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A EDUCAÇÃO PRÁTICA NA PERSPECTIVA KANTIANA: HABILIDADE, PRIDÊNCIA E MORALIDADE

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Academic year: 2021

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ISSN 2176-1396

HABILIDADE, PRIDÊNCIA E MORALIDADE

Iracema Dimaria Evangelista Batista1 - UFPR

Eixo – Filosofia e Educação Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O presente artigo aborda a obra Sobre a Pedagogia (1923) de Immanuel Kant e o contexto social em que o filósofo – um dos pensadores mais importantes dos tempos modernos – viveu. Procura-se ao longo da pesquisa compreender como Kant pensava a educação do homem e como deveria ser a intervenção pedagógica para que essa pudesse ocorrer de maneira a contribuir não apenas às questões cognitivas, mas principalmente com sua Formação Prática cujo autor, basear-se na cultura escolástica (habilidade); na formação pragmática (prudência) e no cultivo da moral (moralidade). Salienta-se que quando essas qualidades são reunidas constitui-se a Educação Prática, que visa o agir social e a consolidação do caráter para viver bem socialmente, a Educação Prática, portanto vai ao encontro da Educação Moral num contexto mais amplo. Finalmente indaga-se: Como a Pedagogia kantiana pode contribuir com a educação do indivíduo, sobretudo em relação à Educação Prática em Kant, bem como às práticas educativas no cotidiano escolar nos dias de hoje? Chegando à seguinte conclusão: se por um lado for ofertado à alunos e alunas tudo que está presente no currículo, podemos formar educandos autônomos, competentes na língua nos cálculos, conhecedores de história e geografia, futuros médicos, advogados e cientistas, e por outro lado for negligenciada a educação prática colocar-se-á em risco a educação para a cidadania, o que implicará no comprometimento de relações humanas saudáveis e refletirá na dinâmica coletiva. Ter consciência dessa realidade requer responsabilidade por parte não só da família, célula social primeira da vida de cada indivíduo, mas também por parte do Estado na figura da escola e de políticas públicas voltadas para essa questão. Negligenciar a efetiva abordagem da Educação Prática é contribuir para o fenômeno do fracasso não apenas escolar, mas, sobretudo social de alunos e alunas.

Palavras-chave: Pedagogia Kantiana. Educação. Educação Prática. Filosofia.

Introdução

1 Doutoranda em Educação: Linha de pesquisa: Cognição, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano –

Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Federal do Paraná/UFPR. Mestre em Psicologia – Universidade Tuiuti do Paraná – UTP. Professora de Filosofia no Colégio Passionista Nossa Senhora Menina (PNSM). E-mail: iracemadimaria@yahoo.com.br

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Este estudo tem como objeto de apreciar a obra Sobre a Pedagogia (2006) de Immanuel Kant, na qual observar-se uma preocupação do filósofo com a educação para o futuro, ou seja, sua preocupação não se prende a seu tempo, se prende ao homem enquanto ser capaz de receber educação, disciplina e instrução, e de a cada nova geração aperfeiçoar seus conhecimentos e transmiti-los. Esse homem é produto do meio em que vive, e ao longo do seu desenvolvimento e crescimento, passa por um longo processo de educação, que só acaba quando o mesmo morre.

Diante da proposta aqui apresentada faz-se necessário compreender o Iluminismo enquanto contexto histórico em que Immanuel Kant viveu, no qual a razão foi valorizada como um grande poder de mudança social, bem como as mudanças por ele provocadas na ação pedagógica para a formação do homem, faz-se necessário compreender também a participação de Kant no processo das mudanças pedagógicas e sua arte de educar de modo efetivo, na qual a educação do sujeito enquanto ser social ativo tem no mesmo o responsável pelo seu agir.

Sendo assim a pesquisa aqui proposta tem como pano de fundo a investigação bibliográfica e busca sinalizar e compreender aspectos basilares da educação prática na perspectiva kantiana. Dessa forma a relevância da presente pesquisa vai ao encontro da necessidade de compreender como Kant pensava a educação do homem, bem como de verificar o posicionamento do referido filósofo sobre como deveria ser a intervenção pedagógica numa perspectiva da formação prática.

Para iniciar a tarefa na busca de compreender a educação prática na perspectiva kantiana, faz-se necessário que se abranja o contexto histórico em que o filósofo se encontrava, período este denominado de acordo com Grissault (2012, p.135) “O século da razão crítica”.

Razão como poder de mudança individual

De acordo com Santos (2013), o Esclarecimento, movimento cultural de intelectuais do século XVIII na Europa, abrangia além do pensamento filosófico, as artes, a literatura, as ciências, a teoria política e a doutrina jurídica. Ainda nesse sentido:

Na concepção dos iluministas, somente por meio da razão científica o homem poderia alcançar o verdadeiro conhecimento, a convivência harmoniosa em sociedade, a liberdade individual e a felicidade. A razão era, portanto, o único guia da sabedoria capaz de esclarecer qualquer problema, possibilitando ao homem a compreensão e domínio da natureza (SANTOS, 2013, p.3).

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O Iluminismo consistia, portanto, num compartilhar de ideias e valores de diferentes e importantes pensadores e correntes, que por meio de suas teorias procuram denunciar os erros, as injustiças que assolavam a sociedade.

Como uma luz natural iluminando cada indivíduo e guiando-o rumo à maioridade, a razão permite ao homem conquistar sua maioridade. Pensar por si mesmo, fazer uso de sua razão, sair da minoridade, da tutela da autoridade religiosa e política, essa é a tarefa do homem da Luz (GRISSAULT, 2012, p.135).

O homem, por meio da razão buscava alcançar a verdade e a sociedade era reformada, ou seja, o homem reconhecendo sua capacidade de decidir por si mesmo rompe com sua submissão à religião. Os abusos da Igreja e do Estado não eram mais tolerados. A obra “Enciclopédia”, é considerada a obra mais representativa do Iluminismo. Um projeto monumental editorial e pedagógico o qual sintetizava o saber da época, com o objetivo de colocá-lo ao alcance de todos que fossem capazes de ler e buscassem se instruir.

A Enciclopédia, ou Dictionnaire raisonné dês scienees, dês arts et des métiers, consiste fundamentalmente em uma súmula das grandes descobertas científicas e técnicas da época, bem como dos grandes desenvolvimentos filosóficos e artístico que marcaram o progresso da humanidade no período moderno (MARCONDES, 2010, p. 209).

É com esse cenário de revolução intelectual que o Iluminismo promove a expansão e o acesso do conhecimento para um maior número de pessoas, promovendo o saber como um direito de todos e de posse do mesmo, o homem torna-se capaz de governar a si mesmo.

Iluminismo e a Pedagogia

Como vimos anteriormente, foi com a perspectiva de levar o homem a alcançar sua maioridade que o Iluminismo teve seu início no século XVIII, na Europa. Dessa forma a razão possibilitou a educação do homem e sua preparação para a vida, bem como contribuiu para reconhecê-lo como sujeito capaz de decidir por si mesmo sem a interferência de terceiros.

(...) todos os homens são dotados de uma luz natural, de uma racionalidade, uma capacidade natural de aprender, capaz de permitir que conheçam o real e ajam livre e adequadamente para a realização de seus fins. A tarefa da filosofia, da ciência e da educação é permitir que essa luz natural possa ser posta em prática, removendo os obstáculos que a impedem e promovendo o seu desenvolvimento. O Iluminismo possui assim um caráter pedagógico enquanto projeto de formação do indivíduo, podendo ser visto também como herdeiro do humanismo e renascimento (MARCONDES, 2010, p.207).

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Com tal movimento, a intervenção pedagógica na formação do individuo passou a significar, mais que tudo, a possibilidade de o sujeito agir livremente consciente de suas escolhas e por elas responsabilizar-se, dessa forma, desde seu nascimento o sujeito recebe um cuidado voltado a essa questão, sem deixar de viver a sua infância.

Cada homem pensando por conta própria se coloca como parte de um todo coletivo, suas ações implicam reações na vida comum. O Deus e o destino não interferem no ideal de formação desse novo homem, mas sim a razão. A educação passa a ser voltada para o homem como ele é, em busca da compreensão de seus atos, objetivando a educação integral (física e prática) para sua participação na sociedade. Em linhas gerais pode-se dizer que muitos filósofos iluministas contribuíram significativamente para a transformação da sociedade e com o desenvolvimento da educação, entre eles, de acordo com Santos (2013), temos: Montesquieu, Voltaire, Rousseau e Immanuel Kant, sendo este último àquele que aqui nos deteremos.

Kant e o Iluminismo

Ao escrever “Resposta à Pergunta: Que é Esclarecimento? ” Kant (2012) nos responde que “é à saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é o responsável. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem” (2012, p. 63). Sendo a palavra de ordem do Iluminismo “Tenha a coragem de te servires do teu próprio entendimento! ”(2012, p. 64).

Para Kant (2012), a preguiça e a covardia são as causas pelas quais os homens continuam de “boa vontade, menores” durante toda a vida entregando nas mãos de outros o controle de suas decisões. De certo modo, ainda segundo o autor, isso ocorre porque é cômodo permanecer na infância.

Se eu tenho um livro que me serve de substituto ao meu entendimento, ou um diretor, que ocupa um lugar na minha consciência, um médico, que decide por mim sobre meu regime etc., nesse caso, eu realmente não tenho necessidade de me dar esse fardo. Eu não preciso pensar, desde que eu possa pagar; outros farão por mim esse trabalho chato (GRISSAULT, 2012, p.168).

Muitos homens entregam nas mãos de representantes o poder de suas escolhas, essa prática se tornou quase natural, outros por nunca terem se servido do seu entendimento próprio se tornaram incapazes de tal ação, o que leva a perpetuação da meinoridade. Segundo Kant, (2012, p.64):

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É difícil, portanto para um homem em particular se desvencilhar da menoridade que para ele se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela, sendo por ora realmente incapaz de utilizar seu próprio entendimento, porque nunca deixaram fazer a tentativa de assim proceder.

Embora seja difícil, não é impossível ao homem alcançar a maioridade, no entanto para isso, ou seja, para que se chegue a esse Esclarecimento é preciso ser livre e assim fazer uso público da razão sempre que necessário. Embora o que se pregue em toda parte seja a restrição da liberdade.

De acordo com Kant (2012) o Iluminismo ainda não foi uma época esclarecida. No entanto, o mesmo, foi o ponto de afastamento do homem da sua menoridade culpada, principalmente no que tange a religião, porque naquilo que se refere às artes e às ciências os governantes não se empenhavam em exercer a tutela sobre os seus súditos. Fica evidenciado que, para o pensador, a religião é uma das principais tutoras do povo e por assim dizer a mais prejudicial e desonrosa de todas.

Se for feita a pergunta: ‘vivemos agora em uma época esclarecida [aufgekärten]?, a resposta será: não, vivemos em uma época de esclarecimento [Aufklärung]. Falta ainda muito para que os homens, nas condições atuais, tomados em conjunto, estejam já numa situação, ou possam ser colocados nela, na qual em matéria religiosa sejam capazes de fazer uso seguro e bom de seu próprio entendimento sem serem dirigidos por outrem (KANT, 2012, p.69).

Somado ao que já foi até aqui discutido, para alcançar o Esclarecimento é necessário que cada sujeito seja capaz de fazer uso público de sua própria razão e exponha suas ideias de forma crítica e reflexiva, inclusive direcionadas a legislação vigente. A liberdade civil é um grau maior para a liberdade do espírito do povo, entretanto estabelece limites intransponíveis. Diminuindo essa liberdade, paradoxalmente, o espaço para ela se amplia segundo sua capacidade. Isso porque a natureza atua gradualmente sobre o povo e seu modo de sentir tornando-o cada vez mais capaz de agir livremente.

Dessa forma Kant (2012) associou a liberdade ao exercício da razão em todas as circunstâncias da vida. Nesse sentido, a postura kantiana representa um acréscimo a vida moral e, consequentemente, à vida política, pois a liberdade consiste no uso público da razão, ou seja, cada um faz uso de sua própria razão e fala em seu próprio nome. Dessa forma o indivíduo Esclarecido é aquele capaz de opinar, de pensar e de agir política e socialmente de forma crítica e reflexiva alcançando assim sua maioridade. Nesse sentido quando isso ocorre esse sujeito pode se considerar livre para fazer uso da razão e inferir suas ideias se o mesmo for conhecedor do assunto abordado. Alcançando então, uma postura de responsabilidade por suas escolhas, não atribuindo a outros o mérito ou a culpa por erros ou acertos por ele

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cometidos. Essa liberdade representa por isso um acréscimo à vida moral, e consequentemente, à vida política por estar diretamente relacionada à capacidade racional do homem para alcançar uma vida mais autônoma consequentemente emancipada.

Sendo assim, no iluminismo, o sábio é aquele que, além de desempenhar uma função profissional, exerce sua liberdade de expor publicamente suas ideias, ou seja, segundo Kant, os homens sábios, são aqueles que por meio da utilização pública da razão se expressam livremente. Apoiando-se em um conhecimento prévio do assunto abordado sem que prejudiquem suas atividades privadas nas quais eles se encontram como sujeito passivo não sofrendo por isso nenhum tipo de dano. Tal maneira de uso da razão difere do uso privado, ou seja, àquele em que o indivíduo enquanto ocupante de um cargo público ou função a ele confiado pode fazer, no entanto esse uso do raciocínio é passivo de obediência.

É preciso obedecer às regras quando se faz uso privado da razão. Mas por outro lado é preciso saber interferir de forma consciente quando entendemos que algo está errado (fazendo uso público da razão). Se há uma discordância com certas leis, por exemplo, o sujeito tem o direito e o dever de publicamente se manifestar, diante de pessoas eruditas, conhecedoras do assunto e fazer o uso público da razão. Postura essa que só vem a contribui moralmente para o exercício da cidadania principalmente no que se refere às escolhas políticas, religiosas e sociais de modo geral que cada indivíduo faz ao longo de sua vida.

Sobre a Pedagogia: O homem e a educação

Os professores de filosofia da Universidade de “Konigsberg” deviam regulamente ministrar aos acadêmicos cursos de Pedagogia, revezando-se. Sendo Immanuel Kant um desses professores. As Lições de Pedagogia ministradas por tal filósofo deram origem a obra

Sobre a Pedagogia, publicada pela primeira vez por um de seus discípulos em 1923.

Kant (2006) considera a educação de modo geral e mais especificamente a Educação Prática o encontro do homem com sua humanidade. Embora seus escritos tenham sido elaborados sem verificações empíricas no meio escolar, ainda nesse aspecto sendo restritamente desenvolvida no campo teórico, a mesma no que tange a pedagogia iluminista é considerada um marco no que diz respeito à educação.

Segundo Kant (2006) o homem é a única criatura que precisa ser educada, disciplinada e instruída, ao contrário dos demais animais, ou seja, somos os únicos animais

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educáveis, capazes de sermos disciplinados e instruídos, e mesmo com essas capacidades agimos contrariamente a nossas potencialidades.

Os animais, logo que começam a sentir sua força, usam-na com regularidade, isto é, de tal maneira que não se prejudicam a si mesmo. É de fato maravilhoso ver, por exemplo, como os filhotes de andorinhas, apenas saídos do ovo e ainda cegos, sabem dispor-se de modo que seus excrementos caiam fora do ninho. Os animais portanto não precisam ser cuidados, no máximo, precisam ser alimentados, aquecidos, guiados e protegidos de algum modo. A maior parte dos animais requer nutrição, mas não requer cuidados. Por cuidados entendem-se as precauções que os pais tomam para impedir que as crianças façam uso nocivo de suas forças (KANT, 1923, p.11).

Ao longo de sua vida o homem, de acordo com Kant (2006), é considerado infante, educando e discípulo, não ocorrendo o mesmo com outros animais. Estes necessitam apenas de nutrição, dispensando maiores cuidados de seus pais. Diante disso verifica-se a importância da família, sobretudo dos pais para a educação de seus filhos.

Entretanto, percebe-se no contexto atual da sociedade um descaso em relação à educação integral. Descaso este, constatado não apenas na educação dispensada pelas famílias (berço da educação informal) de modo geral, à suas crianças, como também nas escolas e na sociedade como um todo. Sendo cada sujeito reflexo da educação que recebe, seja em casa, seja na escola, não pode ser cobrado pela sociedade se essa lhe oferece uma deseducação. Independente de sua classe social as crianças são passivas de serem engessadas ou lapidadas de acordo com os exemplos e estímulos que recebem.

De acordo com Immanuel Kant (2006), a educação protege o ser humano e os cuidados dispensados às crianças, ainda segundo o pensador, impedem que façam uso nocivo de suas forças. A disciplina conduz o homem à humanidade, afastando-o da animalidade. Em relação aos animais há uma razão exterior que os incita a serem tudo aquilo o que podem ser. Já o homem, sem instinto, mas provido de uma razão interna, precisa, no entanto, que seus semelhantes o auxiliem na formação do projeto de sua conduta, dessa forma as qualidades naturais da humanidade são pouco a pouco extraídas da própria espécie humana; sendo, cada nova geração, educada pela anterior.

Educação negativa e educação positiva

De acordo com Immanuel Kant (2006), a disciplina lapida o homem e é a parte negativa da educação, tem por objetivo tirar do homem sua selvageria. Segundo Vaysse (2012, p.24), para Kant essa se trata de uma abordagem científica, na qual:

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As disposições naturais precisam de uma disciplina, e é por isso que o objetivo da educação é transformar a animalidade em humanidade. Sua função é puramente negativa, impedindo que o homem seja desviado de sua destinação, que é a da humanidade, por seus pendores animais. A parte positiva é a instrução.

Como podemos observar acima a instrução consiste na parte positiva da educação que de acordo com Kant (2006) está presente na herança cultural acumulada, preservada, transmitida, e aumentada, no decorrer dos séculos. Esse processo guia o homem da selvageria às leis da humanidade, ocorrendo desde a infância, quando, no âmbito da interação com as regras básicas da escola, por exemplo, ele é levado a permanecer sentado, enquanto que o seu desejo imediato é o de se lançar ao movimento, indisciplinadamente; bem como a paulatina adequação à obediência, não ainda com o intuito de aprender necessariamente, mas, decerto, dominar e restringir sua inclinação à liberdade.

Ainda segundo o filósofo, se não fosse dessa forma, o homem sucumbiria a todos os seus caprichos. Portanto, desde cedo, é preciso acostumá-lo aos princípios da razão, por meio de cuidados e formação, ou, disciplina e instrução, diferentemente de como ocorre entre os animais. Só é possível o surgimento de um verdadeiro homem por meio da educação, visto que o homem é o resultado da educação que recebe.

Kant (2006) ressalta que quem é desprovido de cultura, é um bruto. Sem educação ou disciplina, o homem não é nada além de um selvagem, a falta de disciplina ainda é pior que a de cultura. Pois cultura é passível de ser adquirida, a partir de dado momento; enquanto que um defeito de disciplina é de difícil correção.

Immanuel Kant (2006) considera entusiasmante pensar que a natureza humana será sempre aprimorada pela educação, e que por esse motivo abre-se uma perspectiva de felicidade para o futuro de toda espécie humana. Tal projeto educativo é um ideal muito nobre e não faz mal que não possamos realizá-lo.

Uma ideia não é outra coisa senão a perfeição daquilo que ainda não se realizou, longe de ser tido como impossível basta que seja autêntica e que os obstáculos para concretizá-la não sejam totalmente impossíveis. Neste caso, a ideia de uma educação que desenvolva a humanidade no homem é absolutamente realizável.

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Segundo Kant (2006), com a educação presente não é possível para o homem atingir a finalidade de sua existência de forma plena. Isso porque, mesmo sem saber, os animais cumprem o seu destino espontaneamente, já o homem é obrigado a tentar atingir esse fim, mediado por outros homens, isto é, por gerações anteriores. Visto que, a educação ao longo de várias gerações é aperfeiçoada, recriada, repensada, é a partir dessa educação transformada que o homem vai em direção a uma futura felicidade da espécie humana.

Assim, Kant (2006) esclarece que tornar-se melhor ou criar em si a moralidade é a grande missão humana. É, justamente, a educação, o seu mais árduo problema, embora seja uma herança de gerações anteriores, não se deve educar tendo como parâmetro o estado atual da espécie humana, mas segundo a ideia de um estado futuro mais feliz. Ainda segundo o filósofo a educação das crianças não deve ser pensada para o mundo atual, mergulhado na mais indiscutível corrupção, as crianças devem ser educadas para um futuro melhor.

Vale ressaltar que Kant (2006) afirma ser toda educação é uma arte, sua origem, assim como seu progresso é ou mecânica (em certas oportunidades) ou raciocinada. Prevalecendo o caráter racional obedecendo a determinados planos e preenchendo lacunas ao longo do processo educativo. Portanto a arte da educação ou pedagogia deve ser raciocinada. Bem como, pessoas competentes e bem formadas deveriam, então, dirigir as escolas.

Devemos observar os princípios dos quais todas as ações derivam. Uma verdadeira educação é complexa abrange os quatro pilares da educação (disciplina, cultura, civilidade e moralidade). A diferença entre professor e governante está no direcionamento daquilo que foi ensinado, o primeiro oferece a educação escolar o segundo a educação da vida.

A educação deve durar até o momento em que o homem governe a si mesmo, ou até que ele possa ser pai e venha a educar seu filho ou ainda até a idade de dezesseis anos. Passada essa idade não caberá mais uma educação regular, o mesmo deverá ser submetido a uma disciplina especial, essa sujeição poderá ser positiva ou negativa, no primeiro caso está sujeito a ser punido e no segundo a não fazer o que deseja. Um dos maiores problemas da educação é o poder de conciliar a submissão ao constrangimento das leis com o exercício da liberdade. É difícil suportar privações e tornar-se independente.

Outra questão fundamental no que tange a educação em Immanuel Kant (2006) é a divisão da educação em Física e Prática, sobre a primeira o filósofo aponta que consiste propriamente nos cuidados materiais prestados às crianças, ainda nesse sentido, tais cuidados podem ser prestados tanto pelos pais, quanto por amas de leite ou pelas babas (KANT, 2002).

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O que nos dias de hoje poderíamos dizer que por qualquer adulto ao qual fica responsabilizado por esta tarefa. No entanto, a Educação Física não é objeto de estudo da presente pesquisa e sim a Educação Prática, a qual será abordada de forma mais detalhada no capítulo a seguir.

Educação Prática

Segundo Kant (2006) a Educação Prática funda-se na cultura escolástica (habilidade); na formação pragmática (prudência) e no cultivo da moral (moralidade). Portanto, quando todas essas qualidades são reunidas constitui-se a Educação Prática, que visa o agir social e a consolidação do caráter para viver bem socialmente, a Educação Prática, portanto é o mesmo que Educação Moral.

Trata-se de um processo, no qual, na respectiva e adequada idade de acordo com cada fase, característica peculiares às mesmas são inseridas. “as crianças devem ser instruídas apenas naquelas coisas adaptadas à sua idade”. (KANT, 2006, p.83). Ainda nesse sentido o filósofo indica que “mostrar-se hábil, prudente, paciente, sem astúcia como um adulto, durante a infância, vale tão pouco como a sensibilidade infantil na idade madura”, ou seja, há um tempo certo para sermos crianças, bem como para sermos adultos, não sendo necessário, portanto, “criar na criança um caráter de adulto, mas sim, o de criança” (KANT, 2006, p.77).

A cultura escolástica de acordo com Queiroz (2011, p.114) trata-se da doutrina filosófica que surgiu na Idade Média dos séculos IX ao XVII, caracterizada pela relação entre a fé e a razão. Somada à definição anteriormente apresentada a expressão em questão designa um ensino caracterizado por seu formalismo e seu tradicionalismo. Já a formação pragmática refere-se ao ensino que prioriza questões práticas e objetivas na formação do indivíduo, que se dedica ao que é útil e eficaz (QUEIROZ, 2011, p.231).

A moralidade diz respeito ao caráter, o que implica a busca da autonomia por meio da ação moral desinteressada, aquela que é realizada com boa vontade por respeito pela lei moral.

Ser moral não é procurar sua felicidade, mas ser autônomo, obedecer às leis que nós mesmos estabelecemos: não a uma lei qualquer, que resultasse da sensibilidade ou do afeto, mas as leis universais e incondicionadas da razão prática. A ação moralmente boa é, primeiramente, a ação desinteressada, a ação realizada com boa vontade, por puro respeito pela lei moral, independentemente de qualquer impulso sensível (KANT, apud GRISSAULT, 2012, p. 164).

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De acordo com Kant (2006, p.35) a educação prática (moral) no que tange a formação do ser humano ocorre por último, sendo a educação mais precoce a escolástica (habilidade), mediando esses aspectos encontramos a educação pragmática (prudência) envolve a capacidade de usar a própria habilidade adequadamente e com proveito. É importante esclarecer que a formação moral embora ocorra por último, deve ser praticada concomitantemente a educação física, ou seja, desde o princípio da formação do ser humano. Caso contrário muitos defeitos se enraizariam de modo a tornar inúteis todos os esforços da arte educativa (KANT, 2006, p. 36).

Considerações finais

Immanuel Kant nos conduz de modo filosófico a enxergar a função pedagógica como equivalendo-se a uma necessidade da educação, na qual busca promover no/a aluno/a uma consciência crítica e reflexiva, bem como sua formação moral, sendo esta a contribuição da pedagogia kantiana para a educação do ser humano. Visto que a humanidade no homem é um processo de educação, pois, o ser humano não nasce, mas torna-se humano por meio da educação de acordo com o contexto em que vive.

Ainda nesse sentido, segundo Zatti (2007, p. 33) por meio “da pedagogia kantiana somos levados a pensar uma educação intelectual que busca desenvolver as diferentes potencialidades humanas, não apenas, por exemplo, a memorização”. O sentido primeiro da educação intelectual é o próprio exercício da inteligência, tendo como finalidade interna contribuir para o aperfeiçoamento de outros conhecimentos e do aperfeiçoamento do dever.

Dessa forma, a humanidade adquirida por meio da educação une o subjetivo e o objetivo, o individual e o coletivo numa mesma ordem, pois o indivíduo é parte de um todo que o influencia e por ele é influenciado. Para Kant, em cada época ou fase da vida homens e mulheres desenvolvem as qualidades necessárias para seu amadurecimento e/ou desenvolvimento seja ele físico, afetivo, cognitivo e social.

A Educação no contexto atual brasileiro não vem contribuindo para a formação moral do sujeito enquanto parte da sociedade, embora exista uma lei a qual determina que a educação deve ir ao encontro da formação para o mundo do trabalho e para a cidadania, na prática essa educação vem priorizando cada vez mais aquela em detrimento desta última. Fortalece esse cenário competitivo dentro das escolas a preparação para os vestibulares, para o mercado de trabalho, a competitividade está presente em todas as esferas educativas. E

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quanto à formação moral, em que plano fica tal discussão? Essa reflexão merece ser retomada em investigações futuras.

Mesmo que seja ofertado à alunos e alunas tudo que se encontra presente no currículo, podemos formar educandos autônomos, competentes na língua nos cálculos, conhecedores de história e geografia, futuros médicos, advogados e cientistas, entretanto se negligenciarmos a educação prática colocar-se-á em risco a educação para a cidadania, o que implicará no comprometimento das relações humanas saudáveis refletindo por sua vez, na dinâmica coletiva.

Ter consciência dessa realidade requer responsabilidade por parte não só da família, célula social primeira da vida de cada indivíduo, mas também por parte do Estado na figura da escola. Negligenciar a efetiva abordagem da Educação Prática é colaborar para o fenômeno do fracasso não apenas escolar, mas, sobretudo social de alunos e alunas.

REFERÊNCIAS

GRISSAULT, K. 50 autores-chave de filosofia. Tradução: KREUCH, J. B. Petrópolis: Vozes, 2012.

KANT, I. Sobre a Pedagogia. Tradução: FONTANELLA, F. C. 3 Ed. Piracicaba: UNIMEP, 2006.

KANT, I. Textos seletos. Tradução: FERNANDES, F.. de S. 8 Ed. Petrópolis: Vozes, 2012. MARCONDES, D. Iniciação a História da Filosofia: Dos Pré-Socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.

QUEIROZ, T. D. Dicionário Prático de Pedagogia. São Paulo: Rideel, 2011.

SANTOS, M, P. dos. A pedagogia Filosófica do Movimento Iluminista no Século XVIII e Suas Repercussões na Educação Escolar Contemporânea: Uma Abordagem histórica. Revista

Imagens da Educação. v.3, n. 2, p. 1-13, 2013.

VAYSSE, J-M. Vocabulário de Immanuel Kant. Tradução: BERLINER, C. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

ZATTI, V. de A. Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.

Referências

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