OBSERVANDO O MAST
A precisão dos cronômetros
Considerado um dos maiores desafios científicos no período das grandes expedições oceânicas, o problema da Longitude vinha afetando significativamente o curso da humanidade. Motivados pela busca de outras rotas marítimas e pela possibilidade de encontrar novas terras, os europeus seguiam mar adentro ignorando o perigo iminente.
Foto/crédito: Renata Bohrer/MAST
“...Viver não é preciso.”. Segundo o historiador romano
Plutarco, esta frase foi dita pelo general romano Pompeu (106- 48 aC.) e serviu para convencer a sua tripulação amedrontada pela guerra a seguir viagem. Muito anos depois, na Era das Grandes Navegações, a mesma frase parece emergir no subconsciente dos novos exploradores ávidos pelo sucesso em alto mar. “Navegar pelos mares durante a noite, mesmo distante da costa, era relativamente seguro, pois eram conhecidos alguns pontos fixos que permitiam a orientação em pleno oceano – esses balizadores eram as estrelas.”- (Catálogo da exposição “Olhar o Céu, Medir a Terra”, do MAST).
No entanto, mesmo os mais habilidosos munidos de um vasto acervo instrumental da época, a navegação oceânica ainda não era precisa. Por conta disso, não demorou muito para que a façanha ganhasse ares dramáticos. Longe da costa, as viagens ficaram ainda mais perigosas. “Durante as viagens, quando as condições eram favoráveis, tomava-se cotidianamente a altura do Sol ao meio dia – momento em que esta estrela passa pelo meridiano do lugar para se determinar a Latitude. O mesmo era feito à noite, a partir da observação das estrelas mais brilhantes que compunham as constelações conhecidas” - (Catálogo da exposição “Olhar o Céu, Medir a Terra”, do MAST).
Qualquer cálculo para tentar descobrir a posição das embarcações, antes do século XVIII, era feito por estimativa. Geralmente, a tripulação baseava-se nas observações de estrelas mais conhecidas. No caso do hemisfério Norte, a estrela Polar e, no Sul, as estrelas do Cruzeiro.
De acordo com a publicação “Longitude: a verdadeira história de um gênio solitário que
resolveu o maior problema científico do século XVIII”, de Dava Sobel, os naufrágios aconteciam
aparentemente por motivos aleatórios como: colisão entre naus e ilhas ou costas de continentes em épocas de tempestades e nevoeiros. Logo ficou claro que esses acidentes tinham relação direta com a Longitude, que era fundamental não só para as viagens em alto mar, como também para o avanço dos estudos de cartografia. Mas afinal qual era o problema da Longitude?
“A grande questão da Longitude está no fato dela ser totalmente arbitrária. Diferente da Latitude, que pode ser determinada a partir da observação dos astros, a Longitude não tem uma referência no céu que ajude no conhecimento da posição do navio.” – conta Eugenio Reis, coordenador de Educação em Ciências do MAST.
Esses acidentes logo despertaram a atenção das autoridades que prometeram prêmios vultosos para aquele que conseguisse solucionar a questão da Longitude. É o caso do parlamento inglês que, em 1714, prometeu um prêmio de £20.000 (vinte mil libras) em troca da solução para o problema do cálculo da Longitude. Para tanto foi criado um comitê composto por astrônomos e matemáticos que tinha como tarefa avaliar as propostas apresentadas.
Teoricamente, o problema da Longitude poderia ser resolvido precisamente com o tempo. Em termos práticos, era necessário o conhecimento da hora exata do ponto em que se localizava a embarcação, assim como da hora de um ponto de referência com a longitude conhecida. A diferença horária entre estas duas localidades gerava a diferença em graus no valor da longitude entre elas e, por fim, o valor da longitude no ponto onde se encontra a embarcação.
Foto: Barquinha, expo “Olhar o Céu, Medir a Terra/ Crédito: Renata Bohrer/MAST.
Através da posição do Sol é possível saber a hora local. No entanto, a referência de tempo dependia de instrumentos precisos. E, na ocasião, o instrumento disponível para marcar o tempo em alto mar era a ampulheta que, combinada com a barquinha – objeto formado por um pedaço de madeira (batel) e uma corda com vários nós distribuídos em intervalos regulares convertidos em distância –, ajudava nos cálculos da velocidade do navio.
Mas afinal como saber a hora local do ponto de referência? Para os membros do comitê da Longitude, a resposta estava nos astros. Contrariando o desejo da alta cúpula científica, a questão que vinha ocupando as mentes mais brilhantes de toda a Europa viria a ser resolvida por um relojoeiro inglês. Em 1735, John Harrison apresenta o aparelho necessário para assegurar a precisão das viagens oceânicas. Curiosamente, o primeiro cronômetro da história não era conhecido como tal. O termo “cronômetro” surgiu somente em 1761, com o francês Pierre Le Roy.
É importante salientar a diferença entre cronômetros - “instrumento capaz de registrar
com precisão intervalos de tempo (...)” e
cronógrafos - “instrumento que permite registrar
com precisão o instante de um fenômeno determinado, por intermédio de um sinal elétrico. Um cronógrafo está sempre associado a um relógio que fornece a escala de tempo na qual se faz a medida(...).” - (MOURÃO, R.,
1897, p. 210) Foto: Cronógrafo, exposto na Sala (12) da Reserva Técnica/ Crédito: Renata Bohrer/MAST
O cronômetro marítimo, H-1, pesava 35 Kg e chamava a atenção pelo o seu sistema composto por dois saldos de balanço interligados que garantia a precisão mesmo com o navio em movimento. Além disso, o equipamento não era afetado por alterações na temperatura e ainda apresentava dispositivos anti-fricções extensas que trabalhava sem qualquer lubrificação.
Nos anos seguintes, Harrison trabalhou em outros modelos. O H-2 apresentava naturalmente algumas inovações. E isso não era tudo. O objeto conseguia ser ainda mais pesado que o primeiro. O H-2 atingia incríveis 40 Kg. Em 1759, surge o H-3 com apenas 8 Kg. No entanto, foi somente em 1761 que Harrison resolve efetivamente a questão da Longitude em alto mar. Com o H-4, o relojoeiro recebeu uma parte da premiação concedida pelo parlamento inglês. Além de ser altamente preciso, o objeto despertava a atenção pelas suas dimensões reduzidas. Diferente dos outros modelos, o H-4 lembra bastante um relógio de bolso de 1,5 kg.
Foto: H4/ Créd.: Reprodução de Internet
Observando o MAST, você encontra vários modelos de bolso. São cronômetros para uso em alto mar ou em terra firme. Na base de dados do nosso acervo museológico é possível verificar uma lista dos cronômetros registrados. Ao todo, são 15 cronômetros de algibeira, 12 cronômetros de marinha e 1 cronômetro elétrico distribuidor. Abaixo, veja alguns modelos em destaque.
Foto/crédito: Renata Bohrer/MAST.
Cronômetro de algibeira. Do fabricante Ulysse Nardin, este instrumento integra, atualmente, o cenário expositivo da permanente “Olhar o Céu, Medir a Terra, do MAST.
Cronômetro de Marinha. Do fabricante James Poole & Co, o aparelho também pode ser visto na permanente “Olhar o Céu, Medir a Terra, do MAST.
Foto/crédito: Renata Bohrer/MAST.
Cronômetro de Marinha. Do fabricante T.S. & J.D. Negus, o aparelho está exposto na Sala (12) da Reserva Técnica do Museu de Astronomia e Ciências Afins.
Foto/crédito: Renata Bohrer/MAST.
Cronômetro de Marinha. Do fabricante Ulysse Nardin, o aparelho está exposto na vitrine da Sala (12) da Reserva Técnica do Museu de Astronomia e Ciências Afins.
Cronômetros de algibeira. Estes instrumentos são do mesmo fabricante, Ulysse Nardin, atualmente, podem ser vistos na vitrine da Sala (12) da Reserva Técnica do MAST.
Foto/crédito: Renata Bohrer/MAST.
Foto/crédito: Renata Bohrer/MAST.
Cronômetro elétrico distribuidor. Do fabricante Societé Genevoise, este aparelho pode ser visto na Sala (12) da Reserva Técnica do Museu de Astronomia e Ciências Afins.
Cronômetro de Marinha. Do fabricante F.L. Lobner, o aparelho está, atualmente, na permanente “Olhar o Céu, Medir a Terra, do MAST.
Referência:
SOBEL, Dava. Longitude: a verdadeira história do gênio solitário que resolveu o maior problema científico do século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras. 2008.
RANDALL, Anthony G. The Times Museum Catalogue of Chrnometers. Published by The Time Museum Rockford, Illinois, 1992.
MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, Editora Nova Fronteira, 1ª edição, 1997.
MORIZE, Henrique. Observatório Astronômico: um século de história (1827-1927). Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências Afins: Salamandra, 1987.
GRANATO, Marcus. Imagens da Ciência: O Acervo do Museu de Astronomia e Ciências Afins, 2010.
Link de sites pesquisados:
http://www.mast.br/hotsite_museologia/pesquisa_na_base.html https://www.mar.mil.br/dhn/bhmn/download/Cap16.pdf http://cvc.instituto-camoes.pt/ciencia/e20d.htm http://pcdsh01.on.br/histrelog1.htm http://www.consciencia.org/roma-antiga-pompeu-vidas-paralelas-plutarco http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/BolGeogr/article/viewFile/17861/9602 Outras fontes:
Núcleo de Documentação e Conservação do Acervo Museológico – NUDCOM, da Coordenação de Museologia do MAST
Catálogo da exposição permanente “Olhar o Céu, Medir a Terra”.
Texto e pesquisa: Renata Bohrer