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4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

4.3. LETRA DE CANÇÃO “TUDO PÁRA”

Descrição dos frames acionados em “Tudo pára”

Com base nas pistas linguísticas disponíveis na letra de canção “Tudo pára”, identificamos o acionamento de frames nas dimensões cognitiva e interacional, como mostraremos a seguir.

I - Frames cognitivos

Frames conceptuais básicos

Com o intuito de identificarmos os frames conceptuais básicos que possivelmente são acionados pelo leitor, a partir da leitura da letra de canção “Tudo pára”, adotamos o mesmo critério utilizado nas análises anteriores (seções 4.1 e 4.2), que diz respeito à verificação de itens lexicais (normalmente substantivos) e de expressões nominais. Com base nessas pistas, observamos, na dimensão conceptual, o frame CASAL, o frame CASA, o

subframe QUARTO e o frame RUA.

Frame CASAL

O frame CASAL é indexado linguisticamente pelos itens “a gente”, “beijos”,

“nossas roupas” e “amantes”, verificados, respectivamente, em (01), (02), (03) e (04).

(01) “Quando a gente fecha a porta tanta coisa se transforma” (grifo nosso). (02) “Entre os beijos que trocamos [...]” (grifo nosso).

(03) “[...] pouco a pouco nós deixamos / Nossas roupas espalhadas pelo chão” (grifo nosso).

(04) “No momento em que sozinhos somos muito mais amantes” (grifo nosso).

Inferimos, em (01), que a locução pronominal ‘a gente’, por ser equivalente ao pronome pessoal ‘nós’, leve o leitor a evocar a presença de dois humanos (sobretudo pela ação que se segue: fechar a porta).

Essa inferência parece ir se confirmando nos versos seguintes. Em (02), por exemplo, notamos que o item “beijos” também está associado à duas pessoas. Isso se deve ao fato de que esse item, que faz referência a uma demonstração de carinho típica dos

133 Disponível em: <https://www.vagalume.com.br/roberto-carlos/tudo-para.html>. Acesso em: 21 jun.

seres humanos, vem acompanhado do verbo ‘trocar’ (“beijos que trocamos”), o que implica a presença de duas pessoas. Esse mesmo item também parece evocar a ideia de que essas duas pessoas formam um casal.

Outra expressão que evoca a presença de duas pessoas, verificada em (03), é “nossas roupas”. Isso porque o item “roupas”, que está relacionado às peças de vestuário comumente utilizadas por humanos, é antecedido por um pronome possessivo (‘nossas’) marcado no plural, ou seja, as “roupas” as quais a letra se refere pertencem a mais de uma pessoa.

Já o item “amantes”, em (04), parece confirmar as duas inferências que possivelmente são construídas pelo leitor, a partir da leitura dos três primeiros versos: a primeira, relacionada à presença de duas pessoas, e a segunda, que diz respeito à ideia de que tais pessoas formam um casal.

Frame CASA

O frame CASA, nessa letra de canção, é linguisticamente indexado pelo item

“quarto”, verificado na expressão “nosso quarto”, em (06). Por meio desse indexador, é possível que o leitor infira onde o casal evocado na letra se encontra: em um dos cômodos de uma casa, especificamente em um quarto.

(06) “[...] que em nosso quarto já não cabe mais” (grifo nosso).

Percebemos que esse mesmo item restringe as possibilidades de semantização por parte do leitor, pois sugere que os sentidos que serão construídos estarão associados, de algum modo, à casa desse casal. Além disso, esse item focaliza um componente específico dentro do frame CASA: o quarto, que, por evocação, aciona o subframe QUARTO.

Subframe QUARTO

O subframe QUARTO é linguisticamente indexado por “quarto”, em (06), e pelos

itens “porta”, “chão” e “janela”, verificados em (07), (08) e (09), respectivamente. Esses itens (partes), que configuram o todo (QUARTO), estão associados ao cômodo da casa onde

o casal mencionado na letra parece estar.

(07) “Quando a gente fecha a porta tanta coisa se transforma” (grifo nosso).

(08) “[...] pouco a pouco nós deixamos / Nossas roupas espalhadas pelo chão” (grifo nosso).

(09) “E é tão grande o amor que a gente faz / Que em nosso quarto já não cabe mais / Pelas frestas da janela se derrama pela rua” (grifo nosso).

Outro detalhe importante que pode ser identificado pelo leitor, ao acionar esse subframe, é verificado em (09), especificamente na expressão “amor que a gente faz” (“E é tão grande o amor que a gente faz”). Por meio dela, o leitor pode ser capaz de inferir que o CASAL evocado parece estar tendo relações sexuais. Essa inferência, como veremos

mais adiante, é confirmada ao longo da letra.

Percebemos que o subframe QUARTO se liga ao frame CASA por meio do

mecanismo de evocação. Este, ilustrado na figura 27, funciona como uma espécie de zoom, pois focaliza, dentre os muitos constituintes de um frame mais amplo (CASA),

apenas um componente específico (quarto). Os demais, que estão destacados em outra cor, permanecem em stand by e podem ser acionados a qualquer momento no discurso.

Grat

Grat

A figura 27 mostra que, dentre os muitos componentes que constituem o frame

CASA (como cozinha, sala, garagem, banheiro, varanda, dentre outros), apenas um é

focalizado: quarto. Esse componente, como vimos, evoca o subframe QUARTO que, nessa

letra de canção, focaliza os componentes porta, chão e janela, os quais são herdados, por meio de uma relação de herança, de uma categoria mais ampla (CÔMODOS).

Percebemos, ao longo da letra, que a focalização no interior da CASA (QUARTO) é

inibida por uma mudança de perspectivação. Ou seja, notamos, por intermédio de pistas linguísticas, que a parte externa da CASA é colocada em evidência, como mostram os

versos descritos em (10). Frame CASA

cozinha sala garagem banheiro quarto varanda

P

Evocação

(focalização) cozinha sala garagem

banheiro quarto varanda

P

Subframe QUARTO

Figura 27. Mecanismo de evocação que liga o frame CASAao subframe QUARTO na letra de canção “Tudo pára”.

cama armário banheiro

porta chão janela

(10) “E é tão grande o amor que a gente faz / Que em nosso quarto já não cabe mais / Pelas frestas da janela se derrama pela rua [...]” (grifo nosso).

Inferimos que essa perspectivação, como mostraremos a seguir, permite ao leitor acionar o frame RUA.

Frame RUA

O frame RUA, que, como mencionamos anteriormente, focaliza o exterior da CASA

do casal evocado na letra, é linguisticamente indexado pelo item “rua”, observado em (10), além dos itens destacados em (11), (12), (13) e (14).

(11) “Porque alguma coisa linda invade os corações lá fora / Tudo pára quando a gente faz amor / As pessoas se sorriem e se falam / Se entendem e se calam [...]” (grifos nossos). (12) “Passarinhos fazem festa nos seus ninhos / No momento em que sozinhos somos muito mais amantes” (grifo nosso).

(13) “Os sinais se abrem mas ninguém tem pressa [...]” (grifo nosso).

(14) “E o carteiro olhando o Céu esquece até da carta expressa [...]” (grifo nosso).

Esses itens são responsáveis por uma mudança de perspectivação. Se, a partir da leitura dos indexadores do subframe QUARTO, o leitor focaliza a parte interna da CASA, por

meio dos itens destacados em (11), (12), (13) e (14), ele é levado à parte externa. Desse modo, é capaz de visualizar o que há do lado de fora, ou seja, a RUA (onde há “pessoas”,

“passarinhos”, “sinais”, “carteiro”, entre outros).

Frames roteiro e descritores de evento

Com base nas pistas linguísticas disponíveis na letra de canção “Tudo pára”, inferimos que o leitor pode acionar o frame roteiro RELAÇÃO SEXUAL. Esse roteiro é

desmembrado em eventos menores que, por normalmente se repetirem sempre do mesmo modo, acaba se tornando rotinizado.

Nessa letra, verificamos que esses subeventos são indexados por uma sequência de ações formada pelas seguintes etapas: a) fechar a porta; b) trocar beijos; c) deixar roupas espalhadas pelo chão; e d) fazer amor. Essas ações, por sua vez, acionam, dentro do frame RELAÇÃO SEXUAL, os subframes PREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL, associado aos

momentos que antecedem o sexo, e ATO SEXUAL, relacionado à relação sexual do CASAL.

Com o intuito de facilitarmos a leitura, analisamos cada uma dessas etapas separadamente.

Subframe PREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL

Como mencionamos, o frame RELAÇÃO SEXUAL é composto por uma sequência de

eventos menores que, quando juntos, formam um roteiro. Na letra, o primeiro subevento que pode ser verificado pelo leitor aciona o subframe PREREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL,

associado às ações que antecedem o ato sexual do CASAL. Na letra, esse subframe é

indexado por três ações específicas, que acionam frames descritores de evento, conforme destacado em (15) e em (16).

(15) “Quando a gente fecha a porta tanta coisa se transforma / Tudo é mais bonito nessa hora” (grifo nosso).

(16) “Entre os beijos que trocamos pouco a pouco nós deixamos / Nossas roupas espalhadas pelo chão” (grifos nossos).

A expressão destacada em (15), “fecha a porta”, aciona um evento de manipulação de objetos. Com relação ao esquema-X, percebemos que FECHAR ativa a estrutura

esquemática X FECHA Y, que, por seu turno, ativa os slots referentes ao fechador e ao objeto fechado.

Graças a outro papel que constitui os descritores de eventos, os preenchedores, constatamos que esses slots são indexados por conceitos linguísticos. O slot fechador, que faz referência ao sujeito que executa a ação FECHAR, é indexado pelo item “a gente”,

que, como mostramos, está associado ao casal. Já o slot objeto fechado, relacionado ao que foi fechado, é linguisticamente preenchido pelo item “porta”. Nesse sentido, a estrutura esquemática X FECHA Y, quando instanciada, passa a CASAL FECHA PORTA.

No tocante aos ajustes temporais e espaciais, verificamos que a ação de fechar a porta ocorre no presente – o que pode ser confirmado por meio da expressão “nessa hora”. Com relação aos ajustes espaciais, notamos que as pistas disponíveis em (15) não fornecem evidências linguísticas suficientes para que o leitor identifique, com exatidão, o local onde a cena ocorre, embora seja capaz de recuperá-lo, tendo em vista que o frame

CASA já foi acionado.

Em (16), observamos mais duas ações que constituem o subframe PREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL: TROCAR BEIJOS e DEIXAR ROUPAS ESPALHADAS PELO CHÃO. A primeira

delas, que aciona um evento de transferência134, é indexada por uma expressão

134 A ação de trocar beijos pode ser considerada um evento de transferência pois, segundo Ferrari (2011, p.

139 apud GOLDBERG, 1995), “[...] a construção dativa, associada à transferência de posse, herda estrutura sintática da construção de movimento causado, que indica transferência física”.

cristalizada135 (“trocar beijos”). Para evidenciarmos isso, utilizamos a ferramenta Google para mostrar, por meio de enunciados encontrados em situações reais de fala, que a expressão “trocar beijos” corresponde ao ato de beijar: a) “A atriz não pareceu incomodada com a cena e chegou a cumprimentar a apresentadora. As duas trocaram beijos no rosto e a loira disse que era um prazer poder conhecer a nova companheira do pai de sua filha”136 (grifo nosso); e b) “A atriz Helena Ranaldi foi flagrada aos beijos com o namorado [...]. O casal aproveitou a noite juntinho em um restaurante na Gávea, na zona sul do Rio de Janeiro. Em clima romântico, eles trocaram beijos na boca, no queixo, olhares e carinhos”137 (grifos nossos).

Com relação aos ajustes, identificamos que a cena na qual o casal troca beijos acontece no presente. Isso foi possível de ser confirmado por termos observado que a expressão “beijos que trocamos” vem na sequência de uma ação que se desenrola no presente (verificada por intermédio do verbo ‘fechar’ – “fecha”, em (15)). Os ajustes espaciais, por outro lado, podem ser recuperados via default, tendo em vista que o frame

CASA já foi acionado.

A segunda ação observada em (16), DEIXAR ROUPAS ESPALHADAS PELO CHÃO (“nós

deixamos nossas roupas espalhadas pelo chão”) aciona um evento de deslocamento causado. Verificamos, a partir dessa ação, que o esquema-X DEIXAR ativa a estrutura

esquemática X DEIXA Y EM Z, que ativa os slots deixador, objeto deixado e local onde o objeto é deixado.

Notamos que esses slots são preenchidos por conceitos linguisticamente indexados pelos itens que compõem a expressão “nós deixamos nossas roupas espalhadas pelo chão”. O slot deixador, referente àquele que executa a ação de deixar, é preenchido por “nós”, item que está associado ao casal. O slot deixado, que diz respeito a algo ou a alguém deixado pelo casal, é indexado pela expressão “roupas espalhadas”. E o último slot, o local onde o objeto é deixado, é preenchido pela expressão “pelo chão”. Assim, a estrutura esquemática X DEIXA Y EM Z, uma vez instanciada, passa a CASAL DEIXA ROUPAS ESPALHADAS PELO CHÃO.

135 Conforme aponta Silva (2016, p. 96), “[...] as expressões mais cristalizadas evidenciam que o significado

não é, necessariamente, o resultado da soma de seus constituintes [...] uma vez que, nesses casos, o todo tem um significado distinto da soma das partes”.

136 Disponível em: <http://www.alagoas24horas.com.br/968354/grazi-cumprimenta-nova-namorada-de-

caua-e-troca-telefone-com-ex-de-marquezine/>. Acesso em: 17 set. 2017.

137 Disponível em: <https://noticias.bol.uol.com.br/fotos/entretenimento/2012/10/31/famosas-que-

Além de ativar esses slots, o esquema-X DEIXAR, acionado pelo item “deixamos”,

em (16), ativa um estado prévio e um estado resultante em relação ao subevento

PREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL, como mostra a figura 28. Isso é possível de ser

constatado graças ao slot objeto deixado, indexado pela expressão “roupas espalhadas”.

A figura 28 mostra os estados prévio e resultante que são ativados por um dos slots acionados pelo esquema-X DEIXAR (o slot objeto deixado). Esses estados, que podem

ser inferidos pelo leitor graças à expressão que indexa esse slot, “roupas espalhadas”, evocam a ideia de que, ao fecharem a porta (primeira ação associada ao subevento

PREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL), o casal ainda está vestido. Mas, ao trocarem beijos

(segunda ação que constitui o subevento PREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL), o casal, pouco

a pouco, passa a se despir, uma vez que deixa suas roupas espalhadas pelo chão (“Entre os beijos que trocamos pouco a pouco nós deixamos / Nossas roupas espalhadas pelo chão” – grifo nosso). Cumpre ressaltar que a expressão destacada, por acionar o frame esquema-I TRAJETÓRIA, sugere a ideia de que a ação DEIXAR ROUPAS ESPALHADAS é

dinâmica e não estática.

Essa dinamicidade evocada pela expressão “pouco a pouco” pode ser verificada em outros enunciados, como alguns que extraímos do Google: a) “Para conseguir tal feito, a área foi abandonada por moradores e, pouco a pouco, foi se enchendo de água da chuva até atingir uma profundidade de 10 metros”138 (grifos nossos); e b) “O camisa 10, que se recuperava de lesão, admitiu ainda sentir dores: ‘Estava com dor, mas [...] pouco a pouco foi passando’”139 (grifos nossos).

No que concerne aos ajustes temporais, notamos que a cena associada ao momento em que o casal tira as roupas acontece no presente. Já em relação aos ajustes espaciais,

138 Disponível em: <http://casavogue.globo.com/Arquitetura/Cidade/noticia/2017/06/china-inaugura-

maior-usina-de-energia-solar-flutuante-do-mundo.html>. Acesso em: 19 set. 2017.

139 Disponível em: <https://www.gazetaesportiva.com/campeonatos/copa-america/se-recuperando-aos-

poucos-messi-busca-primeiro-titulo-com-a-argentina/>. Acesso em: 19 set. 2017.

COM ROUPAS

ESTADO RESULTANTE ESTADO PRÉVIO

SEM ROUPAS

“Nós deixamos nossas roupas espalhadas pelo

chão”

inferimos que o leitor recupere o lugar onde a cena ocorre por meio da leitura do item “chão”, que, como vimos, é metonimicamente associado ao quarto do casal.

Uma vez realizada a descrição das três etapas constituintes da sequência de ações que compõe o subevento PREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL, é possível identificarmos o

mecanismo de constituência desse subframe, como ilustra a figura 29.

A figura 29 mostra o modo como o subframe PREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL

(associado a um dos subeventos que constituem o frame roteiro RELAÇÃO SEXUAL) é

constituído por uma sequência de três ações, das quais duas ocorrem simultaneamente (TROCAR BEIJOS e DEIXAR ROUPAS ESPALHADAS). A primeira delas, como vimos, evoca o

momento em que o casal fecha a porta da casa, enquanto as outras duas evocam o casal em movimento, trocando beijos e se despindo. Essas duas últimas, por sua vez, antecedem o ATO SEXUAL, como mostramos a seguir.

Subframe ATO SEXUAL

O subframe ATO SEXUAL está associado ao outro subevento que constitui o frame

roteiro RELAÇÃO SEXUAL. O primeiro deles, como vimos, é o PREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL, composto por três ações, das quais duas ocorrem simultaneamente. O subframe ATO SEXUAL é linguisticamente indexado pela expressão “amor que a gente faz”, destacada

em (17).

Subframe PREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL

Figura 29. Mecanismo de constituência do subframe PREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL na letra de canção “Tudo pára”.

DEIXAR ROUPAS ESPALHADAS “nós deixamos nossas roupas

espalhadas pelo chão” TROCAR BEIJOS “entre os beijos que trocamos” FECHAR A PORTA

(17) “E é tão grande o amor que a gente faz / Que em nosso quarto já não cabe mais / Pelas frestas da janela se derrama pela rua / E provoca inexplicáveis emoções” (grifo nosso).

Essa expressão é comumente associada ao conceito SEXO, associação esta que

pode ser verificada em enunciados encontrados no Google, como, por exemplo: “Casal de colegas é pego fazendo amor no escritório por clientes de um pub: [...] com a luz do escritório acesa e as janelas bem à vista, dois colegas de trabalho da seguradora Marsh começaram a fazer sexo”140 (grifos nossos). Inferimos que a escolha feita pelos compositores, ao usar a expressão “fazer amor”, cria no leitor expectativas a respeito da moral que possivelmente perpassa a letra: a de que o sexo deve ser feito com quem se ama.

Outro aspecto que pode ser percebido, por meio da leitura dessa expressão, é que a ação FAZER SEXO é metaforicamente emulada no conceito AMOR, o que constrói a

metáfora FAZER SEXO É FAZER AMOR. Além disso, notamos, por meio dos versos descritos

em (17), que o amor é compreendido como um LÍQUIDO dentro de um RECIPIENTE, o que

condiz com a proposta de Lakoff (1987), segundo o qual nossos corpos são vistos como

RECIPIENTES de EMOÇÕES, tais como o amor, a raiva, dentre outras. E esse líquido, como evidenciam os versos destacados em (17), se derrama para a parte externa do quarto (“pelas frestas da janela se derrama [...]”).

Quanto aos ajustes temporais, inferimos que o leitor percebe que a cena referente ao ATO SEXUAL acontece no presente. Já no que se refere aos ajustes espaciais, o leitor

pode recuperar o cenário onde esse subevento ocorre a partir da leitura da expressão “nosso quarto”, que, como já evidenciamos, está relacionada ao quarto do casal.

A partir da descrição do subframe ATO SEXUAL, assim como do subframe PREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL, é possível demonstrarmos como o frame roteiro RELAÇÃO SEXUAL é construído nessa letra de canção. Esse mecanismo, o de constituência,

pode ser verificado na figura 30.

140 Disponível em: <http://www.jcuberaba.com.br/entretenimento/famosos/8068/casal-de-colegas-e-pego-

Na figura 30 constatamos como o frame roteiro RELAÇÃO SEXUAL é constituído:

pela ligação dos subframes PREPARAÇÃO DO ATO SEXUAL e ATO SEXUAL. Cumpre

ressaltarmos que esse roteiro sempre será constituído por esses dois subeventos. Nessa letra, contudo, o subevento PREPARAÇÃO PARA O ATO SEXUAL foi subcategorizado por ações

específicas, como FECHAR A PORTA, TROCAR BEIJOS e DEIXAR ROUPAS ESPALHADAS. Isso

significa que esse subevento, em contextos distintos ao da letra, pode ser subcategorizado de modo diferente.

Frame Esquemas-I

Os esquemas-I mais recorrentes nessa letra de canção são CONTÊINER, PARTE-TODO, TRAJETÓRIA e TRAJETOR-MARCO. Verificamos que esses esquemas, na letra, estruturam o

subframe QUARTO e os frames CASA e RUA, acionados pelos itens linguísticos destacados

em (18) e em (19).

(18) “E é tão grande o amor que a gente faz / Que em nosso quarto já não cabe mais / Pelas frestas da janela se derrama pela rua / E provoca inexplicáveis emoções” (grifos nosso).

(19) “E é tão grande o amor que a gente faz / Que pelas ruas já não cabe mais / Se eleva pelos ares, toma conta da cidade / E felicidade é tudo que se vê” (grifo nosso).

Frame roteiro

RELAÇÃO SEXUAL

Subframe PREPARAÇÃO PARA

O ATO SEXUAL Subframe ATO SEXUAL

DEIXAR ROUPAS ESPALHADAS FECHAR A PORTA

TROCAR BEIJOS

Figura 30. Mecanismo de constituência do frame roteiro RELAÇÃO SEXUAL na letra de canção “Tudo Pára”.

FAZER AMOR “quando a gente fecha a porta”

“entre os beijos que trocamos”

“nós deixamos nossas roupas espalhadas pelo chão”

Em (18), o esquema-I CONTÊINER, que estrutura o subframe QUARTO, é acionado

pela preposição ‘em’, verificada na expressão “em nosso quarto”. Identificamos, a partir dos itens destacados nos versos, que três dos atributos desse esquema são linguisticamente instanciados: conteúdo, portal e exterior, conforme ilustrado na figura 31.

Observamos, na figura 31, que o conteúdo, associado ao que há dentro do

CONTÊINER, é indexado pelo item “amor”, que, como vimos, é metaforicamente

compreendido como um LÍQUIDO (AMOR É LÍQUIDO). O portal, que configura a via de

acesso à parte externa do quarto, é instanciado pela expressão “frestas da janela” (por onde se derrama o LÍQUIDO/AMOR). E o exterior, referente à parte de fora do quarto, é

indexado pelo item “rua” (local onde o LÍQUIDO/AMOR se derrama).

Ainda em (18), inferimos que o leitor, a partir da leitura dos itens linguísticos disponíveis nos versos, aciona, concomitantemente ao CONTÊINER, os frames esquema-I TRAJETÓRIA e TRAJETOR-MARCO. Isso se deve ao fato de que, antes de chegar à rua e se

derramar (“se derrama pela rua”), o AMOR percorre uma trajetória. O mecanismo de

constituência dos esquemas TRAJETÓRIA e TRAJETOR-MARCO está ilustrado na figura 32. AMOR

QUARTO

Figura 31. Acionamento do frame esquema-I CONTÊINER com relação à estruturação do subframe QUARTO e do frame RUA.

TRAJETÓRIA TRAJETOR-MARCO

origem: nosso quarto trajetor: amor

pontos intermediários:

[default]

meta: rua

marco: [default]

Figura 32. Mecanismo de constituência dos frames esquemas-I TRAJETÓRIA e TRAJETOR-MARCO.

A figura 32 mostra o percurso realizado pelo trajetor: amor. Verificamos que o ponto de partida do trajeto, referente ao atributo origem, é linguisticamente instanciado pela expressão “nosso quarto”. Já a meta, que indica o ponto final da trajetória, é indexada pelo item “rua”. Os demais atributos, pontos intermediários e marco, só podem ser preenchidos via default.

Constatamos, ainda graças à expressão “nosso quarto”, em (18), a dinamicidade dos esquemas-I (ver subseção 1.5.4): a de que um mesmo conceito, a depender da