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EM BUSCA DA NORMALIZAÇÃO MORENA DOLORES PATRIOTA DA SILVA 1 UNICAMP INTRODUÇÃO

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EM BUSCA DA NORMALIZAÇÃO

MORENA DOLORES PATRIOTA DA SILVA1 UNICAMP

INTRODUÇÃO

Na atualidade é possível observar a retomada do discurso eugênico ganhando novos contornos, utilizando-se para tanto, de proposições pautadas por discursos de melhor qualidade de vida para as pessoas que apresentam algum tipo de deficiência.

Nesta direção, inferimos sobre a necessidade de uma retrospectiva acerca dos pressupostos da eugenia, para melhor compreender esse percurso e os impactos que tais proposições podem acarretar na vida social do deficiente na contemporaneidade, na medida em que um novo pensamento nomeado como eugenia liberal tem suscitado o retorno de algumas discussões que podem afetar diretamente a vida dos sujeitos que apresentam algum tipo de deficiência. Tendo em vista as consequências da eugenia no passado e as possíveis implicações futuras, pretendemos analisar a obra A cura da fealdade de Renato Kehl no intuito de apreender seu pensamento e as premissas da eugenia. O autor define como objetivos da obra a disseminação dos conhecimentos eugênicos e higiênicos em prol do benefício da espécie e dos indivíduos. Kehl (1923) afirma que:

Precisamos pois, reagir contra o abastardamento reinante, combater as causas perturbadoras da harmonia social, vencer os agentes que nos degradam, nos enfeiam e infelicitam. Para isso é necessário propagar e praticar as leis da Eugenia, que congregam na sua essencia tudo o que ha de mais elevado e seguro nas sciencias medico-sociaes. Tudo, em summa, depende de querermos e sabermos querer (KEHL, 1923, p. 22).

Kehl (1923), acreditando que com a implantação da consciência da função procriadora, da importância da transmissão de caracteres ótimos e impedimento da perpetuação dos caracteres degenerados, ou seja, da procriação de indivíduos que os possuam (degenerados, tarados e viciosos) a sociedade seria livrada daqueles que a aviltam e a arrastam à ruína, possibilitando a criação de um futuro cada vez mais promissor para a humanidade.

Consideramos pertinente esta análise, na medida em que, a busca por construir o humano

ideal, torna-se cada vez mais visível e não mais fruto de obras ficcionais. Por fim, se faz

urgente que os profissionais da educação, não somente aqueles que trabalham diretamente com sujeitos que apresentam necessidades educativas especiais se envolvam de forma mais explícita com as problemáticas suscitadas, repensando a questão da inclusão e do preconceito frente às deficiências.

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DISCUSSÃO

A partir da Revolução Científica dos séculos XVI e XVII desenvolveu-se uma nova concepção de homem que deixou a busca pela harmonia com a natureza para uma busca constante por dominá-la e controlá-la. Com base neste pensamento é que se desenvolveu a Eugenia, movimento intelectual que se pretendia ciência, que tinha como objetivo a busca do melhoramento racial para desenvolver e manter raças superiores, a chamada regeneração da

raça (SILVA, 2011).

O precursor deste movimento foi Francis Galton (1822-1911), primo de Charles Darwin (1809-1882), que se inspirou na teoria evolucionista para criar o darwinismo social, que acabou por transformar-se no Movimento Eugênico. O termo eugenia foi utilizado pela primeira vez pelo próprio Galton no final do século XIX, advindo do grego significa bem

nascido (DIWAN, 2007).

Pietra Diwan (2007) afirma que um dos maiores objetivos da doutrina eugênica está na seleção dos mais aptos e eliminação ou controle daqueles considerados inaptos. Neste sentido, Lilia Ferreira Lobo (2008) explica que as degenerescências sociais (doenças, desvios morais, dificuldades de aprendizagem, loucuras, indisciplina, taras e deficiências) passaram a ser explicadas pela hereditariedade. Logo, com base nestes argumentos a concepção de inferioridade dos deficientes passou a ser sustentada pelo fato de não possuírem um potencial para formar uma homogeneidade social, passaram então a ser considerados indignos de viver ou vir a nascer.

Com base no discurso de normalização dos indivíduos Mary Douglas (1996) afirma:

[...] acredito que idéias sobre separar, purificar, demarcar e punir transgressões, têm como função principal impor sistematização numa experiência inerentemente desordenada. É somente exagerando a diferença entre dentro e fora, acima e abaixo, fêmea e macho, com e contra, que um semblante de ordem é criado. [...] a reação à sujeira é contínua com outras reações à ambiguidade ou anormalidade [...] Idéias sobre contágio podem certamente ser remetidas à reação à anomalia. [...] O reconhecimento inicial da anomalia conduz à ansiedade e daí ao ato de suprimir ou evitar (DOUGLAS, 1996, p. 15-16).

É por esta razão que Galton propõe o celibato aos débeis, com o intuito de poupar a sociedade de seus descendentes, afinal, uma raça decadente seria formada a partir da presença das degenerescências. Logo, surgiu a necessidade do combate da possibilidade de surgimento destes degenerados, através de políticas de intervenções eugênicas com ações como esterilizações, proibições de casamentos, internações e até a eliminação dos indivíduos considerados inadequados e inadequáveis ao ideal eugênico (BOARINI, 2003; STANCIK, 2003). Essas ações assentaram-se na seguinte premissa: “Por que consentir na perpetuação hereditária da imbecilidade, da loucura moral, da paranóia, da epilepsia, do cretinismo, da delinqüência profissional?” (LOBO, 2008, p. 117). Diante deste questionamento destacamos a fala de Kehl defendendo e idealizando a eugenia:

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A política eugênica pretende a regeneração integral pela aplicação suasória, progressiva e combinada de medidas suaves, sem quaisquer propósitos draconianos ou cruéis. Não visa perseguir fracos, doentes, nem degenerados. Ao contrário, procura evitar o aparecimento desses infelizes que nascem para morrer, para sofrer e para sobrecarregar a parte produtiva da coletividade. Constitui a verdadeira política da felicidade, porque se esforça pela elevação moral e física do homem, a fim de dotá-lo de qualidades ótimas, de fornecer-lhe elementos de paz na família, na sociedade, na humanidade (KEHL, 1939, p. 107-108 apud STANCIK, 2003, p. 22).

Kehl, ao negar a presença de propósitos draconianos ou cruéis na eugenia, tem a intenção de convencer o leitor de que sua intenção é pura e que suas defesas são em prol de uma sociedade melhor, de um bem maior. Entretanto Douglas (1996) apresenta uma reflexão interessante que pode ser confrontada com a citação anterior e que talvez explique o motivo de tanta ênfase de Kehl para justificar suas ações e defesas: “Toda vez que um rígido modelo de pureza é imposto em nossas vidas, ou ele é muito desconfortável ou, se rigidamente seguido, conduz à contradição ou à hipocrisia” (DOUGLAS, 1996, p. 1998).

Kehl (1923) afirma que embora o homem busque o aprimoramento de espécies animais, quando este é voltado para o ser humano existe certa resistência, que segundo ele não deveria existir. Segundo ele, de várias formas tem se tentado proteger a espécie, mas a sociedade não tem preocupado em melhorá-la, o que tem causado a sua degradação e o grande crescimento da quantidade de degenerados (insanos e anormais). Ele afirma que o homem civilizado não pode permitir esta indiferença diante do perigo da deteriorização da espécie, por esse motivo convoca a população a se integrar às ações eugênicas afirmando que é necessário contribuir para agilizar o processo de seleção, não o deixando apenas nas mãos da natureza.

Logo, segundo Kehl (1923) a solidariedade não deve existir, pois elimina a luta natural pela existência, interrompendo a seleção natural e consequente eliminação dos fracos, por esse motivo não se deveria investir no assistencialismo. Defende também que o homem já atingiu um nível de desenvolvimento no qual é possível antecipar as ações que seriam realizadas pela seleção natural, possibilitando o aceleramento do processo rumo ao progresso através de novos meios de aperfeiçoamento da espécie.

Mas, não está na dependencia do darwinismo social a solução do problema. A humanidade progredio e a supremacia da força cedeu logar á sabedoria, ao direito e ao amor do próximo. Temos outros meios selectivos que não se praticarão a custa do sacrifício de desherdados da sorte (KEHL, 1923, p. 18).

A partir do século XX, a eugenia passou a ter grande repercussão mundial, sendo aderida por diversos intelectuais. Medição de crânios e corpos, testes de QI e esterilizações compulsórias foram ações eugênicas de diversos países, tendo como principais executores: Estados Unidos, Suécia, Escandinávia e posteriormente Alemanha, na qual teve seu auge, com o genocídio de Hitler na Segunda Guerra Mundial (SILVA, 2011).

Na Suécia, por exemplo, em 1921 iniciou-se a política de esterilização em prol da limpeza racial, antes inclusive, dos Estados Unidos. O país esterilizou pelo menos 60.000 pessoas entre 1935 e 1976, amparado pela legislação nacional e tendo como objetivo a regeneração

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racial, a proteção da sociedade dos portadores de genes fracos e a economia nas políticas sociais com indivíduos considerados incapazes (SILVA, 2011).

[...] O mecanismo da hereditariedade não era igual para a saúde e para a doença: o primeiro era serial e progressivo, sustentava a marcha da evolução, reproduzia o mesmo, o tipo normal; o segundo era circular e regressivo, produzia o diferente, o tipo anormal. O destino da força circular era gerar metamorfoses decadentes até sua completa extinção – o retorno à inércia. Os sinais de saúde indicavam uma moralidade natural, sancionada por uma ordem natural cujas forças seriais e progressivas deveriam fundar toda a organização social. Mas havia forças do mal a combater – eis a tarefa dos médicos no interesse das famílias, da raça e da espécie. Nas famílias, a hereditariedade mórbida poderia produzir o dessemelhante; na raça, o retorno ou a paralisação no ancestral primitivo e selvagem; na espécie, o perigo da extinção gradativa dos traços de humanidade – destruição de sua forma autêntica. Por isso, era preciso divulgar a ameaça da anormalidade, dar publicidade a seus males, construir um projeto de intervenção higiênica e moral da regeneração da sociedade, sonho que no Brasil só ganharia muitos e ferrenhos adeptos a partir do século XX, com o movimento eugênico [...] (LOBO, 2008, p. 55-56).

Com o agravamento da miséria do Brasil, no início do século XX, cresceu a condenação da miscigenação, que justificaria a crise do país e, consequentemente, o apoio à tese de inferioridade racial. Essas eram as ideias defendidas e propagadas por Renato Kehl, maior representante da eugenia do país. Segundo ele, seria necessária a adoção de procedimentos eugênicos juntamente com uma educação eugênica para alcançar o progresso (BOARINI, 2003; STANCIK, 2003).

A educação teria, então, duplo papel: a prevenção dos males, a fim de evitar o contágio físico e moral das crianças e dos jovens com os fatores de degenerescência (condições ambientais de circulação do ar, umidade, promiscuidade, doenças transmissíveis, hábitos de alimentação, condutas imorais – masturbação, pederastia, coitos excessivos, alcoolismo etc.), e a do trabalho intensivo. [...] A questão estava, pois, em decidir quais degenerados eram passíveis de regeneração e quais eram incuráveis – caberia a estes ocupar a forma mais extrema da monstruosidade. Era preciso, então, identificar os degenerados. Um dos indícios mais fortes da incurabilidade e do grau de monstruosidade era a presença de estigmas físicos no corpo (LOBO, 2008, p. 56).

Esses estigmas considerados fortes consistem em especial em deficiências e doenças que tornam o defeito visível levando-os a serem considerados inferiores e excluindo-os do convívio social.

Kehl considera que inteligência, vocação e talentos são características hereditárias e “[...] o ensino, a educação e a instrução higiênica somente teriam pleno êxito se dirigidos a indivíduos superiores em termos eugênicos” (VILHENA, 1993, p. 90 apud STANCIK, 2003, p. 28). Segundo Kehl, educação e influências do meio não seriam suficientes para a superação da genética. A influência da educação e do meio servem apenas para despertar características genéticas já existentes, “não fazem o milagre de criar ‘bons caracteres’, apenas revelam ‘bons

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caracteres’, quando estes existem” (KEHL, 1939, p. 107-108, apud STANCIK, 2003, p. 27). Logo,

[...] a educação seria incapaz de regenerar corpos biologicamente inferiores, Kehl “deixava fora de cogitação os ‘mal dotados’, os degenerados física e mentalmente, as famílias com proles portadoras de males eugenicamente condenados. A esses restaria a assistência física e mental a ser dispendida pelo Estado” (Vilhena, 1993, p. 85). Manifestava assim uma visão sob certa influência do darwinismo social, sugerindo que, à semelhança do mundo natural, as sociedades humanas deveriam zelar pela sobrevivência dos mais aptos (STANCIK, 2003, p. 27).

Logo oferecer educação a crianças que fossem consideradas inferiores seria um desperdício, pois ao invés de investir nelas poderia se investir em outras áreas que tivessem mais retorno. Outro motivo para a não integração das crianças consideradas biologicamente inferiores, também denominadas anormais, nas escolas regulares seria a crença de que elas causariam perturbações, atrapalhando o desenvolvimento das crianças consideradas normais por conta da impossibilidade de não acompanhar o andamento da aula e por dispensarem muita atenção do professor. Atenção que se direcionada a crianças normais, seria, supostamente, de maior proveito (LOBO, 2008).

Assim sendo, aos indivíduos considerados inferiores por Kehl, e segundo o qual não deveriam ter nascido, restaria o auxílio assistencial do governo. Segundo Kehl, “[...] a organização social atual contraria a lei de embargos da natureza, impede que a seleção natural evite a propagação deliqüescente dos aleijões da espécie” (KEHL, 1923, p. 84 apud LOBO, 2008, p. 113). Diante de tais argumentos, Boarini (2003) considera que “Kehl parece reduzir toda a diversidade humana aos fatores biológico-evolutivos, principalmente àqueles que se referem diretamente à hereditariedade” (p. 171).

O livro "A cura da Fealdade: eugenia e medicina social” de Renato Kehl encontra-se dividido em três partes: a primeira, O homem e a mulher normaes, faz um estudo do belo tanto em relação ao homem como à natureza, levantando a possibilidade da seleção eugênica e definindo critérios de avaliação de perfeição física, psicológica e psíquica, apresentando caracteres próprios dos hygidos (saudáveis). Na segunda parte, A fealdade se evita, foram instituídas as regras para a profilaxia da fealdade, estudados os fatores considerados degenerativos e as maneiras de eliminá-los. Finalmente, na terceira parte, A cura da fealdade, foram expostas indicações terapêuticas para curar as primeiras causas da fealdade física. Sendo interessante destacar que de acordo com Kehl (1923) o termo fealdade deve ser encarado a partir do ponto de vista galtoniano, como sendo relativo à anormalidade, à morbidez, e o termo beleza como se referindo à saúde integral. A respeito da fealdade Renato Kehl afirma que:

[...] a fealdade é um mal extremamente generalizado; que ella tanto pode ser physica, moral, como psychica ou intelectual; finalmente, que a fealdade não é um fruto expontaneo da natureza, e, nestas condições, apresenta causas determinantes que são, não só combatíveis como evitáveis (KEHL, 1923, p. 7-8).

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Por este motivo Kehl (1923) faz questão de demonstrar a importância da escolha do casamento ser realizada de forma racional e tendo como objetivo o progresso eugênico, em outras palavras, os jovens devem buscar matrimônio com pessoas que tenham as características indicadas como superiores, não se casando antes de um exame prévio de sanidade, para que seja garantida a felicidade matrimonial e de sua descendência.

Kehl (1923) afirma que a busca pela perpetuação da espécie tem sido colocada em segundo plano pelas pessoas, que ao escolher o conjugue focam no interesse financeiro, deixando de lado as questões eugênicas propostas como a escolha racional de indivíduos com características superiores.

[...] Dahi se registrarem numerosos casamentos com disparidades de edades, ou entre individuos, de um lado bem constituidos e de outro em pessimas condições de saúde physica ou moral, ou, finalmente de ambos em pessimas condições, para as boas reproduções [...] Diz-se a este proposito o seguinte: “innumeras jovens, feias e quase disformes, acham esposos porque são ricas; homens velhos, physicamente mal prendados e tolos, encontram belas esposas, porque estão em optimas situações financeiras; o intuito de constituir uma raça bela, robusta e inteligente, não entra nos fins dos casamentos modernos (KEHL, 1923, p. 20).

Logo, a degeneração familiar e o aumento das fealdades seriam, segundo Kehl (1923), resultados de imoralidades sexuais decorrentes da ambição e da delinquência de caráter dos indivíduos que buscam nos casamentos crescimento financeiro deixando de lado os princípios eugênicos.

Segundo Max Nordau, citado por Kehl (1923), a elite do século XIX enfrenta uma peste

negra de degeneração e histeria. Estudiosos acreditam que toda espécie humana encontra-se

rumo à invencível mediocridade. Kehl (1923), entretanto, não concorda com essas visões pessimistas, ele acredita que essa crise que a humanidade tem enfrentado é passageira e que através dos preceitos eugênicos é possível se resolver o aperfeiçoamento da espécie e, consequentemente, alcançar a beleza.

Essa busca pela beleza ou normalidade leva-nos a questionar qual seriam os critérios para definir tal beleza. Ribas (1985) destaca alguns pontos interessantes a este respeito:

no conjunto dos valores sociais, culturais que definem o indivíduo “normal”, estão

incluídos “padrões” de beleza e estética voltados para um corpo esculturalmente bem-formado. Aqueles que fogem dos “padrões”, de certa forma agridem a “normalidade” e se colocam à parte da sociedade. [...] Não é preciso ser deficiente para não ser reconhecido pela sua própria sociedade. [...] qualquer um que divirja das normas e regras da ordem social podem ser consideradas “desviantes” e assim situarem-se fora da sociedade. O “desviante” é aquele que não está integrado, que não está adaptado, que não se apresenta física e/ou intelectualmente normal, e, portanto encontra-se à parte das regras e das normas. Deste modo, o que mede o “desvio” ou a “diferença” social são os parâmetros estabelecidos pela organização sociocultural (RIBAS, 1985, p. 18 e 22 apud MACIEL, 2007, p. 163).

Segundo Kehl (1923) de acordo com a época e o povo aprecia-se determinadas características estéticas diferentes (tamanho do quadril, cabeça, seios e pés, traços do rosto, formato da

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cabeça e dos seios, assim como as variedades de moda), pois não existe um critério universal capaz de fazer uma avaliação das fealdades ou belezas humanas, a percepção estética é variável segundo a raça, sociedade e indivíduo. Mesmo entre indivíduos civilizados essa relatividade está presente.

Para ser belo dentro dos critérios eugênicos, de acordo com Kehl (1923) não é necessário ser como Apolo ou Vênus, a eugenia almeja a normalidade somática, física e moral, logo são considerados belos indivíduos que possuam saúde, robustez, vigor, apresentando constituição física e psíquica normais. Ao mesmo tempo a fealdade consiste na anormalidade, desproporção e desarmonia. Não sendo consideradas normais pessoas taradas, doentes ou deficientes (KEHL, 1923).

A Eugenía não admite a dissociação das qualidades somaticas e outras. Um imbecil plasticamente perfeito não é considerado bello, sob o ponto de vista eugenico. A Eugenía pretende certa regularidade nos traços physionomicos, uma justa proporção nas partes constitutivas do corpo, vivacidade de espirito, movimentos graciosos no andar e nos gestos, além de saúde, força e vigor, para classificar um indivíduo no rol dos typos eugenicamente bellos (KEHL, 1923, p. 26-27).

Kehl (1923) afirma que para que as mudanças necessárias se realizem é fundamental uma dedicação individual para o alcance do progresso coletivo, os indivíduos devem almejar o bem comum, buscando garantir o futuro da humanidade ao ajudar a livrá-la das imperfeições humanas.

O destino da humanidade está preso ao destino dos seus elementos componentes e acha-se cercado por fronteiras traçadas pelas imperfeições humanas. Compete, pois, a cada um de nós, impelir, na medida das próprias forças, o carro da victoria. O progresso será lento mas incessante e, de edade em edade, cada geração será, como diz Richet, superior á geração que a precedeu (KEHL, 1932, p. 9).

De acordo com Silva (2011) a eugenia foi desacreditada científica e eticamente por conta das grandes atrocidades nazistas, de maneira que tal termo foi tirado de circulação. Mas, a busca pela perfeição assim como a aversão pela imperfeição continua presente, embora através da utilização de outros instrumentos. Desenvolve-se então a eugenia liberal, versão contemporânea do movimento eugênico. Exemplo de tal fato é o laboratório de Cold Spring Harbor, controlado por James Watson que tem propagado abertamente ideias eugênicas. “Avanços científicos vêm sendo direcionados à identificação de "indesejáveis", como a utilização de exames que detectam doenças genéticas por companhias de seguro e planos de saúde e o uso de bancos de DNA no controle de imigração” (GUERRA, 2006).

A retomada do discurso eugênico na atualidade, ganha novos contornos, passando a utilizar-se de proposições pautadas por discursos de melhor qualidade de vida para as pessoas deficientes. Para tanto, ia-se nos princípios de cura/conserto e a projeção de eliminação dos indivíduos que poderiam vir a nascer através da seleção genética (SILVA, 2011).

Partindo disso, Habermas (2004) questiona-se a respeito da dignidade humana diante permissão de geração a partir da ressalva de o indivíduo em formação ser considerado digno

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seleção? (HABERMAS, 2004, p. 29). Ou ainda: A natureza humana seria um bem disponível (FEIO, 2010)?

De acordo com Salvetti (2008), a crítica de Habermas focaliza-se na instrumentalização da vida humana, na redução desta à condição de um objeto passível de manipulação. Questionando-se a respeito do direito que o indivíduo tem de ser-si-mesmo. Pontin (2007) destaca que “não podemos supor o que seria mais ou menos ‘vantajoso’ para as gerações futuras [...] não é possível obter-se um consenso presumido para operar no corpo de outrem em objeto de uma intervenção anterior ao nascimento” (p. 54).

Pessini (2006) reflete a respeito dos objetivos da biotecnologia com as manipulações genéticas, em especial, acerca do aprimoramento humano:

Deveríamos pensar somente em doenças específicas, sem cura neste momento histórico, tais como diabetes juvenil, câncer ou Alzheimer? Nessa lista não deveríamos também incluir as doenças mentais e enfermidades, desde o retardamento à depressão, da perda de memória à melancolia, entre outras? Além do mais, não deveríamos também considerar aquelas “limitações” constitutivas da natureza humana, sejam corporais ou mentais, incluindo a realidade implacável do declínio e morte? Trata-se somente de suprimir a doença e o sofrimento ou poder-se-ia incluir nesse rol também predisposições a sensações, estados da percepção ou temperamento, especialmente aqueles geralmente nefastos, que levam ao mau humor, falta de entendimento e desespero? O aperfeiçoamento deve ser limitado à eliminação desses e outros males ou deve estar voltado também ao aprimoramento daquela parte das potencialidades humanas consideradas positivas, tais como beleza, força, memória, inteligência, longevidade e felicidade? (PESSINI, 2006, p. 128).

A citação acima nos faz pensar como aponta Habermas, sobre a eugenia que pode ser classificada sob duas perspectivas: positiva e negativa. A eugenia positiva consiste na busca de uma técnica que vise o melhoramento da espécie, enquanto a eugenia negativa seria considerada uma medicina preventiva. Para ele, não é possível nem justo chegarmos a um acordo a respeito de critérios para uma possível excelência genética digna para reprodução, considerando imoral alguém ter a pretensão de determinar e impor os critérios de excelência dos genes do ser humano que está por vir (PONTIN, 2007).

Estamos diante da emergência de uma forma de poder que visa adequar a constituição biológica dos indivíduos à funcionalização do tipo idealizado de pessoas, a partir da intervenção tanto no indivíduo formado, como na constituição biológica do embrião (PONTIN, 2007). Desta forma: o “mistério do surgimento de um novo indivíduo é substituído pela certeza do surgimento de um organismo cujas características são escolhidas externamente” (PONTIN, 2007, p. 64).

Pontin (2007) ressalta que a legitimação do descarte de embriões que são considerados indignos de viverem, por não consolidarem uma homogeneidade social, permite que um tipo de vida seja eliminado sem que este ato seja considerado um assassinato, isso acontece a partir do momento em que o estatuto jurídico do embrião permite o descarte deste. A concepção humana que temos vai se perdendo a partir do momento em que é permitido, ao analisar as características genéticas de um embrião, escolher pela implantação ou descarte de acordo com sua aptidão.

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CONCLUSÕES

O fortalecimento do discurso biológico apresenta-se pela busca de seleção de indivíduos que apresentem características desejadas, variando desde a questão funcional do organismo até a estética, o que poderia estar fortalecendo a intolerância ao diferente. O medo que temos daquele que nos é diferente ou desconhecido leva-nos a conceituá-lo como inferior, excluindo e considerando-o indigno de viver em sociedade, pois esse não se encaixa na homogeneidade almejada.

Esse fato reflete os tipos de indivíduos que a sociedade almeja, pois, a estrutura social requisita pessoas fortes, saudáveis e eficientes. A ausência destas características causaria redução da produção, sendo esta considerada um empecilho no desenvolvimento da sociedade (SILVA, 2011). Tal reflexão nos inquieta na medida em que estamos vivendo em uma sociedade marcadamente tecnológica, que invade não apenas as instâncias públicas, mas, sobretudo, as privadas, se inscrevendo no corpo e nas concepções que há muito buscam o homem ideal.

Diante de tal realidade, surge o questionamento a respeito das implicações que essas novas possibilidades genéticas trariam para a posição social dos deficientes e o isolamento destes como uma das consequências da aplicação em massa de seleção genética. Fica o medo do retorno do horror visto na eugenia estadunidense e, em especial, na nazista e a dúvida sobre até que ponto os pressupostos da eugenia têm impactado na concepção de deficiência hoje.

REFERÊNCIAS

BOARINI, Maria Lúcia (org.). Higiene e raça como projetos: higienismo e eugenismo no Brasil. Maringá: Eduem, 2003.

DIWAN, Pietra. Raça Pura: uma história da eugenia no Brasil e no Mundo. São Paulo: Contexto, 2007.

DOUGLAS, Mary. Pureza e perigo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1996.

LOBO, Lilia Ferreira. Os infames da história: pobres, escravos e deficientes no Brasil. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.

KEHL, Renato. A cura da fealdade: Eugenia e Medicina Social. Monteiro Lobato & Co. Editores: São Paulo, 1923. (1. ed.)

MACIEL, Carolina Toschi. A construção social da deficiência. Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil. Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais – NPMS. ISSN 1982-4602.

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MOURA, Simone Moreira de. Deficiências, educação e o debate sobre avanços

tecnológicos. 2007. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Metodista de Piracicaba,

Piracicaba, SP.

PONTIN, Fabrício. Biopolítica, eugenia e ética: uma análise dos limites da intervenção genética em Jonas, Habermas, Foucault e Agamben. Dissertação de mestrado - Porto Alegre, 2007.

SILVA, Morena Dolores Patriota da. Admirável homem novo: pressupostos da eugenia e seus impactos na posição social do deficiente na contemporaneidade. 2011. 63 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2011.

STANCIK, Marco Antonio. Eugenia no Brasil nos tempos da Primeira República (1889-1930): a perspectiva de Aleixo de Vasconcellos. Espaço Plural. Ponta Grossa, ano. VI, n. 14, p. 32-35, jan./jul. 2006.

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