo essencialmente passivo. É mais uma vez procurando as palavras do actor que damos conta desta aridez. Peter Brook (1993) descreve o quão deprimido se sentiu ao proferir uma conferência numa universidade inglesa e ao ver as pessoas “como se estivesse numa escola” em “contextos de uma tão grande rigidez nos quais uma pessoa, um herói, só porque está mais alto, domina pessoas passivas, infelizes, que se aborrecem sem darem por isso e no entanto ouvem.” Tito Agra Amorim faz eco deste fenómeno, apelidando as escolas de “guetos, isolados da vida, onde se transmitem conhe-‐ cimentos parcelares”, mas onde ainda vale a pena “lutar contra a corrente” do “insucesso” e da “falta de comunicação” (1995: 26). Não é de estranhar que outros autores considerem como “transgressão disciplinar” (Pacheco, Caldas e Terrasêca, 2007) a presença do teatro na escola e que diversão e ensino são em grande parte tidos como factores incompatíveis. Essa dicotomia mostra que estamos diante de uma “charada que espera ser decifrada” (Koudela, 1991: 21). É esta “charada” que esperamos, em parte, desvendar, contribuindo para uma maior aproximação da escola ao mundo do sensível, das artes. A educação pela arte é cada vez mais apontada como uma das respostas para a nossa sobrevivência enquanto espécie. No mundo tecnocrático que criámos, “as crianças sabem que existe o maravilhoso, a fan-‐ tasia, a justiça, a beleza; o mundo fora do teatro diz-‐lhes que não. O teatro, a arte podem confirmar-‐lhes que elas têm razão; e que quando quiserem, podem escapar-‐se ao mundo lá fora” (Pina, 1987: 74).
Não podemos deixar de referir, Ingrid Dormien Koudela que, ao elaborar uma teoria de jogo de aprendizagem e de educação, baseada em Viola Spolin, Jean Piaget e Brecht, considera o corpo como o plano mais importante: “O material do teatro, gestos, atitudes, é experimentado concretamente […], a conquista gradativa de expressão física nasce da relação que deve ser estabelecida com a sensorialidade” (Koudela apud Spolin, 2007: 23). A autora encara o jogo como “valioso instrumento para a aquisição de conhecimentos”, pois esta ideia é “recorrente na história do pensamento educacional […], desde Platão e Aristóteles, que atribuem grande importância ao lúdico enquanto factor de equilíbrio físico-‐emocional para o crescimento da criança.” (Koudela, 1991: 21). Salientamos o facto de “uma utilização pedagógica do conceito de peça didáctica em Brecht” ser uma “solução de problemas de ordem pedagógica” e, por isso mesmo, dever ser “elevado à categoria de fundamento de
métodos educacionais” (ibidem).
Em verdade, o teatro constitui uma reacção face a um crescente tecnocentrismo dos currículos escolares, “de onde deriva a frequente tentação de governar unicamente através de técnicos ou da tecnocracia” (Bobbio apud Mello, 2003: 100). Este tecnocentrismo refere-‐se a um crescente domínio da técnica, que sobrevaloriza os aspectos tecnológicos em prejuízo dos humanos e que foi denunciado por importantes nomes da Filosofia, como Habermas, Ricoeur ou Bobbio. O seu sentido comum é o de um sistema de organização política e social em que o poder é principalmente exercido pelos técnicos e onde predomina a irracio-‐ nalidade dos mercados e das castas que se alternam no poder.
Mas este domínio da irracionalidade não prescinde do trabalho dos artistas, pois pre-‐ cisa de se legitimar socialmente e de se apropriar dos novos horizontes, abertos com as des-‐ cobertas no plano estético. O teatro é “uma das linguagens estratégicas para criar espaços multidisciplinares e de projecto no interior das escolas, para criar pontes entre a escola e as comunidades, para ligar de forma intensa os grandes criadores e inventores sociais que são os cientistas, os artistas e os filósofos” (Fragateiro, 2006: 1).
A “expressão dramática, enquanto prática pedagógica do teatro no sentido mais lato” (Landier e Barret, 1994: 13), apoia o desenvolvimento do ser desde a primeira infância e baseia-‐se “na livre expressão dos participantes e na comunicação” (Landier e Barret, 1994: 14). O conceito expressão dramática tem estado sujeito a várias interpretações, conforme a sua utilização, dependendo se é feita por autores ligados ao teatro ou à educação.
A abordagem portuguesa da terminologia utilizada em contextos educativos, para designar teatro, explicitada por Alberto B. Sousa (2003b), aglutina as tendências e os estu-‐ dos de vários autores nacionais e estrangeiros, fazendo o paralelo com a realidade e os métodos educativos, transformando-‐se numa “área educacional” que engloba as perspectivas do jogo dramático, do teatro infantil, do drama educativo e da psicologia da expressão artística. Utiliza-‐se a denominação expressão dramática, que veio substituir a designação música, movimento e drama, por influência de Gisèle Barrett. Ao defender uma pedagogia onde se “aprende com a própria vida” e se podem seguir as “viagens quotidianas, onde os passageiros são considerados como seres humanos na sua globalidade e não como cabeças para encher e marcar” (Barret apud Amorim, 1995: 25), esta autora cunhou o percurso de muitos dos educadores do nosso país.
A expressão dramática tem esse cunho indelével de actividade livre, espontânea, de jogo infantil (Sousa, 2003b: 17). O jogo é para autores bem conhecidos, como Rousseau, Dewey, Piaget ou Vygotsky, de vital importância no processo de aprendizagem. Todos con-‐
cordam que “não se pode aprender nada sem fazer e sem desejar” (Piaget apud Monot, 1989: 18) e, neste âmbito, insere-‐se o jogo dramático, a expressão dramática. Para Schiller, “o impulso estético para a arte deve desenvolver-‐se através do jogo” (Schiller apud Sousa, 2003a: 170). Herbert Read (2007: 137) reitera essa opinião, considerando “o jogo como uma forma de arte”. Esta experiência conjunta, em que “o conhecimento é gerado a partir da prática social” (Vasconcelos, 1997: 37), torna a prática da expressão dramática numa acti-‐ vidade educativa privilegiada.
Brincar e, consequentemente, jogar é essencial ao desenvolvimento do ser humano naquilo a que Isabel Alves Costa chama o “passeio do eu”: “O eu que brinca faz de conta que é aquilo que não é, e assim descobre novas formas de ser.” (2003b: 12). Seguindo este pen-‐ samento, até aos 6 anos, o teatro é para criança objecto de “desejo”. Na adolescência cor-‐ tamos com a infância; jogar começa a diferenciar-‐se da representação, são os “caminhos do desejo de teatro”. As relações entre o teatro e o jogo do faz-‐de-‐conta são reais. As crianças têm “competências teatrais […] e a espantosa compreensão da estrutura geral do jogo teatral são visíveis em todas as situações de faz de conta mesmo que a consciência teatral apareça mais claramente naquilo a que poderíamos chamar os jogos de ficção teatral.” (Costa, 2003b: 340).
Em 1969, Deniz Jacinto defendia que “é necessário reoficializar o ensino infantil (dos 3 aos 6 anos) e, nele, incluir o Teatro sob a forma mimodramática” (1991: 17). De forma semelhante, Jean-‐Claude Landier e Gisèle Barret apoiam-‐se nas Instruções Oficiais Francesas de 1985, no sentido “de proporcionar às crianças o prazer do gesto, de formar o gosto, de dar acesso ao património artístico e cultural, de desenvolver as capacidades de expressão e criação” (1994: 13), dando também relevância às atitudes e competências que se propõem desenvolver, sem perderem de vista o desenvolvimento harmonioso e global das crianças.
O teatro, como vemos, é considerado por inúmeros autores valioso do ponto de vista pedagógico, constituindo “um dispositivo de significação individual, mediando a compreensão da criança face ao mundo envolvente, a sua apropriação do conhecimento e permitindo o diálogo e integração das várias formas de acesso, assimilação e elaboração da realidade” (Cunha, 2008: 18), capaz de cimentar as relações entre os vários intervenientes da educação, que deve pensar-‐se para além da sala de aula, como potenciadora da acção cultural e do desenvolvimento social. “Aprender? Certamente, mas antes de mais viver e aprender através e em interacção com esta vivência.” (Dewey, 2002: 16).
O próprio teatro é escola, ensina, põe-‐nos diante de nós próprios e dos outros, ao representar situações da nossa vida. No mundo complexo e apressado em que vivemos, com
crianças que se desinteressam dos conteúdos escolares, com toda a diversidade de inte-‐ resses, com todas as especificidades, com todas as dificuldades, o teatro pode contribuir para nos podermos pensar dando voz às angústias, aos conflitos, permitindo reflectir, discutir, criticar e expressar-‐se. Tornando-‐se num dos instrumentos “cultural, educativo e social, o teatro poderá certamente enriquecer o projecto educativo para a vida dirigido aos jovens” (Balancho e Coelho, 1996: 83). Este tipo de prática tem sido usado em diversos contextos como forma de envolver todos, num processo de crescimento.
Na escola, desde o ensino pré-‐escolar, os educadores utilizam esta força educativa que “procura ajudar a criança a descobrir os elos entre as emoções e a linguagem para os exprimir: a Arte.” (Sousa, 2003a: 84), constituindo um meio de conhecimento e de relação, cuja técnica ao ser gradualmente conhecida e dominada pode ser utilizada em toda a sua abrangência.
Imersos na educação da infância e no mundo do jogo do faz-‐de-‐conta, encontramos a linguagem teatral. Isabel Alves Costa faz essa comparação: “pode dizer-‐se, então, por analogia com o que se passa no teatro, que cada jogo de faz-‐de-‐conta, enquanto representação teatral, pode ser considerado como um texto espectacular que agrupa textos parciais.” (2003b: 61). Estes textos parciais referem-‐se a pontos em comum como sejam o espaço e os objectos cénicos, o jogo, os actores infantis e a história, argumento ou texto dramático. A ideia que enforma toda a tese de doutoramento desta autora radica naquilo que pensamos estar na raiz da importância educativa da expressão dramática: o desejo de teatro.
Da actividade natural da criança, que se funda nas raízes da existência humana (sempre houve crianças que brincam), progredimos para uma tomada de consciência da necessidade de teatro, quer seja pelos “caminhos do palco”, quer “pelo caminho da sala” (Costa, 2003b: 342). Ao percorrê-‐los, encontramos o nosso lugar no palco da vida, e é na adolescência que os lugares se começam a tornar conscientes. É nesta amplitude etária que se situa o centro de interesse do estudo efectuado e por ser o alvo preferencial das propostas, dos vários autores, que analisamos ao longo desta exposição.
As actividades dramáticas em educação recorrem à totalidade da criança que “intervém com o corpo e com a palavra, com a sua timidez e a sua sensibilidade, com as suas recordações e os seus sonhos” (Faure e Lascar, 1982: 10), aos aspectos físicos e afectivos, ajudam-‐na a tornar-‐se actor no seio da sua comunidade e a contribuir para o seu desen-‐ volvimento. O teatro e a criança só podem ganhar com isso; o teatro por ser (re)descoberto e, tomar para si, os talentos, de que necessita, e o público que almeja; as crianças, por seu turno, por terem esse suporte, de se poderem pôr no lugar dos outros construindo a sua personalidade e ocupando o seu lugar no palco da vida.
1.1.
A
ARQUITECTURA DAS IDEIAS:
CONCEITOSA formação geral do homem deve ser concebida como um processo total e a arte nela intervém em diversos planos, não só ao nível da sensibilidade estética mas também na vida intelectual, afectiva e moral. Platão pugnava por uma educação para atingir o Belo, o Bem, que conduziria à perfeição humana, a uma vida perfeita, humana, à saída da caverna, à saída da nossa animalidade. O valor de uma educação através da arte está alicerçado desde a Antiguidade Clássica. A arte é quase sempre encarada “como manifestação do inconsciente, como caminho possível para fazer emergir as expressões daquilo que ocultamos, do que é potencializado, que as relações humanas escamoteiam, daquilo que nos oprime e nos transcende.” (Gavião, Bakk e Gavião 2008: 1). Embora a maioria dos autores releguem para segundo plano “o ideal mais apaixonado de Platão” (Read, 2007: 13), a exequibilidade da educação pela arte foi encarada como fundamental por Herbert Read, em cuja tese, publicada pela primeira vez em 1943, defende que “a arte deve ser a base da educação” (ibidem).
A sociedade indiferencia, tantas vezes, a individualidade de cada um, a sua perso-‐ nalidade autêntica, a sua singularidade. As normas e os padrões estéticos, presentes na arte, salientam a originalidade, a liberdade de podermos ser nós próprios e enriquecermos a sociedade. A arte é, pois, uma forma de expressão pessoal, de criação e, acima de tudo, de mudança, desenvolvimento e liberdade. O que a Arte pode promover num indivíduo, num colectivo, na sociedade como um todo, «é uma verdadeira revolução no sentido mais radical, de ruptura” (Gavião, Bakk e Gavião 2008: 1). No entanto, esta definição é muito redutora, pois “para definir Arte seria preciso definir vida: o mesmo é dizer que é impossível definir Arte” (Salazar, 2003: 35), embora Augusto Boal a defina como “busca de verdades através dos nossos aparelhos sensoriais” (2005: 18), e Manuel Guerra a olhe como “um cris-‐ talizador de consciências funcionando, desse modo, como uma alavanca poderosa na construção do futuro à dimensão do Homem” (2007: 4).
Alberto B. Sousa faz um inventário exaustivo dos fundamentos da Educação pela Arte e Artes na Educação. Os autores citados, nesta obra, para fundamentarem os dois modelos educacionais, enquadram-‐se nas perspectivas humanistas e construtivistas da Filosofia da Educação. É longa a lista, de autores estrangeiros e nacionais de Platão a Sócrates, Aris-‐ tóteles, Rousseau, Read, Vygotsky, Schiller, Dewey e Mounier a Verney, Garrett, Abel Salazar, Leonardo Coimbra, António Pedro e Madalena Perdigão, entre muitos outros, que abordam os conceitos Arte e Educação.
São estes os dois conceitos-‐chave que arrastam consigo outros tantos, como os de cultura e teatro, igualmente vastos. Tendo em conta este consenso e o facto de que todo ser
construído (Salazar, 2003: 35), tentaremos dar uma ideia da arquitectura cultural que define Arte ligada à Educação.
Kieran Egan (1994: 123), em O uso da narrativa como técnica de ensino, salienta o facto de “apesar de todos os horrores, da estupidez e da intolerância das guerras inter-‐ mináveis, da inevitabilidade da morte, os homens continuaram sempre a desejar criar o Belo”, indicando que “um currículo que considere as Artes como uma área acessória não pode considerar-‐se educativo”. Para este autor, a arte constitui “uma das grandes histórias da humanidade”, que exprimem “algo de indefinido que existe dentro de nós” (ibidem).
Começando por ser um “generoso empreendimento, cuja finalidade eram a educação e os divertimentos das gerações mais jovens” (Lenhardt, 1997: 9), o teatro na escola foi ganhando contornos e firmeza ao longo do tempo, seguindo as bases psico-‐pedagógicas que privilegiam a integridade do ser humano e que, graças aos esforços de muitos autores, se “ainda não se tornou uma ciência, já é pelo menos, objecto das mais sérias e exigentes investigações” (ibidem). Estas investigações incidem sobre áreas que dão conteúdo aos con-‐ ceitos. Fala-‐se da Educação do Querer, por exemplo, como ferramenta para o auto-‐ -‐conhecimento e a auto-‐expressão. O título da obra de Renata Di Nizzo reflecte a impor-‐ tância que cada vez mais se atribui às “pesquisas sobre a relação do teatro com a apren-‐ dizagem e da linguagem com a criatividade” (2007: 13), revendo a “necessária educação da atenção, da vontade e do corpo -‐ do não verbal” (ibidem), alicerçando assim a inteligência interpessoal.
Robert Gloton e Claude Clero, em A Actividade Criadora da Criança (1997), aludem ao facto de, num dinamismo comum, “importa formar não personagens, mas pessoas livres e originais, dotadas de iniciativa, criatividade e responsabilidade. É preciso ensinar cada um a tornar-‐se ele próprio”(Peretti apud Gloton e Clero, 1997: 15). Mesmo abordando a questão do conservadorismo da escola e da capacidade, que tem de se tornar numa “enorme máquina de condicionamento”, Gloton e Clero (1997: 66) admitem que este ainda é o local onde se pode manter viva “a recusa de uma sociedade de nivelamento, que sufoca a acti-‐ vidade criadora original do indivíduo” (ibidem). Ao usarem expressões como “formação libertadora”, “educação permanente” e “actividade criadora”, facilmente se verifica que, na opinião dos autores supracitados, o conceito de arte se relaciona com o de educação.
Confirmando esta opinião, mas traduzindo-‐a de uma forma particular para o teatro, Pierre Voltz atesta que a sua riqueza vai para além do “campo da experiência artística”, envolvendo o “exercício do pensamento e da sensibilidade e a ocasião para adquirir e desenvolver em conjunto um certo número de valores sociais, democráticos e humanitários”