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Construção de sentidos em letras de canção de Roberto e Erasmo Carlos da década de 1980: uma análise do framing

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Academic year: 2021

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(1)1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM MESTRADO EM LINGUÍSTICA TEÓRICA E DESCRITIVA. ILANA SOUTO DE MEDEIROS. Construção de sentidos em letras de canção de Roberto e Erasmo Carlos da década de 1980: uma análise do framing. Natal – RN 8 de dezembro de 2017.

(2) 2. ILANA SOUTO DE MEDEIROS. Construção de sentidos em letras de canção de Roberto e Erasmo Carlos da década de 1980: uma análise do framing. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para a obtenção do título de mestre. Área de concentração: Linguística Teórica e Descritiva. Orientador: Prof. Dr. Paulo Henrique Duque. Natal – RN 8 de dezembro de 2017.

(3) 3.

(4) 4. ILANA SOUTO DE MEDEIROS. Construção de sentidos em letras de canção de Roberto e Erasmo Carlos da década de 1980: uma análise do framing. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito para a obtenção do título de mestre. Área de concentração: Linguística Teórica e Descritiva.. BANCA EXAMINADORA. Natal – RN 8 de dezembro de 2017.

(5) 5. A Heitor Souto Pereira, meu amado sobrinho, que voou ao céu para me mostrar ser possível transformar a dor em força e em amor (In memoriam)..

(6) 6. AGRADECIMENTOS A Deus, fonte divina de luz e inspiração. Aos meus familiares, especialmente meus pais, irmãs e sobrinhos, por todo o amor em mim depositado, por cada palavra de incentivo, por estarem sempre ao meu lado, por compartilharem comigo a concretização desse e de tantos outros sonhos. Amo vocês. Ao professor Dr. Ricardo Yamashita, ser humano e profissional admirável, por ter me apresentado o apaixonante mundo da Linguística Cognitiva, pela paciência e incentivo constantes, por cada página lida de meus trabalhos, pela parceria acadêmica, por sempre ter acreditado em mim. Minha eterna gratidão! Ao meu querido orientador e professor Dr. Paulo Henrique Duque, fonte inesgotável de conhecimento e inspiração, por todos os ensinamentos compartilhados, por cada aula ministrada, pela paciência e dedicação a mim dedicadas. Muitíssimo obrigada! À professora Dra. Ada Lima Ferreira de Sousa, por ter me acompanhado durante o período de estágio docência, por me inspirar com sua competência e profissionalismo, por tantos conhecimentos partilhados. Ao professor Dr. Marcos Antônio Costa, profissional e ser humano que tanto admiro, por todas as aulas de Linguística, por me ensinar que sabedoria e humildade caminham lado a lado. À professora Dra. Solange Coelho Vereza, por ter participado de minha banca de defesa e pelas inúmeras contribuições que trouxe ao meu trabalho. Aos colegas do grupo Cognição & Práticas Discursivas, pela amizade e conhecimentos compartilhados, especialmente a João Daniel, com quem dividi angústias e alegrias ao longo desses dois últimos anos. Aos colegas do grupo de Estudos Cognitivos da Linguagem da UnP, por todas as discussões e conhecimentos compartilhados, pela amizade sincera. Aprendi muito com vocês. A Yan Vitor de Oliveira Holmes, pela paciência e compreensão, pelo amor que me dedica, por estar sempre ao meu lado. Amo você..

(7) 7. À Capes, pelo incentivo à pesquisa e pela concessão da bolsa durante todo o período de mestrado..

(8) 8. RESUMO Esta pesquisa busca investigar o modo pelo qual os sentidos são cognitivamente construídos em letras de canção de Roberto e Erasmo Carlos da década de 1980 que abordam, especificamente, os conceitos NATUREZA e SEXO. Para tanto, adota o modelo de análise de frames aplicado ao discurso (DUQUE, 2015), que possibilita verificar o acionamento desses mecanismos cognitivos a partir de dimensões variadas e, com isso, identificar a estrutura reticulada de sentidos que é tecida em torno do discurso. Para lançar luz aos nossos objetivos,. busca suporte teórico na Linguística Cognitiva de base. Corporificada, mais precisamente em alguns de seus princípios fundantes, como as noções de categorização (WITTGENSTEIN, 1953; ROSCH et al., 1976; LAKOFF, 1987) e corporalidade (MERLEAU-PONTY, 1945, 1964; LAKOFF, JOHNSON, 1999; EVANS, GREEN, 2006), bem como em duas de suas categorias analíticas: frames (FILLMORE, 1976; GALLESE, LAKOFF, 2005; FELDMAN, 2006; LAKOFF, 2009; LAKOFF, WEHLING, 2012; DUQUE, 2015) e metáforas (LAKOFF, JOHNSON, 1980 [2002]; LAKOFF, 2008). Esta pesquisa é de natureza qualitativa, visto que a análise recai sobre a totalidade de um determinado fenômeno, a construção de sentidos, e, para isso, não recorre a representatividades numéricas ou à quantificação de valores (GERHARDT; SILVEIRA, 2009). As informações obtidas na análise apresentam indícios que parecem sugerir a existência de um padrão no tocante ao modo pelo qual as temáticas analisadas são cognitivamente construídas nas letras de canção compostas por Roberto e Erasmo Carlos da década de 1980, como a perspectiva moral conservadora utilizada para abordar os conceitos NATUREZA e SEXO. Palavras-chave: Linguística Cognitiva. Construção de sentidos. Frames. Metáforas..

(9) 9. ABSTRACT This research aims to investigate the way senses cognitively understood in Roberto and Erasmo Carlos lyrics from 80’s related to, specifically, NATURE and SEX concepts. To this, it adopts frames model applied to discuss analyzes (DUQUE, 2015), with this, it is possible to verify cognitive mechanisms activation based on various dimensions, and to identify a sense reticulated structure around discuss. To reach out objectives, it takes support in the Cognitive Linguistic of an embodied base, particularly some principles as categorizations notions (WITTGENSTEIN, 1953; ROSCH et al., 1976; LAKOFF, 1987) and embodiment (MERLEAU-PONTY, 1945, 1964; LAKOFF, JOHNSON, 1999; EVANS, GREEN, 2006), as well as two analytical categories: frames (FILLMORE, 1976; GALLESE, LAKOFF, 2005; FELDMAN, 2006; LAKOFF, 2009; LAKOFF, WEHLING, 2012; DUQUE, 2015) and metaphors (LAKOFF, JOHNSON, 1980 [2002]; LAKOFF, 2008). This research has a qualitative nature, since analyze is related to a totality of a specific phenomenon, sense construction, to this, it does not use numerical representatives or values quantification (GERHARDT; SILVEIRA, 2009). Information from analyzes suggest a pattern about the way this thematic is cognitively built in the lyrics written by Roberto and Erasmo Carlos in 80’s, with a moral conservatism perspective used to treat NATURE and SEX subjects. Keywords: Cognitive linguistic. Sense construction. Frames. Metaphors..

(10) 10. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Exemplo de interseção entre categorias...........................................................30 Figura 2: Exemplo de níveis de abrangência...................................................................31 Figura 3: Mecanismo de evocação que liga o frame NATUREZA aos subframes SELVA e AMAZÔNIA.........................................................................................................................70 Figura 4: Indexadores linguísticos dos estados prévio e resultante à ação DESMATAR.........................................................................................................................73 Figura 5: Integração dos esquemas-I que estruturam a letra de canção “Amazônia”......78 Figura 6: Indexadores linguísticos das metáforas morais MORAL É PRESERVAÇÃO e IMORAL É DESMATAMENTO..............................................................................................................82 Figura 7: Construção da metáfora AMAZÔNIA É ORGANISMO.............................................85 Figura 8: Acionamento do frame AMAZÔNIA por meio de itens que constituem a metáfora AMAZÔNIA É ORGANISMO....................................................................................................86 Figura 9: Acionamento dos frames DESMATAMENTO e CONSCIENTIZAÇÃO por meio de itens que constituem a metáfora AMAZÔNIA É ORGANISMO.........................................................86 Figura 10: Estrutura reticulada dos frames acionados na letra de canção “Amazônia”.88 Figura 11: Mecanismo de evocação que liga o frame NATUREZA aos subframes MAR e BALEIA..............................................................................................................................93 Figura 12: Processo de configuração de HOMEM para CAÇADOR (BALEEIRO)....................94 Figura 13: Estados prévio e resultante ativados pelo esquema-X OLHAR.........................96 Figura 14: Estados prévio e resultante ativados pelo esquema-X DERRAMAR..................99 Figura 15: Mecanismo de constituência do frame roteiro CAÇA....................................100 Figura 16: Itens linguísticos que indexam as metáforas GOSTO AMARGO SÃO LEMBRANÇAS RUINS e SILÊNCIO É CULPA................................................................................................103 Figura 17: Mecanismo de constituência do frame roteiro REMORSO..............................105 Figura 18: Mecanismo de subcategorização de HOMEM para CAÇADOR (BALEEIRO) por meio do esquema-I CONTÊINER.......................................................................................106 Figura 19: Construção da perspectiva moral do CAÇADOR (BALEEIRO) como um ser perverso e insensível......................................................................................................107.

(11) 11. Figura 20: Mecanismo de subcategorização de BALEIA para BALEIA CAÇADA por meio do esquema-I CONTÊINER....................................................................................................107 Figura 21: Construção da perspectiva moral da BALEIA como um ser frágil e vítima do CAÇADOR (BALEEIRO)......................................................................................................108 Figura 22: Indexadores linguísticos das metáforas morais MORAL É SENSIBILIDADE e IMORAL É INSENSIBILIDADE...............................................................................................112 Figura 23: Acionamento do subframe MIRA e do frame CAÇADOR (BALEEIRO) por meio de itens que constituem a metáfora IMORAL É INSENSIBILIDADE............................................115 Figura 24: Acionamento do subframe ABATE por meio de itens que constituem a metáfora IMORAL É INSENSIBILIDADE...............................................................................................116 Figura 25: Acionamento do subframe ABATE por meio de itens que constituem a metáfora IMORAL É INSENSIBILIDADE...............................................................................................116 Figura 26: Estrutura reticulada dos frames acionados na letra de canção “As baleias”..118 Figura 27: Mecanismo de evocação que liga o frame CASA ao subframe QUARTO na letra de canção “Tudo pára”...................................................................................................124 Figura 28: Estados prévio e resultante ativados pelo esquema-X DEIXAR......................128 Figura 29: Mecanismo de constituência do subframe PREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL na letra de canção “Tudo pára”...........................................................................................129 Figura 30: Mecanismo de constituência do frame roteiro RELAÇÃO SEXUAL na letra de canção “Tudo pára”........................................................................................................131 Figura 31: Acionamento do frame esquema-I CONTÊINER com relação à estruturação do subframe QUARTO e do frame RUA...................................................................................132 Figura 32: Mecanismo de constituência dos frames esquemas-I TRAJETÓRIA e TRAJETORMARCO............................................................................................................................132 Figura 33: Dinamicidade dos Esquemas-I com relação à perspectivação de um mesmo conceito..........................................................................................................................133 Figura 34: Acionamento dos frames conceptuais básicos CASA e RUA por meio do frame esquema-I CONTÊINER....................................................................................................134 Figura 35: Mudança de estado do conceito AMOR, de LÍQUIDO para GASOSO, e sua respectiva expansão.......................................................................................................135 Figura 36: Itens linguísticos que indexam a metáfora FAZER SEXO É FAZER AMOR..........139 Figura 37: Acionamento do frame RUA e do subframe QUARTO por meio de itens linguísticos que indexam a metáfora FAZER SEXO É FAZER AMOR......................................140.

(12) 12. Figura 38: Acionamento do frame RUA por meio de indexadores da metáfora FAZER SEXO É FAZER AMOR..................................................................................................................140 Figura 39: Estrutura reticulada dos frames acionados na letra de canção “Tudo pára”.141 Figura 40: Mecanismo de evocação que liga o frame CASA ao subframe QUARTO na letra de canção “Pelas esquinas da nossa casa”.......................................................................147 Figura 41: Estados prévio e resultante ativados pela ação ABRIR A PORTA......................148 Figura 42: Mecanismo de constituência do frame roteiro DESLOCAMENTO FÍSICO..........150 Figura 43: Mecanismo de constituência do frame roteiro GRADAÇÃO AMOROSA............152 Figura 44: Coocorrência dos frames DESLOCAMENTO FÍSICO e GRADAÇÃO AMOROSA......153 Figura 45: Mecanismo de constituência dos frames esquemas-I TRAJETÓRIA e TRAJETORMARCO em relação ao deslocamento físico e à gradação amorosa...................................154 Figura 46: Acionamento do frame CONTÊINER por meio do Esquema-I TRAJETÓRIA......155 Figura 47: Acionamento do frame esquema-I PARTE-TODO com relação à estruturação do frame conceptual básico CASA........................................................................................155 Figura 48: Estrutura reticulada esquemática do frame conceptual básico CASA na letra de canção “Pelas esquinas da nossa casa”...........................................................................156 Figura 49: Construção da metáfora PREPARAÇÃO PARA O SEXO É TRÂNSITO por meio da projeção entre os domínios RELACIONAMENTO AMOROSO CONJUGAL e TRÂNSITO..............160 Figura 50: Itens linguísticos que indexam a metáfora MORAL É FAZER SEXO COM AMOR..161 Figura 51: Itens linguísticos que indexam a metáfora FAZER SEXO É FAZER AMOR...........163 Figura 52: Acionamento dos frames CASAL e GRADAÇÃO AMOROSA por meio de itens linguísticos que indexam a metáfora FAZER SEXO É FAZER AMOR......................................164 Figura 53: Acionamento dos frames CASAL, CASA e GRADAÇÃO AMOROSA por meio de itens linguísticos que indexam a metáfora FAZER SEXO É FAZER AMOR.............................164 Figura 54: Acionamento do frame GRADAÇÃO AMOROSA por meio de itens linguísticos que indexam a metáfora FAZER SEXO É FAZER AMOR.........................................................164 Figura 55: Estrutura reticulada dos frames acionados na letra de canção “Pelas esquinas da nossa casa”................................................................................................................165.

(13) 13. LISTA DE QUADROS Quadro 1: Filtro do frame cultural.................................................................................55 Quadro 2: Aspectos convergentes da dimensão conceptual entre as letras de canção “Amazônia” e “As baleias”............................................................................................169 Quadro 3: Aspectos convergentes da dimensão de roteiro e de descritores de eventos entre as letras de canção “Amazônia” e “As baleias”......................................................170 Quadro 4: Aspectos convergentes da dimensão esquemática entre as letras de canção “Amazônia” e “As baleias”............................................................................................171 Quadro 5: Aspectos convergentes da dimensão de domínio específico entre as letras de canção “Amazônia” e “As baleias”................................................................................171 Quadro 6: Aspectos convergentes da dimensão social entre as letras de canção “Amazônia” e “As baleias”............................................................................................172 Quadro 7: Aspectos convergentes da dimensão interacional entre as letras de canção “Amazônia” e “As baleias”............................................................................................173 Quadro 8: Aspectos convergentes da dimensão conceptual entre as letras de canção “Tudo pára” e “Pelas esquinas da nossa casa”................................................................174 Quadro 9: Aspectos convergentes da dimensão de roteiro e de descritores de eventos entre as letras de canção “Tudo pára” e “Pelas esquinas da nossa casa”.........................174 Quadro 10: Aspectos convergentes da dimensão esquemática entre as letras de canção “Tudo pára” e “Pelas esquinas da nossa casa”................................................................175 Quadro 11: Aspectos convergentes da dimensão de domínio específico entre as letras de canção “Tudo pára” e “Pelas esquinas da nossa casa”....................................................176 Quadro 12: Aspectos convergentes da dimensão social entre as letras de canção “Tudo pára” e “Pelas esquinas da nossa casa”...........................................................................176 Quadro 13: Aspectos convergentes da dimensão interacional entre as letras de canção “Tudo pára” e “Pelas esquinas da nossa casa”................................................................177 Quadro 14: Aspectos convergentes entre as categorias discursivas LETRAS DE CANÇÃO ATIVISTAS DE ROBERTO E ERASMO CARLOS DA DÉCADA DE 1980 e LETRAS DE CANÇÃO ROMÂNTICAS DE ROBERTO E ERASMO CARLOS DA DÉCADA DE 1980 .......................................178.

(14) 14. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS SC – Semântica Cognitiva LC – Linguística Cognitiva TP – Teoria dos Protótipos TNL – Teoria Neural da Linguagem Esquema-I – Esquema Imagético Esquema-X – Esquema de ação TMC – Teoria da Metáfora Conceptual TNM – Teoria Neural da Metáfora GCC – Gramática de Construção Corporificada.

(15) 15. LISTA DE NOTAÇÕES Aspas duplas: expressões linguísticas. Aspas simples: forma linguística. Itálico: componentes dos frames. Versalete: frames (conceitos)..

(16) 16. SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................................17 1. REFERENCIAL TEÓRICO.....................................................................................21 1.1.. A. PRIMEIRA. GERAÇÃO. COGNITIVISTA. E. A. METÁFORA. DO. COMPUTADOR.............................................................................................................21 1.2. REALISMO EXPERIENCIAL: A SEGUNDA GERAÇÃO COGNITIVISTA.......25 1.3. CATEGORIZAÇÃO: FUNÇÃO COGNITIVA BASILAR À ORGANIZAÇÃO DAS EXPERIÊNCIAS HUMANAS...............................................................................27 1.4. CORPORALIDADE.................................................................................................34 1.5. FRAMES...................................................................................................................37 1.5.1 Frame Conceptual Básico.....................................................................................45 1.5.2. Frame Descritor de Evento..................................................................................45 1.5.3. Frame Roteiro.......................................................................................................47 1.5.4. Frame Esquemas Imagéticos...............................................................................47 1.5.5. Frame Social.........................................................................................................53 1.5.6. Frame de Domínio Específico..............................................................................54 1.5.7. Frame Cultural.....................................................................................................55 1.5.8. Frame Interacional...............................................................................................56 1.6.. METÁFORAS:. DE. ORNAMENTO. A. MECANISMO. COGNITIVO-. DISCURSIVO.................................................................................................................58 2. ESTADO DA ARTE...................................................................................................61 3. METODOLOGIA......................................................................................................63 3.1. NATUREZA DA PESQUISA...................................................................................63 3.2. CONSTITUIÇÃO DO CORPUS..............................................................................64 3.3. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE.........................................................................65 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS.................................................................67 4.1. LETRA DE CANÇÃO “AMAZÔNIA”....................................................................67 4.2. LETRA DE CANÇÃO “AS BALEIAS”...................................................................90 4.3. LETRA DE CANÇÃO “TUDO PÁRA”.................................................................122 4.4 LETRA DE CANÇÃO “PELAS ESQUINAS DA NOSSA CASA”........................144 5. DISCUSSÃO GERAL..............................................................................................169 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................180 REFERÊNCIAS...........................................................................................................184.

(17) 17. INTRODUÇÃO Por muito tempo, a semântica clássica concebeu o conhecimento do significado como uma propriedade exclusiva da linguagem e, por isso, distinto dos demais tipos de conhecimento, como o enciclopédico, por exemplo. De acordo com essa perspectiva, como ressaltam Evans e Green (2006), o significado corresponde a um conhecimento definicional, que se refere a saber o que as palavras significam. Esse conhecimento, como lembram os autores, estaria depositado em uma espécie de “dicionário mental”. Essa compreensão se alinha com um dos princípios fundantes da primeira geração cognitivista: o de que a mente é considerada um aparato supramodal e autônomo. A função desse dispositivo, em relação aos significados, seria a de processá-los e representálos de maneira simbólica, tal qual um programa de computador. Essa visão passou a ser questionada a partir da década de 1970, com o surgimento da Semântica Cognitiva (SC). Se, nas abordagens formais, as informações de natureza sensório-motora não eram levadas em conta, em relação ao conhecimento do significado, esse novo paradigma passou a considerar que nossa estrutura conceptual é corporificada, ou seja, o modo pelo qual os conceitos são construídos está diretamente ligado à maneira pela qual experienciamos, com nossos corpos, o mundo a nossa volta. Esse entendimento deu origem à Linguística Cognitiva (LC), perspectiva que aborda os fenômenos linguísticos a partir de uma visão semantocêntrica e integradora. Ao corroborarmos a compreensão de que os significados não equivalem a definições preexistentes em um módulo mental autônomo, mas a conceitos dinamicamente construídos por uma mente que não se desvincula do corpo, adotamos os princípios centrais da SC, assim como parte do aparato conceitual da LC para fundamentar teórica e metodologicamente nossa dissertação. Ao eleger essa perspectiva como norte de nosso trabalho, assumimos a missão de cumprir os dois compromissos propostos por Lakoff (1990), que estão relacionados aos princípios que devem reger as pesquisas realizadas no âmbito da cognição. Nesse sentido, o linguista (p. 39 [tradução nossa]1) afirma que a LC é definida “[...] pelo princípio que caracteriza a gama de generalizações linguísticas, ao mesmo tempo em que é fiel às descobertas empíricas sobre a natureza da mente/cérebro”.. “I view cognitive linguistics as defined by the commitment to characterize the full range of linguistic generalizations while being faithful to empirical discoveries about the nature of the mind/brain”. 1.

(18) 18. O compromisso do cognitivismo refere-se à necessidade de o pesquisador manterse coerente, teórica e metodologicamente, com os princípios basilares da perspectiva adotada. Em se tratando de nossa dissertação, por exemplo, todo o aparato teórico e metodológico deve estar fincado nos pressupostos das Ciências Cognitivas. Isso pode ser percebido no fato de que, se corroboramos a ideia de que os conceitos são dinamicamente construídos, nossa fundamentação teórica, assim como nossas categorias de análise e metodologia, devem se pautar nessa premissa, e não em outras que os concebam, por exemplo, como símbolos mentais abstratos. Assumimos, também, o compromisso da generalização, que, grosso modo, demanda que os resultados obtidos em estudos desenvolvidos na LC possam ser aplicáveis a outras investigações dentro dessa área. Com nosso corpus, letras de canção compostas por Roberto e Erasmo Carlos na década de 1980, e com os procedimentos de análise adotados, pensamos estar fornecendo, por exemplo, elementos que possam ser utilizados para uma possível implementação de programas computacionais voltados para a interpretação de textos, a exemplo do KARMA2, um sistema motivado por resultados em computação neural, que busca interpretar narrativas (LAKOFF; NARAYANAN, 2010). Julgamos, também, que o modelo de nossa análise não se restrinja, unicamente, a letras de canção, ou seja, dentro da perspectiva da LC, ele pode ser aplicado para analisar outras categorias discursivas. A escolha do corpus, letras de canção compostas por Roberto e Erasmo Carlos na década de 1980, foi motivada pelo fato de termos observado que determinados conceitos, como. NATUREZA. e. SEXO,. por exemplo, normalmente são temas de mais de uma letra, o. que nos fez pensar se eles seriam cognitivamente construídos a partir de perspectivas distintas ou se seguiriam determinado padrão. Além dessa motivação, julgamos que o corpus utilizado é relevante para o contexto social, no sentido em que aborda questões relacionadas ao meio ambiente, chamando nossa atenção para o fato de que o seres humanos estão destruindo a natureza. A partir dessa indagação, elaboramos nossas questões de pesquisa, a saber: a) Como os sentidos são cognitivamente construídos em letras de canção de Roberto e Erasmo Carlos da década de 1980?. 2. Knowledge-based Action Representations for Metaphor and Aspect..

(19) 19. b) Como um mesmo conceito é construído cognitivamente em letras de canção diferentes, mas compostas pelos mesmos autores? c) O frame interacional fornece elementos que possam ser considerados característicos da categoria discursiva LETRAS DE CANÇÃO DE ROBERTO E ERASMO CARLOS DA DÉCADA DE 1980 ? Aliado a tais questões, o objetivo geral de nossa dissertação é o de evidenciar a dinamicidade do processo de construção de sentidos em relação a determinados conceitos abordados nas letras de canção de Roberto e Erasmo da década de 1980. A partir disso, traçamos objetivos mais específicos, a saber: a) descrever, por meio de pistas linguísticas, as dimensões dos frames e as projeções metafóricas acionados nas letras de canção sob análise; b) observar como os frames se organizam e se integram na construção de sentidos de um mesmo conceito, abordado em letras distintas, mas compostas pelos mesmos autores; e c) verificar em que medida o frame interacional fornece elementos que possam ser considerados característicos da categoria discursiva. LETRAS DE CANÇÃO DE ROBERTO E. ERASMO CARLOS DA DÉCADA DE 1980 .. A análise do corpus se ancora em uma metodologia de natureza qualitativa com base descritiva, visto que o foco de nossa investigação recai sobre um determinado fenômeno, a construção de sentidos. Com base na metodologia para a análise de frames aplicada ao discurso (DUQUE, 2015) e no modelo de análise construcional (BERGEN; CHANG, 2003), mais precisamente na dimensão construcional, que nos permite realizar o levantamento de toda a estrutura esquemática subjacente aos enunciados, buscamos evidenciar as diversas dimensões dos frames que são acionadas por intermédio das pistas linguísticas disponíveis nas letras de canção e o modo como tais dimensões se organizam no tocante à emergência de sentidos. Nossa dissertação está organizada em cinco capítulos. O primeiro deles, que discorre sobre o referencial teórico da pesquisa, está dividido nas seguintes seções: a primeira geração cognitivista e seus princípios; a segunda geração cognitivista e a ideia de realismo experiencial; os conceitos de categorização e de corporalidade, noções caras à LC; e, por último, as categorias analíticas centrais para nosso trabalho: frame e metáfora. No capítulo seguinte, concernente ao estado da arte, apresentamos alguns estudos que analisaram letras de canção sob a luz da LC, mas que não contemplaram alguns dos aspectos observados em nosso trabalho. O terceiro capítulo explicita a metodologia utilizada, assim como a natureza da pesquisa, o processo de constituição do corpus e os.

(20) 20. procedimentos de análise adotados. No quarto capítulo, procedemos à análise dos dados. No quinto capítulo, fazemos uma discussão geral a respeito dos resultados obtidos e, no sexto, tecemos nossas considerações finais a partir do que nos foi revelado pelas análises. Por último, apresentamos as referências bibliográficas que nos auxiliaram a construir esta dissertação..

(21) 21. 1. REFERENCIAL TEÓRICO Discorremos, neste capítulo, sobre os princípios fundantes da LC de base corporificada, abordagem que embasa teórica e metodologicamente nossa dissertação, assim como sobre as categorias analíticas que são centrais para nossa pesquisa: frames e metáforas. Para tanto, o organizamos da seguinte maneira: nas duas primeiras seções (1.1. e 1.2.), traçamos o itinerário histórico da LC, dando ênfase, principalmente, às duas gerações cognitivistas; nas seções seguintes (1.3. e 1.4.), apresentamos, respectivamente, dois conceitos basilares à LC: o de categorização e o de corporalidade; e, por fim, nas seções 1.5. e 1.6., discorremos, nesta ordem, sobre as noções de frame e de metáfora. 1.1. A PRIMEIRA COMPUTADOR. GERAÇÃO. COGNITIVISTA. E. A. METÁFORA. DO. “O corpo é visto como um mero dispositivo mecânico que converte os inputs do mundo externo em outputs que. são. captados. por. nossa. mente. como. representações simbólicas”. (Mark Johnson). No início do século XX, a Linguística e algumas outras ciências, de modo geral, foram bastante influenciadas pelas ideias behavioristas, inicialmente apresentadas pelo psicólogo americano John Watson e posteriormente desenvolvidas por B. F. Skinner. Esse paradigma, também conhecido como comportamentalista, surgiu para romper com o modelo da psicologia mentalista da época, proposta por Wundt, cujo objeto de estudo era a consciência. Em 1913, no artigo intitulado Psychology as the Behaviorist views it3, Watson propôs que a consciência, enquanto objeto de estudo da psicologia, deveria dar lugar ao comportamento. Além disso, o psicólogo americano também sugeriu que o método da introspecção, até então utilizado como via de acesso às atividades humanas, fosse substituído pela observação (CARRARA, 2004). Em outras palavras, seguindo a tendência objetivista da época, Watson propôs que a Psicologia deveria se preocupar com fatores externos ao indivíduo e, por essa razão, aspectos referentes à consciência, assim como experiências de natureza subjetiva,. 3. “A Psicologia como o behaviorista a vê” [tradução nossa]..

(22) 22. passaram a ser vistos como irrelevantes. Segundo ele, a Psicologia, sob a ótica behaviorista, [...] é um ramo puramente experimental da ciência natural. Seu objetivo teórico é a previsão e o controle do comportamento. A introspecção não faz parte dos seus métodos, nem o valor científico de seus dados depende da facilidade com que eles podem ser interpretados em termos de consciência (WATSON, 1913, p. 158 [tradução nossa]4).. Em linhas gerais, o princípio fundante das teorias behavioristas de Watson e Skinner, também conhecidas como condicionamento clássico e condicionamento operante, respectivamente, refere-se à noção de que o comportamento é decorrente de uma relação mecânica entre estímulo e resposta. Dentro da Linguística, esse pressuposto fez com que a língua fosse concebida como produto de fatores externos e mensuráveis. Para um dos principais defensores desse raciocínio, o linguista norte-americano Leonard Bloomfield, o comportamento linguístico seria socialmente condicionado, ou seja, seria uma resposta provocada pelos estímulos fornecidos pela interação social (KENEDY, 2015). Por acreditar que o estudo da língua deveria partir de fenômenos observáveis, Bloomfield descartou de suas análises aspectos de natureza semântica. Por essa razão, a questão do significado, como chegou a afirmar, representaria “[...] o ponto fraco da ciência da linguagem [...]” (BLOOMFIELD, 1933, p. 140 [tradução nossa]5). Somente no final da década de 1950, o paradigma behaviorista, que, até então, subsidiava teórica e metodologicamente os estudos da linguagem, passou a ser questionado. Fatores internos, até então desconsiderados, passaram a ocupar papel de destaque nas agendas de estudo acerca dos fenômenos linguísticos. Nesse sentido, a concepção empiricista do behaviorismo foi dando lugar aos princípios da tradição racionalista. Essa nova tendência, de natureza anti-comportamentalista, iniciou-se a partir das ideias propostas por Noam Chomsky. Em 1956, em um congresso realizado nos Estados Unidos, Chomsky argumentou que a linguagem humana, assim como um computador,. “Psychology as the behaviorist views it is a purely objective experimental branch of natural science. Its theoretical goal is the prediction and control of behavior. Introspection forms no essential part of its methods, nor is the scientific value of its data dependent upon the readiness with which they lend themselves to interpretation in terms of consciousness”. 5 “The statement of meanings is therefore the weak point in language-study [...]”. 4.

(23) 23. possuía propriedades formais que poderiam ser vistas como “[...] verdadeiros programas cognitivos” (COSTA; DUQUE, 2009, p.3). Em 1959, a oposição do linguista aos princípios behavioristas tornou-se ainda mais evidente. Numa resenha feita sobre o livro Verbal Behavior6, de B. F. Skinner, Chomsky fez duras críticas ao modelo comportamentalista e chegou a afirmar que a tese do psicólogo americano “[...] só pode ser aplicada ao comportamento humano de maneira grosseira e superficial” (1959, p. 49 [tradução nossa]7). O pressuposto básico defendido pelo linguista norte-americano é o de que a linguagem só pode ser compreendida levando-se em consideração fatores internos, como os aspectos da cognição humana. O eixo central da sua teoria gerativista, como ficou conhecida, sustenta-se na hipótese de que os seres humanos possuem um dispositivo biológico para a aquisição da linguagem. Esse dispositivo, visto como um órgão mental, estaria depositado em uma área específica do cérebro e seria composto por princípios inatos relacionados à estrutura gramatical das línguas. Na base desse pensamento, encontra-se a noção de modularidade, outra hipótese defendida por Chomsky, que resgatou os princípios do que convencionalizou-se como o dualismo cartesiano mente/corpo. O cérebro humano, nessa perspectiva, passa a ser visto como supramodal, uma vez que se organiza em módulos distintos que atuam independentemente do restante do corpo (GALLESE; LAKOFF, 2005). De acordo com a teoria gerativista, um desses módulos seria responsável pela aquisição da linguagem e, tal qual um software, estaria organizado por um conjunto de componentes lógicos pré-programados. Esse módulo, que Chomsky definiu como faculdade da linguagem, é considerado um dispositivo [...] inato, presente em todos os seres humanos [...] que nos fornece um algoritmo, isto é, um sistema gerativo, um conjunto de instruções passo a passo – como as inscritas num programa de computador – o qual nos torna aptos para desenvolver (ou adquirir) a gramática de uma língua (KENEDY, 2015, p. 135).. Esse conjunto de instruções, que, na teoria gerativista, é nomeado de princípios, se manifesta de modo específico, a partir dos parâmetros de cada língua. Essas noções podem ser ilustradas, por exemplo, no modo como as línguas portuguesa e inglesa. 6 7. “Comportamento Verbal” [tradução nossa]. “[...] can be applied to complex human behavior only in the most gross and superficial way [...]”..

(24) 24. organizam, sintaticamente, e a partir de seus próprios parâmetros, elementos como substantivos e adjetivos, tidos como princípios universais. No português, os substantivos tendem a se posicionar antes dos adjetivos, como em enunciados do tipo “uma casa grande”. Os parâmetros da língua inglesa, por outro lado, organizam esses elementos de modo contrário, posicionando o adjetivo antes do substantivo (“a big house”). Graças às ideias defendidas por Chomsky, que serviram de base para as pesquisas da primeira geração das Ciências Cognitivas, compostas por outras áreas do conhecimento, tornou-se bastante comum comparar a mente humana a uma máquina. Nesse sentido, como lembram Costa e Duque (2009, p. 3), em pouco tempo “[...] psicólogos e neurocientistas passaram a afirmar que o cérebro era um computador [...]”. Nessa mesma linha de raciocínio, Gallese e Lakoff (2005, p. 456 [tradução nossa]8) chamam a atenção para o fato de que a mente, naquela época, foi concebida como um “[...] sistema funcional, cujos processos poderiam ser descritos em termos de manipulação de símbolos abstratos de acordo com um conjunto formal de regras sintáticas”. Uma das maiores contribuições da teoria chomskyniana foi redirecionar a perspectiva de análise em relação aos fenômenos linguísticos. Se, na abordagem estruturalista, a língua era vista como decorrente de fatores externos, Chomsky deu ênfase aos aspectos internos, ao considerar que a linguagem é inata, ou seja, é graças ao linguista que a ideia de cognição se insere no cenário da Linguística. Apesar do sucesso obtido pelo empreendimento gerativista, novos estudos passaram a revelar que ele não dava conta de todos os aspectos relacionados à cognição, e, principalmente, ao campo semântico, o que permitiu que alguns de seus pressupostos, como o da modularidade da mente, fossem repensados. Na base desse novo paradigma, o realismo racionalista, que fundamentou o pensamento chomskyniano, dá lugar a uma visão experiencialista.. “The propositional picture of the mind conveyed by early cognitivism is that of a functional system whose processes can be described in terms of manipulations of abstract symbols according to a set of formal syntactic rules [...]”. 8.

(25) 25. 1.2. REALISMO EXPERIENCIAL: A SEGUNDA GERAÇÃO COGNITIVISTA “A razão não é uma característica transcendente do universo ou de uma mente desvinculada do corpo. Ao invés disso, ela é crucialmente formada pelas particularidades. dos. nossos. corpos,. pelos. extraordinários detalhes da estrutura neural dos nossos cérebros, e pelas especificidades do nosso funcionamento cotidiano no mundo”. (George Lakoff e Mark Johnson). A segunda geração cognitivista tem suas origens na década de 1970, quando um pequeno grupo de pesquisadores, inicialmente formado por Paul Postal, George Lakoff, Háj Ross e James McCawley, passou a desenvolver estudos que divergiam das abordagens formais predominantes nas disciplinas de Linguística e Filosofia daquela época. Esse grupo, que ficou conhecido como “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, fundou o movimento da Semântica Gerativa, responsável por inserir a questão do significado nas análises dos fenômenos linguísticos (FELTES, 2007). Se, tradicionalmente, vários ramos das Ciências Cognitivas percebiam a mente como um processador abstrato de informações, diversos estudos passaram a demonstrar, ao longo dos anos, que os processos cognitivos, ao contrário do que se pensava até então, estavam profundamente enraizados em relação ao corpo físico e à sua interação com o mundo (WILSON, 2002). No campo da Linguística, essa nova compreensão a respeito da não-modularidade da mente humana deu origem à LC. Essa nova abordagem, de natureza semantocêntrica, propõe uma visão integradora acerca do fenômeno da linguagem e busca inspiração em outros ramos da ciência que enfatizam a importância da experiência humana, como a Psicologia e a Filosofia (EVANS; GREEN, 2006). Além disso, sugere que o sistema sensório-motor do cérebro, assim como a linguagem, antes vistos como supramodais, são, na verdade, multimodais (GALLESE; LAKOFF, 2005). Os pressupostos básicos da LC rompem com os princípios da tradição filosófica objetivista, segundo os quais a razão humana é autônoma e desvinculada dos aspectos relacionados à percepção e ao corpo, ou, como aponta Johnson (1989, p. 110 [tradução nossa]9), uma estrutura “[...] transcendente, autossuficiente e a-histórica, que existe “[...] reason is regarded as a transcendent, self-sufficient, ahistorical structure that exists independently of any particular mind [...]”. 9.

(26) 26. independentemente da mente”. Ao pressupor a existência de uma realidade externa a priori, as abordagens de base objetivista concebem a língua como um instrumento, cuja função seria a de representar os elementos dessa realidade objetivamente posta. Trabalhos desenvolvidos no âmbito das Ciências Cognitivas (LAKOFF; JOHNSON, 1999; WILSON, 2002; GALLESE; LAKOFF, 2005; EVANS; GREEN, 2006; dentre outros), por outro lado, mostraram que nossa apreensão da realidade externa não ocorre de maneira objetiva. Algumas descobertas evidenciaram, segundo Lakoff e Johnson (1999, p. 17 [tradução nossa]10), que: 1) a razão humana é uma forma de razão animal, inextrincavelmente ligada aos nossos corpos e às particularidades dos nossos cérebros; e 2) que nossos corpos, cérebros e nossa interação com o ambiente fornecem a maior parte da base inconsciente do nosso senso do que é real. Logo, esse senso de realidade, de acordo com os autores, [...] começa e depende crucialmente de nossos corpos, especialmente de nosso aparato sensório-motor [...] e das estruturas detalhadas de nossos cérebros, que foram moldados pela evolução e pela experiência (idem, p. 17 [tradução nossa]11).. Essa compreensão acerca da realidade, que eles nomearam de “realismo experiencial”, advoga que nossa apreensão do real é mediada, em grande parte, pela natureza única dos nossos corpos. É oportuno destacar, a respeito dessa visão, que os linguistas cognitivistas não negam a existência de uma objetividade física no mundo e independente dos seres humanos. O que o realismo experiencial propõe, na verdade, é que as partes dessa realidade externa, às quais temos acesso, são limitadas por nossas especificidades corpóreas e por nosso nicho ecológico (EVANS; GREEN, 2006).. “First, they tell us that human reason is a form of animal reason, a reason inextricably tied to our bodies and the peculiarities of our brains. Second, these results tell us that our bodies, brains, and interactions with our environment provide the mostly unconscious basis for our everyday metaphysics, that is, our sense of what is real”. 11 “Our sense of what is real begins with and depends crucially upon our bodies, especially our sensoriomotor apparatus [...] and the detailed structures of our brains, which have been shaped by both evolution and experience”. 10.

(27) 27. 1.3. CATEGORIZAÇÃO: FUNÇÃO COGNITIVA BASILAR À ORGANIZAÇÃO DAS EXPERIÊNCIAS HUMANAS “A primeira e mais importante coisa a perceber sobre a categorização é que ela é consequência inevitável da nossa composição biológica. Somos seres neurais. Nossos cérebros, cada um, têm 100 bilhões de neurônios e 100 trilhões de conexões sinápticas”. (George Lakoff e Mark Johnson). Nesta seção, tratamos especificamente de uma capacidade primária e inerente a todos os seres vivos: a categorização, que, em linhas gerais, está associada ao modo como os seres classificam e agrupam, a partir de critérios específicos, os elementos com os quais interagem no mundo. O ato de categorizar, como lembram Duque e Costa (2012, p. 20), resulta “[...] na diminuição da quantidade de informação que temos de aprender, perceber, recordar e reconhecer”. Além de promover essa economia de ordem cognitiva, a categorização se configura como um mecanismo de autopreservação das espécies. Em se tratando da espécie humana, isso fica evidente ao pensarmos que, caso nossos ancestrais não tivessem aprendido a se proteger, por exemplo, daquilo que categorizaram como sendo ameaça à vida, possivelmente não haveriam sobrevivido e, consequentemente, nossa espécie não teria evoluído. Em nossa dissertação, partimos do pressuposto de que a categorização é um processo cognitivo básico que organiza nossas experiências e nos permite dar sentido ao mundo. Antes de ser associada a essa concepção, contudo, a noção de categorização percorreu uma longa trajetória conceitual. Nesse sentido, para mostrarmos suas diferentes perspectivas e, no intuito de didatizarmos a leitura, organizamos esta seção com base em critérios cronológicos a partir dos seguintes tópicos: a) Teoria Clássica de Categorização; b) Semelhanças de Família de Wittgenstein; c) Versão padrão da Teoria dos Protótipos; e d) Versão ampliada da Teoria dos Protótipos e outras perspectivas. a) Teoria Clássica de Categorização A tradição filosófica clássica, desenvolvida na Grécia Antiga, é fundamental para que possamos construir as primeiras noções acerca da categorização, uma vez que, graças a ela, as relações entre a linguagem e o mundo passaram a ser discutidas. No centro dessas discussões, buscou-se compreender como a linguagem atribui significado aos elementos.

(28) 28. do mundo: a partir de aspectos arbitrários, ou a partir de alguma propriedade comum? A busca por respostas para essas questões foi alvo de embates filosóficos entre duas correntes de pensamento. A primeira delas, a nominalista, defendeu a ideia de que o modo como a linguagem representa os elementos do mundo era puramente arbitrário, ou seja, o único aspecto em comum existente entre os membros de uma categoria seria a forma como aprendemos, por convenção, a nomeá-los. Esse pensamento, como enfatizam Duque e Costa (2012), se alinha à noção de arbitrariedade da língua, proposta no século XX pelo linguista suíço Ferdinand de Saussure. Segundo a perspectiva realista, por outro lado, os elementos do mundo seriam nomeados com base em propriedades essenciais, que permitissem identificá-los como pertencentes ou não pertencentes a uma determinada categoria. Na base desse pensamento, defendido por Aristóteles, encontra-se a premissa de que a essência é “[...] o que faz com que alguma coisa seja o que é, ou seja, é a causa imanente da existência dos entes [...]” (DUQUE, 2001, p. 2). Assim, de acordo com essa concepção, que perpassa a visão aristotélica, todos os membros de uma categoria como. HOMEM. 12. , por exemplo,. necessitariam compartilhar atributos essenciais como ser racional, bípede, entre outros. Ou seja, os membros de uma categoria, de acordo com essa abordagem, são definidos por traços binários e homogêneos. Essa perspectiva, inserida no que ficou conhecida como Teoria Clássica de Categorização, influenciou sobremaneira o pensamento ocidental. Embora não tenha sido resultado de estudos empíricos, mas de uma posição filosófica especulativa, como destaca Lakoff (1987), esse modelo perdurou por mais de dois mil anos e, somente a partir do século XX, passou a ser questionado. b) Semelhanças de Família de Wittgenstein Uma notável ruptura em relação à perspectiva clássica se deu na esfera da Filosofia, com a publicação, em 1953, da obra Philosophical Investigations13, de Ludwig Wittgenstein. Nela, o filósofo austríaco afirma que as categorias não devem ser pensadas com base em propriedades essenciais, como havia proposto Aristóteles. Para justificar tal premissa, Wittgenstein discorre sobre o clássico exemplo da categoria JOGO:. 12 13. Sempre que nos referirmos a conceitos, utilizaremos versalte (fonte 9). “Investigações Filosóficas” [tradução nossa]..

(29) 29 Considere, por exemplo os processos daquilo que chamamos ‘jogos’. Estou me referindo a jogos de tabuleiro, jogos de cartas, jogos de bola, jogos olímpicos, e assim por diante. O que há em comum a todos eles? – Não diga: “Deve haver algo em comum, ou eles não seriam chamados ‘jogos’ – mas veja se há algo comum a eles. Pois se você olhar para eles, não verá nada que seja comum a todos, mas perceberá semelhanças, parentescos e, toda uma série de elos [...]. [...] E o resultado deste exame é: vemos uma complicada rede de semelhanças que se envolvem e se cruzam mutuamente [...] (WITTGENSTEIN, 1953, §66, p. 31-32 [tradução nossa]14).. O filósofo percebeu, ao observar essa categoria, ser praticamente impossível precisar um denominador comum a todos os jogos, uma vez que uns envolvem outros,. HABILIDADE;. outros,. COMPETIÇÃO;. SORTE;. e assim por diante. Nesse sentido, aquilo que. determina a inclusão dos membros de uma dada categoria não é um conjunto de traços necessários e suficientes, mas sim, uma rede de semelhanças, que Wittgenstein definiu como semelhanças de família (family resemblance): Não posso caracterizar melhor essas semelhanças do que com a expressão ‘semelhanças de família’; pois é assim que se superpõem e entrecruzam as diversas semelhanças existentes entre os membros de uma família: estatura, cor dos olhos, andar, temperamento, etc. etc. E assim posso dizer: ‘jogos’ formam uma família (WITTGENSTEIN, §67, p. 32 [tradução nossa]15).. Com essa noção, o filósofo também evidenciou o fato de que os limites de uma categoria podem ser bastante difusos, ou seja, é difícil precisar, categoricamente, quais membros a compõem. Nesse sentido, como assinala Duque (2001, p. 4), “[...] as categorias tendem a fundir-se em outras [...]”. É o que acontece, por exemplo, com um animal como a baleia. Ao compartilhar características de peixes e mamíferos, ao mesmo tempo, torna-se impossível circunscrevê-la a uma categoria fechada. O que ocorre, na verdade, é uma interseção entre categorias, como ilustra a figura 1.. “Consider for example the proceedings we call “games”. I mean board-games, card-games, ball-games, Olympic-games, and so on. What is common to them all? - Don’t say: “There must be something common, or they would not be called ‘games’” - but look and see whether there is anything common to all. - For, if you look at them you will not see something that is common to all, but similarities, relationships, and a whole series of them at that [...]. [...] And the result of this examination is: we see a complicated network of similarities overlapping and criss-crossing [...]”. 15 “I can think of no better expression to characterize these similarities than ‘family resemblances’; for the various resemblances between members of a family: build, features, colour of eyes, gait, temperament, etc. etc. overlap and criss-cross in the same way. And I shall say: 'games' form a family”. 14.

(30) 30. MAMÍFEROS. PEIXES B A L E I A. Figura 1. Exemplo de interseção entre categorias.. As descobertas feitas por Wittgenstein, como mencionamos anteriormente, abriram espaço para se repensar o processo de categorização. Posteriormente, suas ideias foram sistematizadas e empiricamente comprovadas por estudos realizados no interior da Psicologia Cognitiva. Dentre esses estudos, destaca-se a versão padrão da Teoria dos Protótipos, desenvolvida por Eleanor Rosch e seu grupo, como mostramos no próximo tópico. c) Versão padrão da Teoria dos Protótipos Na década de 1970, os trabalhos desenvolvidos pela pesquisadora e psicóloga americana Eleanor Rosch e seu grupo comprovaram empiricamente as descobertas feitas por Wittgenstein, na década de 1950. Rosch et al. propuseram que, de fato, os humanos não categorizam o mundo com base em traços necessários e suficientes, mas sim, a partir de um protótipo. Este último, como apontam Evans e Green (2006, p. 249 [tradução nossa]16), refere-se a “[...] uma representação mental relativamente abstrata que reúne os principais atributos ou características que melhor represente exemplos de uma determinada categoria”. Um exemplo que ilustra essa ideia pode ser percebido em relação a uma categoria como. AVES.. Para nós, brasileiros, essa categoria teria como membros prototípicos. espécies como beija-flor, bem-te-vi, arara, entre outras. Por outro lado, para indivíduos que habitam regiões como a do Alasca, a mesma categoria seria preenchida, provavelmente, com referentes mais próximos daquela realidade, como os pinguins, por exemplo.. “[...] a relatively abstract mental representation that assembles the key atributes or features that best represent instances of a given category”. 16.

(31) 31. Outra descoberta feita por Rosch et al. (1976) diz respeito ao fato de que as categorias apresentam níveis de abrangência: um nível superordenado, de natureza mais genérica, como MAMÍFEROS; um nível mais básico, com o qual os humanos interagem mais facilmente, como. BALEIA;. abrangência, como. ORCA,. e um nível sub-ordenado, que representa o nível de menor por exemplo. No centro dessa estrutura hierárquica estaria o. nível básico, como ilustra a figura a seguir:. Superordenado. MAMÍFEROS. Básico. BALEIA. Sub-ordenado. ORCA. Figura 2. Exemplo de níveis de abrangência.. Rosch et al. também perceberam que o protótipo age como ponto de referência cognitiva (cognitive reference point), o que significa, como apontam Duque e Costa (2012, p. 33), que uma categoria se organiza “[...] em torno do exemplar prototípico: no centro, situam-se os exemplares que têm maior semelhança com o protótipo e, na periferia, os que têm menor semelhança”. Nesse sentido, no centro de uma categoria como MAMÍFEROS,. por exemplo, estariam exemplares como. GATO, VACA,. etc. e, nas periferias,. membros como BALEIA, ORNITORRINCO, entre outros. Embora. tenha contribuído significativamente. para. esclarecer questões. relacionadas ao processo de categorização, a versão padrão da Teoria dos Protótipos (TP) apresenta algumas limitações, dentre as quais se destaca o fato de não oferecer uma explicação consistente a respeito da origem dos protótipos. Retomando nosso exemplo em relação à categoria AVES, essa teoria não deixa claro quais razões nos levam a eleger, como membros prototípicos dessa categoria, espécies como beija-flor, arara, entre outras. A solução para esse problema, como mostramos a seguir, foi dada pela versão ampliada da Teoria dos Protótipos e por posteriores perspectivas. d) Versão ampliada da Teoria dos Protótipos e outras perspectivas No intuito de superar algumas limitações, a versão padrão da TP sofreu mudanças consideráveis. Uma delas e, talvez, a principal, está relacionada ao fato de se ter repensado a ideia de protótipo, que deu lugar ao conceito de semelhanças de família, já.

(32) 32. discutido por Wittgenstein na década de 1950. A esse respeito, Kleiber (1995, p. 144 apud DUQUE, 2002, p. 3) afirma que A noção de protótipo como exemplar idôneo de uma categoria permanece, mas, como já não tem uma origem única [...] já não possui o estatuto de entidade fundadora da estrutura categorial, que a versão padrão lhe havia atribuído. Ao possuir várias origens, não é considerada, se não como um efeito [...].. A partir dessa mudança de perspectiva, como lembra Duque (2002), o protótipo passa a ser compreendido em termos de efeitos prototípicos, uma vez que aspectos socioculturais passam a ser considerados. Isso explica a razão pela qual nós, brasileiros, elegemos, como exemplares prototípicos da categoria. AVES,. espécies como beija-flor,. arara, bem-te-vi, e não pinguins, por exemplo. Em outras palavras, protótipos são definidos culturalmente. O conceito de efeitos de prototipicidade é convergente à noção de categorias radiais, proposta por Lakoff (1987). Na obra Women, Fire, and Dangerous Things: What Categories Reveal about the Mind17, o autor sugere, a partir do trabalho de R. M. W. Dixon, que observou como os falantes de Dyrbal – uma língua aborígene australiana – categorizam o mundo, que nosso sistema conceptual “[...] é dependente e está intimamente ligado às nossas experiências físicas e culturais” (LAKOFF, 1987, p. 112113 [tradução nossa]18). Isso sugere que os objetos ou situações com os quais interagimos mais frequentemente em nosso entorno tendem a se tornar protótipos. A radialidade, que está na base da ideia de categorias radiais, é exemplificada por Lakoff (1987) por meio do conceito MÃE. O autor chama a atenção para o fato de que, nas abordagens clássicas, esse conceito seria preenchido por condições necessárias e suficientes adaptáveis a todos os tipos de. MÃE.. Desse modo, segundo ele, toda mãe. poderia ser definida como “uma mulher que deu à luz uma criança”. No entanto, o linguista mostra que essa definição não abrange todos os casos. O conceito MÃE, segundo ele, “[...] é baseado em um modelo complexo no qual um número de modelos cognitivos individuais se combinam, formando um modelo aglomerado” (1987, p. 74 [tradução nossa]19). Nesse modelo “aglomerado”, outros tipos de mãe estão inclusos, como MÃE ADOTIVA, MADRASTA, MÃE DE ALUGUEL, e assim por diante. “Mulheres, fogo, e coisas perigosas: o que as categorias revelam sobre a mente” [tradução nossa]. “[...] our conceptual system is dependent on, and intimately linked to, our physical and cultural experience”. 19 “Mother is a concept that is based on a complex model in which a number of individual cognitive models combine, forming a cluster model”. 17 18.

(33) 33. Com esse exemplo, o autor quis mostrar que as categorias não são estanques, mas radiais, uma vez que dão origem a efeitos de prototipicidade, isto é, que os elementos constituintes de uma categoria prototípica podem se espraiar e perpassar outras, como acontece com MÃE. Oportuno ressaltar que os conceitos que se apresentam no centro de uma estrutura radial podem se tornar periféricos e vice-versa, a depender de aspectos culturais, sociais, dentre outros. A ideia de radialidade é crucial para nossa dissertação, uma vez que, como mostraremos em uma das seções de análise dos dados, mecanismos cognitivos, a depender da perspectivação que lhes for dada, podem assumir tanto uma posição central quanto periférica. Um frame como QUARTO, por exemplo, pode ser central, tendo em vista que se queira focalizar o cômodo da casa onde as pessoas dormem (assim como seus componentes: cama, armário, banheiro, dentre outros), mas, por outro lado, ele pode vir a ser periférico, caso assuma o papel de componente de outro frame, como o frame CÔMODOS. (constituído por quarto, sala, cozinha, dentre outros).. No fim da década de 1990, Lakoff e Johnson (1999) deram uma maior ênfase ao modo como as experiências físicas se relacionam ao processo de categorização. Segundo os autores, todos os seres vivos, em consonância com suas especificidades corpóreas, são capazes de categorizar. Para ilustrar essa premissa, eles argumentam que até as amebas categorizam, uma vez que qualificam, nas coisas que encontram, o que é alimento e o que não é. Desse modo, Lakoff e Johnson asseguram que o modo como os animais categorizam “[...] depende do seu aparato sensorial e de sua habilidade de se mover e de manipular objetos” (idem, p. 17 [tradução nossa]20). Em linhas gerais, os autores atribuíram ao corpo físico uma função primordial no modo como os seres percebem o mundo. A categorização, a partir desse enfoque, está diretamente associada ao conceito de corporalidade, que será discutido na próxima seção.. “Every living being categorizes. Even the amoeba categorizes the things it encounters into food or nonfood [...]”. How animals categorize depends upon their sensing apparatus and their ability to move themselves and to manipulate objects”. 20.

(34) 34. 1.4. CORPORALIDADE “[...] meu corpo é feito da mesma carne que o mundo [...] e quanto mais essa carne do meu corpo é sentida pelo mundo, ele a reflete, ambos se imbricam mutuamente [...]”. (Maurice Merleau-Ponty). O conceito de corporalidade, um dos princípios fundantes da LC, emerge no século XX e tem suas raízes fincadas nas esferas da Fenomenologia Hermenêutica, a partir do pensamento do filósofo Paul Ricoeur, do Pragmatismo americano, com as discussões propostas por William James e John Dewey, e da Fenomenologia, com o pensamento do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty. Tal conceito surgiu para confrontar as abordagens dualistas que concebem a mente como um módulo autônomo e independente do corpo. Paul Ricoeur foi um dos pioneiros a criticar os princípios objetivistas. Ancorado à tradição hermenêutica, ele concebe a linguagem, de acordo com Mendes (2012, p. 8), como “[...] uma abertura, uma mediação para a compreensão da experiência humana”. O filósofo francês postula, ainda, que o corpo não é uma entidade independente, como advogam as concepções objetivistas, mas, ao contrário, que ele é considerado um fato do mundo (RICOEUR, 1990). A abordagem naturalista da pragmática, delineada a partir do pensamento de James e Dewey, também diverge do dualismo epistemológico mente/corpo. Conforme essa perspectiva, nossa racionalidade emerge e é formada pela natureza de nossos corpos, o que evidencia o fato de que “[...] a mente nunca está separada do corpo, pois há sempre uma série de atividades corpóreas imersas no fluxo contínuo de interações organismoambiente que constitui a experiência” (JOHNSON; ROHRER, 2007, p. 5 [tradução nossa]21). Lakoff e Johnson (1999), ao mencionarem especificamente as contribuições deixadas pelo pensamento de Dewey, pontuam que o filósofo americano “[...] mostrou como a experiência é, ao mesmo tempo, corporificada, social, intelectual e emocional” (idem, p. 97 [tradução nossa]22).. “On this view, mind is never separate from body, for it is always a series of bodily activities immersed in the ongoing flow of organism-environment interactions that constitutes experience”. 22 “Dewey [...] showed how experience is at once bodily, social, intellectual, and emotional”. 21.

(35) 35. Seguindo uma linha de raciocínio similar à de James e Dewey, Maurice MerleauPonty também chamou a atenção para a estreita relação entre o corpo e a linguagem. Em uma de suas obras mais conhecidas, Phénoménologie de la Perception23, o fenomenólogo reconhece essa noção a partir de inúmeras afirmações, dentre as quais se destaca: [...] meu corpo não é apenas um objeto entre tantos outros, um complexo de qualidades entre outros, ele é um objeto sensível a todos os outros, que ressoa para todos os sons, vibra para todas as cores, e que fornece às palavras a sua significação primordial por meio do modo pelo qual ele as acolhe (MERLEAU-PONTY, 1945, p. 290 [grifo do autor] [tradução nossa]24).. Em outra de suas obras, Le Visible et L’invisible25, Merleau-Ponty também chama a atenção para a existência de uma conexão entre o corpo e o mundo. Segundo ele, “[...] entre esses dois seres verticais não há uma fronteira, mas uma superfície de contato” (1964, p. 318 [tradução nossa]26). Em linhas gerais, e com base nessas duas passagens, o fenomenólogo parece sugerir haver uma relação de interdependência entre corpo, linguagem e ambiente. As ideias de James, Dewey e Merleau-Ponty, com relação à corporalidade, fundamentaram a noção de realismo experiencial que, como já mencionado, propõe que nossa percepção da realidade externa é moldada por meio de nossos corpos. Isso significa, como observa Evans (2012), que as particularidades da nossa configuração corpórea e da nossa arquitetura neuroanatômica, enquanto seres humanos, nos fornecem uma visão de mundo específica e distinta das demais espécies. Algumas dessas peculiaridades, como destacam Lakoff e Johnson (1999, p. 18-19 [tradução nossa]27), dizem respeito ao fato de termos, dentre outras características: a) olhos, orelhas, braços e pernas que funcionam de determinadas maneiras bem definidas; b) um sistema visual com mapas topográficos e células de orientação sensitivas que estruturam nossa capacidade de conceptualizar relações espaciais; e c) habilidades de nos movermos em caminhos e de acompanhar o movimento das outras coisas. “Fenomenologia da Percepção” [tradução nossa]. “[...] mon corps n'est pas seulement un objet parmi tous les autres objets, un complexe de qualités sensibles parmi d'autres, il est un objet sensible à tous les autres, qui résonne pour tous les sons, vibre pour toutes les couleurs, et qui fournit aux mots leur signification primordiale par la manière dont il les accueille”. 25 “O Visível e o Invisível” [tradução nossa]. 26 “Et entre ces deux êtres verticaux, il y a, non pas une frontière, mais une surface de contact”. 27 “We have eyes and ears, arms and legs that work in certain very definite ways [...]. We have a visual system, with topographic maps and orientation-sensitive cells, that provides structure for our ability to conceptualize spatial relations. Our abilities to move in the ways we do and to track the motion of other things [...]”. 23 24.

Referências

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