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A interpretação voluntarista na teoria pura do Direito: esboço

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(1)Revista de Direito Vol. XI, Nº. 11, Ano 2008. A INTERPRETAÇÃO VOLUNTARISTA NA TEORIA PURA DO DIREITO: ESBOÇO. RESUMO Guilherme Camargo Massaú Faculdades Atlântico Sul - Pelotas uassam@gmail.com. O texto objetiva, sumariamente, expor uma perspectiva da interpretação voluntarista na Teoria Pura do Direito. O ponto de vista adotado pelo autor insere o aspecto voluntarista na aplicação do Direito, implementado conjuntamente com a interpretação, ou melhor, neste mesmo intento interpretativo o voluntarismo, estrategicamente esquematizado na moldura jurídica hierarquizada, oferece a possibilidade de o órgão emitir a decisão, eleger, dentre as inúmeras possibilidades de sentidos oferecidos pela norma, a hipótese mais adequada para aplicação ao caso concreto. Logo, esse processo retira do âmbito cognitivo a interpretação, como essência do ato decisório e atribui ao intelectivo-volitivo à aplicação do Direito; não é mais na ciência do Direito que se realiza a aplicação, mas na esfera da político-jurídica. Palavras-Chave: Interpretação, voluntarismo, Kelsen, teoria pura do direito, sistema jurídico. ABSTRACT The text aims summarily, exposing a perspective of the interpretation proactive in the Pure Theory of Law. The view adopted by the author inserts look proactive in the implementation of the law, implemented jointly with the interpretation, or rather, in this same intent interpretative the proactive, strategically in hierarchical legal framework, it offers the possibility of the agency issuing the decision, elect, among the many possibilities offered by the standard of senses, the most appropriate for application to the case. Therefore, this process removes the scope cognitive interpretation, as essence of the act and decision arbitrary attaches to the implementation of the law, is no longer in the science of law which makes the application, but in the sphere of political and legal. Keywords: Interpretation, voluntarism, Kelsen, pure theory of law, legal system. Anhanguera Educacional S.A. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, São Paulo CEP. 13.278-181 rc.ipade@unianhanguera.edu.br Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Artigo Original Recebido em: 15/03/2008 Avaliado em: 20/06/2008 Publicação: 11 de agosto de 2008 7.

(2) 8. A interpretação voluntarista na teoria pura do Direito: esboço. 1.. INTRODUÇÃO O assunto em voga aborda pequena parte do pensamento de um dos mais expressivos juristas da época moderna, Hans Kelsen, a teoria da interpretação no seu afamado livro: Teoria Pura do Direito. Seu pensamento, fruto profícuo de seu tempo, no entanto, foi interpelado por questões políticas que mancharam suas concepções científicas em relação ao Direito, principalmente no período de guerra. O regime político-jurídico do nacional-socialismo se apropriou de doutrinas expostas pela concepção kelseniana. Além dessa utilização política, houve o desgaste que a teoria pura sofreu com os ataques contra as pretensões contidas no pensamento do autor, concepções científicas de neutralidade que tornaram o sistema jurídico estéreo e incapaz de responder às exigências de uma realidade social que, na época, sentia todas as conseqüências trágicas da Segunda Guerra Mundial. A obra e o pensamento de Kelsen são de tamanha envergadura e complexidade que meras palavras num opúsculo são insuficientes para captá-la em sua essencialidade. Por isso, justifica-se a necessidade de ressaltar para aprofundar, num sentido de complementação, outros pontos que confluem com esse, como a concepção da norma fundamental (Grundnorm) e o sistema hierarquizado do ordenamento jurídico. A intenção primordial, neste momento, é refletir sobre o método voluntarista de interpretação exposto na Teoria Pura do Direito, no sentido de evidenciar seus aspectos fundamentais, numa tentativa de compreensão, ou seja, compor uma ilustração do pensamento desse jurista com a finalidade de clarificar o entendimento interpretativo esboçado em sua Teoria. A novidade inserida por Kelsen está em considerar a interpretação como ato de vontade, dentro dos limites moldurais do sistema normativo. Dentre aqueles significados apresentados, o intérprete usará sua vontade na determinação do sentido a ser empregado na concretização do Direito, observando a conexão com a estrutura escalonada do sistema jurídico. Logo, o autor considera a instituição da norma inferior como um ato constitutivo de Direito, até mesmo a sentença judicial não tem somente o efeito meramente declarativo, mas constitutivo, pois a norma hierarquicamente superior não pode determinar exaustivamente todas as direções possíveis que a inferior pode seguir e assim por diante, até a individualização e aplicação da norma (do geral ao particular). Por isso, o voluntarismo de Kelsen se encaixa em sua teoria escalonada das normas. A interpretação voluntarista, na Teoria Pura do Direito, não se refere diretamente à corrente que busca a vontade da lei ou do legislador (como a objetivista e a sub-. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 7-20.

(3) Guilherme Camargo Massaú. jetivista). Não é o intuito do legislador, em sua época circunstancial, que determina o esforço cognitivo do intérprete, embora ele possa utilizar-se desse conhecimento para considerar as várias hipóteses. Tampouco a vontade emanada da lei, como única, prevalece na interpretação kelseniana. Claro está que não se ignora uma possível vontade da lei pois, no fundo, o intérprete se utiliza da semântica e seus signos com vários sentidos para escolher o mais adequado ao caso concreto. No entanto, não fica agrilhoado pela suposta vontade iminente ou imanente da lei. O voluntarismo aqui ultrapassa a simples ordem ao juiz (dura lex, sed lex), possibilitando-lhe empregar uma medida de discricionariedade na escolha da hipótese possível e passível de aplicação. Neste momento, o intérprete ultrapassa as fronteiras da Ciência do Direito e se ambienta na senda da político-jurídica. Em suma, está-se diante de uma possibilidade de compreender a interpretação e a aplicação do Direito de uma maneira distinta do clássico entendimento e apego à letra da lei com sua única verdade, como único sentido, ou seja, única solução correspondente ao caso concreto, a qual, pela simples subsunção, responderia, juridicamente, ao problema concreto. A crença da precisão verbal e intelectual do legislador, capaz de confeccionar textos precisos e sem margem de erros ou dúvidas, ficou no século XVIII. Cabe agora atribuir ao jurista, aqui especificamente ao intérprete, a responsabilidade de realizar um trabalho “criador ou desvelador” do Direito, como propõe o caput scolae da Teoria Pura do Direito, pois o seu voluntarismo ocasionou de certa forma, uma ruptura nas concepções tradicionais.. 2.. BREVE PERSPECTIVA A hermenêutica assume, hoje em dia, um papel de destaque no mundo-jurídico por de seus aportes teóricos. Ela fornece subsídios fundamentais para a compreensão das relações e do atual mundo complexo e, em determinadas teorias, assume a própria constituição (o entendimento total) do mundo-da-vida. É de constatar a grande evolução nas técnicas interpretativas, justamente pela necessidade de superar os modelos clássicos, os quais não conseguiam satisfazer as exigências decorrentes da dinâmica social que deixavam as respostas, no caso jurídico, aquém da expectativa de uma justiça. Ao ultrapassar a fronteira do positivismo formalista, começou-se a exigir do Direito uma perspectiva de justiça (-social) na aplicação de suas normas. Para isso se tornou viável, com a manutenção do corpo legislativo, juristas e juízes captaram, das teorias da linguagem, os conhecimentos capazes de serem empregados na esfera jurídica, além de. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 7-20. 9.

(4) 10. A interpretação voluntarista na teoria pura do Direito: esboço. terem suas atividades (de decisão) de criação do direito reconhecidas (MIRANDA, 2000, p. 220-222). Também a hermenêutica se espalhou por todos os outros campos do conhecimento humano, principalmente na filosofia, como no caso de Heidegger, que concentra na linguagem (HEIDEGGER, 1946, p. 5)1, a compreensão das inúmeras implicâncias contidas no Ser. Em conformidade com isso, a lei se constitui numa forma de comunicação humana. Atualmente, distante de passar pelo seu sentido etimológico mais primário advindo do Deus da mitologia grega Hermes, intérprete da vontade divina2, a hermenêutica cuida de embasar as interpretações intencionadas a alcançar um sentido mais além da vontade “divina” (do legislador). Ela busca um entendimento de esforço considerável para atingir uma concepção de justiça por meio do texto legal. Poderia ela partir de outra base, como no sistema da common law, mas o intérprete, em nosso sistema, deve aplicar as técnicas inicialmente sobre os textos legais. Significa que os clássicos métodos interpretativos se encontram esgotados, pelo menos em determinados aspectos, quando se defronta com uma realidade social. No entanto, não são de todo desprezáveis, até mesmo devido à importância de terem estabelecido regras interpretativas logicamente consolidadas que a nova hermenêutica não pode dispensar. A segurança e a certeza do raciocínio lógico dos métodos clássicos contribuem para a elaboração dos novos métodos; inclusive o jurista tem dificuldades, por vezes, de se desfazer dos parâmetros clássicos por constituírem esquemas consolidados de uma época, muito embora tenham eles as limitações apresentadas pela ratio moderna diante da pluralidade problemática hodierna. As escolas jurídicas surgidas ao longo do tempo se caracterizaram pelo emprego de formas interpretativas, desde o medievo até a modernidade. É justamente na modernidade que os esquemas interpretativos ganharam efetivos destaques, com reflexões voltadas à análise das concepções teóricas e dos mecanismos integrantes de todo o esquema hermenêutico; não implica que, no período pré-moderno, a interpretação não tenha sido relevante. Pelo contrário, os textos sagrados e os jurídicos (considerados, por épocas, divinos) precisavam da ars interpretativa para alcançar os ditames divinos contidos na lei. A escola dos glosadores é o marco desta época. No decorrer do desenvolvimento da ratio jurídica, o intérprete começou a desvincular-se da vontade divina dos textos sagrados, inclusive a própria letra deles, sob 1. Essa implicação pode ser destacada na seguinte passagem: “Die Sprache ist das Haus des Seins. In Ihrer Behausung wohnt der Mensch.” (“A linguagem é a casa do Ser. Em sua habitação vive o Homem.” - tradução livre).. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 7-20.

(5) Guilherme Camargo Massaú. os olhos do hermeneuta, transitou do sagrado ao profano. Na escola dos comentadores, esse movimento de dessacralização do texto tornou-se evidente; considerava-se a opinio communis doctorum como condição de verdade do significado da letra legal e a opinião dos doutores era igual ou mais importante que o sentido abstraído diretamente da littera. Portanto, a interpretação estava estritamente vinculada à discussão e à opinião dos doutores, que se estendiam, através da dialética escolástica, por citações e trechos justificativos de fragmentos do Corpus Iuris Civilis. A escola humanista, numa atitude clássica, perseguiu o sentido radical do Direito estudado nas Universidades; logo, a relevância que esses escolares davam à filologia, ao latim, ao grego, aos textos de autores clássicos da Grécia e de Roma e à história, que indicam o sentido prescrutado pelos humanistas. Por conseguinte, a atividade interpretativa envolvia uma visão multidisciplinar para se alcançar o entendimento do texto legal, não bastava o isolamento da letra e de cada palavra, mas urgia um conjunto de informações construídas por elementos advindos dessas várias áreas do conhecimento (o jurista era considerado um erudito) – davam o sentido do Direito. Nota-se que, durante o medievo o jurista trafegava entre o direito canônico e o direito civil3, formando o sistema do Utrumque Ius (SCHRAGE, 1992, p. 277-278); dessa forma, era considerado jurista completo aquele que detinha o conhecimento dessas duas áreas. Em conseqüência, o conhecimento do intérprete nessas condições estava voltado a uma interpretação relativamente mais teleológica, pois considerava uma diversidade de aspectos, que uma interpretação gramatical não alcança. No entanto, a filologia das palavras, principalmente com os glosadores, não era posta em segundo plano, mas concorria e contribuía para a tarefa do jurista. A ratio moderna traz outros parâmetros considerativos da visão jurídica; as interferências da lógica científica (BARROSO, 2006, p. 277-278), da segurança e da certeza atingiram a forma de constituir e esquematizar o Direito. A visão-de-mundo, de certa forma, inverte-se, passa da compreensão da vontade divina para o entendimento da vontade do legislador; nisso encontra-se implicado, a redução moderna do ius à lex, diferente da realidade jurídica vivenciada na época medieval (com a sua peculiar pluralidade de fontes). Conseqüentemente, o intérprete moderno vai buscar, através da letra. 2 A palavra hermenêutica advém do grego hermeneúein que significa interpretar; na mitologia grega Hermes era o interprete da vontade divina. (HERKENHOFF, 1997, p. 5). 3 O poder político do monarca era regido por esses dois direitos e conforme a época, o direito canônico legitimava o poder do rei. Além do mais, esses dois direitos dividiam uma espécie de jurisdição, por exemplo: para as coisas que diziam respeito ao mundano, predominava as normas civis, no que tangia o sagrado ou coisas do espírito, o direito canônico prevalecia. Mas nem tudo era claro na separação entre o espírito e a matéria, por isso, e conforme a época, um direito se sobrepunha ao outro quando existia conflito de normas (ou interpretação dessas normas).. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 7-20. 11.

(6) 12. A interpretação voluntarista na teoria pura do Direito: esboço. da lei, o sentido da regra ou a vontade do legislador, daí as teorias objetivas e subjetivas. Logo, a aplicação de determinados esquemas metodológicos delimitam atuação do interprete e sua posição técnico-jurídica diante do labor político-jurídico, nesta época com grande influência de concepções científicas. Assim, os métodos gramatical (filológico ou literal), o teleológico, o histórico, o lógico (ou racional) (HERKENHOFF, 1997, p. 13-30)4, o sistemático (ou orgânico) e o sociológico5 representam quadros mentais de escolas jurídicas desenvolvidas durante época conceitualmente moderna. Apenas, em relação ao método sociológico, a interpretação do Direito ganha ares mais críticos voltados à realidade do que se passa na sociedade, conjuntamente com a tentativa de empregar o ordenamento jurídico favoravelmente, de modo a satisfazer as necessidades sociais ao tempo da interpretação. Ultrapassados determinados paradigmas da modernidade, embora se aceitem e se utilizem muitos, na contemporaneidade está-se procurando outros métodos mais adequados às necessidades emergentes da pluralidade e da complexidade vivenciadas. Por exemplo, o método tópico (e os métodos que o tomam como base, fundamentalmente impelidos pelas correntes teóricas formadas por constitucionalistas)6, o próprio método sociológico e também aqueles derivados dos esquemas racionais do funcionalismo (formal e material). A hermenêutica jurídica hodierna encontra-se empregada, por conseguinte, numa esfera do conhecimento voltado ao pensamento crítico, capacitada a apontar soluções que fogem aos esquemas clássicos de métodos ultrapassados para enfrentar determinadas exigências que a realidade cobra do plano teórico; o que está em jogo não se circunscreve ao objetivamente delineado na lei nem a um possível espírito da lei. O hermeneuta, atualmente, consegue, por manobras hermenêuticas, retirar significações que ultrapassam o horizonte de uma simples captação de sentidos literais ou finalístico-intencionais, mas atinge searas, inclusive, de alta abstração, alcançando significados escondidos na significância do próprio Ser. É importante ressaltar que o conhecimento desses métodos clássicos é indispensável, já que está neles a base fundamentante do início de raciocínios mais complexos, impossíveis sem o elemento gramatical, o siste4 Muito embora a interpretação lógica tenha sido relacionada, seria tautológico pressupor que qualquer interpretação empregada não pressuponha uma lógica, portanto, crê-se na inerência (principalmente se pensarmos com fundamentos modernos), em todo o momento, do elemento lógico (ou racional) na interpretação, por se adotar uma classificação de um livro clássico no ensino jurídico brasileiro. Mas deixa-se aqui essa pequena ressalva. 5 Desde logo cuida-se para não negar a possibilidade do emprego isolado de cada método, tendo em vista a possibilidade de complementaridade de cada método; a radicalização empregatícia de um método só corrobora a ignorância atávica que despreza as riquezas do ius e do fato social. Pode-se traçar assim o seguinte esquema: “A interpretação se faz a partir do texto da norma (interpretação gramatical), de sua conexão (interpretação sistemática), de sua finalidade (interpretação teleológica) e de seu processo de criação (interpretação histórica).” (BARROSO, 2006, p. 125) 6 Diante do direito constitucional (BONAVIDES, 2006, p. 488-524). Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 7-20.

(7) Guilherme Camargo Massaú. mático, o teleológico, o lógico e o histórico (ressalvando o sociológico em outro patamar, quiçá com outra função). Por isso, não se deve desprezar o conhecimento clássico do Direito, neste caso da hermenêutica, justamente para não incorrer no erro da incompreensão da problemática hodierna do Direito, que advém - em parte - de momentos interpretativos realizados por esses métodos clássicos. O método em destaque, neste opúsculo, encontra-se vinculado a uma das maiores tentativas de tornar o Direito uma ciência pura7 (pois seu problema concentrou-se na seara exclusivamente epistemológico) (NEVES, 1995, p. 101), sem (ou com o mínimo de) elementos profanadores do sistema, pois a ciência do Direito não se vincula à conduta efetiva do homem - apenas o que está prescrito juridicamente, é, sim, uma ciência de normas não tem de perseguir um fim prático ou interesse de outras ordens (LARENZ, 1997, p. 93). O traço forte de seu neokantismo delimitou um dualismo metodológico que postula a não-sociologização da ciência jurídica que exprime o seu positivismo científico advindo do século XIX e epistemologicamente decantado radicalmente na noção empírico-analítica do século XX; a imposição, com o intuito de cumprir os esquemas unicamente teoréticos, de um postulado de não-politização, excludentes todos os momentos constitutivos axiológico-normativos e remetentes aos domínios do ideológico e do subjetivo (NEVES, 1995, p. 101). Em relação ao edifício jurídico, Kelsen blinda seu sistema hierárquico com a designada noção de norma fundamental (Grundnorm), e evita cair na indeterminabilidade da norma que fundamenta as demais normas inferiores do sistema. Tal norma seria pressuposta, devido à impossibilidade de ser (im)posta por uma autoridade, pois faltaria a essa autoridade a competência que teria de ser posta por norma superior, assim sucessivamente, “até o infinito”. Com isso, será a norma fundamental que legitimará a Constituição ou a Constituição é a própria norma fundamental? Questão que não cabe aqui responder, mas, por ser pressuposta crê-se que a norma fundamental fundamenta a Constituição (LARENZ, 1997, p. 104 e SILVA, 1999, p. 40-41). A cadeia de normas fundamentantes, para Kelsen, é estancada, justamente, pela pressuposição da norma fundamental; portanto todas as demais normas terão sua validade remetida para a norma fundamental. A compreensão desse quadro sistemático contribui para o entendimento 7. Como exemplo cito um trecho do prefácio à primeira edição do livro Teoria Pura do Direito: “Há mais de duas décadas que empreendi desenvolver uma teoria jurídica pura, isto é, purificada de toda a ideologia política e de todos os elementos de ciência natural, uma teoria jurídica consciente da sua especificidade porque consciente da legalidade específica de seu objeto. Logo desde o começo foi meu intento elevar a Jurisprudência, que - aberta ou veladamente - se esgotava quase por completo em raciocínios de política jurídica, à altura de uma genuína ciência, de uma ciência do espírito. Importava explicar, não as suas tendências endereçadas à formação do Direito, mas as suas tendências exclusivamente dirigidas ao conhecimento do Direito, e aproximar tanto quanto possível os seus reultados do ideal de toda a ciência: objetividade e exatidão.” (KELSEN, 1998, p. XI e LARENZ, 1997, p. 92).. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 7-20. 13.

(8) 14. A interpretação voluntarista na teoria pura do Direito: esboço. da interpretação de normas (ou do Direito) em Kelsen (KELSEN, 1998, p. 215-217 e LARENZ, 1997, p. 98-99).. 3.. PANORAMA DO HORIZONTE INTERPRETATIVO EM KELSEN A Teoria Pura do Direito é considerada pelo autor como uma teoria puramente científica do Direito Positivo8. Por isso, não é uma teoria, especificamente, da interpretação de determinadas normas mas, com base numa teoria geral do Direito, oferece esquemas teóricos de interpretação, pois foi conduzida a pensar no viés interpretativo, até mesmo devido ao seu querer elevar o Direito à uma autêntica ciência (LLANO ALONSO, 2006, p. 414). A proposta está em não se preocupar com o conteúdo, mas somente com a lógica do sistema e a forma das normas, ou seja, a intenção se encontra em retirar todos aqueles elementos que não são peculiares à ciência do Direito. Operase, assim, a confusão entre as observações jurídica e sociológica (LARENZ, 1997, p. 95). Por encontrar essa formatação do Direito, o autor admite que não exista conteúdo do comportamento humano que não possa ser conteúdo de uma norma jurídica (LARENZ, 1997, p. 97). Com a finalidade de realizar uma breve análise do método voluntarista kelseniano, curial se mostra cumprir alguns esclarecimentos da norma; justamente ela se constitui em aporte do momento interpretativo de compreensão da realidade jurídica com o fato, pois parte-se do paradigma normativo, de sua força normativa, para a realização do Direito, ou melhor, tornar-se o dever ser em ser – kantianamente influenciado – (da norma em fato, sob o princípio da imputação, em que se parte de uma hipótese lógica produtora, com a contribuição de alguns elementos de uma imputação para recair em uma sanção)9. O movimento desencadeado pelo intérprete viabilizará a mudança da prescrição para a concreção; a norma vai adjetivar o fato externo - conforme seu significado objetivo captado pelos sentidos no espaço e no tempo - como jurídico (ilícito ou lícito). O evento fático isolado não constitui objeto especificamente do conhecimento jurídico, contudo terá o fato (ou ato) relevância quando, por intermédio de uma norma, 8. Kelsen esforçou-se para criar uma ciência do direito que, no final de tudo se concentrasse nas mãos de técnicos, pessoas capazes de lidar com o funcionamento do sistema e dos esquemas altamente específicos, auto-referentes, isolado das outras áreas do conhecimento humano, assim Ortega y Gasset ao comentar a arte velazqueña diz o seguinte: “Este arte de Juan Palomo, esta pintura para pintores no es demasiado extraña en un tiempo como el nuestro que tiene también una física para los físicos, hermética para los demás mortales, un derecho para los juristas (Kelsen), una política para los políticos (revolucionarios profesionales), pero no se sabe cómo y en qué sentido pudo darse hacia 1640.” (Apud, LLANO ALONSO, 2006, p. 412). 9 Kelsen se apóia nesta sólida base distintiva kantiana entre o ser e o dever-ser. (LLANO ALONSO, 2006, p. 425-426). Além disso, cabe ressaltar mais uma influência kantiana de Kelsen; a virada kantiana para o formalismo (liberal) do Direito. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 7-20.

(9) Guilherme Camargo Massaú. se refere a ele em seu conteúdo, emprestando-lhe significação jurídica, com isso viabilizando a interpretação conforme a norma. Por conseguinte, a juridicidade do fato (ou ato) só terá sentido com o resultado específico da interpretação normativa, a norma norteará a classificação do acontecimento no mundo-da-vida como jurídico (ou antijurídico), implicando enunciar que, se um conteúdo de um acontecer fático coincidir com o conteúdo normativo, considerado como válido, terá relevância ao mundo-jurídico (KELSEN, 1998, p. 4-5)10. A partir deste ponto passa-se à aplicação do Direito, por óbvio que, para tal, faz-se necessário fixar o sentido da norma, ou seja, realizar a interpretação, já num pleno processo de aplicação do Direito. A determinação do conteúdo jurídico a ser aplicado não se reduz a escolher, aleatoriamente, uma norma, mas o intérprete deve vislumbrar o sistema jurídico como um todo e “progredir do escalão superior ao inferior” (KELSEN, 1998, p. 387 e PERELMAN, 1998, p. 91-92) até o momento de, contextualizado numa coerência sistemática e unitária, determinar a(s) norma(s) a serem aplicadas ao caso concreto. Nisto decorre a indeterminação da aplicação do Direito, no condizente à relação entre os escalões - por exemplo: entre a Constituição e lei ou lei e sentença judicial (KELSEN, 1998, p. 388) - superior e inferior, o primeiro regula o segundo, porém não regula por completo; a norma superior não pode criar vinculações em todos os setores. Ocorre assim que a inferior terá espaços de “liberdade” e o intérprete, ao vislumbrar isso como uma moldura a ser preenchida pelo ato discricionário, decidirá como executar (cumprir) as determinações superiores. A indeterminação pode referir-se, intencionalmente ou não, à pressuposição do fato e às conseqüências por ele geradas (KELSEN, 1998, p. 388-390 e BONAVIDES, 2006, p. 449). Infere-se daí uma espécie de indeterminação intencional, quando a norma superior deixa intencionalmente espaço discricionário para regulamentação e aplicação de uma norma inferior. Por outro lado, a indeterminação não-intencional advém de certos fatores que, por si sós, geram uma indeterminação “não prevista ou própria das circunstâncias” (como exemplo: a abrangência significativa que uma palavra pode adquirir sem a prévia noção do legislador). A moldura jurídica suscita diversas hipóteses para aplicação de um direito. Isto significa que, dentre as possibilidades de compreensão, o aplicador do Direito individualizar, dentre inúmeras propostas, a que ele considera a mais acertada, o que não como uma conjunção dos arbítrios (de uma lei geral da liberdade) favorecedor da convivência com o outro. (KANT, 1945, p. 33-35). 10 “A teoria pura do Direito apreende, pois, o conteúdo jurídico do sentido de um certo evento - que, como tal, é um fragmento da natureza, portanto, determinado por leis causais -, ao subsumi-lo a uma norma jurídica que retira a sua validade de ter sido «produzida» de acordo com outra norma situada acima daquela.” (LARENZ, 1997, p. 95) (grifo do autor).. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 7-20. 15.

(10) 16. A interpretação voluntarista na teoria pura do Direito: esboço. significa dizer que é, dentro das hipóteses existentes, a única possível conforme o Direito (KELSEN, 1998, p. 390-391). Kelsen destaca que o labor interpretativo também se estende aos indivíduos (igualmente intérpretes) que necessitam compreender a lei para observá-la, evitando a sanção, assim como a ciência jurídica cuida de interpretar a norma e descrever o direito positivo; conseqüentemente, o autor divide a interpretação em duas espécies: a interpretação efetuada pelo órgão que aplica o Direito e a não realizada por esse órgão e, sim, por outros agentes (pessoa privada e pelos cientistas do direito) (KELSEN, 1998, p. 387-388). Destarte, ao vislumbrar o direito positivo, não existe qualquer método absoluto que possa destacar, entre as variáveis possíveis, a “correta” dentro do confronto entre as várias compreensões da norma esquematicamente estruturadas na moldura. Muito embora a jurisprudência tradicional tenha empregado um esforço colossal, não conseguiu dirimir o conflito entre a vontade e a expressão; os métodos existentes, segundo Kelsen, guiam ao resultado possível, nunca um resultado cabal e incontestável. Para o Direito Positivo é igual à prevalência da vontade do legislador ou apenas a fixação do teor verbal da letra legal (espírito da lei) - ambas as visões problemáticas em seus aspectos –, ainda mais se duas normas do mesmo patamar se contradizem, realizando um esforço inútil na tentativa de refutar uma das visões possíveis (KELSEN, 1998, p. 391-392). Ao colocar-se desta forma, o autor assume uma posição de neutralidade científica diante das variáveis a serem empregadas no desvelamento compreensivo da norma.. 4.. O MÉTODO VOLUNTARISTA DA TEORIA PURA DO DIREITO Pode-se elencar o método voluntarista como uma significativa contribuição à hermenêutica legada pela corrente de juristas ligados à Teoria Pura do Direito. Durante um largo período, a Escola de Viena permaneceu à margem da discussão metodológica da interpretação. Longos anos após a primeira contribuição da Escola com Merkl (1916), o artigo de Kelsen apareceu em 1934 na Internationale Zeitschrift für Theorie des Rechts no n. 8 (com o título Zur Theorie der Interpretation) e, no mesmo ano, foi reproduzido na primeira edição da Teoria Pura do Direito e ampliado na segunda edição publicada em Viena (BONAVIDES, 2006, p. 447), já num imperativismo-voluntarista (LLANO ALONSO, 2006, p. 418). A contribuição do autor trouxe relevantes questões para o problema da interpretação, devido ao entendimento de a interpretação ser, em sua base, um ato de decisão e não uma ação de cognição pois, ao interpretar a norma, o intér-. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 7-20.

(11) Guilherme Camargo Massaú. prete, entre seus possíveis significados, deve eleger um. Por conseqüência, a interpretação acaba sendo guiada mais pelo ato de vontade do que por um ato de intelecção, inteligência (BONAVIDES, 2006, p. 448), jungido por princípios, bom senso, critérios político-jurídicos, logo, meta-positivos […] (BARROSO, 2006, p. 309-310). Nesta visão, Kelsen reconhece que o juiz não é um mero aplicador da lei, um ser autômato, na medida que ele realiza a tarefa de escolha de uma dentre as diversas interpretações possíveis (PERELMAN, 1998, p. 93). O autor, também, foge da compreensão do pensamento do século XVIII, em que a lei era considerada a expressão da vontade do povo e o juiz era a razão lógica e puramente dedutiva (PERELMAN, 1998, p. 93). Mas isso é possível devido à concepção do interpretar como um procedimento espiritual seguidor da produção do direito, desde o grau superior (condicionante) até o inferior (condicionado), determinado pela idéia da escala normativa. Portanto, em caso ordinário, a solução que se apresenta encontra-se em abstrair da lei (no seu sentido geral e abstrato) a correspondente norma individual a ser aplicada ao caso concreto através de uma decisão judicial; assim se estende às outras possibilidades como um ato administrativo, numa interpretação constitucional, no negócio jurídico, ou seja, em conformidade com a “norma antecedente à norma subseqüente” (BONAVIDES, 2006, p. 448). Essa relação se refere à subordinação ou à vinculação hierárquica a ser respeitada pela norma inferior diante da norma superior que determinará diretrizes basilares a serem seguidas e respeitadas pela inferior. Desta feita, a figura da moldura (no esquema unitário) da norma se encaixa nessa perspectiva da interpretação como um ato de vontade, de eleger uma das hipóteses possíveis de serem aplicadas ao caso concreto, já que, ao interpretar uma norma, surgem vários sentidos. Esta forma, não existe “o mais correto”. Advém, dessa abertura de várias variáveis de hipóteses de aplicação, a emergência da necessidade da interpretação, cabendo ao intérprete, em seu ato produtor normativo, estabelecer, pela vontade, o interesse ou valor que deverá prevalecer na aplicação do caso concreto (KELSEN, 1998, p. 391). Mas isso salta da margem de discricionariedade deixada pela impossibilidade de determinação da norma superior, dos diversos caminhos que a norma inferior pode seguir. Então, através desse espaço, o intérprete-aplicador com sua decisão (ou produz) cria o Direito, ao considerar que a individualização da norma é parte da hierarquia do ordenamento jurídico. Daí que a função da sentença não é meramente declarativa e sim, constitutiva, devido à forma como foi constituída a individualização da norma. Assumir uma das possibilidades revela o emprego da vontade que, de certa forma, institui uma norma particularizada sem, no entanto, esquecer que essa particularização é fruto de inúmeras compreensões. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 7-20. 17.

(12) 18. A interpretação voluntarista na teoria pura do Direito: esboço. advindas, coerentemente, do topo até a base do sistema e que a vontade foi aplicada justamente em consonância com o todo sistemático (LARENZ, 1997, p. 105-106), além de ter influências meta-jurídicas. O problema que se impõe é estabelecer qual das possibilidades decisórias é a mais correta para aplicar ao fato. Para Kelsen, esse problema não circunscreve a teoria do Direito, ultrapassa as suas fronteiras e atinge a política jurídica, por isso, o juiz, embora vinculado à lei imposta pelo legislador, é um criador (KELSEN, 1998, p. 393) - relativamente livre em suas decisões - do Direito com a norma individualizada. Assim Kelsen assume a interpretação como uma união entre o entendimento e a vontade, combatendo o intelectualismo das escolas tradicionais, fazendo as faculdades intelectivas e racionais do subjetivismo do intérprete e, com isso, afasta a concepção da simples aplicação mecânica (silogística) da lei pelo juiz. Logo em sua função, cabe realizar um ato de vontade na aplicação da lei. É primacial destacar que a individualização da norma se restringe às noções fornecidas pela norma geral, em respeito ao escalonamento hierárquico, mas a determinação interpretativa ocorre além fronteiras da teoria do Direito (KELSEN, 1998, p. 388 e BONAVIDES, 2006, p. 450-452). Como último aspecto da temática da interpretação - circunscrito mais ao lado da teoria do Direito propalada pelo autor - cabe ressaltar o significado a interpretação científica, justamente por se tratar de uma teoria voltada plenamente aos moldes conceituais de ciência, tendente a refutar a utilização, por qualquer ideologia, da cientificidade. Essa interpretação se distingue da realizada pelos órgãos judiciais - autêntica (como acima tratada); a científica (interpretação não-autêntica) se restringe à pura e simples determinação cognoscitiva, portanto, distingue-se da interpretação efetuada pelos órgãos judiciais, que é a única capaz de preencher as lacunas do ordenamento jurídico11. A interpretação científica só pode estabelecer possíveis significados de uma norma, denotando que seu objetivo é se concentrar no objeto ou norma em análise, não podendo tomar decisões entre as possibilidades verificadas; essa decisão encontra-se circunscrita aos órgãos aplicadores do Direito. Ainda essa interpretação não pretende estabelecer um único sentido “correto”, pois essa ficção é utilizada pela jurisprudência tradicional para estabelecer um sentimento de segurança e certeza jurídica. Por fim, a interpretação científica pode desvelar, até mesmo ao legislador que está longe das exigências técnico-jurídicas de perfeição ou não-equivocidade das formulações textuais. 11. “[…] e esta função não é realizada pela vida da interpretação do Direito vigente.” (KELSEN, 1998, p. 395).. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 7-20.

(13) Guilherme Camargo Massaú. do direito, as inevitáveis plurissignificações contidas nas palavras da lei (KELSEN, 1998, p. 395-397).. 5.. CONCLUSÃO O esquema interpretativo da Teoria Pura do Direito assume uma posição ímpar em suas perspectivas teórico-práticas; revela uma posição de neutralidade da teoria ao transferir os aspectos ideológicos para a senda da política jurídica (voltada ao aspecto decisionista) e as significações retiradas da norma pairam sobre a ciência do Direito. A partir desse momento, então a decisão nasce do conhecimento dos inúmeros sentidos postos à face do decisor, ele terá a incumbência de escolher voluntariamente dentre as hipóteses a que ele entende por mais adequada para aplicação ao caso concreto; claro que não se nega a influência de elementos meta-jurídicos na decisão do juiz. Ao realizar essa atividade, também, o decisor (p.ex. o juiz) estará a instituir Direito que será expresso na norma individual, já na base da pirâmide hierárquica. As interpretações que buscam a vontade do legislador ou a vontade da lei, embora sejam as mais seguidas pelos intérpretes modernos em sua base de raciocínio, consideram exclusivamente que as palavras da lei contêm uma única certeza - ou univocidade - da vontade do legislador (subjetivismo) ou da vontade da lei (objetivismo). A teoria voluntarista vai mais além dessas duas perspectivas, alcança a discricionariedade do julgador que ponderará o todo à luz dos princípios, fins públicos, programas sociais, criatividade, senso de justiça e o bom senso inerente ao comungante do mundocom-os-outros. O decisor não se compõe em plena passividade em admitir somente um único sentido da norma. Pelo contrário, Kelsen, ao admitir a pluralidade de sentidos interpretativos e de igual relevância, ultrapassa os limites modernos e assevera a atividade do juiz com independência dos limites restritos da lei, ou seja, de fato ocasiona uma ruptura de concepções interpretativas, então vigentes à sua época. O leque decisório aberto, embora limitado pelas fronteiras da moldura das normas superiores, por esse tipo de interpretação-aplicação se enquadra, com um grau maior de eficiência, na perspectiva além-do-(estrito)-positivismo, alguns a chamam de pós-positivismo, ainda com uma designação genérica (BARROSO, 2006, p. 325-339). No entanto, ao falar em pós-positivismo (ou concepção que ultrapassa e inova o positivismo, está-se ultrapassando os rigores de um pensamento que não permite variações de incerteza), de certa forma, está-se a afastar a concepção teórica de Kelsen dessa nova época a teoria kelseniana ficou na época positivista, porém quer-se, sem avançar. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 7-20. 19.

(14) 20. A interpretação voluntarista na teoria pura do Direito: esboço. numa discussão, salientar a ruptura ocasionada pela percepção da teoria da interpretação voluntarista de Kelsen. Além de quebrar a crença na univocidade de sentido interpretativo, tida pelos clássicos da interpretação, também inclui o decisor (o juiz, num caso específico) como criador do Direito, dotado de certa autonomia para decidir entre as possibilidades apresentadas pelas possíveis respostas ao caso concreto, fato que, no positivismo, era inadmissível. Dessarte, em contraposição aos modernos, o juiz deixa de ser a boca que pronuncia a lei (MONTESQUIEU, 1995) e passa a ser um dos compositores da lei, muda de sujeito passivo à atividade de um ser pensante que carrega consigo uma sabedoria prático-teórica daquilo considerado o fenômeno jurídico. Gizou-se, de forma geral, a concepção kelseniana da interpretação, com a finalidade de deixar a notícia desse processo interpretativo voluntarista impressa na Teoria Pura do Direito.. REFERÊNCIAS BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros. 2006. 808 p. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 2006. 427 p. HEIDEGGER, Martin. Über den humanismus. Frankfurt am Main: Vittorio Klostermann. 1946. 47 p. HERKENHOFF, João Baptista. Como aplicar o direito. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1997. 179 p. KANT, Immanuel. Metaphysik der Sitten. 3. Auflage. Leipzig: Felix Meiner. 1945. 378 p. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes. 1998. 427 p. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian. 1997. 727 p. LLANO ALONSO, Fernando H. Las glosas de José Ortega y Gasset a Hans Kelsen. In: Rivista Internazionale di Filosofia del Diritto. Milano. 2006. Ano. LXXXIII, serie V, n. 3, p. 407-434, luglio/settembre. MONTESQUIEU. O espírito das leis. Trad. Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues. 2. ed. Brasília: UnB. 1995. 512 p. NEVES, António Castanheira. Digesta. Escritos acerca do Direito, do Pensamento Jurídico, da sua Metodologia e Outros. v. 2. Coimbra: Coimbra Editora. 1995. 469 p. PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica. Trad. Vergínia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes. 1998. 259 p. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Sistema de ciência positiva do direito. Tomo II. Campinas: Bookseller. 2000. 347 p. SCHRAGE, E. J. H. Utrumque Ius. Über das römisch-kanonische ius commune als Grundlage europäischer Rechtseinheit in Vergangenheit und Zukunft. In: Revue Internationale des Droits de L’Antiquité. Bruxelles. 3.e série, Tome XXXIX. 1992. p. 383-412. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros. 1999. 871 p.. Revista de Direito • Vol. XI, Nº. 13, Ano 2008 • p. 7-20.

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