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MELHORES EMPREGOS? UMA ANÁLISE DO TRABALHO INTERMITENTE SOB A PERSPECTIVA DA AGENDA NACIONAL DE TRABALHO DECENTE

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MELHORES EMPREGOS? UMA ANÁLISE DO TRABALHO

INTERMITENTE SOB A PERSPECTIVA DA AGENDA

NACIONAL DE TRABALHO DECENTE

Catharina Lopes Scodro

Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Pesquisadora pelo Programa Institucional de Iniciação Científica (FAPEMIG UFU 2017-2018/UFU 2018-2019).

Juliane Caravieri Martins

Professora Adjunta de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na Universidade Federal de Uberlândia. Doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2015). Doutora em Ciências no Programa de Integração da América Latina (PROLAM) pela Universidade de São Paulo (2014). Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2009).

RESUMO

A Agenda Nacional de Trabalho Decente, instituída pela OIT, prevê como prioridade para a efetivação do trabalho decente a geração de “mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e de tratamento”. No Brasil, com a aprovação da Reforma Trabalhista, esta prioridade restou prejudicada, vez que a previsão de modalidades flexibilizadas de trabalho e de qualidade duvidável, como o trabalho intermitente, consagra tão somente os interesses do empresariado. Assim, esta pesquisa se propõe a analisar a Reforma, a figura contratual do trabalho decente e os preceitos da Agenda, sobretudo em relação à incompatibilidade na promoção do desenvolvimento social, ao obstar a criação de melhores empregos.

PALAVRAS-CHAVE

Reforma Trabalhista. Organização Internacional do Trabalho. Trabalho decente. Trabalho intermitente.

ABSTRACT

The National Decent Work Agenda, instituted by ILO, previsse as an priority to effectiveness the decent work the generate of “more and better jobs, wih equalite of oportunities and treatment”. In Brazil, with the approval of Labour Reform, this priority was impaired, since it provides flexibilized contracts with doubtful quality, as the intermittent work, that consagrate the interests of the economical sectors. This study pretends to analyse the Reform, the contractual figure of the intermittent work and the precepts of the Agenda, especially about the incompatibility to the promotion on the social development and the obstruct to the creation of better jobs.

KEYWORDS

Labor Reform. International Labor Organization. Decent work. Intermittent work.

SEÇÕES DO ARTIGO 1. Introdução 2. A Proteção Jurídica do Trabalho e a Organização Internacional do Trabalho 3. A Agenda Nacional de Trabalho Decente (2006) e a Geração de Empregos 4. A Reforma Trabalhista no Brasil, a Flexibilização de Contratos e o Trabalho Intermitente 5. Análise Crítica Acerca

da Agenda Nacional de Trabalho Decente e do Trabalho Intermitente 6. Conclusão

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E

m 2006, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabeleceu a Agenda Nacional de Trabalho Decente (OIT, 2006), em que previa a instituição do “trabalho decente” (OIT, 2006, p. 5) como forma de combater a pobreza e as desigualdades sociais, acentuando com vigor a busca pela realização da justiça social e da democracia.

A realização desta forma de trabalho sustenta-se na remuneração adequada e no seu exercício com garantias de liberdade, equidade e segurança. Para tanto, deve ater-se às três prioridades instituídas pela Organização, dentre as quais a geração de empregos, a erradicação das piores formas de trabalho – como o trabalho infantil e a redução a condição análoga à de escravo – e o fortalecimento do diálogo e da atuação do corpo social para a efetivação de direitos.

Em relação à geração de empregos, a Agenda institui o fomento a “mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e de tratamento” (OIT, 2006, p. 10), o que, recentemente, resta prejudicado com a atual conjuntura

trabalhista. Assim, com a Reforma Trabalhista, estabelecida com a aprovação da Lei 13.467/2017 que alterou mais de 90 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a previsão de modalidades flexibilizadas de contratos de trabalho atesta a ausência de qualidade dos empregos ofertados, uma vez que, dentre outros, contempla o trabalho intermitente.

Neste sentido, esta pesquisa apresenta, como objetivo geral, o estudo contraposto da Agenda Nacional de Trabalho Decente e da Reforma Trabalhista. Dentre os objetivos específicos, propõe-se a análipropõe-se crítica da prioridade de geração de empregos, diante da realidade de elevados índices de desemprego e da possibilidade de pactuação por modalidades flexibilizadas de trabalho, como o trabalho intermitente. Deste modo, este estudo desenvolveu-se a partir da metodologia bibliográfica, documental, exploratória, dedutiva e dialética, com consulta às obras direcionadas à Sociologia do Trabalho e ao Direito do Trabalho, e teve, como marco teórico, a “Agenda Nacional de Trabalho Decente”, da OIT, e a obra “O direito do trabalho como instrumento de justiça social”, de Jorge Luiz Souto Maior.

2. A Proteção Jurídica do Trabalho e a Organização Internacional do Trabalho

Para o indivíduo, o trabalho pode ser auferido sob a perspectiva individual e coletiva, representando, respectivamente, um fator pessoal de conquista e outro social, capaz de desenvolver a cooperação entre semelhantes, a partir de lutas e ideais (NASCIMENTO; FERRARI; FILHO, 2011, p. 324). A partir desta acepção, nota-se a importância e a centralidade da atividade laboral, que deve ser regulamentada e protegida, a fim de garantir os direitos dos partícipes, vinculados por um contrato de trabalho.

Esta proteção ao trabalho provém de uma trajetória histórica de luta e conquistas, que o consolidaram e positivaram no âmbito

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do ordenamento jurídico interno – como direito fundamental e social – no do externo, cuja proteção internacional o prevê como direito humano. Internamente, esta tutela fundamenta-se na proteção instituída pela Constituição Federal (1988), pelo Direito do Trabalho e pelo Direito Penal. Já externamente, a defesa deste direito se dá por convenções, declarações e tratados internacionais e pela coexistência não excludente de sistemas de proteção no contexto global, “global especial” e regional (MARTINS, 2017, p. 57).

A Constituição Federal brasileira estabeleceu a proteção dos valores sociais do trabalho, juntamente com a dignidade da pessoa humana, como fundamento deste Estado Democrático de Direito (art. 1º). Nos artigos 6º e 7º, o trabalho foi determinado como direito social, caracterizado pela presença de um núcleo essência, qual seja um mínimo intransponível para garantir a “condição de humanidade” ao indivíduo, independentemente de critérios econômicos ou jurídicos (BATISTA, 2014, p. 203). Deste modo, o texto legal prevê a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa na relação de emprego (art. 7º, I), o salário mínimo adequado e capaz de garantir as necessidades vitais básicas para o trabalhador e sua família (art. 7º, IV), a duração máxima do trabalho (art. 7º, XIII), a previsão de repouso semanal remunerado (art. 7º, XV) e, dentre outros, o gozo de férias anuais remuneradas (art. 7º, XVII). A proteção do instrumento constitucional afirma ser o trabalho o fundamento da ordem econômica (art. 170) e a base da ordem social (art. 193), para certificar a existência digna, o bem-estar dos indivíduos e a consecução da justiça social.

Para Souto Maior (2000, p. 21), a atuação do Direito do Trabalho direciona-se a impedir a exploração excessiva do trabalho humano e a melhorar as condições de realização das atividades e de vida dos trabalhadores. Neste sentido,

reconhece o seu “status social” e, simbolicamente, eleva o trabalho à um fator de liberdade, para além de constituir um direito. Para tanto, este ramo do Direito apresenta uma matriz principiológica específica, direcionada à regulamentação das relações de trabalho e, sobretudo, as de emprego, e à promoção dos direitos, garantias e liberdades do trabalhador. Segundo Plá Rodriguez (2000, p. 19-20), constituem princípios justrabalhistas a proteção, auferida no in dubio pro operario, na regra da aplicação da norma mais favorável e da condição mais benéfica; a irrenunciabilidade dos direitos, a continuidade da relação de emprego; a primazia da realidade; a razoabilidade; a boa-fé; e, por fim, a não discriminação.

O Direito Penal encerra os recursos internos direcionados à proteção do trabalho, a partir da tutela das situações juridicamente relevantes que atentem contra a saúde, a liberdade, a dignidade do trabalhador e a organização do trabalho. Como

ultima ratio, a aplicação da Código Penal (1940) restringe-se aos

delitos de redução a condição análoga à de escravo (art. 149) e aos presentes no Título IV “dos crimes contra a organização do trabalho”, dentre os quais o atentado contra a liberdade de trabalho (art. 197), o atentado contra a liberdade de associação (art. 199), a frustração de direito assegurado por lei trabalhista (art. 203) e o aliciamento para o fim de emigração (art. 206).

No âmbito externo, a proteção internacional do trabalho fundamenta-se na coexistência e na complementariedade dos sistemas global, regional e “global especial”, que atuam para viabilizar e fortalecer a tutela conferida aos direitos humanos.

O sistema global da Organização das Nações Unidas (ONU) foi instaurado com a Carta das Nações Unidas pelos Estados signatários (1945) e seu rol de direitos humanos, com a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948. Nesta, a proteção ao trabalho está no artigo 23, que

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estabelece, em síntese, o direito à livre escolha do trabalho, à percepção de um salário, à remuneração equitativa e satisfatória e à filiação em sindicatos. Segundo Martins (2017, p. 64), com a aprovação, em 1966, do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que somente entraram em vigor em 1976, os direitos da Declaração foram “juridicializados”.

Os sistemas regionais de proteção de direitos humanos constituem-se por semelhanças culturais e referem-se à “internacionalização dos direitos humanos” (PIOVESAN, 2006, p. 50-55), a fim de fixar um parâmetro mínimo de proteção dos direitos humanos nos contextos regionais da Europa, América e África. No contexto da América, o sistema regional de proteção de direitos humanos foi instituído efetivamente com a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), usualmente conhecida com Pacto de San José da Costa Rica, em 1969. Neste instrumento, há previsão de dois órgãos – a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) – responsáveis pela atuação frente aos compromissos assumidos com a ratificação pelos Estados-membros. A CADH entrou em vigor no plano internacional em 1978, tendo sido ratificada pelo Estado brasileiro apenas em 1992, com o Decreto n. 678.

Por fim, o sistema “global especial” contempla especificamente a proteção dos direitos trabalhistas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), com normas internacionais do trabalho aplicáveis aos Estados-membros. Segundo Martins (2017, p. 94),

O sistema da OIT é compreendido como um “sistema global especial” de proteção aos direitos humanos porque trata de regras e princípios específicos que tutelam os direitos trabalhistas. O conjunto de normas estabelecido no sistema da OIT atua no aperfeiçoamento e na adequação das relações firmadas

entre trabalho e capital buscando estar em consonância com a dignidade da pessoa humana do trabalhador.

Neste sentido, a OIT foi criada em 1919 e incorporada à Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, como uma agência especializada. Sua estrutura caracteriza-se como tripartite, por ser composta por representantes das organizações sindicais, das organizações patronais e dos governos dos países membros. É perceptível, portanto, que se trata de uma instituição que fomenta o fortalecimento do diálogo social para realizar a formulação de normas internacionais.

No que tange aos seus ideias e valores, segundo o Preâmbulo de sua Constituição, a atuação da Organização guia-se pela justiça, humanidade e paz mundial. Para tanto, reconhece a relevância da justiça social para a consolidação destes objetivos, a situação de injustiça, miséria e privações presentes em determinadas condições de trabalho, que ameaçam a paz e harmonia universais e, por fim, a importância da adoção de um regime de trabalho digno pelos países para a melhoria do futuro dos trabalhadores.

Pelo momento de sua criação e de seus objetivos, a OIT recebeu fortes influências das ideias relacionadas à internacionalização da legislação social trabalhista, da primeira metade do século XX, diante das tendências que defendiam a intervenção estatal nas relações sociais, políticas e econômicas para viabilizar a concretização dos direitos sociais (ALVARENGA, 2007, p. 56). Na atualidade, a Organização empenha-se na luta pela regulamentação internacional e pelo reconhecimento dos Direitos Humanos do Trabalhador.

A OIT, portanto, visa adotar uma política social de cooperação e de desenvolvimento social entre todos os sistemas jurídicos nacionais para a melhoria das condições de

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trabalho, mediante o implemento de normas protetivas sociais universais para os trabalhadores e o reconhecimento internacional dos Direitos Humanos do Trabalhador. (ALVARENGA, 2007, p. 57)

Esta regulamentação e reconhecimento são possíveis a partir de declarações, recomendações e convenções da Organização, bem como de programas e projetos específicos para os Estados, concretizados com a criação de Agendas. Em relação às convenções, para garantir sua efetividade e cogência, o Estado-membro da OIT deve ratificá-las no âmbito interno. No Brasil, esta ratificação para entrada em vigor ocorre por meio dos decretos e, dentre as Convenções recepcionadas, ressalte-se a n. 29 sobre “Trabalho Forçado ou Obrigatório” (1930), a n. 95 sobre “Proteção do Salário”, a n. 98 sobre “Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva” e a n. 105 sobre “Abolição do Trabalho Forçado” (1957).

3. A Agenda Nacional de Trabalho Decente (2006) e a Geração de Empregos

No Brasil, em 2006, a Organização Internacional do Trabalho, conjuntamente com o Governo federal, instituiu a Agenda Nacional de Trabalho Decente como um programa direcionado ao fomento do trabalho decente e ao combate da pobreza e das desigualdades sociais. Para tanto, o documento estabelece os antecedentes, as prioridades e os mecanismos de implementação da Agenda.

Segundo a OIT (2006, p. 5), o trabalho decente deve ser provido de remuneração adequada, exercido com liberdade, equidade e segurança e com aptidão para garantir dignidade ao trabalhador. Este trabalho apresenta-se como uma condição fundamental para superar a pobreza, promover a diminuição das desigualdades sociais, consolidar a governabilidade

democrática e garantir o desenvolvimento sustentável. Para tanto, a base deste conceito funda-se estrategicamente em quatro pontos, quais sejam

a) Respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação); b) Promoção do emprego de qualidade; c) Extensão da proteção social; d) Diálogo social. (OIT, 2006, p. 5)

Para a elaboração da Agenda, houve ampla consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores, a fim de criar um mecanismo hábil para a implantação do trabalho decente. No Brasil, o compromisso com a promoção deste trabalho constitui uma prioridade política desde 2003, estabelecido pelo Memorando de Entendimento entre o Governo e a Organização, assinado pelo Presidente da República em exercício, Luiz Inácio Lula da Silva, e pelo Diretor-Geral da OIT, Juan Somavia. Com este comprometimento, estabeleceu-se um “Programa Especial de Cooperação Técnica para a Promoção de uma Agenda Nacional de Trabalho Decente” (OIT, 2006, p. 08). A Agenda estruturou-se em três prioridades para promover o trabalho decente, quais sejam a geração de mais e melhores empregos, com garantia de igualdade de oportunidades e tratamento; a erradicação do trabalho escravo contemporâneo e a eliminação do trabalho infantil, sobretudo em suas piores formas; e o fortalecimento dos atores tripartites – Governo, organizações dos empregadores e dos trabalhadores – e do diálogo social como meio de governabilidade democrática.

Acerca da “Prioridade 1”, de geração de mais e melhores empregos, a Agenda esperou, como resultados (OIT, 2006,

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10), o estabelecimento de uma Política Nacional de Emprego, elaborada a partir do diálogo social entre os atores tripartites, e das metas de criação de empregos produtivos e de qualidade, para proporcionar estrategicamente o desenvolvimento social, econômico e dos setores de produção.

A atuação da Agenda (OIT, 2006, p. 10-13), para consecução destes fins, ampara-se no investimento – público e privado – para viabilizar o desenvolvimento local e empresarial para gerar empregos; nas políticas públicas que contemplem o emprego, a administração e a inspeção do trabalho; nas políticas direcionadas ao salário e à renda, para valorizar o salário-mínimo e fomentar a distribuição de renda; na promoção da igualdade de oportunidade e tratamento para combater qualquer forma de discriminação, relacionada ao gênero, etnia, idade, doença ou deficiências; no aumento progressivo da proteção social direcionada aos trabalhadores, sobretudo informais, domésticos e migrantes; e, por fim, na melhoria das condições de trabalho, a partir do implemento de uma Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador para garantir que o meio ambiente laboral seja seguro e íntegro.

Para implementar esta Agenda, deve haver um diálogo com as organizações dos empregadores, dos trabalhadores e o próprio Governo, a partir da criação de um programa nacional direcionado ao trabalho decente (OIT, 2006, p. 18). No Brasil, com o Decreto n. 4, de 2009, foi instituído um Comitê para garantir a promoção da Agenda do trabalho decente firmada entre o Governo Federal e a Organização Internacional do Trabalho.

4. A Reforma Trabalhista no Brasil, a Flexibilização de Contratos e o Trabalho Intermitente

No Brasil, a ampla proteção direcionada ao direito do trabalho sofreu, recentemente, uma ruptura repentina com a

aprovação da Lei 13.467, de 2017, que alterou mais de noventa dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (1943). Esta Lei, responsável pela Reforma Trabalhista, sustentou-se no discurso de “obsolescência e urgente reformulação” (MARTINS, 2017, p. 33) do Direito do Trabalho, para supostamente adequá-lo aos mercados de trabalho gadequá-lobalizados e à criação de mais postos de trabalho.

A aprovação desta Lei ocorreu com um trâmite excepcionalmente acelerado nas Casas Civis e sem qualquer diálogo efetivamente social e democrático entre os atores tripartites, o que atestou o caráter político da Reforma em relação ao direito das massas e à consagração de interesses específicos. Neste sentido, a partir da derrogada da matriz principiológica justrabalhista e da flexibilização generalizada dos contratos de trabalho, percebe-se que os interesses contemplados pelas alterações da Reforma coadunam com as demandas do grande capital e, portanto, dos setores empresariais.

Com a extensa flexibilização, a regulamentação jurídica positivada direcionada à relação de emprego, caracterizada pela pessoalidade, onerosidade, subordinação jurídica e não eventualidade, restou prejudicada. Assim, novas modalidades contratuais surgiram valorizando a autonomia privada frente as regras imperativas dos contratos de trabalho, responsáveis por garantir o conteúdo mínimo diante da negociação da força de trabalho e consagrar o patamar civilizatório mínimo para os trabalhadores (DELGADO; DELGADO, 2017, p. 40). Deste modo, atentou-se contra o objetivo de estabelecer a igualdade jurídica material entre o empregador e o empregado, viabilizado pela proteção conferida pelo Direito Trabalhista. Para Delgado e Delgado,

A reforma trabalhista implementada no Brasil por meio da Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, desponta por seu direcionamento claro em busca do retorno ao antigo

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papel do Direito na História como instrumento de exclusão, segregação e sedimentação da desigualdade entre as pessoas humanas e grupos sociais.

Profundamente dissociada das ideias matrizes da Constituição de 1988, como a concepção de Estado Democrático de Direito, a principiologia humanística e social constitucional, o conceito constitucional de direitos fundamentais da pessoa humana no campo justrabalhista e da compreensão constitucional do Direito como instrumento de civilização, a Lei n. 13.467/2017 tenta instituir múltiplos mecanismos em direção gravemente contrária e regressiva. (2017, p. 39-40)

À visto disso, dentre as modalidades flexibilizadas de contrato instituídas pela Reforma Trabalhista, há o contrato de trabalho intermitente, previsto no art. 443 e regulamentado no art. 452-A, ambos da CLT. Esta forma de contratação da força de trabalho regulamentou o “bico oficial” (DA SILVA, 2017, p. 69), caracterizado pela alternância de períodos de trabalho e de inatividade a partir da redução dos custos empresariais e da ampliação das faculdades jurídico patronais para gerir a força de trabalho (PINHEIRO, 2018, p. 128).

Nesta modalidade, o empregador poderá convocar irrestritamente o empregado em até três dias corridos antes da prestação do serviço e este deverá responder ao aviso de comparecimento em até 24 horas. Diante disso, a subordinação jurídica somente estará presente com a aceitação pelo empregado. Ressalte-se que, embora o contrato de trabalho intermitente seja de trato sucessivo, o empregador não é obrigado a convocar o empregado com frequência, restando esta escolha ao seu livre arbítrio.

Acerca dos períodos de inatividade, conquanto o § 5o do art. 452-A, estabeleça que “o período de inatividade não será considerado

tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes”, na realidade, o trabalhador se encontra constantemente à disposição do empregador, guardadas as semelhanças com o regime de sobreaviso, em razão da natureza da intermitência e do pouco tempo entre a convocação e a resposta. Assim, o dispositivo legal incide na percepção diminuta de quantias pelos serviços prestados, atrelando-a tão somente ao serviço efetivamente prestado, de forma que, diante da inatividade, o contrato é considerado suspenso, sem qualquer ônus recíproco e recolhimentos relacionados à Previdência Social e à conta vinculada do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (SOUSA FRANCO, 2018, p. 122).

Por fim, por ser uma forma de trabalho em que não há compromisso em prover renda (PINHEIRO, 2018, p. 128), a precarização da atividade restou potencializada, já que o empregado, para garantir sua subsistência, deverá vincular-se a diversos empregadores. Diante de uma “constante disposição”, o trabalhador será impedido de organizar sua vida e terá sua dignidade mitigada.

5. Análise Crítica Acerca da Agenda Nacional de Trabalho Decente e do Trabalho Intermitente

Desde a instituição da Agenda Nacional de Trabalho Decente (OIT, 2006), a geração de empregos foi elevada ao patamar de prioridade nacional, a partir do fortalecimento do discurso de criação intensa de postos de emprego como um mecanismo para alcançar a pleno desenvolvimento social e econômico.

No entanto, para além do plano ideal, este discurso fundamentou-se, sobretudo, na abundante precarização dos postos já existentes e dos direitos conquistados pela classe trabalhadora, afastando-se das condições dignas de pactuação da força de trabalho. Para Souto Maior (2000, p. 261),

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No caso concreto do direito do trabalho brasileiro, está-se alterando o está-seu direito pressuposto. Está-está-se deixando a preocupação com a eliminação das injustiças, com vistas à melhoria das condições de vida dos trabalhadores, para considerar, tão-somente, o fenômeno do desemprego, o que, em última análise, justifica que as injustiças sejam consagradas pelo próprio direito. Preocupa-se, sob a perspectiva desse novo paradigma, apenas com o oferecimento de condições para que as empresas ofereçam trabalho, qualquer trabalho, a qualquer custo. O direito do trabalho, desse modo, tende a ser meramente direito a trabalhar, inserido na conjuntura do direito civil.

Com a Reforma Trabalhista, o oferecimento de “qualquer trabalho”, ainda que essencialmente desvantajoso ao trabalhador, passou a ser regulamentado, consagrando os interesses do empresariado. Nota-se, portanto, na previsão da modalidade do trabalho intermitente, em que o trabalhador é subordinado sem, entretanto, prestar o serviço de forma contínua, alternando períodos de exercício e de inatividade, nos termos do art. 443, § 3o, e do art. 452-A, da CLT.

É necessário, neste sentido, tecer críticas à atual política de geração de empregos, lastreadas em contratos de trabalho flexibilizados, que descaracterizam as relações de emprego. Afinal, a regulamentação de um contrato de trato sucessivo cuja subordinação está atrelada à convocação e à aceitação não garante a geração de mais e melhores empregos, já que esta pactuação do trabalho não garante a convocação e, por conseguinte, não estabelece, dentre outros direitos, a certeza da percepção da remuneração justa, adequada e periódica.

Ao atestar, tão-somente, a existência da atividade laboral, mesmo com a ausência de condições dignas de exercício, fomenta-se a ardilosa sensação de menores índices de desemprego, sob uma perspectiva essencialmente quantitativa. Assim, ao prever um

vínculo de trabalho cuja alternância com períodos de inatividade afaste os direitos do trabalhador, resta demonstrado que o aspecto qualitativo não foi relevante no ato de sua positivação.

Neste sentido, os resultados esperados com a instituição da Agenda, relacionados à criação da política de empregos sustentada no diálogo social dos atores tripartites, restou ausente com a aprovação abrupta da Reforma, sustentada em discussões restritas que privilegiaram determinados interesses econômicos frente à história de luta e conquista de direitos trabalhistas. Assim, a positivação do contrato de trabalho intermitente com a Lei 13.467/2017 confirmou banalização dos direitos do trabalhador, da matriz principiológica que sustenta o Direito justrabalhista e dos compromissos assumidos em sede internacional pelo Estado brasileiro, já que obsta a criação de mais e melhores empregos, possibilitando a pactuação por um contrato flexibilizado cujos direitos foram restringidos e mitigados.

6. Conclusão

Com fulcro no discurso de elevados índices de desemprego, necessidade de reformulação do Direito do Trabalho e de adequação aos ditames da economia globalizada, a Reforma foi aprovada e confirmou o distanciamento da prioridade de “geração de mais e melhores empregos”, estabelecida pela Agenda Nacional de Trabalho Decente.

Neste sentido, ao prever modalidades flexibilizadas de contratação, a Lei 13.467/2017 enalteceu os interesses dos setores empresários, promovendo um desenvolvimento econômico que dista do social, vez que cria uma ilusória sensação de consagração do pleno emprego à população.

Prezou-se, tão somente pelo aspecto quantitativo relacionado à quantidade de empregos, empregos gerados, para fomentar a

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ardilosa sensação de desenvolvimento dos postos de trabalho, com repercussão nas searas sociais, econômicas e políticas. Na realidade, a forma irrestrita de previsão da pactuação do trabalho intermitente comprova o distanciamento com a preocupação, sobretudo do atual Governo federal e dos setores empresariais, com a qualidade dos empregos ofertados à população, que devem ser melhor conceituados como “subempregos”.

Diante desta conjuntura, resta comprovada a banalização do trabalhador e da pactuação de sua força de trabalho, que, com fulcro na necessidade de sustento, sujeita-se às

modalidades flexibilizadas de contratação. Ilusoriamente, o trabalho intermitente conforta os trabalhadores da existência de uma relação de trabalho, sem, no entanto, promover qualquer garantia da prestação de serviços e, portanto, do que será auferido, acentuando as desigualdades sociais e econômicas.

Assim, no atual cenário brasileiro, o direito dos trabalhadores restou violado, o que repercute na promoção da justiça social e, consequentemente, no desenvolvimento social e na redução das desigualdades. A efetivação do trabalho decente, desta sorte, mostra-se uma realidade distante.

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Referências

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