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Nobres leteras... fermosos volumes... : inventários de bibliotecas dos franciscanos observantes em Portugal no século XV : os traços de união das reformas peninsulares : o floreto de Sant Francisco

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Colecção «Via Spiritus», III Série – Acta et Monumenta

1. José Adriano de Freitas Carvalho – O meu reino por um sereno… Viajantes Portugueses em Espanha (1847-1952). Achegas para uma Bibliografia 2. José Adriano de Freitas Carvalho – Antes de Lutero:

A Igreja e as Reformas Religiosas em Portugal no século XV. Anseios e limites

3. Jacinto Cordeiro – Elogio de Poetas Lusitanos Introdução e notas de Maria Lucília Gonçalves Pires

Partindo de alguns inventários das pequenas «livrarias» das comunidades das primeiras gerações dos francisca-nos observantes em Portugal – e não apenas portugue-ses, porque a essas comunidades, além dos portugueportugue-ses, acorriam galegos, castelhanos, franceses, catalães… –, os três ensaios agora reunidos permitem perceber os lentos progressos dos interesses culturais destas comunidades religiosas então atentíssimas ao rigoroso cumprimento da letra da sua Regra para salvaguarda do espírito com que lha havia transmitido Francisco de Assis. Copiado mais do que uma vez, e talvez traduzido, um dos seus textos – o Floreto de Sant Francisco – que, como eles, também outras reformas observantes peninsulares pos-suíam, foi igualmente marcante nas leituras das gerações seguintes, pois é possível assinalar os ecos – directos ou indirectos que sejam – da sua leitura pelos grandes cro-nistas franciscanos portugueses do séculos XVI e XVII. Compreende-se: era uma compilação de «fontes francis-canas» que, à sua maneira, transmitiam uma visão rigo-rista – e não sem polémica – da forma vitae proposta por S. Francisco. A história da cultura em Portugal não poderia esquecer nem esses homens nem esses textos.

José Adriano de Freitas Carvalho é Doutor em

Litera-tura Espanhola (com uma tese intitulada Gertrudes de

Helfta e Espanha. Contributo para o estudo da história da espiritualidade peninsular nos séculos XVI e XVII,

I.N.I.C., 1981) e Professor Catedrático jubilado da Uni-versidade do Porto. Foi Director do Seminário «Damião de Góis» nos Estudos Gerais da Arrábida – Conferências

do Convento, e tem privilegiado como áreas de

investiga-ção a História da Espiritualidade.

É autor, entre outros, dos seguintes títulos: Poesia e

hagio-grafia (CIUHE, 2007), Lectura espiritual en la Península Ibérica (SEMYR, 2007) e Arte de galanteria, de D.

Fran-cisco de Portugal (Edição e Notas, CIUHE, 2012). Nas Edições Afrontamento (em co-edição com o CITCEM) publicou: Tomé Tavares Carneiro. Outavas à Jornada

pelo Douro acima com uns amigos (2012), Epistolário a D. Rodrigo da Cunha (1616-1631), de D. Francisco de

Portugal (Edição, Introdução e Notas, 2015) e Antes de

Lutero: A Igreja e as Reformas Religiosas em Portugal no século XV. Anseios e Limites (2016).

José Adriano

de Freitas Carvalho

NOBRES LETERAS…

FERMOSOS VOLUMES…

inventários de bibliotecas dos franciscanos observantes

emportugal no século xv

ostraçosde união

das reformaspeninsulares

O Floreto de Sant Francisco

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invent ários de biblio tec as dos fran cisc an os obser vantes em por tug al n o sécul o xv os tra ços de uniã o d as ref ormas peninsul ares O Flor et o de Sant F rancisco CITCEM

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NOBRES LETERAS… FERMOSOS VOLUMES… INVENTÁRIOS DE BIBLIOTECAS DOS FRANCISCANOS

OBSERVANTES EM PORTUGAL NO SÉCULO XV Os traços de união das reformas peninsulares

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NOBRES LETERAS… FERMOSOS VOLUMES…

INVENTÁRIOS DE BIBLIOTECAS DOS FRANCISCANOS OBSERVANTES EM PORTUGAL NO SÉCULO XV

Os traços de união das reformas peninsulares O Floreto de Sant Francisco

q

José Adriano de Freitas Carvalho

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Título

Nobres Leteras… Fermosos Volumes…

Inventários de Bibliotecas dos Franciscanos Observantes em Portugal no Século XV Os traços de união das reformas peninsulares

O Floreto de Sant Francisco

Autor

José Adriano de Freitas Carvalho Co ‑edição

CITCEM

Faculdade de Letras da Universidade do Porto Via Panorâmica, s/nº

4150 ‑564 Porto citcem@letras.up.pt Edições Afrontamento, Lda. Rua Costa Cabral, 859, 4200‑225 Porto

www.edicoesafrontamento.pt comercial@edicoesafrontamento.pt

Ano: 2018

Execução gráfica

Rainho & Neves Lda. / Santa Maria da Feira geral@rainhoeneves.pt

ISBN Edições Afrontamento: 978‑972‑36‑1624‑8 ISBN CITCEM: 978‑972‑8351‑85‑2

Depósito legal: 436353/18 Nº de edição

1847

Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através

da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do projeto UID/HIS/04059/2013, e pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) através

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Ao Luís, Maria de Lourdes, Pedro e Zulmira com gratidão e por tantos anos em louvor

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O carácter artesanal da edição anterior – evidente na própria qualidade da impressão e no pequeno número de exemplares não venais (nem sequer levou nº do Depósito Legal), em alguns erros do autor, nas muitas e imper‑ tinentes gralhas e ainda nas limitações do programa informático então utilizado – pode muito bem explicar ‑se, sem recurso à tópica da captatio benevolentiae, pelas condições da sua «produção» nesse nascente Instituto de Cultura Portuguesa que, sem receitas próprias e sem funcionários, dependia de eventuais subsídios da Faculdade de Letras e da Reito‑ ria da Universidade do Porto e, sobretudo, da diária dedicação dos seus investigadores. Esse

A MODO DE PREFÁCIO

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mesmo seu carácter de objecto de artesanato universitário de terminou, em larga medida, o quase imediato desaparecimento da edição – depois, quando chegava o pedido de um exemplar, oferecia ‑se a fotocópia… – e, conse‑ quentemente, foi levantando, como hipótese, o interesse de uma nova edição. Hoje, contas feitas – não sabemos se bem feitas – decidimos dar ‑lhe realidade, conscientes, porém, de que, desde 1991/1994, mais de quarto de século atravessou os estudos franciscanos na Penín‑ sula Ibérica, estudos que, em larga medida, devem a sua existência e a sua alta qualidade científica seja à dinâmica e espírito congre‑ gador da Asociación Hispánica de Estudios Franciscanos (AHEF), seja às vivas tradições acolhedoras de Archivo Ibero ‑Americano e de

Itinerarium. Daqui se impõe sermos igual‑

mente conscientes de que actualizar bibliogra‑ ficamente o nosso trabalho significaria rees ‑ crevê ‑lo – e tudo leva o selo do seu tempo –, pelo que optamos, com todos os riscos, por corrigir na sua «Introdução» – que nunca pre‑ tendeu ser mais do que isso mesmo – algum que outro erro mais evidente – de datas, sobretudo – e limpar muitas das suas gralhas. Não resistimos, no entanto, a introduzir, em

alguma nota, entre [ ], uma indicação biblio‑ gráfica actualizada das fontes franciscanas então utilizadas e da edição ou reedição de

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algum texto medieval português entretanto aparecida.

Cremos, porém, que essa «desactualização» poderá ser, de algum modo, compensada pelos dois estudos que, mais recentemente, dedica‑ mos ao Floreto de sant Francisco – esse grande traço de união bibliográfico das reformas fran‑ ciscanas peninsulares – quer na sua utilização por Fr. Marcos de Lisboa na sua Crónica da

Ordem dos Frades Menores – obra europeia no

seu projecto historiográfico e nas suas mais de cem edições no original e em tradução – quer na sua presença – directa ou indirectamente – como provável fonte de acesso às orientações «arquitectónicas» de S. Francisco ao levantar das primeiras fundações (1392) dos que viriam a ser, «oficialmente», os observantes portugue‑ ses. Também aqui nos impusemos corrigir não só as impertinentes gralhas de imprensa, mas também descuidos nossos1.

1 Os estudos em causa – «Para a história de um texto e de uma

fonte das Crónicas de Fr. Marcos de Lisboa: o Floreto – ou os «Floretos»? – de S. Francisco» e «Domus pauperculas,

cellulas et ecclesias parvulas: as fidelidades dos primeiros

observantes em Portugal (1392 ‑1453) a Francisco «arqui‑ tecto» olhadas ao espelho dourado do século XVII» – foram publicados originariamente em AA. VV., Frei Marcos de

Lisboa: cronista franciscano e bispo do Porto, Porto,

C.I.U.H.E. – Instituto de Cultura Portuguesa, 2002 (Anexo XII da Revista da Faculdade de Letras do Porto – Série Línguas e Literaturas), e Via Spiritus, 23 (2016).

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A bibliografia, naturalmente unificada, dos três estudos foi deslocada, como nos pareceu impôr‑se, para o final da obra.

Obviamente, ficaram inalteráveis, na sua pere nidade, os documentos – inventários de livros e de memórias – que nos serviram de base e de estímulo.

Aproveitamos para uma vez mais agrade cer ao Doutor Pedro Tavares o tempo e a paciência de que, desde a primeira hora, dispôs genero‑ samente para nos acompanhar na leitura dos manuscritos; ao Prof. Doutor José Marques e à Doutora Cristina Cunha a gentileza, que, com todo o seu saber, tiveram em nos auxiliar na lei‑ tura de algumas passagens dos mesmos textos; à Doutora Maria de Lourdes Correia Fernandes e ao Doutor Luís Fardilha a paciência, só com‑ parável à sua habilidade informática, com que, então e agora, releram e «trataram» o presente texto em todos os seus avatares, e ao Dr. Marco Paulo Oliveira Marques a generosidade do seu tempo e da sua perspicácia com que nos auxi‑ liou na pesquisa bibliográfica destes ensaios.

À Doutora Amélia Polónia, coordenadora científica do CITCEM, a nossa gratidão por ter aceitado acolher estes nossos estudos, nas edições do Centro de Investigação que dirige.

Esta reedição com os aludidos «suplemen‑ tos» actualizadores teria sido muito mais difí‑ cil de levar a cabo sem a generosidade das

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«Edições Afrontamento» na pessoa da Senhora Dra. Joana Francisco a quem profundamente agradecemos. Também a Sra. D. Fernanda Cardoso o nosso «muito obrigado» pela sua paciência e pela competência técnica com que realizou todo o trabalho de paginação que se impunha.

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INTRODUÇÃO

LIVROS E LEITURAS

DE ESPIRITUALIDADE FRANCISCANOS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XV

EM PORTUGAL E ESPANHA Os Traços de União das Reformas Peninsulares

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1. … PER LUI, LA MEMORIA TENEVA IL

POSTO DEL LIBRI…

A história da espiritualidade cristã depen‑ deria, em última sede, apenas das suas rela ‑ ções – da leitura, fundamentalmente, mas não só – com um único texto: a Bíblia, ou, se qui‑ séssemos dela valorizar um «livro», com o Novo Testamento. Dependeria…, mas, em verdade, ao longo dos séculos – lendo ou ouvindo ler de forma mais ou menos directa, total e precisa – essa relação foi sendo – não discutamos em que sentido – acentuada, explicitada e, até certo ponto, «substituída» por outros textos e até por outras formas… E seria mesmo possível – e já tem sido tentado – verificar a história desta relação enquanto leitura…, já por referência à letra…, já por referência ao seu «espírito»… O

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que nos propomos – objectivo incomensuravel‑ mente mais modesto, mas, cremos, também, mais preciso – é tentar procurar saber, antes de mais, de que textos de espiritualidade – não de Cânones…, não de Retórica…, não de Filoso‑ fia…, etc., ainda que, de algum modo, possam estes ter contribuído para ajudar a definir ou a divulgar situações ou correntes de espirituali‑ dade – dispunham e aconselhavam, na segunda metade de Quatrocentos, os franciscanos portu‑ gueses e espanhóis reformados, logo, portanto, também os observantes, e, principalmente – questão muito mais difícil – como os liam… Cremos, porém, facilmente se concederá que é esse como que determina que as suas leituras sejam não só de franciscanos, mas também «franciscanas»… Princípios evidentes, natu‑ ralmente, mas que, por motivos vários, nem sempre se têm tido – e é certo que nem sempre se podem ter, em face da escassez de informa‑ ções… – em consideração, quando se estudam listas de livros ou catálogos de bibliotecas… Não é, naturalmente, o mesmo estudar o fundo mais ou menos grandioso de uma biblioteca real ou senhorial…, o de uma grande abadia cisterciense…, ou o inventário de uns quantos livros de um oratório franciscano reformado, nos fins do século XIV ou ao longo do século seguinte… Neste último caso não está em jogo apenas uma quantidade, mas, sobretudo, uma

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qualidade mais ou menos ditada por funções precisas na ordem prática quer da orientação espiritual…, quer das possibilidades financeiras ou humanas, quer ainda, paradoxalmente em sede franciscana, da simples legitimidade do desejo de possuir o livro que falta…

Estas considerações, apesar do seu carácter de coisas óbvias, parecem particularmente per‑ tinentes quando pretendemos ocupar ‑nos das leituras dos franciscanos reformados – assim, sem mais, apesar dos grupos e correntes que os matizavam em Portugal, em Espanha, em Itá‑ lia… – da segunda metade do século XV, época para a qual dispomos de algumas preciosas informações… Considerações necessárias, mas também aqui particularmente válidas, pois os franciscanos são uma ordem em que, um tanto ao arrepio do que tradicionalmente se afirma unilateralmente perspectivado pelo ponto de vista da polémica «questão dos estudos», a rela‑ ção texto (escrito ou livro) / espiritualidade é, originalmente, muito evidente, muito precisa e, logo, de profundas consequências…

Devemos considerar, desde este ponto de vista, que essa relação se equaciona, de um modo, diríamos, quase físico, em gestos e reco‑ mendações – umas e outras relevando de idên‑ tica preocupação e orientação – de Francisco de Assis acerca do escrito. E todos os livros eram então – e ainda, hoje, largamente o são

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– «escritos». Com efeito, Francisco reiterou, por várias vezes, com pequenas variantes, que

similiter [referira ‑se anteriormente à Eucaristia] nomina et verba scripta, ubicumque invenian‑ tur in locis immundis, colligantur et in loco

honesto debeant collocari1. Tal recomendação,

se dirigida naturalmente, antes de mais, aos clérigos, precisa ‑se, repetida quase à letra, na

1ª Carta aos Custódios2 e, numa dimensão mais

profunda, na Carta a toda a Ordem3. De todos os modos, este imediato e delicado cuidado de Francisco pelo decoro do escrito que guarda a Palavra podemos vê ‑lo não só praticado, mas também amplificado nesse texto em que Tomás de Celano nos afirma que

propterea ubicumque scriptum aliud, sive divinum sive humanum, in via, in domo, seu in pavimento inveniebat, reverentissime colligebat illud et in sacro vel honesto reponebat loco, ea reverentia quidem, ne ibi esset nomen Domini, vel ad id pertinens scriptum… – Enim vero cum a quodam fratre quadam die fuisset interrogatus,

1 S. FRANCISCO, Epistola Ad Clericos I (12 e, conf 6.), in Los

Escritos de San Francisco de Assis, ed. de Isidoro Rodriguez

Herrera e Alfonso Ortega Carmona, Murcia, Publicaciones del Instituto Teológico de Murcia OFM., 1985, 264, mag‑ nífica edição que, além de texto, oferece um copiosíssimo e eruditíssimo comentário filológico.

2 Id., Epístola Ad. Custodes I (5), in Escritos…, 304. 3 Id., Epistola Toti Ordini Missa (35 ‑36 ‑37), in Escritos…, 278.

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ad quid etiam paganorum scripta et ubi non erat nomen Domini, sic studiose colligeret, respondit dicens: Fili, quia ibi litterae sunt, ex quibus componitur gloriosissimum ‘Domini Dei nomen’ (Deut 5, 11). Bonum quoque quod ibi est, non pertínet ad paganos, neque ad alios homines, sed ad solum Deum, ‘cuis est omne bonum’. – Et quod non minus est admirandum, cum litteras aliquas salutationis vel admonitionis gratia face‑ ret scribi, non patiebatur ex eis deleri litteram aliquam aut syllabam, licet superflua saepe aut

incompetens poneretur…4

4 Tomás de CELANO, Vita Prima (XXIX ‑82) in Summa

Franciscana vel Sancri Francisci Sanctae Clarae Assisien‑ sium Opuscula, Biographiae et Documenta, Murcia, 1993

(Publicaciones del Instituto Teológico Franciscano, Serie Mayor, 11), 129 ‑130 que, felizmente, compilou Leonardo Garcia Aragón, O.F.M. Permitimo ‑nos saudar vivamente esta publicação, pois toma acessíveis os originais das prin‑ cipais ‘fontes franciscanas’ na sua melhor lição actual – ou numa das melhores –, o que, evidentemente, não quer dizer, como muito bem sabe o compilador, que tal lição venha a ser melhor nesse futuro que nos há ‑de dar a lição «definitiva», o que até hoje, pese a esforços e polémicas, ainda não aconteceu. [Desde 1995, dispomos da notável realização de Fontes Francescani, a cura di Enrico Menestò e Stefano Brufani, Assisi, Edizioni Porziuncola]

Como mantivemos, por simples comodidade de consulta, as anteriores referências à utilização de Fonti Francescane, Padova, Edizione Messagero, s.a., será importante, inclusi‑ vamente, atender aqui à nota 108 da pág. 475 dessa mesma edição, preparada e anotada por A. Calufetti e F. Olgiati (Por uma questão de uniformidade, embora conhecedor dos seus limites – mas também das suas excelências – utilizaremos sempre esta edição para as referências à tradução de algu‑

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O texto do primeiro biógrafo de Francisco parece não só nos confirma, mesmo se «reflexa‑ mente», os seus escritos referidos, mas também os demonstra com gestos e palavras que são outros tantos matizes dessa intensa venera‑ ção pelo escrito – por qualquer escrito, pelas suas letras enquanto sinais para uma leitura imediata e totalmente espiritual…, devocional mesmo. Mas esta relação entre o escrito (o livro, portanto, também), mesmo na materialidade

mas ‘fontes franciscanas’). Também S. Boaventura, Legenda

Mayor (10,6), refere com algum matiz a mesma orientação.

De qualquer modo, sobre o «valor probatório» das fontes franciscanas, fontes eminentemente «reflexas», v. Grado G. MERLO, «Francesco d’Assisi e la sua Eredità. A proposito di tre libri recenti in Riv di Storia e Letteratura Religiosa 26 (1990) 133 ‑157 (esp 139 ‑140) agora in Tra Eremo e Città.

Studi su Francesco d’Assisi e sul Francescanesimo Medievale,

Assisi, Ed. Porziuncola, s.a. (1991), 1 ‑30; G. MICCOLI, Fran‑

cesco d’Assisi. Realtà e Memoria di un’ Esperienza Cristiana,

Torino, Einaudi, 1991, aborda, ao longo dos vários ensaios recolhidos, especialmente em «Dall’Agiograjia alla Storia: Considerazioni sulle Prime Biografie Francescane come Fonti Storiche» (190 ‑263), esta questão central.

Lembremos que, ainda em meados do século XVII, no convento de Alenquer, Fr. Cristovão da Conceição († 1649) «veneraba finalmente com tão intimos affectos as palavras sagradas, e evangelicas, que pera ouvir sermão avia de estar em pé, e se achava algũas escritas em papelinhos, espa‑ lhados pelo chão, assi os andava apanhando e melhorava de sitio, como se forão as relíquias maiores» (Fr. Manuel da ESPERANÇA, Historia Serafica da Ordem dos Frades

Menores de S. Francisco na Provincia de Portugal, Lisboa, Officina Craesbeeckiana, 1656, I, 1, 32, 120 ‑121.

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dos seus suportes – papel…, letras…, tintas… – inclui igualmente a afirmação, como sugeri‑ mos, de que tal materialidade é, por sua vez, o suporte imprescindível de uma lição espiritual afectiva e afectuosa que poderia revelar ‑se tam‑ bém num gosto ou num sentimento da impor‑ tância da leitura como meio a privilegiar para aprofundar a contemplatio. Poderia…, mas, para além da falta de modelo precisamente evangélico e de se considerar, talvez mesmo para além do significado exacto do termo no seu tempo, idiota, mas cheio de doctrina – não é significativo que uma grande (30) conversão de clérigos e leigos à forma vitae de Francisco se tenha dado depois do seu sermão às aves cerca de Bevagna (ou no regresso de Roma?), ponto cume da simplicitas? –, é de notar que não se encontram abundantes referências – o que não quer dizer exactamente não precisas – a esse gosto – o que suporia uma certa prática – de ler… Celano, ao mesmo tempo que nos esclarece que Francisco não tinha feito «estu‑ dos científicos», indica ‑nos que «algumas vezes lia nos livros sagrados» (legebat quandoque

in sacris libris)5. No estrito plano em que nos

colocamos – o da leitura efectiva como meio para a oração…, meditação…, contemplação… e

5 Id., Vita Secunda (LXVIII 102), in Summa Franciscana…,

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não para a ciência – haverá tanto a anotar este às vezes (quandoque) …, algumas vezes…, não frequentemente, como a sequência dessa ano‑ tação de Tomás de Celano: et quod animo semel

iniecerat, indelebiliter ‘scribebat in corde’, (Rom 2,15). Não se trata, evidentemente, de um puro

exercício de memória, mas, sim de, no pleno sentido da palavra, decorar, isto é, aprender de e pelo coração. Por isso, comentando, Celano pode dizer que ubi magistralis scientia foris est,

affectus introibat amantis. E se os sequentes

capítulos que Celano alinhava mais não são do que exemplos dessa sabedoria ‑teologia contem‑ plativa, poderia dizer ‑se, demonstrando ‑a com a afirmação desse dominicano que lhe propôs a explicação de uma passagem de Ezequiel6 – o próprio Santo, um dia, já muito doente, aca‑ bará também por confirmar a erudita asserção de Celano – que memoriam pro libris habebat7. Não deveríamos, contudo, esquecer que entre

6 Id., Vita Secunda (LXIX ‑103): Fratres mei, theologia viri

huius, puritate et contemplatione subnixa, est ‘aquila volans’ (Job, 9, 26); nostra vero scientia ‘ventre graditur super terram’ (Gen.1, 20) in Summa Franciscana…, 225; Fonti Francescane…, 636 ‑637. Sobre este episódio, G. MICCOLI, L’Esegesi di Ez 3,18 in Francesco d’Assisi…, 114 ‑147.

7 Id., Vita Secunda (LXVlU ‑102), in Summa Franciscana…,

224; Fonti Francescane…, 636, citação que, como é bem sabido e anota o editor da tradução italiana, S. Colomba‑ rini, deriva da Vida de Santo Antão por Santo Atanásio (PL, 73, 128).

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essas «algumas vezes» em que lia ou ouvia ler os Livros Sagrados há que contar as ocasiões em que a leitura foi, directa ou indirectamente, buscada como alívio ou simples consolo…, um refúgio ou lenitivo para o sofrimento… Com efeito, assim o deixa perceber um irmão com‑ panheiro seu que, precisamente numa dessas ocasiões de grande sofrimento, propõe que leia, isto é, que peça lhe leiam algo dos profetas. Confirmando implicitamente o que afirmava o companheiro, recusa ‑o, porém, nessa ocasião, pois mihi vero tantum iam ipse de scripturis

adegi, quod meditanti et revolventi satissimum est. Non pluribus indigeo, fili, scio Christum

pauperem crucifixum (1Cor 2,2)8, o que é – e

Celano sabe ‑o bem ao recordar tudo isso no fim dessa sequência de capítulos sobre a «filosofia» de S. Francisco – a prova, a sua prova, de que tinha, efectivamente, «decorado» a Cristo.

De todos os modos, estas considerações das e sobre as leituras de S. Francisco haverá que valorizá ‑las tanto como indicações sobre modos de ler (que, evidentemente, poderiam ser de ouvir ler) como sobre a importância que concedia à leitura privada, íntima, facilitadora do aprender, do deixar ‑se penetrar pelo texto que se venera ao meditá ‑lo.

8 Id., Vita Secunda (LXXI ‑105), in Summa Franciscana…,

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Para o nosso propósito não interessa reto‑ mar, uma vez mais, a sempre pouco pacífica questão do lugar e da medida que Francisco, por pressões várias – de simples indivíduos a grupos –, foi atribuindo à «ciência», logo, aos estudos dos franciscanos9. Importa, no entanto, sublinhar, porque são factos e não comentários – da sua palavra ou de gestos seus, essa intentio por que sempre, a partir, sobretudo, dos últimos anos, o andariam questionando, alguma vez até a propósito de livros e leituras10 –, a sua recusa de procurar o valor material do livro…, a sua preciosidade…, ou a posse de muitos livros…, pois, coerentemente, tal procura opunha ‑se à

9 Uma boa orientação sobre a questão poderá ver ‑se no

trabalho de Albino FELICÍSSIMO,«Os Estudos e o Tra‑ balho Intelectual na Ordem Franciscana» in Estudios

Franciscanos, 89 (1988), 127 ‑154; sobre os estudos em

tempos de observâncias franciscanas no século XV é de indispensável consulta o documentadíssimo trabalho de A. O. de Sousa COSTA, «Le Fonti Francescane nei testi Legislativi Francescani del 1400», in La Lettura delle Fonti

Francescane attraverso i Secoli: il 1400 (a cura di G. Car‑

daropoli e M. Conti), Roma, Ed. Antonianum, s.d. (1981), 139 ‑262, especialmente a III Parte – «Gli Studi del Frati Minori nella Prospecttiva di Vita Povera e Fraterna e ln Funzione dell’Apostolato nella Legislazione Francescana del 1400» (214 ‑260).

10 Compilatio Assisiensis (101, 102), Speculum Perfectionis (2

e 3) in Summa Franciscana., 596, 598; 623, 625 respecti‑ vamente; Legenda Perusina (66, 69); Specchio di Perfezione (2 e 3), in Fonti Francescane…, 1232, 1234; 1307, 1308‑ ‑1309 respectivamente.

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pobreza – e à simplicitas que conleva – tal como a posse de demasiado saber ou excessivo desejo de o alcançar…11. E S. Francisco bem sabia o valor material dos livros, como prova não só que negativamente tivesse reagido contra o desejo de os possuir ou contra as brechas «legis‑ lativas» ou «autoritativas» que o facilitavam12, mas também não tivesse hesitado em dar, como esmola, a única coisa valiosa que, em certa altura, havia em casa: o livro do Novo Testa‑

mento…13. O gesto afirma quer o valor mate‑

rial do livro quer também, para além do seu símbolo – é o Novo Testamento que se cumpre oferecendo ‑o –, quanto a pobreza se pode mani‑ festar pela falta de livros, mesmo dos, pelos vistos aparentemente, imprescindíveis para a comunidade…, para a oração, como lembrava, nessa ocasião, Pedro Catani…14. Será violentar

11 Tomás de CELANO, Vita Secunda (CXLVII ‑195), in Summa

Franciscana…, 265; Fonti Francescane…, 708 ‑709.

12 Speculum Perfectionis (4) in Summa Franciscana…, 625‑

‑626; Specchio di Perfezione (4), in Fonti Francescane…, 1310 ‑1312. O Speculum Perfectionis e outros textos que, habitualmente, se designam por «rigoristas» podem «cons‑ truir» uma imagem de Francisco, mas não inventam os seus materiais.

13 Tomás de CELANO, Vita Secunda (LVIII ‑91), in Summa

Franciscana…, 218; Fonti Francescane…, 626.

14 Speculum Perfectionis (38), in Summa Franciscana…, 651‑

‑652; Fonti Francescane…, 1343. Por referência ao quadro cultural mais amplo deste contexto e ao significado dos gestos de Francisco que o formam, serão de recordar

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o espírito de Francisco apresentar esta faceta da sua relação com o livro como consequência coerente dessa valorização do «decorar»…, isto é, desse aprender, intima e afectuosamente, que permite – e deve permitir – prescindir da materialidade «física» do escrito…, do livro…, ainda que se venerem e se considerem sempre como um referente insofismável? A lectio sancta

– do legere ao ruminare – pode passar, precisa‑

mente, por esta presença e por esta «ausência» de textos…, ainda que no futuro – um futuro que, em muitos casos, conheceu o Poverello seu fundador, mais por tradições e por florilégios de testemunhos do que, exceptuada a Regra e, muitas vezes, o Testamento, através dos seus escritos15 –, as «livrarias» sejam, quase sempre, um seu suporte natural…, originária e original‑ mente não desmentido…

as precisas considerações de Claudio LEONARDI sobre «L’Eredità di Francesco» in Francesco d’Assisi Documenti

e Archivi Codice e Biblioteche Miniature, Milano, Eleda,

s.a. (1982) 111 ‑115.

15 Ao apontar esta «situação», de uma importância que diz

respeito à visão que de S. Francisco e dos seus escritos tiveram as sucessivas gerações franciscanas, temos pre‑ sente, como paradigmático, o caso do cronista Salimbene di Adam da Parma (†1288?) que non pare conosca gli

scritti di S. Francesco, al di là della «Regola» bollata, e tanto meno pare percepisca la profondità culturale origi‑ naria del concetto e del progetto francescano (Berardo

ROSSI, Introd. a Salimbene di Adam da Parma, Cronaca, Bologna, Radio Tau, 1987, XXXIV ‑XXXV.

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2. ORIENTAÇÕES E EXIGÊNCIAS DE LEI‑ TURA DE UM REFORMADOR CASTELHANO De todos os modos, e se assim puder aceitar ‑se a nossa interpretação, daqui resul‑ tará, no quadro da forma vitae franciscana, uma extraordinária valorização do livro como veículo de uma sabedoria…, de um saber espi‑ ritual… e não de um saber – ciência. De tal valor se reclamarão todos os «espirituais» (não foi Angelo Clareno um importante divulgador deste tipo de escritos?)16 e todas as observân‑

16 Apesar das suas evidentes limitações, L. BERARDINI,

Frate Angelo da Chiarino alla Luce della Storia, Osimo,

Ed. Pax et Bonum, 1964, oferece uma ainda aproveitável visão geral sobre Ângelo Clareno (Conf., para problema focado, 106, 121, 196 ‑197); mas serão os trabalhos de Lydia VON AUW, «A propos d’Angelo Clareno» in Chi

Erano gli Spirituali (Atti del III Convegno Internazionale),

Assisi, 1976, 205 ‑220 (esp 216 ‑217) e sobretudo, Angelo

Clareno et les Spirituels Italiens, Roma, Ediz di Storia e

Letteratura, 1979 (cap. XII: Les Traductions, 239 ‑245) e de G. L. POTESTÀ, Angelo Clareno. Dai Poveri Eremiti

ai Fraticelli, Roma, I.S. I.M., 1990, que marcarão os mais

recentes conhecimentos sobre Pietro di Fossombrone; uma excelente visão de conjunto sobre as questões editoriais da obra de Angelo Clareno e das orientações e resultados de investigação sobre a sua biografia e espiritualidade pode seguir ‑se, ainda que, naturalmente, um tanto superado pelo trabalho anteriormente citado, no estudo de G. L. POTESTÀ, «Gli Studi su Angelo Clareno. Dal Ritrova‑ mento della Racolta Epistolare alle Recenti Edizioni» in

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cias, sempre, de algum modo, suas herdei‑ ras tanto na sua multiplicidade como no seu constante reformismo, que dialecticamente se foram ultrapassando por referência, entre outras, a essa valorização.

A este propósito e por uma questão de maiores certezas na cronologia e precisão da informação, uma coisa e outra que as tornam preciosas para o nosso ponto de vista, começa‑ remos por recordar algumas das posições da reforma (de uma reforma, se preferirmos…) franciscana castelhana através dos documentos mais rigorosos que, cremos, restam sobre o lugar, a medida e a função a atribuir à leitura – os escritos de Fr. Lope de Salazar y Salinas que, como é sabido, nos remetem para a reforma de Fr. Pedro de Villacreces17 Precisemos que,

17 Publicados em Las Reformas en los Siglos XIV ‑XV (Intro‑

ducción a los Origines de la Observancia en España) in A.I.A (XVII ‑65 ‑68) 1957 – 691 ‑945 (Citaremos sempre

por Las Reformas…). Bem urgente seria identificar com precisão esse Libro llamado Regla de los frayles menores de

San Francisco que dio Fray Lope al Señor Conde de Haro. Intitulase Flos Minorum contiene diez breves tratados que concluyen y demuestran toda la verdad de la perfección y imperfección del frayle menor, si lo quieren entender y recivir sanamente sin desviar (Conf. Jeremy LAWRENCE,

«Nueva Luz sobre la Biblioteca del Conde de Haro: Inventario de 1445» in El Crotalón, 1 (1984) 1073 ‑1111 (nº 72). Uma interessante síntese, ainda que largamente dependente da obra anterior, sobre a reforma villacreciana pode ver ‑se na vasta obra de Duncan NIMMO, Reform and

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arrancando dos fins do século XIV, tal reforma continuada, entre outros, por Lope de Salazar, é, entre 1457 e 1460, por este defendida e expli‑ cada – sem que nos interesse determo ‑nos no complexo contexto das polémicas que os origi‑ naram – numa série de escritos – Memorial de

la Vida y Ritos…, Primeras e Segundas Satisfac‑ ciones… – que contêm abundantes informações

sobre leituras e modos de ler praticados, sem‑ pre que possível, nessas casas de «estreitíssima» observância que formavam a Custodia de Santa

Maria de los Menores.

A título exemplar, talvez valha a pena lem‑ brar ainda, como orientação a reter, dada, além do mais, a sua proximidade cronoló‑ gica da documentação portuguesa, alguns dos princípios que, segundo Fr. Lope de Salazar, norteavam as leituras nas casas da reforma villacreciana. Deixando, por agora, porque a elas teremos de voltar, certas leituras que poderão, pelas suas finalidades especiais, ser consideradas próximas do «estudo», desse mini‑

Division in the Franciscan Order (1226 ‑1538), Roma, Capu‑

chin Historical Institute 1987, 500 ‑515; algumas precisões importantes quanto à explicação da reforma franciscana em Espanha (Castela… Santiago… logo, também, válidas para Portugal), foram formuladas por Isidoro de VILLAPA‑ DIERNA, «L’Osservanza in Spagna» in Il Rinovamento

del Francescanesimo. L’Osservanza (Atti dell’XI Convegno Internaz.), Università di Perugia, Centro di Studi Frances‑

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mum de «letras» imprescindível em qualquer

ordem, fixemo ‑nos nestes «estreitos observan‑ tes» criados à sombra de um estudante em Tolosa e Bolonha e Mestre por Salamanca – Fr. Pedro de Villacreces – ele próprio senhor de

gran libreria, para sumariar algumas referên‑

cias às obras de espiritualidade que frequen‑ tavam mais assiduamente: a Bíblia (los sanctos

libros)…18, as crónicas de S. Francisco antiguas,

com destaque para o Speculum Perfectionis…, a Doctrina Novitiorum e a Forma Novitiorum de ou atribuída a S. Boaventura…, o Liber Erudi‑

tionis Religiosorum de Humberto de Romans,

O.P.… as Collationes Patrum e o De Coenobio‑

rum Institutione libri duodecim – as célebres Instituições – ambas de Cassiano…, o Scala Paradisi de S. João Clímaco…, a Historia Sep‑ tem Tribulationum Ordinis Minorum de Ângelo

Clareno…, as Constituciones Narbonenses man‑ dadas coligir por S. Boaventura…, alguns livros de S. Jerónimo…, outros de S. Bernardo… ou então, a ele atribuídos, como a divulgadíssima

Ad Fratres de Monte Dei…19 Esta primeira lista

que diríamos exaustiva – e non curamos de

18 Fr. Lope de SALAZAR Y SALINAS, Segundas Satisfaccio‑

nes, in Las Reformas…, 865.

19 Id., Memorial de Vida y Ritos (cap. XXX) in Las Reformas…,

744 ‑745; o Ad Fratres de Monte Dei vem, porém, cit no

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otras lecciones ordinariamente20 – vem, depois, em diferentes ocasiões, completada por outros autores, que são outros tantos textos que vão no mesmo sentido da valorização das obras de espiritualidade, como sejam, os de la sancta

doctrina de los sanctos e de los doctores que fun‑ daron las religiones, nomeadamente, além de

alguns já referidos, Santa Clara…, Santo Antó‑ nio [ou Antão?)…, S. Gregório…, Santo Agos‑ tinho…, «Santa» Ângela de Foligno… sem que seja possível determinar com rigor os textos a que exactamente aludia Com efeito, se para Santa Clara é possível pensar na Regra e em outros escritos seus, e para Ângela de Foligno

20 Id., Memorial de la Vida y Ritos…, (cap. XXX), in Las

Reformas…, 745. Apesar de um tanto distantes – cro‑

nologicamente – em relação ao século XV franciscano reformado e observante de que nos ocupamos aqui, são de reter, pelas datas e tradições que estudam e expõem, as considerações que C. VASOLI tece na sua introdução à secção de Codici e Biblioteche no soberbo catálogo cele‑ brativo do VIII centenário do nascimento do fundador dos Menores – Francesco d’Assisi Documenti e Archivi

Codici e Bihlioteche Miniature, ed. cit., 93 ‑99; bem como

as páginas (104 ‑108) que E MENESTÓ dedica ao exame de «La Biblioteca di Mateo d’Acquasparta»; e ainda as que K. W. HUMPHREYS consagra a «Le Biblioteche Francescane in Italia nei secoli XIII e XIV» (135 ‑142); para um período mais recente – posterior a 1418, data da fundação do convento – pode consultar Doroteo FORTE, «Inconabili e Cinquecentine nella Biblioteca «P. Dionisio Piccirili» del Convento S. Giovanni del Gelsi a Compobasso» in Studi

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no seu Livro – nesse que será logo impresso em 1505…, 1510… –, para Santo António [Antão?]…, S. Gregório…, Santo Agostinho… tal tarefa não é fácil, ainda que deles pudessem sugerir ‑se algumas obras com base em citações que, em diversos momentos, desses autores faz Fr. Lope… Mas, como sabemos, muita erudi‑ ção do tempo, mesmo dos que se pretendiam mais eruditos, representa essa grande arte do saber manejar flores… e rapiaria…21. De todos os modos, com particular incidência reite‑ rada para os textos legislativos e históricos da Ordem, todos os textos, os referidos e os que podemos supor pela alusão aos seus autores, remetem para leituras de espiritualidade – as

lecciones espirituales22, isto é, para a sapientia e

não para a curiositas, campo vasto este em que caíam directamente não só as artes liberais, mas ainda as cuestiones sotiles del Doctor sotil e

de otros doctores curiosos23 e, talvez, com maior

razão, os Direitos…24.

21 Permitimo ‑nos remeter aqui para o nosso estudo, «Erudi‑

ção e Espiritualidade no Século XVI em Portugal. Nótula a Propósito da Imagem da Vida Cristã» de Fr. Heitor Pinto, O.S.H., in O Humanismo Português – 1500 ‑1600, Lisboa, Academia das Ciências, 1988, 653 ‑681.

22 Fr. Lope de SALAZAR Y SALINAS, Memoriale Religionis

(cap. XII), in Las Reformas…, 711.

23 Id., Segundas Satisfacciones…, in Las Reformas…, 864. 24 Id., Memorial de la Vida y Ritos… (cap. V), in Las Refor‑

(30)

Tais conselhos representam, seguramente, uma orientação geral… e, ainda, o tipo de leitu‑ ras aconselhadas de acordo com o princípio de que sempre haverá que estudar más en la ora‑

ción devota e en las lágrimas humildes que en los

libros de curiosas materias…25, mas será de admi‑

tir que eram todos e por todos lidos? A dúvida é permitida quando consideramos tanto a escassez de livros a que, algumas vezes, alude Fr. Lope – e ainda que essa escassez diga respeito, antes de mais, aos livros litúrgicos, permite suspeitar da dos outros –, como a pobreza das listas que conhecemos de algumas casas da Observância portuguesa da segunda metade do século XV com a reforma villacreciana aparentadas – no espírito pelo menos, ainda que, como veremos, seja possível sugerir, em algum caso, uma afini‑ dade mais estreita… De qualquer modo, mesmo diante da generosidade de informações de Lope de Salazar, haverá sempre, para cada casa ou

25 Id., Constituciones Custodiales (cap. XIV), in Las Refor‑

mas…, 166. Pedro de Villacreces e Lope de Salazar bem

poderiam ser considerados na rota do radicalismo de um Ubertino da Casale, o qual, criticando também violenta‑ mente os que se davam ao studio paganico curioso et vano

(Arbor Vitae Crucifixae Iesu, V, 4 (Veneza, 1485, aliás

reprod. anastática de Charles T. DAVIS, Torino, Bottega d’Erasmo, 1961, 439b), não deixava, em termos um pouco mais «liberais» do que os de Fr. Lope, de acentuar a impor‑ tância do studium sapientiale… quod consistit – notemos – in legendo, meditando, orando, contemplando, audiendo,

(31)

conjunto de casas, que perguntar de que textos concretos dispunham… e, diante dos que dispu‑ nham, teremos sempre que questionar nos sobre o quando, o como e o quem lia…

Contudo, num contexto preciso – tempo e espaço – a equação espiritualidade ‑leitura que as últimas questões terão evidenciado, haverá sempre que a situar no âmbito de uma questão mais vasta, mas igualmente precisa, a que, de algum modo, já aludimos: a da disponibilidade, isto é, da oferta geral de textos e, neste caso, de textos de espiritualidade… As leituras francis‑ canas tanto como, no seu caso, as cistercienses ou jerónimas ou de qualquer outra ordem e instituto, são também, em boa parte, as leituras de que uns e outros poderiam materialmente dispor em cada momento numa época em que as disponibilidades gerais (oferta) não eram comparáveis às que resultaram, depois, desse fenómeno multiplicador que é a imprensa… Por isso, quando aludimos às «leituras francis‑ canas» devemos, talvez, preocupar ‑nos mais, na medida do possível, com o quando, o como e o quem do que propriamente com a selecção, sempre aleatoriamente significativa, que repre‑ sentam as listas de títulos contidas em inven‑ tários mais ou menos completos ou em orien‑ tações gerais de leitura… Sem, naturalmente, pretender diminuir o alcance de tais listas – inventários e catálogos – haverá que reconhe‑

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cer que, de um modo geral, essas informações sobre orientações de leitura ou os róis de livra‑ rias que atendem, obviamente, antes de mais, a essa disponibilidade de facto ou, no caso das orientações de leitura, de hipótese, são tratadas literalmente, isto é, como se de reais leituras se tratasse…, o que, havemos de confessá ‑lo, não parece nem metodologicamente acertado nem, em consequência, conclusivamente correcto… Por tudo isto, deve resultar óbvia a impor‑ tância de precisar, tanto quanto possível, esse quando…, como e quem lia… E, para tal, as informações que prodiga Salazar y Sali‑ nas revelam ‑se extremamente fecundas. Muito embora as indicações que fornece sobre tem‑ pos, modos e pessoas em relação à leitura correspondam, com alguma variante, à tipo‑ logia de circunstâncias corrente em qualquer ordem religiosa do tempo, permitem, contudo, um pouco mais: estabelecer uma certa relação directa, em sede franciscana reformada e obser‑ vante, entre essa tipologia e os textos lidos. Haverá sempre, porém, algum modo de ver romper ‑se, a favor de circunstâncias ocasionais, mas não fortuitas, essa tipologia «canónica»…, através de sugestões – às vezes, nem isso – suplementares dispersas por crónicas ou tex‑ tos devotos que ocasional, mas preciosamente fixam algo que ficava para além do ritmo das horas, dos lugares e das cerimónias…

(33)

Convirá, contudo, exorcizar, desde já, prin‑ cipalmente para estes tempos anteriores ou estritamente contemporâneos dos primeiros passos da imprensa na Península Ibérica, a sugestão da leitura como algo de individuali‑ zado…, isto é, como um acto que pressuponha o contacto directo e individual com o texto… Sem pôr em causa que tal pudesse, em casos precisos, acontecer, para esta segunda metade de Quatrocentos há que entender ainda – e Lope de Salazar é, nisso, bem explícito – a leitura, o ler, como, antes de mais, ouvir ler, em grupo ou comunitariamente, através de alguém que os mediatiza… Esse alguém é, por antonomásia, o leitor, essa figura sempre consagrada em regras e estatutos, mas poderá igualmente ser, em circunstâncias e funções especificas, outro, como, por exemplo, o mestre de noviços…

Talvez seja, agora, possível tentar ver como, de acordo com as informações de Fr. Lope de Salazar, se realizam, nas circunstâncias do quo‑ tidiano da vida em comum, essas orientações de leitura, para, depois, as olhar, ainda sob a recomendação e classificação de Fr. Lope, pelo ângulo das orientações da espiritualidade de cada qual – oração e virtudes. São dois tipos de classificação dos mesmos textos, mas que, com alguns matizes, parecem apontar a dois tipos de leitura…, isto é, uma leitura em comum através

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do leitor e outra pessoal ou, quando menos, mais pessoal que pressupõe não só o saber ler, mas também, como dissemos, em casos preci‑ sos, o contacto directo – ou mais directo – com o próprio texto…

Há que começar pelo geral… e pelas gene‑ ralidades…, não só quanto a circunstâncias, mas ainda quanto a exigências… Com efeito, Fr. Lope estabelece que entre os primeiros cuidados do presidente de cada casa há que contar a vigilância da guarda do silêncio e da lição…, realidades que parecem remeter, solidariamente, uma para a outra. E, por isso, cremos, Fr. Lope desenvolverá a questão da «lição espiritual» num capítulo do Memoriale

Religionis dedicado aos oficios de los contempla‑

tivos…26. De qualquer modo, o discípulo de Fr.

Pedro de Villacreces precisa que de la lección […] todos en general e cada uno en especial han

menester según sus tiempos e sazones e tentacio‑ nes e vicios e passiones la requiere haber o no

haber…27. Se a discrição do presidente se mani‑

festa por este saber distinguir o que pode convir a cada qual, é porque sabe que muchas veces

26 Fr. Lope de SALAZAR Y SALINAS, Memorial e Religionis

(cap. XII), in Las Reformas…, 710.

27 Id., Memoriale Religionis (cap. I), in Las Reformas…, 688.

Conf., na mesma obra, cap. XII: …muchas lecciones son

provechosas a unos que son dañosas a otros e non prove‑ chosas…, 711.

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algunas lecciones por la malicia de los corazones pueden tanto danar a unos como aprovechar a otros, non porque la lección de los sanctos sea mala, mas porque el corazón del lector o del

oidor estará depravado…28 Fr. Lope, ao longo

dos seus escritos informativos e legislativos, não fará mais do que, de diversos modos e finali‑ dades, analisar estes princípios que visam não só as circunstâncias, mas também o modo de ler, e tirar conclusões que, logo, concretiza em algumas orientações de leituras. Por isso, logo depois, nesse mesmo Memoriale Religionis e no capítulo, já aludido, em que trata dos ofícios

de los contemplativos, informa rigorosamente

como devem ser las lecciones espirituales en la

congregación29. Qualquer que seja o sentido de

congregación – a reforma de estreitíssima obser‑

vância iniciada por Fr. Pedro de Villacreces ou cada uma das suas comunidades ou ainda, mais particularmente, as assembleias dessas

28 Id., Memoriale Religionis (cap. I) in Las Reformas…,

688, e conf. Segundas Satisfacciones (art. I), in Las

Reformas…, 860: Los cuales Padres, aún por esta sancta cautela, non querian, antes viedaban expressamente, que no leyesen todos los frailes todos los libros e en algunos libros non todas las lecciones e en alguna lección non todos los párrafos porque la mortificación e inocencia e sancta simplicidad, e la paz de todos fuese siempre guardada sin estrépito e sin disturbio e sin tumulto alguno…

29 Id., Memoriale Religionis… (cap. XII), in Las Reformas…,

(36)

comunidades30 –, parece haver um princípio indiscutível a observar que mais não será do que uma explicitação do anterior: las leciones espirituales que se deben leer en la congrega‑ ción deben ser tales que aprovechen a todos

e fagan al propósito de su profesión…31. Mas

esta exigência natural de adequação da lição espiritual à vocação de cada qual no contexto dessa reforma franciscana32, ver ‑se ‑á um pouco mais precisada quando Fr. Lope sublinhar que a lição espiritual deve versar mayormente de

30 Efectivamente, utilizando apenas os textos villacrecianos

de Fr. Lope, não é fácil determinar um sentido unívoco – tê ‑lo ‑ia? – para congregación… Poderemos sugerir que, como reunião ou assembleia, Fr. Lope a enumera ao lado do coro, da mesa e do capitulo (Memorial de la Vida y

Ritos, cap. XXX…, in Las Reformas…, 744, mas poderia,

sabemos, identificar ‑se com – ou também – las colacio‑

nes…, como parece deduzir ‑se do cap. XII do Memoriale Religionis…, in Las Reformas…, 711).

31 Fr. Lope de SALAZAR Y SALINAS, Memoriale Religionis…,

(cap. XII), in Las Reformas…, 710).

32 Esta preocupação, bem natural, aliás, pela adequação das

leituras à «vocação» institucional, tal como ela se realiza em cada momento da sua história, nem sempre vai sem polémicas e sem consequências, por vezes, dramáticas, como se viu nas directrizes sobre leituras entre os jesuítas na segunda metade do séc. XVI e os começos do século seguinte. Sobre esta questão são ainda insubstituíveis os trabalhos de P. LETURIA, S. J., «Lecturas Ascéticas y Lec‑ turas Místicas entre los Jesuitas del Siglo XVI»; e «Corde‑ ses, Mercuriano, Colegio Romano y Lecturas Espirituales de los Jesuitas en Siglo XVI» in Estudios Ignacianos, Roma, 1957, 269 ‑331 e 333 ‑378 respectivamente.

(37)

los vicios e de las virtudes e de las cerimonias

sanctas de la propria Religion…33. Muitos dos

textos que já ficaram lembrados encontram‑ ‑se agora citados como lições a fazer ao longo das semanas e dos anos…, com uma primazia especial e naturalíssima para os textos legisla‑ tivos próprios e para a história primigénia da Ordem… S. Francisco – legislador «evangélico» ou exemplar reflectido em legenda e crónicas – está presente em todos os momentos da lição.… como obrigação ou como opção primeira…

No domínio, porém, da lição em comum, lida por um e ouvida por todos, teremos de considerar a do coro e a da mesa… Além de lugares, são modos e momentos também con‑ sagrados à leitura… Mas, como teremos ocasião de sugerir, talvez não sejam os únicos… No entanto, pelo que ao coro se refere, se sabemos a importância da leitura (recitação) do breviá‑ rio como o meio privilegiado de contacto com o texto sacro, também conhecemos que muitos desses textos continham deficientes lições, pois os poucos exemplares de que dispunha cada casa – a Custódia dos Menores, não possuía um terço dos que necessitava34 – eram escritos por

33 Fr. Lope de SALAZAR Y SALINAS, Memoriale Religionis

(cap. XII), in Las Reformas…, 710.

34 Id., Segundas Satisfacciones… (art. III), in Las Reformas…,

866 (conf. Constituciones Custodiales… cap. VI, in Las

(38)

los pulgares de los frayles…35. Daqui resultava, segundo confessa Fr. Lope, que, pela maior parte, não fossem bem escritos nem bem corri‑ gidos… Deficiências de letra – logo, dificuldades de leitura – e de lição textual que concorriam para os «defeitos» do oficio litúrgico que o pró‑ prio Salazar y Salinas reconhece36… Fr. João da Póvoa, essa «coluna» da Observância em Portu‑ gal na segunda metade do século XV37, grande procurador de livros – um Evangelho de S. João

com a sua glosa transportou ele às costas desde

Salamanca ao conventinho da Ínsua como o anota em um dos inventários dessa casa – não deixará também de taxar de mentirosos alguns dos breviários e outros livros que encontrará nas casas que visita… E, num caso ou nou‑ tro, talvez não se tratasse apenas de erros de cópia…, mas de adulterações mais profundas,

35 Id., Segundas Satisfacciones… (art. VI), in Las Reformas…,

866.

36 Id., Segundas Satisfacciones… (art. VI), in Las Reformas…,

866. Seria muito importante poder, algum dia, verificar o como copiavam e as técnicas – pelos vistos bem pobres – que utilizavam…

37 Fr. Manuel da ESPERANÇA, O.F.M. Historia Serafica dos

Frades Menores na Província de Portugal. Lisboa, Off.

Craesbekiana, 1656, I, 10, 46, 487 (A Segunda Parte é publicada em Lisboa, por António Craesbeck, em 1666; a Terceira, Quarta e Quinta Partes, da autoria de Fr. Fernando da Soledade, são editadas em Lisboa. respectiva‑ mente por Manuel Joseph Lopes Ferreira, em 1705 e 1709 e por António Pedrozo Galrão em 1721).

(39)

como falta de texto ou de textos, por exemplo. De todos os modos, a escassez ou a abundân‑ cia de livros de coro – missais…, breviários…, saltérios… sacramentais…, etc.… – para além desse contacto muito importante com o texto sacro – aspecto que, desde o nosso ponto de vista, interessa reter – diz respeito, acima de tudo, não à lição espiritual propriamente dita, mas à oração litúrgica – a lectio spiritualis por excelência –, isto é, ao maior ou menor rigor e esplendor na celebração do oficio divino…38

A mesa, porém, parece ser um lugar impor‑ tante da lição espiritual. A ela se referem muitas vezes os «escritos villacrecianos» de Fr. Lope e da sua importância podemos facilmente concluir, pois que, além de ser uma circunstância normal na vida de qualquer comunidade, na reforma de Villacreces que em tudo, segundo Fr. Lope, se pautava pela franciscaníssima Porciúncula, nem os enfermos que à mesa da enfermaria podiam sentar ‑se dela estavam dispensados…39. A estes devia lê ‑la ou o enfermeiro, se sabia ler…, ou o doente más recio ou o frade que menos mengua

haga en la congregación40…, indicações que, por

38 Fr. Lope de SALAZAR Y SALINAS, Memorial de la Vida

y Ritos… (cap. VI), in Las Reformas…, 726.

39 Id., Memoriale Religionis… (cap.V II), in Las Reformas…,

702.

40 Id., Memoriale de Religionis (cap. VII), in Las Reformas…,

(40)

si mesmas, dizem do lugar de relevo concedido a esse tempo de leitura… Indirectamente ainda, poderíamos detectar algum sinal mais dessa importância através da disciplina de la mesa

que deve ser tal que la boca coma e la lengua calle, los bezos no conchinen, los carrillos non finchen, la oreja oya, el corazón a Dios ame, el ojo non mire, ni la mano palpe, el cuerpo esté

honesto, el pie non salte…41. Grande parte dessa

disciplina orienta ‑se a que el corazón a Dios

ame… através do silêncio (la lengua calle, mas

não só) e da atenção à leitura (la oreja oya)… Fr. Lope, sempre tão minucioso, tão severa‑ mente preciso sobre todas as cerimónias e cir‑ cunstâncias da vida comunitária, preocupado em legislar, orientar ou defender princípios e conteúdos, não parece ter proposto o tipo de leitura espiritual ou, dentre as que, tantas vezes, menciona, as obras que seriam mais indi‑ cadas para esse momento e lugar. Há, contudo, a certeza de que nesse lugar era privilegiada a leitura do texto bíblico de modo a que, em combinação com a lección de conformación, toda a Bíblia fosse, em casas definitivamente instituídas e de número regular de membros, integralmente lida – ambos Testamentos –42

41 Id., Memoriale de Religionis… (cap. VII), in Las Refor‑

mas…, 706.

42 Id., Memoriale Religionis… (cap. XII), in Las Reformas…,

(41)

ao longo de cada três anos…43 e con atención

y devoción…, con mucha atención e sancta

devoción44. A esta limitação de circunstâncias

externas (cumunidat […] gruesa e la casa […]

asentada) haverá que juntar outras limitações

a que também alude Fr. Lope e que, por uma questão de ordem expositiva, preferimos anali‑ sar mais tarde.

O coro e a mesa são, como se sabe, os lugares comuns, tradicionalmente consagra‑ dos, da leitura em comunidade… Em algum dos inventários dos observantes portugueses que analisaremos, tais lugares determinaram até a rubrica de classificação das obras: Livros

de coro e de mesa… Mas, além destes – coro e

mesa – haverá outros lugares e outros momen‑ tos de leitura? Fr. Lope que, ao longo dos seus textos legislativos ou das Satisfacciones com que tentou explicar e defender a originalidade da reforma de que era continuador, não dedica qualquer rubrica particular ao assunto da lei‑ tura propriamente dita, permite, no entanto, perceber que a comunidade de cada casa se congrega para ter lição espiritual… Com efeito, se, ao vê ‑lo recordar as leituras mais próprias da congregação, podemos aceitar estava a referir‑

43 Id., Memorial de la Vida y Ritos (cap. XXX) in Las Refor‑

mas…, 744 (conf. Memoriale Religionis…, cap. XII).

44 Id., Memoriale Religionis …, (cap. XII), in Las Reformas…,

(42)

‑se às que se acordavam com o tipo de espiritua‑ lidade franciscana que a reforma villacreciana propunha, quando, porém, o vemos proibir que en la congregación comun se façam leituras especiais ou próprias de confessores ou de pre‑ gadores, teremos que admitir que alude a uma reunião (a um lugar e a um tempo) normal da comunidade para ouvir ler…45. E o mesmo se dirá, seguramente, do cuidado que há ‑de pôr ‑se na ordenação da lição de la conformación (ou

enformación), de modo a que, conjugada, como

sugerimos, com a da mesa, pennita estender a leitura da Bíblia por cada três anos…46. Do lugar dessas reuniões nada nos diz Fr. Lope… – o coro? –, mas parece possível, tanto pela tradição do género como pelo contexto em que se lhe refere, que tais «congregações» se possam identificar com a colación a que, como orientador das leituras47 e da assembleia48, o presidente, tal como à mesa, nunca deveria

45 Id., Memoriale Religionis… (cap. VII), in Las Reformas…,

711.

46 Id., Memorial de la Vida y Ritos… (cap. XXX), in Las

Reformas…, 744.

47 Id., Memoriale Religionis… (cap. XII): e la Biblia de tal

manera ordenada por discreción del Presidente…, in Las Reformas…, 711, o que confirma o já referido sobre

esse dever do presidente (no cap. I do mesmo Memoriale

Religionis…).

48 Id., Segundas Satisfacciones… (art. I), in Las Reformas…,

(43)

faltar e das quais a mais importante, quer pelos textos aí lidos quer pelas referências explícitas que lhe são feitas, seria a de cada sexta ‑feira49 A leitura em comum pressupõe, como já aludimos, um leitor, figura a que dedica, ainda que fugazmente, uma atenção precisa no Memoriale Religionis ao tratar de el lector

que lee la sancta lección a la congregación50.

Se não parece fácil determinar rigorosamente o que há ‑de entender ‑se já, como aludimos, por congregación, já por sancta lección – as lições do oficio divino? a lectio spirilualis feita à comunidade para tal congregada? – pode‑ mos, contudo, tentar uma certa aproximação ao leitor… Com efeito, ainda que o contexto em que se insere a referência às exigências da sua pessoa e da sua função diga respeito aos

oficios de los contemplativos – hebdomário…,

diácono…, subdiácono…, turifário… acólitos… – tornando o, assim, uma figura relevante do ofício divino, nada impede que as mesmas exigências se apliquem igualmente ao leitor da

lectio spiritualis… Na verdade, por outro lado,

Fr. Lope aborda no mesmo contexto a função de confessor quando este não é, em sentido rigo‑ roso, um interveniente do oficio divino e, por

49 Id., Memoriale Religionis… (cap. I XII), in Las Reformas…,

688 e 711.

50 Id., Memoriale Religionis… (cap. XII), in Las Reformas…,

(44)

outro lado, ainda, em alguma ocasião, ao tra‑ tar nas Segundas Satisfacciones da ordem das leituras (el ejercicio verbal) semanais da Regra e das «crónicas» franciscanas, informa que algumas vezes se lê en punto alto e a las veces

en tono bajo, como manda el Presidente…51, o

que pressupõe que alguém desempenha essa função com exigências semelhantes às reque‑ ridas para o oficio contemplativo de leitor… Se a nossa interpretação for correcta, devemos, então, notar que quem desempenha tal função

ha de entender lo que lee, e ha de haber devo‑ ción en ello, e leerlo despierto, abierto e distinto e igual en los puntos con sus debidas pausas, como quien ha sabor de entenderlo. E non debe

correr52. A estas exigências – entendimento,

devoção, clareza, ritmo – há que juntar o que já ficou aludido sobre a leitura em punto alto ou

en tono bajo de acordo com as orientações do

presidente da assembleia, o que, talvez, releva não tanto da obediência como da capacidade de adaptação.

Será importante ter igualmente em aten‑ ção que todo o quadro em que se desenvolve a leitura espiritual em comum conta ainda com outro elemento: a intervenção, além da que

51 Id., Segundas Satisfacciones… (art. I), in Las Reformas…,

858.

52 Id., Memoriale Religionis… (cap. XII), in Las Reformas…,

(45)

acabámos de aludir, do presidente para comen‑ tar, a seus tempos, o texto lido. Fr. Lope, que fornece tão preciosas informações sobre textos lidos por si mesmos e como comentário de apoio ao que se estava lendo – v.g. a Regra de S. Francisco e algumas fontes franciscanas53 –, não precisa se o presidente intervinha, comentan‑ do ‑a, em qualquer leitura, apenas o afirmando claramente acerca da Bíblia…54. Comentaria outros textos? Parece natural, embora, alguma vez, se nos informe que a leitura da Regra era feita publicamente e simplesmente ai pie de la

letra, sin alguna exposición, nin otra declaración

sobrepuestas55. Haverá de entender ‑se por esta

afirmação que tal leitura não sofria qualquer comentário ocasional ou que se utilizava um texto livre de qualquer comentário interpreta‑ tivo (em sentido mitigador, talvez) da mesma

53 Id., Memoriale Religionis… (cap. XII), in Las Reformas…,

711. Conf. ainda Memorial de la Vida y Ritos… (cap. XXX), in Las Reformas…, 744. Fr. Lope, como resultará da leitura dos textos referidos, parece oscilar no modo de realização de tais leituras, pois se no Memoriale Religionis e no

Memorial de la Vida y Ritos dá a entender que a Regra

e as Constituições de Barcelona (1451) se lêem na mesma altura, nas Segundas Satisfacciones indica que se lêem separadamente, isto é, uma semana (à sexta feira) a Regra e na semana seguinte as Constituições.

54 Id., Segundas Satisfacciones… (art. II e III), in Las Refor‑

mas…, 863.

55 Id., Segundas Satisfacciones… (art. I), in Las Reformas…,

(46)

Regra? De todos os modos, excepções à parte, é

de admitir a intervenção normal do presidente da casa durante a leitura de enformación… A exigência, que já ficou relevada, da presença do presidente nessa reunião, pode, além do mais, ir também nesse sentido…

Seria muito interessante conhecer a orde‑ nação, segundo dias e lugares, das leituras já obrigatórias já recomendáveis que Fr. Lope vai enunciando, tantas vezes, ao longo das suas obras, mas o grande continuador de Fr. Pedro de Villacreces apenas se demora a determinar dois tempos de leitura: a sexta ‑feira de cada semana e os outros dias… A sexta feira era, como se sabe, um dia de suma importância na vida comunitária, pois, além de tempo dedicado à leitura de textos especificamente franciscanos – costume comum em toda a ordem56 –, era também o dia do capítulo de culpas… E poderá mesmo ser que tivessem coincidido, pois dos textos de Fr. Lope parece ser possível concluí ‑lo57. De todos os modos, à sexta ‑feira, quer à mesa quer à colação lia ‑se a

56 Theopbile DESBONNETS na sua Introd. às obras de

S. Francisco de Assis – Ecrits, Paris, Ed. du Cerf – Les Editions Franciscaines, 1981, 26 – aponta este costume da Ordem.

57 Fr. Lope de SALAZAR Y SALINAS, Memoriale Religionis…

(cap. I e Cap. XII); Segundas Satisfacciones… (art. I), in Las

(47)

Regra de S. Francisco nas suas duas versões – a

«bulada» por Honório III (1223) que promete‑

mos con sus estrechas declaraciones e la regla antigua de N.ro Padre San Francisco que nos

concedió el Papa Inocencio sin bula58. A estes

textos legislativos sobre cuja ordenação dará Fr. Lope algumas precisões mais, juntavam ‑se o

Testamento do Poverello, texto sempre querido

das observâncias mais estreitas, as Flores59 que, como veremos, talvez não sejam as Fioretti, as

corónicas primeras e más antiguas de S. Fran‑

cisco, designação que, como indicam muitas citações de Fr. Lope, pode remeter para uma compilação de fontes em que se privilegiaria uma corónica antigua ou corónica dita de Alver‑

nia, que, contas feitas, se poderá identificar

com um texto do Speculum Perfectionis mais ou menos completo60. De qualquer modo, essa

58 Id., Memoriale Religionis… (cap. XII), in Las Reformas…,

711.

59 Id., Memoriale Religionis… (cap. XII); Segundas Satis‑

facciones… (art. I), in Las Reformas…, 711, 858 e 860,

respectivamente.

60 Id., Memorial de la Vida y Ritos… (cap. II); Segundas Satis‑

facciones (art. I) in Las Reformas…, 718, 719, 858, respecti‑

vamente et passim. Dizemos «mais ou menos completo», já que, ao parecer, algum capítulo importante do Speculum

Perfectionis como esse em que S. Francisco compara a

perfeita obediência à impassibilidade de um corpo morto, parece aí faltar; com efeito, assim se explicaria melhor que Fr. Lope quando tenha de aduzir esse exemplo ilustrativo o cite através das Flores… (Memorial de la Vida y Ritos

Referências

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