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EXISTENCIALISMO E A FILOSOFIA DO DIREITO

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Existencialismo a

filosofia

do

direilo

HELVÉCIO D E O LIV EIR A AZEVEDO

I — A SITUAÇÃO DO PENSAMENTO EXISTENCIALISTA 1 — O têrm o existencialismo é polivalente. Denomina várias correntes filosóficas antagônicas até em pontos fundam entais, assentadas tôdas, contudo, no conceito de existência. Real-mente, é ao clássico binômio essência-existência que rem onta o pensam ento existencialista.

Inform a-nos a ontologia ou m etafísica geral que essentia é um dos dois pontos-de-vista de que podemos tom ar a idéia de ser. Num sentido estrito, essentia é aquilo porque um a coisa é o que é ou aquilo que essa coisa é em si, como é sabido. No outro ângulo está a existência, ou seja, o ato de existir, significando que certa coisa existe, é, ou aquilo que é. Exem -plifiquemos, inspirando-nos num a fam osa com paração de ALCEU AMOROSO LIMA: 1 a essência é, em síntese, um a idéia geral de um ente p articu lar. Assim', a essência de um livro é «o» livro e não «um» livro. Todos os livros são consi-derados como ta is tendo em vista a sua participação num a essência que lhes é comum, única e indivisível. O que faz que a coisa que leio seja um livro e não u ’a mesa é, justam ente, a sua integração to ta l num complexo de caracteres que cons-tituem um a essên cia. Contudo, isso não denota que tôda a essên-cia deva se concretizar num a existênessên-cia, pois o âmbito da essência é a potencialidade, a possibilidade, a virtualidade, sendo «a passagem do possível ao real exatam ente a passagem

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da essência à existência». 2 São noções intim am ente conexas com as de ato e potência. A essência não implica, portanto, necessàriam ente num a existência, havendo essências sem exis-tência algum a.

N um a concepção te ísta da vida e do universo, podemos a firm ar — e procurarem os dem onstrá-lo no decorrer d estas pági-nas — que há um a só essência cuja inexistência seria a perpe- tração do caos ou do reinado do nada, ou seja, a de D eus. Visto o próprio ente hum ano e as coisas que o rodeiam se tra ta re m de essências e existências precárias, carecem abso-lutam ente de um a essência e existência necessárias, o que vale dizer, da Divindade. «Daí ser o verdadeiro existencialismo um existencialismo teísta, e todo o existencialismo ateu ser por natureza anti-existencialista e, portanto, um paradoxo e um a contradição em têrmos», como bem notou ALCEU AMO-ROSO LIMA. 3 Suprimindo-se a essência suprime-se tam bém a existência. Tal ocorre com o existencialismo sartriano, que nega a realidade das essências, adm itindo tão somente a reali-dade da existência, laborando, portanto, num êrro fundam en-ta l. O existencialismo é um a filosofia que se apóia num, e somente um, dos ram os do ser, filho que é da desconsertante tendência do nosso século pela opção. Em nossos dias, form ou- se a m entalidade dos extrem ism os. Como já notaram vários pensadores, ta l psicologia é a origem de todos os males hodier-nos. Ou se é isto ou se é aquilo, as coisas têm de ser de um modo ou de outro, não se concebendo ser isto e aquilo ao mesmo tempo, jam ais casando-se os contrários, mesmo quando ta l coexistência é possível quanto necessária. O espírito contem -porâneo colocou-se num a atitude francam ente discrim inadora e radical perante a vida, não se perm itindo a conjunção harm ô-nica das antíteses, da essência com a existência, do espírito com a m atéria, do absoluto com o relativo, do criado com o Criador, do a b stra to com o concreto.

2 . Idem, ib id em . 3 . Idem, ib id em .

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A filosofia de que nos ocupamos é um a progénie dileta do extremismo, da vã presunção de que a ocupação de um dos ram os do ser implica no absoluto repúdio do seu contrário. O equilíbrio, a harm onia, o perfeito acasalam ento da ação com o pensam ento, da justiça com o am or e de tudo o m ais que indique a plena utilização pelo espírito hum ano de tôdas as potencialidades benéficas foi desprezado. E stam os, por conse-guinte, no século das opções, das escolhas radicais. O existen-cialismo, m orm ente o existencialismo ateu de JEA N -PA U L SARTRE, querendo defender a existência do totalitarism o essencialista — cujas nascentes rem ontam ao essencialismo platônico — , prega o abandono in extremis das essências. Não obstante, como em todos os extrem ism os, a paixão cega de defender costum a redundar no efeito contrário de compro-m eter o que se defende. . .

A existência sem a essência perde-se num a evanescência, num a pseudo-coerência sem as fundam entações im prescindí-veis. O existencialismo sartriano, como já foi dito, não é bem um a filosofia ou um complexo coerente de pensamentos, mas, sim, um estado d ’alma, um a nuvem, um a noite, um v a p o r. . . F ru to sazonado do ativism o contemporâneo, o existencialismo evanescentista nasceu da vigorosa reação de KIERKEGAARD contra a ditad u ra filosófica de H E G EL no pensam ento a tu al. E n tretan to , h á existencialismo e existencialism os. Como em todo estudo humano, podemos dividi-lo em dois ram os: o existencialismo te ísta ou cristão de GABRIEL MARCEL, JA SPER S e KIERKEGAARD e o an titeísta de SARTRE e SIMONE BEAUVOIR. Registremos, ainda, um a corrente me-nor, a «do centro» (cuja presença é indefectível em tô d a dico-tom ia), com orientação realm ente agnóstica (apesar dos dizeres em contrário de SA RTRE), encabeçada pelo alemão H EI- DEGGER. Não andaríam os mal, contudo, se incluíssemos êsse último na lista dos existencialistas ateus, não abonando a argum entação de SARTRE, m as aplicando-se as palavras ditas pela bôca do CRISTO, segundo as quais «quem não é a meu favor é contra m im ».

O próprio SARTRE reconhece essa bifurcação do pensa-mento existencialista, afirm ando que «tal dicotomia é que

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complica as coisas», ficando, num extremo, os cristãos e, nou-tro, os ateus, entre os quais se coloca a si próprio e HEI- DEGGER, m algrado os protestos categóricos dêste últim o. . . 4

«Em um dos casos se afirm a a prim azia da existência, m as de modo a im plicar e salvar as essências ou naturezas e a exteriorizar um a vitória suprem a da inteligência e da inte-ligibilidade — é o que considero o existencialismo verdadeiro, diz-nos JACQUES M ARITAIN. 5 No outro caso afirm a-se igualmente a prioridade da existência, m as como destruindo ou suprimindo as essências ou naturezas e como com provadoras de um a suprem a falência da inteligência e da inteligibilidade — é o que considero o existencialismo ap ó crifo . . . » N a verdade, o existencialismo de SARTRE tem um dos seus princípios fundam entais na afirm ação da etern a d erro ta do intelecto humano, dizendo de si próprio ilógico, ou melhor, além da

lógica, meta-lógico, como terem os a oportunidade de

expli-citar m ais adiante.

II — Não obstante a variedade das trilh as do pensam ento existencialista, desejam os esclarecer que em pregarem os o têr- mo somente designando o de J . P . SARTRE e isso por dois motivos: primeiro, porque, inegàvelmente, de todos os ramos, praticam ente, é o único conhecido — pelo menos de oitiva — do homem moderno comum, perm anecendo os demais quase que desconhecidos seus. Devido menos ao teo r de verdade de que é portador — pois da mesma pouca apresenta — , o exis-tencialismo sartrian o é o que m ais influência produziu, visto ser um a derivação genuína do século XX, apresentando, ainda, além dessa profunda afinidade com as características de nossos tem pos (quase sempre, infelizmente, com as menos sadias), o ouropel bizarro que seduz o espírito menos avisado. Depois, os demais ram os existencialistas, por pautarem -se num a linha

4 . Sartre, “L’ex isten cia lism e e s t un hum anism e” — edições N a g el, P aris — 1947.

5 . “Court T raité de l’ex isten ce e t de l’e x ista n t” — edições P . H artm ann, P aris — 1947.

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cristã, não produziram im pactos no campo ético, vez que, nesse setor, suas conclusões se aju sta ra m aos princípios da tradição aristotélico-tom ista ou evangélica, como é compreensível. A m oral cristã é única e não com porta digressões exegéticas, visto haver se em anado de um a fonte comum, os Evangelhos. Logo, nesse nosso estudo, só nos referirem os ao existencialism o de J . P . SARTRE por ser o único que apresentou algo de inusitado no domínio m oral — se é que exista «moral» existen-cialista, a rig o r filosófico. . .

Ora, tudo o que afe ta a m oral afe ta igualm ente o Direito, vez que a ordem jurídica é p a rte m esm a da ordem m oral. São duas ordens «perfeitam ente distintas, m as estreitam ente liga-das entre si, ta n to m etafísica quanto psicologicam ente». 6 É clássica a ilustração de BENTHAM, n a qual, representadas por círculos concêntricos, a ordem jurídica seria o círculo menor, interior, e a ordem m oral o círculo m aior, circundante do m enor. E observa acertadam ente ALVES DA SILVA que «todos os atos jurídicos serão, portanto, tam bém m orais; m as nem todos os atos m orais serão jurídicos, alguns serão p ara- jurídicos». 7 Investigarem os, assim, de acôrdo com as nossas possibilidades, os reflexos do existencialism o na ontologia, na gnoseologia, na axiologia e na m etafísica jurídicas — num a palavra, na Filosofia do D ire ito 8 — , assim como te n tarem o s

6 . A . B . A lv es da S ilva — “Introdução à C iência do D ireito",

A g i r , 3* edição — 1956.

7 . Idem , ib id em .

8 . Segundo o P r o f. C a b r a l d e M o n c a d a , da F aculdade de D ireito de Coimbra, o problem a da F ilo so fia do D ireito resu m e-se n e sse s quatro te m a s. “A F ilo so fia do D ireito não é um a discip lin a jurídica ao lado de outras; não é sequer, rigorosam ente, um a d iscip lin a ju r íd ica . 35 um a atividade m en tal ou ram o da F ilo so fia que se ocupa do direito; é um a parte, um capítulo particular, se assim quiserm os cham arlhe, da F ilo -so fia ” . Ora, sendo, com o diz o em inente m estre, tôda a p roblem ática filo só fic a um com o que resum o dos quatro gra n d es problem as (problem a gnoseológico, problem a ontológico, problem a axio ló g ico e problem a m e ta -físic o ), forçosam en te a F ilo so fia Jurídica, com o d epartam ento que é da F ilo so fia Geral, se resum irá ig u a lm en te n os referid os tem as, (C f. “F ilo -so fia do D ireito e do E sta d o ”, volum e I, 2* edição, E d itôra A rm ênio Am ado — 1955) .

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nos certificar da possibilidade ou não de um direito

existen-cialista .

2 — DIREITO E EXISTENCIALISMO

I — O que é existencialismo? Segundo JO L L IV E T ,9 «é o complexo das doutrinas segundo as quais a filosofia tem por objeto a análise e a descrição da existência concreta, tom ada como ato de um a liberdade de que se constitui ao afirm ar-se e que não tem nem o u tra gênese nem outro fundam ento a não ser essa afirm ação de si».

Tentemos um a compreensão m aior dessa filosofia.

De princípio, o existencialismo sartria n o é a m ais evanes- centista e disponível de tôdas as form as de que se reveste tal corrente do pensam ento moderno, visto que repousa sua pedra angular na supressão da existência de Deus. SARTRE o diz num trecho m uitas vêzes citado quer pelos seus corifeus, quer pelos seus adversários:

«O existencialismo ateu, que eu represento, é m ais coerente. Declara que, se Deus não existe, existe ao menos um ente no qual a existência precede a essên-cia, um ente que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito e que êsse ente é o Homem ou, como diz HEIDEGGER, a realidade hum ana. Que significa aqui o fato da existência preceder a essên-cia? Significa que o homem existe antes, se encontra, aparece no mundo e só depois é que se define. Se o homem, ta l como existencialista o concebe, não é definível, é que de início êle não é nada. Só depois é que será algum a coisa e será aquilo que êle próprio fizer de si. Assim, pois, não existe a natureza hum a-na, já que não existe Deus p ara a conceber». 10

9 . “L es doctrines e x isten cia listes de K ierkegaard a S artre” — ed. Fontenelle, 1949.

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Como vemos, SARTRE mesmo afirm a que, abolida a exis-tência de Deus, fica suprim ida a natureza humana. T rata-se de um a reciprocidade inevitável: havendo Deus, haverá a n a tu -reza hum ana e, havendo esta, hav erá forçosam ente o Direito

Natural. N egar Deus é negar o Direito N a tu ra l. Para o

exis-tencialismo, portanto, o D ireito N atu ral não passa de um a quim era. E sta é a prim eira conseqüência da aproxim ação que certos autores pretendem fazer en tre o direito e o existen-cialismo .

II — Omitida a existência de Deus, tudo e todos se tra n s -form am num a sucessão anacrônica, ilógica e inconsistente, des-provida de objeto, de fim e de tempo. A lógica e a justiça cedem lugar ao arbítrio puro, pois tudo não passa de um a viagem absurda e ilusória. SARTRE, com o seu negativismo, confirm a m ais um a vez a infinita necessidade de um Deus, de um Logos, de um Foco unificador de todo o tra n sfo rm ism o .

Não existe a natureza hum ana, diz-nos o existencialismo, pois o homem de início não é n a d a . Será som ente aquilo que fizer de si. Não existe, pois, um a finalidade humana, vez que como haveria um escôpo p a ra a vida se não existe a n atu reza hum ana? Sem n atu reza desaparece tô d a a finalidade da vida e do universo. Fazendo p a ssar tudo por um a peregrinação sem nexo, o existencialism o é a doutrina por excelência dos totalitarism es carism áticos e sem peias, da transm udação duvi-dosa da liberdade pela anarquia e do Direito pela fô rça.

Não obstante, SARTRE afirm a categoricam ente que, so-m ente dentro dos quadros do seu existencialisso-mo, é o hoso-meso-m onipotente. A onipotência hum ana é um dos prim eiros fu n d a-m entos do existencialisa-mo, sendo o ser hua-m ano aquilo que faz de si próprio, por suas próprias fô rças e sem o concurso de ninguém, seja Deus, seja outro hom em . «L’homme n ’est rien d ’a u tre que ce qu’il se fait», repete SARTRE ao longo de suas obras. O homem é onipotente porque possui a capacidade de fazer a si próprio, dispensando o auxílio alheio, e não h á no universo m aior prova de poder que essa auto-construção, infere o existencialism o.

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Na ausência da natureza hum ana preexistente, entretanto, o homem sai de sua impotência inicial e atinge um a pseudo- onipotência, vez que alcança nova impotência, desprovido que é de direitos. Sem a natureza hum ana torna-se um eterno incapaz de direitos e, sem êstes, o homem não é nada, quer perante Deus, quer diante de si mesmo ou da sociedade, ficando relegado a um a incômoda e singular posição de impotência

absoluta. P o r mais que tente provar o contrário, o

existen-cialismo não nos convencerá que, despindo o ser hum ano de sua natureza ou essência, fa-lo-á onipotente. . . SARTRE, inegàvelmente, proporcionou à hum anidade a maior confissão de sua impotência e derrota, desde os sofistas. «Não há mais perfeito in-humanismo que êsse pretenso humanismo, que en-tre g a um a coroa de rei ao homem m as começa por cortar- lhe a cabeça. . . » 11

Contudo, um a das maiores contradições do existencialismo reside nesse seu mencionado princípio de que o homem é ex-clusivamente aquilo que faz de si, o que vale dizer, o homem

pode somente à medida que se realiza. N ão é de se indagar

se, nesse ponto, não estão claram ente implicadas as noções de ato e potência? A resposta só pode ser afirm ativa: SAR-TRE não conseguiu se safa r dessa dificuldade. A inutilidade de seus esforços p ara fu g ir ao binômio ato-potência — e, con-seqüentemente, de outro binômio correlato, essência-existência — é p a te n te . ..

P ortanto, o mundo existencialista é um mundo sem direitos. E como a todo direito corresponde um dever, é ta m -bém um mundo sem deveres, um mundo, enfim, onde todos têm direito a tudo e não têm direito a n ad a. Tôdas as te n ta -tivas que se fizerem pecarão por um a absoluta carência de fundam entação, imprescindível à construção de um sistem a. É insanidade querer regular as ações hum anas, tan to s as ex-te rn as (jurídicas), quanto as inex-ternas (m orais), sob o império da liberdade existencialista, desprezando-se quaisquer elemen-tos de estabilidade ou fixidade exterior (como o E stado, o

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Passado, a Sociedade, a Ambiência, e tc .) e, menos ainda, quais-quer fatô re s de transcendência superior (Deus e a natureza h u m a n a ).

O que caracteriza um sistem a, particularm ente um sistem a

jurídico, é a logicidade ou conexão das partes, fundadas em sólidas p rem issa s. Mas o existencialism o de SARTRE faz questão de ser ilógico, ou melhor, meta-lógico, além da lógica, o que torna, antecipadam ente, qualquer ensaio de sistem ati-zação jurídica fadado ao insucesso, pois o reino do D ireito é o reino da lógica, o domínio dos pesos e contra-pesos, da relação causa-efeito. Nesse ponto, o existencialismo é menos coerente que o positivismo jurídico, pois êste, pelo menos, apoia-se em algum a coisa, seja no E stado, seja na Sociedade. O arb ítrio e o capricho podem se a rro g a r no papel de baseam ento de tudo, menos do D ireito e da Moral, vez que, então, não haveria nenhum dos dois. Indubitàvelm ente, a te n tativ as — escassís-simas, porém de triste m em ória — realizadas nesse sentido o foram a serviço de interêsses ditatoriais e de governos au to -cráticos, ta l como ocorreu com o nazism o. Não foi por o u tra razão que H EID EG G ER aderiu à política de H ITLER, em 1930.

III — Julgam os suficiente o que expusem os até essa a ltu ra p ara um a entrevisão do que viria a se r um «direito» existen-cialista. Contudo, cabem ainda alguns desenvolvim entos.

O homem sa rtria n o não possui, pois, a n atu reza

especifi-cam ente hum ana ou, como afirm a HEID EG G ER, não existe a

realidade humana. O professor da Faculdade de D ireito de

Beirute, BICHARA TABBAH, num excelente e recente t r a -balho, 12 com enta ironicam ente que SARTRE parece, prim ei-ram ente, fu n d ar o seu sistem a sôbre a negação de Deus e, m ais tarde, estabelecido o sistem a, protesta, com certo eufe-mismo, que a existência de Deus pouco im p o rta . . .

12. “Le N atu rism e E x iste n c ia lis te ”, in “D roit P olitiq u e e H u m an is-m e”, ed . R . P ichon e R . D urand-A uzias — P aris, 1955.

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IV — O homem sartrian o é um solitário. Não possui qual-quer elemento de estabilidade exterior ou de transcendência superior, como já frizam os. Assim, nada vale a não ser o que faz de si. O homem é a sua auto-construção, é a su a vida. Mas deve realizar tal obra sozinho, sem qualquer socorro divino ou humano, pois não possui compromissos com nada nem com ninguém. É o que J. P . SARTRE entende por liberdade, da qual faz um dos postulados de sua filosofia. O homem existe apenas, não possui essência ou natureza. E, por ser assim, não tem nenhum a finalidade o seu e x istir. O homem deve existir por am or ao existir, eis a síntese do existencialismo sa rtrian o . Aparece, então, outro ponto basilar do pensam ento existencial-ateu: o subjetivismo absoluto. O homem encontra- se fèrream ente prêso dentro de si mesmo, escravo de si pró-prio, qual um a ilha sem o istmo que a ligue ao continente. T rata-se de um a dedução da supressão da natureza hum ana: reduziu-se o homem a um mundo fechado, ficando num a angus-tiante situação de completa impossibilidade de comunicação com o seu sem elhante. P or fôrça da ausência de qualquer elemento de perm anência exterior, o ser hum ano é um segre-gado, um universo diferente, com aspirações e naturezas alheias às dos outros homens e, principalmente, com leis próprias e particularíssim as. T rata-se de um individualismo feroz. Cada um por si e ninguém por ninguém, é o brado de a le rta da revolução s a rtria n a .

Assim, estam os diante de um a concepção filosófica nimia-mente anti-social. O homem de SARTRE nada deve nem deseja da sociedade. Sua vontade é, apenas, existir — pois ta l é a única realidade — , seja de que m aneira fô r.

Ora, somos dos que pensam que não é a sociedade nem o E stado que fazem o Direito; o Direito originase da n atu -reza h u m a n a . Em o u tras palavras, o direito tem suas nascentes no Direito N atural, entendendo-se êste como «uma ordem ou disposição existente, real, em virtude da própria natureza hu-mana, ordem ou disposição que a razão hum ana pode descobrir e segundo a qual a vontade hum ana deve agir p ara pôr-se em consonância com os fins essenciais e necessários do ser

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hu-m ano». 13 M ister se faz, contudo, a te n ta r p a ra o fa to de que, se o direito não é «feito» pela sociedade, é elaborado p a ra a vivência em sociedade. O direito regula a s ações do homem enquanto «zoon politikon». O jurídico existe p a ra a sociedade, p a ra harm onizar os interêsses individuais com os do todo, a fim de que h aja, em suma, um a coletividade e um a f r a te r -nidade m ais perfeitas entre os homens, clima propício ao ente hum ano p a ra a consecução de seu fim últim o. O Direito, a s-sim, executa um movimento em sentido contrário ao do existencialism o: aquêle é aglutinador, catalizador, centrífugo, f r a -te rn al; ês-te é dissociador, subjetivista, centrípedo, anti-fra- te m a l. Não pode haver traç o de união entre espécies tão antípodas. O existencialismo é anti-jurídico por excelência.

SARTRE, aliás, assevera o existencialism o é a filosofia da angústia. O homem sartria n o é um angustiado, consti-tuindo êsse sentim ento um dos pontos característicos da filo-sofia de que tra ta m o s. Isso significa que o homem se encontra num a situação de completa incompatibilidade perante o m u n d o .

O eu e o não-eu não se coadunam, se degladiam continuam ente,

pois, como vimos, segundo SARTRE, cada ser hum ano é um universo autônom o, com leis próprias, em tudo diferente dos dem ais. E n tre diferentes, que se não conhecem, é inexequível outro estado que não o da incompatibilidade, «só se am ando o que se conhece», como ensina o adágio popular. Tal angústia difere substancialm ente do desespêro kierkegaardiano, não cabendo aproxim ações entre ambos, pois, segundo êsse último, o homem deve se desesperar de tudo, exceto de Deus, o que é um a sem i-verdade. . . O cristão nunca se desespera, jam ais é um eterno angustiado, pois vive em C risto e o C risto nêle, ta l como o apóstolo PAULO. Cristianism o é Paz e A m or. O existencialismo, pregando a prim azia da angústia sôbre a paz, m ais um a vez, coloca-se frontalm ente co n tra o Direito, que

13. Jacques M aritain, “L ’hom m e e t l’Ê ta t”, P . U . F . , P a ris — 1953. Citado de E dgard de Godoy da M ata M achado, “Introdução à Ciência do D ireito ”, ed. da F aculdade de D ireito da UMG, Belo H orizonte — 1960, p . 42.

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te n ta im plantar a Paz-Social. Colocando a angústia individual como norm a de viver, o existencialismo preconiza a angústia social, uma «sociedade» de angustiados, vez que o m acro se compõe do micro, o todo da p a rte . Com fins tão divergentes, não é possível haver conexão entre Direito e existencialismo, m orm ente o de JEA N -PA U L SARTRE.

E, assim, realça-se não só a angústia m as todos os senti-m entos que lhe são correlatos: o tédio, o senti-mêdo, a incerteza, o t e r r o r . . . SARTRE dá relevância a êsses estados mórbidos, qualificando-os com um têrm o inda m ais incisivo: a « náusea».14

O antropocentrism o domina, pois, tôda a tra m a do exis-tencialismo. T rata-se, contudo, de um antropocentrism o in- humano, que nega ao homem tôda a substancialidade, subtrai- lhe a própria natureza, despe-o de todos os direitos e deveres e, não obstante, quer fazê-lo centro do universo. ..

V — Não obstante o seu pessimismo característico e o nega-tivismo im penitente que lhe m arca indisfarçàvelm ente as linhas-base, o ram o existencial de que nos ocupamos se em-penha em dem onstrar que o homem existencialista é, acima de tudo, responsável.

O único caminho para o ser hum ano é o «engagement», ou seja, alistar-se nos acontecimentos, atirar-se à luta, pois ta l é a base da própria «vida» existencialista. H á algo de estóico nesse «engagement»: apesar dos pesares, da angústia, do tédio e da náusea, o homem deve se a tira r à vida, à ação. Não que h a ja qualquer motivação ou finalidade nesse ativismo, mas, simplesmente, ação pela ação. Compreendemos, então que ta n ta coragem não passa de fuga, de escapada apressada de algum perigo, de louco estoicismo desprovido de baseam ento m etafísico. A tirar-se às escuras nessas condições denota cabal irresponsabilidade.

A ação torna-se, pois num dos princípios básicos do exis-tencialismo. SARTRE o diz:

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«Será, então, que me devo abandonar ao quietism o? N ã o . Devo, antes de tudo, alista r-m e . . . Somente há realidade na ação, diz a doutrina que vos apresento. Vou m ais adiante: o homem não é o u tra coisa que o seu projeto, só existe na medida em que se realiza, não é o u tra coisa senão o conjunto de seus atos, não é o u tra coisa senão a sua própria vida». 15

Como o homem existencialista deve te r consciência de ser, não apenas o que êle escolhe ser, m as ainda um legislador esco-lhendo, sim ultâneam ente, a si próprio e a tôda a hum anidade, não poderia fugir-lhe a consciência de sua to tal e profunda responsabilidade — conclui SA RTRE.

O homem sa rtria n o adquiriu, todavia, êsse têrm o «respon-sabilidade» de u ’a m aneira inteiram ente g ratu ita, observou um pensador patrício. 16 Realmente, essa «responsabilidade» é in-teiram ente a rb itrária , fru to de um impulso injustificado do fundador do existencialismo a teu . P eran te quem ou o quê é o existencialista responsável? N egando a priori a existência de Deus, a natureza hum ana e os valores substanciais exteriores à sua subjetividade, o homem caricaturado por SARTRE é irresponsável por excelência ou, mesmo, é a própria irrespon-sabilidade. Responsável diante de Deus, ou perante si próprio ou certos valores extrínsecos, como o E stado, o P artido, a P á tria ? Mas se tudo isso foi a b o lid o !...

O existencialista é irresponsável porque não possui deve-res, carece de um a substancialidade, de um a estabilidade em que os apoie. Ê desprovido de direitos, visto o ser dos deveres correlatos. Direito e existencialismo não se tocam, são com-partim entos estanques: a firm a r um é neg ar o outro.

O ativism o existencialista denota as suas fo rtes afinidades com as peculiaridades tecnológicas e m ecanicistas de nosso século. Os tem pos correntes, carregados de correrias, de

velo-15. “L ’e x isten cia lism e e st un h u m an ism e”, p . 55. 16. A lceu A m oroso Lim a — o p . c i t ., p . 22.

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222 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO

cidade e ação, explicam a gênese dessa corrente filosófica, for-necendo-lhe, ainda, a ambiência espácio-temporal favorável à sua perfeita eclosão. Trata-se, sem dúvida, de um «mal de siècle», como o foi o romantismo extremado no século passado e se, atualmente, apresenta-se com tanto vigor, terá também o seu crepúsculo, como sói acontecer com todos os mitos.

3 — PALAVRAS FINAIS

Muito ainda resta dizer da filosofia existencial e de suas implicações no campo do Direito. Contudo, renunciamos ao grato intento de escrever tratados sôbre as complexidades da Filosofia Jurídica, o que, além de, primeiramente, escapar de nossas modestas capacidades, fugiria ao espírito dêsse Con-clave. Julgamos que, aqui, se cogita de teses e não de trata-dos, visto o último têrmo, pelo menos no linguajar corrente, possuir característica de maior amplitude e erudição.

Não obstante, pretendemos possuir da certeza de haver-mos oferecido uma visão quase completa, se bem que a vôo raso e de feição nimiamente sintética, do que é existencialismo e das suas pretensas vinculações ao Direito. Se, de fato, atin-gimos êsse almejado fim, damo-nos por agradecidos e compen* sados dos nossos esforços e estudos.

4 — NOTAS BIBLIOGRAFICAS

A.. B. Al v e s d a Si l v a — “Introdução à Ciência do D ireito” — 3» ediçào,

AGIR, Rio, 1956.

Al c e u Am o r o s o Li m a — “Existencialism o e Outros Mitos de Nosso

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Referências

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