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Carta SindiEnergia 090/2012São Paulo, 22 de novembro de 2012.
Ao Excelentíssimo Senhor Barros Munhoz
Diretor Presidente Mesa Diretora
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo – Alesp São Paulo - SP
Ref.: Inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 1503/2007. Excelentíssimo Diretor Presidente,
O Sindicato da Indústria da Energia no Estado de São Paulo (“SindiEnergia”), entidade que congrega todas as empresas de energia do Estado de São Paulo, tem acompanhado e participado dos debates a respeito da legislação e regulamentação das diversas atividades do segmento de energia elétrica, em especial no âmbito dessa Assembleia Legislativa de São Paulo – Alesp.
É sabido que tramita nessa Casa Legislativa, desde 22 de dezembro de 2007, o Projeto de Lei nº 1503/2007, de autoria do Deputado Estadual Estevam Galvão/DEM, que visa criar regras relativas à continuidade da prestação de serviços de abastecimento de água, distribuição de energia elétrica e de captação e tratamento de esgoto aos consumidores desempregados.
Em sede de preliminares, é de se assentar que o referido Projeto de Lei sofre de vício insanável: é inconstitucional por ausência de competência, conforme previsto nos art. 21, inciso XII, alínea b e art. 22, inciso IV da Constituição Federal, os quais atribuem à União competência para a exploração e o disciplinamento das regras de fornecimento
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do serviço público de energia elétrica, bem como lhe asseguram a competência privativa para legislar no que for pertinente à matéria.Assim, data maxima venia, não pode essa Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo dispor sobre energia elétrica, tampouco sobre critérios para suspensão de fornecimento de consumidores desempregados inadimplentes. Trata-se, evidentemente, de matéria que extrapola a competência legislativa da Alesp, por se constituir em reserva legal da União.
É de se consignar, a esse respeito, que o Governo do Estado de São Paulo, representado por seu Procurador Geral, ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (“Adin”) contra Lei Estadual nº 11.260/2002, que pretendia legislar sobre energia elétrica. O Supremo Tribunal Federal (“STF”), ao decidir a questão, assim deixou ementado:
Ementa:
Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a expressão "energia elétrica", contida no caput do art. 1º da Lei nº 11.260/2002 do Estado de São Paulo, que proíbe o corte de energia elétrica, água e gás canalizado por falta de pagamento, sem prévia comunicação ao usuário.
Este Supremo Tribunal Federal possui firme entendimento no sentido da impossibilidade de interferência do Estado-membro nas relações jurídico-contratuais entre Poder concedente federal e as empresas concessionárias, especificamente no que tange a alterações das condições estipuladas em contrato de concessão de serviços públicos, sob regime federal, mediante a edição de leis estaduais. Precedentes. (grifos nossos)
Violação aos arts. 21, XII, b, 22, IV, e 175, caput e parágrafo único, incisos I, II e III da Constituição Federal.
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3729-SP) julgada procedente.
Tanto é verdadeira a pacificação deste entendimento na Corte Suprema, bem como em relação à competência concorrente, que em 1º de junho de 2009 foi publicada, no Diário Oficial do Estado, a Mensagem n° 62/2009, pela qual o então Governador José Serra vetou totalmente o Projeto de Lei n° 073/2007, de autoria do Deputado Rui Falcão-PT que, de forma análoga, dispunha sobre os critérios para negociação ou renegociação de débitos com usuários inadimplentes das
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concessionárias do serviço público no Estado de São Paulo. Na referida Mensagem, lê-se o que segue, com grifos nossos:“Em que pesem os louváveis desígnios do Legislador, vejo-me compelido a negar assentimento à propositura, por força de sua incompatibilidade com a ordem jurídica. De fato, a competência para legislar sobre energia é privativa da União, nos termos do artigo 22, IV, da Constituição Federal. Por outro lado, até o momento não foi editada a lei complementar federal que poderia autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas nessas matérias, como faculta a Carta da República (artigo 22, parágrafo único).
Pois bem, à luz do ordenamento constitucional, sedimentou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da impossibilidade de o Estado-membro interferir nas relações
jurídico-contratuais entre o Poder concedente federal e as empresas concessionárias, especificamente no que tange a alterações das condições estipuladas em contrato de concessão de serviços públicos, sob regime federal, mediante a edição de leis estaduais,
tendo por violados, nessas hipóteses, os artigos 21, XII, “b”, 22, IV, e 175, “caput” e parágrafo único, incisos I, II e III, da Constituição Federal (ADI nº 3729, com citação de precedentes). Ora, ao dispor sobre os critérios de negociação dos usuários inadimplentes com as concessionárias, não há negar que o projeto de lei em apreço pretende interferir nas condições estabelecidas para o fornecimento de energia elétrica, olvidando que se trata de serviço público indiretamente prestado pela União, sob regime jurídico federal.
(...)
Embora não seja o caso, ainda que fosse juridicamente possível enquadrar a propositura no vasto campo das competências concorrentes, entre as quais a de legislar sobre produção e consumo, ou sobre responsabilidade por dano ao consumidor (Constituição Federal, artigo 24, incisos V e VIII), a subsistência da incompatibilidade com a lei nacional bastaria para fulminar suas chances de prosperar, mesmo nessa seara.
Isto porque, no âmbito da competência concorrente, cabe aos Estados o exercício da
competência suplementar, se já existentes as normas gerais editadas pela União, ou da
competência plena, à falta de legislação nacional, cuja superveniência suspenderá a eficácia da lei estadual, no que forem incompatíveis (Constituição Federal, artigo 24, §§ 1º a 4º).
(...)
Nessa perspectiva, seja por afronta à competência legislativa da União para dispor sobre energia, seja por incompatibilidade com as normas gerais editadas pela União na mesma matéria, ou por ambas, a propositura colide com o princípio federativo, pondo-se em confronto com os dispositivos constitucionais que o albergam (Constituição Federal, artigos 1º e 18), além daqueles apontados na supracitada jurisprudência da Corte Suprema.”
Por último, destaca-se ainda o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, ao analisar o Resp 363943-MG (DJ de 01.03.2004), no qual o então Ministro Relator
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Humberto Gomes de Barros assim manifestou-se ao declarar a legitimidade da suspensão do fornecimento da energia elétrica no caso de inadimplemento do usuário, após prévio aviso:“Ora, se ninguém paga pelo fornecimento, a empresa distribuidora de energia não terá renda. Em não tendo renda, a distribuidora não poderá adquirir os insumos necessários à execução dos serviços concedidos e, finalmente, entrará em insolvência. Falida, a concessionária, interromperia o fornecimento a todo o município, deixando às escuras, até a iluminação pública.”
Adentrando no mérito do discutido Projeto de Lei, faz-se oportuno informar que no uso das competências que lhe são próprias, a Agência Nacional de Energia Elétrica (“Aneel”) já regulou o assunto suspensão de fornecimento por meio da Resolução Normativa nº 414/2010, a qual estabelece o que segue, com grifos nossos:
a. No art. 172:
a suspensão por inadimplemento deve ser precedida de notificação ao consumidor e deve ocorrer nas seguintes situações: (i) não pagamento da fatura; (ii) não pagamento de serviços cobráveis pela distribuidora (ex. religa de urgência, comissionamento de obra etc); (iii) inadimplemento do consumidor livre ou especial na CCEE; (iv) não oferecimento de garantias pelo consumidor (art. 127); (v) não pagamento dos prejuízos causados nas instalações da distribuidora, caso a responsabilidade tenha sido imputada ao consumidor;
É vedada a suspensão do fornecimento após o decurso do prazo de 90 dias, contado da data da fatura vencida e não paga, salvo comprovado impedimento da sua execução por determinação judicial ou outro motivo justificável;
Para as unidades classificadas como Baixa Renda a suspensão deve ocorrer com
intervalo mínimo de 30 dias entre a data de vencimento da fatura e a data da
suspensão do fornecimento; e
A distribuidora deve adotar o horário de 8h às 18h, em dias úteis, para a execução da suspensão do fornecimento da unidade consumidora.
b. No art. 173:
A notificação para suspensão do fornecimento deve ser escrita, específica e com e
entrega comprovada, ou alternativamente impressa na fatura, observando a antecedência mínima de: (i) 3 dias para razões de ordem técnica ou de segurança; e (ii) 15 dias no caso inadimplemento;
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A notificação a consumidor que preste serviço público ou essencial à população e cuja atividade sofra prejuízo deve ser feita ao Poder Público local ou ao Poder Executivo Estadual/Distrital, de forma escrita, específica e com entrega comprovada; Serviço essencial ou atividades essenciais, conforme previsto no art. 11 da mesmaResolução, é aquele cuja interrupção coloque em perigo iminente a sobrevivência, a
saúde ou a segurança da população, tais como:
Tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
Assistência médica e hospitalar;
Unidades hospitalares, institutos médico-legais, centros de hemodiálise e de armazenamento de sangue, centros de produção, armazenamento e distribuição de vacinas e soros antídotos;
Funerários;
Unidade operacional de transporte coletivo; Captação e tratamento de esgoto e de lixo;
Unidade operacional de serviço público de telecomunicações;
Guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
Processamento de dados ligados a serviços essenciais;
Centro de controle público de tráfego aéreo, marítimo e urbano; Instalações que atendam a sistema rodoferroviário e metroviário;
Unidade operacional de segurança pública, tais como, polícia militar, polícia civil e corpo de bombeiros;
Câmaras de compensação bancária e unidades do Banco Central do Brasil; e
Instalações de aduana
Nota-se, V.Exa., que no campo infraconstitucional a regulamentação do setor de energia elétrica já disciplina o tema previsto no PL nº 1.503/2007, garantindo, de um lado, à distribuidora o legítimo direito de interromper o fornecimento quando presentes os requisitos, e de outro, ao consumidor o igualmente legítimo direito de que a suspensão somente possa ocorrer mediante certas formalidades, as quais revestem-se do extremo cuidado de cercar esta medida de critérios que lhe emprestem a lisura, tais como o reaviso de vencimento e a execução do serviços em dias úteis, em horário comercial.
Tanto é verdade que não interessa à distribuidora deixar de fornecer energia, cabendo apenas o cuidado de observar que se trata de um contrato bilateral, em que entregue a energia, cabe a contraprestação pecuniária garantida pela tarifa. Em casos de inadimplemento, todas as empresas dispõem de procedimentos e condições para
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fechar acordos com o consumidor, que envolvem eventuais parcelamentos de débitos vencidos em condições e prazos especiais.Resta-nos, portanto, apelar a V.Exa. a fim de que, (i) a presente carta seja anexada à proposição do PL 1503/2007, e ainda (ii) que os argumentos ora postos sejam considerados a fim de que haja a expressa citação de que a distribuição de energia elétrica fique desobrigada ao cumprimento das obrigações previstas no citado PL. Ao mesmo tempo, solicitamos o agendamento de reunião com V.Exa. com vistas à exposição pormenorizada dos argumentos ora postos.
Atenciosamente,
Luiz Sergio Assad Presidente