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1.5. FRAMES

1.5.4. Frame Esquemas Imagéticos

Nesta subseção, discutimos acerca dos esquemas imagéticos59, frames primários que são construídos a partir de experiências sensório-motoras e limitados pela configuração corpórea de cada espécie. Em se tratando do ser humano, especificamente, tem-se como algumas dessas experiências básicas o movimento de ir e vir, a verificação de objetos dentro ou fora de algo, a percepção do corpo como um todo que possui partes, dentre outras.

Para abordarmos essa noção, traçamos um breve histórico sobre a ideia de esquema, que se inicia por meio do pensamento kantiano; explicitaremos o significado de cada uma das palavras que compõem o termo “esquema de imagem”; apresentaremos

59 Cabe ressaltar que, para nosso trabalho, a identificação dos esquemas é essencial, uma vez que são eles

brevemente a visão de esquemas segundo a perspectiva da TNL; e sintetizaremos os esquemas imagéticos mais discutidos na literatura da área e que foram úteis para nossas análises.

A noção de esquema como estruturas inextrincavelmente ligadas à percepção e ao significado foi introduzida para confrontar a visão objetivista, segundo a qual o mundo consiste, como aponta Johnson (1989, p. 111 [tradução nossa]60) em uma “[...] coleção pré-determinada de objetos que são distintos dos sujeitos que os experienciam”. Ainda segundo Johnson (2005), o filósofo Immanuel Kant ([1781], 1968)61 foi um dos primeiros a contrariar essa concepção e a lidar com o problema de como os conceitos poderiam ser relacionados aos aspectos da percepção sensorial.

Kant tentou encontrar um elemento que unisse o conceito, que ele considerava formal, à questão sensorial. Tal conexão, para o filósofo, era feita por meio do esquema do conceito, que corresponderia a um procedimento da imaginação. A visão kantiana acerca de esquemas é sintetizada por Johnson (2005, p. 17 [grifos do autor] [tradução nossa]62) por meio do seguinte exemplo:

Considere o exemplo de Kant sobre o conceito cachorro. O esquema não é nem o conceito, nem uma determinada imagem de um cachorro, nem a criatura peluda que abana o rabo e te olha alegremente. Em vez disso, Kant afirmava que o esquema para cachorro seria um procedimento da imaginação para construir uma imagem de um certo tipo de animal de quatro patas, de modo que a imagem manifeste todas as características que são especificadas pelo conceito que se tem de um cachorro.

Embora tenha contribuído consideravelmente para o que mais tarde convencionalizou-se como a concepção experiencialista do significado e reconhecido a esquematização como uma função da imaginação humana, o pensamento de Kant é fundamentado em dicotomias como forma/matéria, físico/mental, entre outras. E visões que assumem dicotomias, como assinala Johnson (2005), não conseguem capturar o continuum que abrange a experiência e a compreensão humana.

60 “Objectivism takes the world to be a pre-given collection of determinate objects that are distinct from

the subjects who experience them”.

61 “Critique of Pure Reason – Crítica da Razão Pura [tradução nossa]”.

62 “Consider Kant’s example of the schema for the concept dog. The schema is neither the concept dog, nor

a particular image of a dog, nor the actual furry creature that wags its tail and looks cheerfully up at you. Instead, Kant asserted that the schema for dog is a procedure of imagination for constructing an image of a certain kind of four-footed furry animal, so that the image manifests all of the features that are specified by the concept one has of a dog”.

Isso só parece ter sido superado no final da década de 1980, quando George Lakoff e Mark Johnson introduziram, conjuntamente, a noção de “esquemas de imagem”63, ou esquemas imagéticos (esquemas-I), um dos pilares da perspectiva experiencialista da linguagem e do pensamento. Na obra The Body in the Mind: The Bodily Basis of Meaning, Imagination, and Reason64, de 1987, Johnson propôs que os esquemas de imagem estruturam nossa experiência pré-conceptual e que eles servem de base para mapeamentos metafóricos. Tal proposta encontrou suporte no trabalho sobre dinâmica de forças, de Talmy (1988)65. Nele, o autor demonstra que os esquemas são de origem cinestésica, ou seja, são construídos a partir de noções como as de força, equilíbrio, dentre outras.

Antes de abordarmos os esquemas de imagem discutidos por Lakoff e Johnson e, no intuito de facilitarmos a compreensão do leitor, julgamos necessário trazer a explanação de Evans e Green (2006), que analisa cada uma das palavras que compõem esse termo. Segundo os autores, a palavra “imagem”, por exemplo,

[...] é equivalente ao uso do termo na Psicologia, onde experiência

imagética refere-se e deriva de nossa experiência com o mundo

externo. [...] é importante enfatizar que o termo ‘imagem’, embora seja restrito à percepção visual, no senso comum, tem uma aplicação mais ampla na Psicologia e na Linguística Cognitiva, onde são englobados todos os tipos de experiência sensório-perceptual (p. 178-179 [grifo dos autores] [tradução nossa]66).

O termo “esquema”, por sua vez, significa que “[...] os esquemas de imagem não são conceitos ricos ou detalhados, mas conceitos abstratos que consistem de padrões emergentes de repetidas instâncias da experiência corporificada” (EVANS; GREEN, 2006, p. 179 [tradução nossa]67). Nesse sentido, os esquemas podem ser considerados mecanismos de economia cognitiva, visto que nosso cérebro capta apenas as invariantes de cada uma dessas experiências corpóreas, ou seja, somente aquilo que, de algum modo, se repete. Essas invariantes são transformadas em padrões esquemáticos, que são armazenados em nossa memória de longo prazo.

63 Johnson (2005) chama a atenção para o fato de que o termo “esquemas de imagem” foi cunhado,

principalmente, para dar ênfase à natureza sensório-motora e corpórea de nosso sistema conceptual.

64 “O Corpo na mente: as bases corporificadas do significado, imaginação e razão” [tradução nossa]. 65 “Force Dynamics in Language and Cognition” – “Dinâmicas de força em linguagem e em cognição”

[tradução nossa].

66 “The term ‘image’ in ‘image schema’ is equivalente to the use of this term in psychology, where imagistic

experience relates to and derives from our experience of the external world. [...] it is therefore important to emphasise that although the term ‘image’ is restricted to visual perception in everyday language, it has a broader application in psychology and in cognitive linguistics, where it encompasses all types of sensory- perceptual experience”.

67 “[...] image schemas are not rich or detailed concepts, but rather abstract concepts consisting of patterns

A esse respeito, cumpre destacar que, segundo Duque (2015), nossa configuração corpórea nos restringe aos seguintes tipos de experiência: a) manipulação de objetos, que implica estados prévios e resultantes a uma ação; e b) deslocamento, que pode ser autopropulsionado, como em “ele voou”; provocado, como em “eu empurrei a porta”; e por transferência, como em “eu lhe dei o livro”. Todas essas experiências, cumpre relembrar, podem ser emuladas metaforicamente.

Em termos de Neurociência Cognitiva, esses esquemas se materializam no cérebro sob a forma de circuitos neurais. Nesse sentido, Johnson (2005, p. 19 [tradução nossa]68) afirma que “[...] esquemas de imagem não são produtos de alguns (não-existentes) módulos neurais autônomos [...] mas são padrões que caracterizam estruturas invariáveis dentro de mapas neurais tipológicos de várias áreas sensoriais e motoras do cérebro”.

Em consonância com os princípios centrais da TNL, dentre os quais se destacam: a) o pensamento é físico e é realizado por circuitos neurais funcionais; b) o que torna o pensamento significativo são os modos pelos quais os circuitos neurais estão ligados ao corpo; e c) ideias abstratas são corporificadas, assim como a linguagem, Lakoff (2012, p. 775 [tradução nossa]69) define esquemas de imagem como sendo estruturas cognitivas “[...] presentes desde o nascimento ou desenvolvidas muito cedo. Elas estruturam a percepção visual, a ação motora e as imagens mentais, e são usadas na semântica da linguagem natural”. Tais estruturas, como já mencionamos, são padronizadas e armazenadas em nossa memória de longo prazo.

Para abordarmos alguns dos esquemas-I mais discutidos no campo da LC, recorremos aos trabalhos de Lakoff (1987), Johnson (1989) e Duque (2015), que sintetizam as informações mais relevantes sobre esse tema. Nesta subseção, discutiremos acerca dos seguintes esquemas imagéticos: CONTÊINER, LIGAÇÃO, PARTE-TODO, CENTRO- PERIFERIA, TRAJETÓRIA70 e TRAJETOR-MARCO. Optamos por abordar cada um desses

esquemas separadamente por questões puramente didáticas, visto que esses padrões cognitivos, quando ativados, se interligam de modo distinto e dinâmico71.

68 “[...] image schemas are not the products of some (non-existent) autonomous neural modules [...] but

rather are patterns characterizing invariant sctructures within neural maps for various sensory and motor areas of the brain”.

69 “These are universal cognitive structures, either there at birth or developed very early. They structure

visual perception, motor action, and mental images, and they are used in the semantics of natural language”.

70 Em nossa dissertação adotamos a nomenclatura “trajetória”, utilizada por Duque (2015), que é

equivalente ao termo “origem-caminho-meta”, adotado por Lakoff (1987).

71 Ao mencionarmos o fato de que esses padrões cognitivos se interligam de modo distinto, estamos nos

referindo à ideia de que as ligações estabelecidas entre os atributos de um esquema-I não são sempre as mesmas. Por exemplo, o esquema-I CONTÊINER pode focalizar a relação entre todos os seus atributos

No que concerne ao esquema-I CONTÊINER, Duque (2015) assinala que a

experiência corporal básica que dá origem a esse esquema está relacionada ao fato de experimentarmos nossos corpos ora como recipiente, que contém desde elementos concretos, como nossos órgãos, até elementos mais abstratos, como amor e raiva, por exemplo; e ora como conteúdo, enquanto entidades ocupando espaços. A lógica que emerge do CONTÊINER, como destaca o autor (2015, p. 34), é a de que “toda e qualquer

coisa sempre está ou dentro ou fora de um recipiente. Se o recipiente B está dentro do recipiente C, e A está dentro do recipiente B, então A está dentro de C também”.

O esquema-I CONTÊINER é constituído por cinco atributos: o interior, que refere-

se à parte de dentro do recipiente; os limites, que estabelecem as fronteiras do espaço; o exterior, relacionado à parte externa do recipiente; o portal, que representa a via de acesso para a parte de fora do recipiente; e o conteúdo, que diz respeito ao elemento contido. Tais atributos são instanciados por itens linguísticos disponibilizados pelo discurso e estruturam, por exemplo, enunciados como “O gosto amargo do silêncio em sua boca / Vai te levar de volta ao mar e a fúria louca [...]”72 (grifos nossos).

Em relação ao esquema-I LIGAÇÃO, Lakoff (1987) chama a atenção para o fato de

que ele é construído a partir de uma experiência corporal primária, que é o elo do cordão umbilical. Há, como lembra o autor, uma relação de simetria e de dependência entre duas entidades. Relações sociais e interpessoais, ainda segundo o autor, são compreendidas em termos do esquema LIGAÇÃO.

Cabe ressaltar que esse esquema está na base da constituência, um dos mecanismos de estruturação de frames, o que significa que a emergência de frames mais complexos depende da ligação de frames mais básicos, ou seja, da integração de esquemas.

A experiência corporal básica que estrutura o esquema-I PARTE-TODO é a de

percebermos, desde muito cedo, nossos corpos como entidades inteiras (todo) compostas por membros (partes). A lógica que emerge desse padrão esquemático, como afirma Duque (2015, p. 34-35), é a de que “a relação parte/todo é assimétrica, uma vez que se A

(limites, interior, exterior, portal e conteúdo), mas também pode focalizar apenas a relação entre conteúdo e continente. Já o caráter dinâmico diz respeito ao fato de que, a depender da perspectivação, um mesmo conceito pode acionar esquemas-I distintos. Por exemplo, o conceito QUARTO pode evocar o esquema-I PARTE-TODO, se relacionado aos cômodos que fazem parte de uma CASA, e pode evocar, também, o esquema-I CONTÊINER, uma vez que se focalizem os objetos que normalmente são encontrados dentro de um quarto, como cama, armário, televisão, dentre outros.

é parte de B, então B não pode ser parte de A”. Desse modo, não há o todo sem as partes, embora seja possível enfatizar partes específicas do todo.

O esquema-I PARTE-TODO se materializa metonimicamente na linguagem e pode

servir de base para estruturar desde conceitos concretos, como CORPO HUMANO, até

conceitos mais abstratos, como é o caso de SOCIEDADE e FAMÍLIA. Enunciados como “O

cérebro é o "computador central" de nosso corpo [...]”73 (grifos nossos), “PEC 37 é amputação de um braço da sociedade”74 (grifo nosso), e “A família é importante na medida em que possibilita a cada membro constituir-se como sujeito autônomo [...]”75 (grifos nossos), por exemplo, mostram que tais conceitos são emulados na base desse esquema. É válido ressaltar que, a depender da perspectivação, os conceitos destacados em cada um desses enunciados podem acionar outros esquemas-I.

O esquema-I CENTRO-PERIFERIA, segundo Johnson (1989), também é resultado de

experiências corporais básicas, como as relacionadas à natureza de nosso horizonte perceptual. Conforme o filósofo, durante os primeiros dias de vida, a criança desenvolve habilidades visuais como, por exemplo, a de dirigir sua atenção para áreas dentro do seu campo visual e a de destacar figura e fundo. Ainda de acordo com Johnson, aquilo que ocupa o centro do horizonte perceptual tende a se tornar mais importante, embora o centro possa se tornar periferia e vice-versa.

Ainda em relação a esse esquema, o autor chama a atenção para o fato de que “[...] a estrutura CENTRO-PERIFERIA [...] é válida não apenas para a visão, mas para todos os

nossos modos sensoriais” (1989, p. 112 [tradução nossa]76). Nesse sentido, somos capazes de perceber nossos corpos como entidades que possuem órgãos mais centrais (como o cérebro e o coração) e órgãos periféricos.

A experiência corporal básica que estrutura esse padrão esquemático é a mesma que serve de base para emular conceitos mais abstratos. É graças a esse esquema que somos capazes de construir e de compreender enunciados como, por exemplo, “Também chamada de ‘tese’, nesse momento, o mais importante é expor a ideia central sobre o tema de maneira clara”77 (grifo nosso).

73 Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/cerebro/>. Acesso em: 14 jun. 2017.

74 Disponível em: <http://www.meionorte.com/videos/pec-37-e-amputacao-de-um-braco-da-sociedade-

diz-promotor-18606>. Acesso em: 14 jun. 2017.

75 Disponível em: <http://www.psiconlinews.com/2015/09/importancia-da-familia-no-desenvolvimento-

do-individuo.html>. Acesso em: 14 jun. 2017.

76 “This CENTER-PERIPHERY sctructure of perceptual experiece holds for all of our sensory modes, not

simply for vision”.

O esquema-I TRAJETÓRIA é resultado da experiência básica relacionada à

capacidade de locomoção de nossos corpos. Todo deslocamento, como lembra Duque (2015), implica um ponto de partida, um de chegada, e os pontos intermediários que conectam os dois primeiros. Nesse sentido, a lógica emergente desse esquema, segundo o autor, é a de que “se um corpo se desloca de uma origem a um destino ao longo de um percurso, deve passar por cada ponto intermediário do referido percurso” (2015, p. 35).

O esquema-I TRAJETÓRIA é constituído por três atributos: origem, que diz respeito

ao ponto de partida do trajeto, pontos intermediários, associado aos espaços percorridos logo após o início da trajetória, e meta, relacionado ao ponto de chegada do percurso. Esse esquema e seus respectivos atributos servem de suporte para a construção de enunciados como, por exemplo, “O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, chegou na manhã desta terça-feira (15) a Atenas”78 (grifos nossos), “Vacinação precisa superar obstáculos até chegar às aldeias”79 (grifos nossos), dentre outros.

O último esquema-I que será abordado em nossa dissertação, o TRAJETOR-MARCO,

está estreitamente associado ao esquema-I TRAJETÓRIA, uma vez que não há trajetória sem

trajetor. Isso se deve ao fato de que a experiência de nos deslocarmos de um ponto X para um ponto Y implica a existência de um trajetor e de um marco.

O trajetor, como o próprio termo sugere, está relacionado à entidade que se desloca ao longo da trajetória. É válido destacar que esse atributo não está associado, unicamente, a entidades humanas, ou seja, ele pode ser instanciado linguisticamente por conceitos relacionados a objetos ou, até mesmo, por meio de metáforas. É o que acontece em enunciados como, por exemplo, “[...] E aí a tal da minha ideia foi para o espaço [...]”80 (grifos nossos), no qual é possível identificarmos um conceito abstrato (

IDEIA)

preenchendo linguisticamente o atributo trajetor. O marco, por sua vez, está relacionado ao ponto de referência do trajetor, como é o caso de “espaço”, no exemplo anterior.