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AMOR, JUSTIÇA E PERDÃO: A LÓGICA DA SUPERABUNDÂNCIA EM PAUL RICOEUR

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Academic year: 2022

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AMOR, JUSTIÇA E PERDÃO: A LÓGICA DA SUPERABUNDÂNCIA EM PAUL RICOEUR

Thiago Gonçalves da Cruz

RESUMO:

A presente pesquisa cientifica pretende desenvolver uma investigação de caráter filosófico e teológico, descritiva e interpretativa do pensamento de Paul Ricoeur, tomando como base duas de suas obras, “Amor e Justiça” e “A memória, a história, o esquecimento”.

Como o próprio titulo indica, partirei dos ideais humanos de amor, justiça e perdão, reafirmados pelo conceito hiperbólico da superabundância. Tal conceito ajuda-nos a não ter que escolher entre um ideal e outra, mas sim, viver em plenitude todos os três aspectos da vida humana. Este também nos impulsiona a superar as barreiras existentes entre amor, justiça e perdão, nos reafirmando a necessidade de viver a prática do perdão e do amor, entrelaçados com o ideal de justiça. O amor não deve ser considerado apenas em seu aspecto moral, mas antes, é aquilo que me humaniza e dá sentido a minha humanidade. Para Ricoeur, ele é o guardião da justiça, a medida em que esta vê-se ameaçada pelo cálculo interessado. O perdão é composto por uma dinâmica que faz com que o individuo se reconheça culpado, sem que tenhamos que reduzir sua humanidade. É algo no qual está em jogo essa dialética entre o reconhecimento de quem errou e a liberdade de quem perdoa em estar apto a perdoar. E a justiça é o desejo de viver unidos em uma sociedade que seja justa, sem que se caia numa lógica calculista, mas, que deixe-se permear por uma profunda relação com a prática do amor.

São três vivências diferentes, mas que se complementam, tendo como referencial a superabundância.

Palavras-chave: Amor. Justiça. Perdão. Superabundância.

INTRODUÇÃO

O tema que me proponho a refletir é definitivamente muito sublime, mas também, muito complexo. Amor, justiça e perdão são três sentimentos, que expressam significados diversos, mas que estão em correlação um com o outro. É uma problemática que a todo

É graduando da Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Participa do grupo de pesquisa Teologia Contemporânea, tendo projeto de pesquisa sob o título “Amor, justiça e perdão: a lógica da superabundância em Paul Ricoeur. Sua iniciação cientifica é financiada pela FAPIC/Reitoria da PUC-Campinas.

Email para contato: tgdacruz92@gmail.com

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momento se atualiza e se apresenta ao ser humano como fonte de possibilidades. Porém, muitas vezes foca-se apenas na tensão existente entre estes ideais, deixando-nos a sensação de que é quase impossível vivenciá-los mutuamente.

Diferentemente de todas estas exortações, aparece-nos Paul Ricoeur, que propõem resolver esse impasse e nos apresentar bases que mostrem uma intrínseca relação entre amor e justiça, auxiliado pela prática do perdão. É em seus livros intitulados “Amor e Justiça” (obra composta por três conferências realizadas por ele) e “A memória, a história, o esquecimento”, que observaremos de maneira mais clara essa proposta que nos é dada. Não é a pretensão de Ricoeur em sua filosofia da superabundância, exterminar as tensões que existem entre a dialética do amor, a prosa da justiça e o difícil perdão, mas tão somente, mostrar que estes ideais não se constituem apenas de discordâncias, mas podem estabelecer entre si, uma relação de diálogo e comunhão, sendo características de um mesmo fenômeno próprio da existência humana.

Este artigo partirá de uma pequena análise e contextualização do pensamento ricoeuriano, passando pela vida pessoal e filosófica deste autor que fascina todos aqueles que se deparam com sua Filosofia. Será um caminho faça-nos entender sua preocupação em formular uma doutrina que perpasse estes aspectos singulares da vida humana. Depois, nos atentaremos em esclarecer o significado que cada termo carrega, mostrando a relação conflituosa entre eles, fazendo com que disso resulte o diálogo que nos é proposto por Paul Ricoeur. Analisaremos a via que perpassa desde a tensão, até a possibilidade de construção de um efetivo diálogo entre amor e justiça, ancorados e sustentados pela vivência do difícil perdão, que necessariamente deve ser entendido numa perspectiva superabundante, para daí sim, manifestar o sentido real de três características encarnadas no ser humano, que carregam sim sua singularidade, mas que estão em profunda consonância e comunhão.

1. PAUL RICOEUR: ANÁLISE DE UMA VIDA PLENAMENTE HUMANA

Paul Ricoeur nasceu na cidade francesa de Valence, aos 27 de fevereiro de 1913, ficando órfão cedo e sendo educado pelos avós de tradição protestante (Calvinista). Morreu aos 92 anos na cidade de Châtenay- Malabry, após longo período de doença, porém, de maneira muito pacifica em sua casa na referida cidade. É considerado um dos principais pensadores e filósofos francês do pós 2ª Guerra Mundial. Foi aluno da Sorbonne no pós- guerra e também teve passagens pela Universidades de Louvaina (BEL) e Yale (EUA), no qual realizou uma importante obra de Filosofia política. Dentre os debates que proferiu estão os de linguística, psicanálise, estruturalismo e hermenêutica, dando maior ênfase no estudos

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acerca das sagradas escrituras, uma vez que era um cristão professo (já que sua religião despertou esta admiração e desejo em aprofundar-se no conhecimento bíblico, mesmo que não sendo formado em Teologia e longe de considerar-se um Teólogo), tendo grande influência no pensamento religioso, adquirindo grande prestigio dentre os maiores teólogos cristãos do mundo e também uma bonita amizade com o líder da Igreja Católica, o Papa João Paulo II.

Ricoeur deixa-nos um importante legado e uma diversidade em obras que auxiliam no estudo e no aprofundamento em Teologia da Graça e Antropologia e na busca pelo sentido do mal.

Era catedrático em Filosofia e doutor em letras, tornando-se professor no ano de 1933, tendo como principais influenciadores Husserl com seu pensamento fenomenológico, Gabriel Marcel, Karl Jaspers e Sigmund Freud. Foi prisioneiro na 2ª Guerra e isso possibilitou ao filósofo questionar sobre a existência do mal e da violência, opondo-se veementemente as Guerras da Argélia no ano de 1950 e da Bósnia em 1990. Foi membro fundador do comitê da revista “Esprit1” e diretor da “Revista de Metafísica e Moral” em 1978. Durante o tempo que foi decano da Faculdade de Letras da Universidade de Naterre, Ricoeur não mediu esforços na relação e diálogo com os estudante da revolução estudantil francesa de 1968, porém, não obtendo os resultados que esperava, exilou-se na Universidade de Chicago (EUA).

Ricoeur foi um ilustre acadêmico, pensador e escritor, tendo grande destaque no cenário teológico, político, hermenêutico, moral, ético, dentre outros. Nas suas mais diversas obras tem principal relevo as que se seguem: A filosofia da vontade: I. O Voluntário e o Involuntário (1950); História e Verdade (1955); Filosofia da Vontade.II. Finitude e Culpabilidade: 1. O homem falível. 2. A simbólica do Mal (1969); Da Interpretação. Ensaio sobre Freud (1965); Ensaios Políticos e Sociais (1974); Ensaios de Hermenêutica I - O conflito das Interpretações (1969) e II - Do texto à ação (1986); Tempo e Narrativa – tomos I, II e III ( 1983 – 1985), Metáfora Viva (1975); Teoria da Interpretação: O Discurso e o Excesso de Sentido (1976); Leituras 1. À volta da Política. (1991); Soi-même comme un autre (1991) e A memória, a história e o esquecimento (2000).

Algo importante para compreender a vida de Ricoeur, foi a queda do socialismo, um acontecimento de enorme impacto na civilização humana, pois, transformou totalmente a

“face da terra”, fazendo com que no ano de 1989, nosso Filósofo Paul Ricoeur voltasse-se ao incansável debate filosófico francês, tomando como base uma detalhada reflexão centrada a partir do conceito de pessoa, de alteridade, de solicitude e de instituições justas. Em seu

1 É uma revista de divulgação mensal fundada por Emmanuel Mounier no ano de 1932, com o auxilio de um comitê, dentre os quais estava Paul Ricoeur, e que na tradução literal significa “O Espírito”. Tem a preocupação com o interesse público, dedicando-se a decifrar questões acerca das mudanças políticas, sociais e culturais da França e do mundo inteiro. Disponível em: http://www.esprit.presse.fr/whoarewe/history.php

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belíssimo e complexo livro “Soi-même comme un autre”, deixa-nos um legado forte sobre quatro dimensões fundamentais da manifestação do ser humano no mundo, que são a linguagem, a ação, a ética e a narrativa, todos mediante uma relação com os outros indivíduos que fazem o homem reconhecer-se como tal e dá sentido a sua existência. Conseguiu em meio a tantas tribulações em sua vida pessoal e a tantos acontecimentos banais que acometeram o mundo, escrever e fundar sua Filosofia num alicerce bonito, composto pela bondade, respeito ao outro e na vivência superabundante dos sentimento mais sublimes que podem compor o ser humano. Mesmo vivenciando no meio acadêmico os resultados das mais violentas e verdadeiras guerras, Paul Ricoeur sempre manteve-se muito atento a escuta do outro, numa atitude de profunda humildade, mostrando que é a partir do diálogo que podemos construir com os outros, uma convivência fraterna e respeitável, mesmo que estejamos diante de todas diferenças e ideologias que compõem cada pessoa em sua particularidade. Indubitavelmente, este pensador francês dá um grande exemplo de sabedoria e amor pela humanidade, que mesmo assolada por inúmeros acontecimentos catastróficos e desfigurantes, não pode perder sua essência de bondade e convívio fraterno entre os seres humanos. Em Ricoeur encontramos o relato e o testemunho da vivência de uma vida plenamente humana e cheia de sentido.

2. AMOR E JUSTIÇA: TENSÃO E DIÁLOGO

Comecemos por esboçar acerca das três característica do amor. Esses são discursos estranhos ou bizarros como o próprio Ricoeur os elenca e estão intrinsecamente tensionados com a justiça. Num primeiro nível encontramos uma forte ligação entre o amor e o cântico de louvor. Um e o outro são o mesmo, pois, todo discurso de amor está permeado do cântico do louvor. Esta forma encontramos principalmente na poética bíblica, que procura amplificar o sentido de um fenômeno, dificultando dessa forma, o esclarecimento conceitual que a ética nos propõem, estabelecendo uma primeira resistência do amor com a ética. Oras, mas será que estabelecer que o amor seja vivido de maneira ingenuamente exaltado, não é algo desmedido e se podemos dizer, sem sentido? Ricoeur chama a atenção sobre esse risco, pois, o amor não pode viver nesta exaltação ingênua, sem que seja praticado por nós, seres humanos, de maneira desinteressada e sem nada esperar em troca. Num segundo nível encontramos a forte ligação entre o amor e a obrigação kantiana. Mas deixar um sentimento como o amor, cair num discurso de obrigação, não parece ser inviável? Não só é inviável como também é uma loucura propormos isso. É necessário que difiramos este sentimento da pura lei, para que dessa forma, reconheçamos no outro o si-mesmo, ou seja, amar significa que devo encontrar no outro esse amor. Não é impor nada, mas é levar em consideração o mandamento do amor.

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E aqui podemos fazer uma ponte com o cântico de louvor que retira do amor a característica da obrigação kantiana e dá ares do mandamento ama-me. Num terceiro nível encontramos o amor que se revela como um sentimentalismo absurdo, ou melhor, ingênuo. E isso é introduzido pela metaforização que retira do sentimento seu real significado e transforma-o num vasto campo de analogias, de comparações extravagantes.

A partir deste primeiro contato com a obra ricoeuriana e elencado os três discursos

“bizarros” do amor, podemos partir para a classificação da justiça e seus meios, que vem em contrapartida ao que acabo de nomear como discursos inviáveis sobre o amor, ou como nos elenca Ricoeur, “discursos bizarros do amor”. Vamos analisar a justiça por dois víeis diferentes, no qual nos deteremos em explicitá-la como sendo um aparelho judiciário e depois no nível dos princípios.

Partindo da justiça como um aparelho judiciário vemo-la como uma atividade comunicacional, pois, há diálogo entre as partes, e não só, mas as próprias leis, os tribunais e os juízes, são os canais pelos quais a justiça se realiza e dão a ela esse caráter comunicacional.

Esse é um primeiro confronto que encontramos face a vivência do amor como sendo incompatível com a justiça. Bem sabemos que amar não nos pede argumentos, pois, apenas se ama. Em contrapartida, a justiça precisa argumentar, para que os canais dela tomem uma decisão, até por que, pode-se cair num grande erro se não se confrontarem minuciosamente os argumentos apresentados. E na justiça sempre um lado estará certo e ganhará a decisão dos juízes, que instauram uma sentença final, caracterizada pela marca de força. Ai reside o que Ricoeur chamará de primeiro formalismo da justiça, ou seja, uma marca de força constituída a partir de inúmeros processos.

No segundo nível da justiça, analisaremos reflexivamente o ideal de justiça, que está inserido numa prática social. Se levarmos em questão a justiça na sua característica distributiva, veremos que a cada pessoa é destinada uma função, que ajudará na conservação de uma sociedade justa. Ou seja, a cada um é dado aquilo que é de seu merecimento. Emerge- se então uma questão: qual o valor moral do predicado justo? Discutido desde Aristóteles até os dias de hoje, Ricoeur também se pautará sob essa questão e durante sua obra tentará esclarecer esse impasse deixado pelo Filósofo estagirita. Como um aparelho judiciário teremos facilidade em explicá-lo, pois, a máxima do plano judicial consiste em tratar casos semelhantes de maneira semelhante. Mas, num mundo onde acontecem impactantes distribuições desiguais, como isso é possível? Rawls deixou-nos um legado importante, quando acredita que maximizando a menor parte, resolveremos o problema, ou seja, seria o mesmo que elevar os menos favorecidos e dar-lhes condições favoráveis de igualdade. E a

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partir desta sentença, Ricoeur nos evidenciará o segundo formalismo da justiça. Temos dois polos distintos, mas, que fazem parte de um mesmo fenômeno, pois, a justiça não é só uma pratica social, mas também, é um ideal de partilha que favoreça a todos e a cada um. Partilha esta movida pelos sentimentos de distribuição e de igualdade. No caso da distribuição temos uma conotação moral, ou seja, a justiça deve regular os conflitos, para que a liberdade de um não interfira na liberdade do outro e no caso da igualdade, seria o chamado “interesse desinteressado”, a igualdade de oportunidades, que Ricoeur chamará de endividamento mútuo. Cabe a justiça regular isso, para que os seres humanos reconheçam-se devedores entre si e gerem uma economia da solidariedade verdadeira.

Realizado esse percurso da exploração da tensão viva entre dialética do amor e prosa justiça, tentaremos construir um efetivo diálogo entre os dois ideais. Efetivo aqui num sentido de produzir um efeito real, verdadeiro e estável entre esses dois fenômenos. Ricoeur utiliza da Escritura, mais especificamente dos Evangelistas Mateus e Lucas, para mostrar que tanto o mandamento do amor ao próximo, quanto a Regra de Ouro se mostram entrelaçados.

Surge-nos ai mais uma pergunta: como o hino de louvor se transforma no mandamento do amor? Vemos que o mandamento não tem um fim em si mesmo, mas, participa de uma dimensão supraética, pois, amar ao próximo e amar os inimigos toma sua primeira perspectiva em relação a economia da doação no momento em que reconhece essa dependência entre criatura e criador. A segunda perspectiva que o mandamento assume face a economia da doação está centrada na figura de Deus como sendo fonte de possibilidades desconhecidas do homem. Para Ricoeur o mandamento novo segue os mesmos passos da economia da doação e retira seu fundamento supraético daí. Supraético aqui num sentido de transcender a forma imperativa que o mandamento pressupõem, pois, este mandamento nasce do campo do dom, ou seja, da doação. Porém, não podemos cair no cálculo interessado e transformá-lo numa fonte de obrigação. A economia da doação é impulsionada por uma Lógica da Superabundância, opondo-se veementemente a lógica da equivalência, que gera o cálculo interessado e dá bases à Regra de Ouro, que utiliza-se da reciprocidade como meio de manifestação. São duas lógicas conflitantes entre si e de difícil dialogo, até por que se analisarmos o sermão da planície em Lucas, veremos uma severa critica de Jesus a Regra de Ouro e em termos formais, esta se apresenta com sendo Regra da Justiça, voltando-nos a máxima rawlsiana de maximizar a mínima parte.

Seria muito cômodo se focalizássemos somente nesta tesão entre amor e justiça, porém, podemos construir um caminho que concilie os dois fenômenos, mesmo que cada um carregue em si suas particularidades. O mandamento do amor pode ser a manifestação

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generosa da Regra de Ouro e assim, teremos uma nova interpretação dessa, sendo canal deste mandamento que se realiza a partir de extremos, ou seja, de um amor doação, de um amor supraético. Parece impossível viver esse amor supraético, mas como o próprio Ricoeur evidência, muitos alcançaram e realizaram atos permeados pela Lógica da Superabundância:

“Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, bendizei aos que vos maldizem e orai pelos que vos caluniam. Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra; e, ao que te houver tirado a capa, não lhes negue também a túnica.

Dá a todo o que te pedir, e ao que tomar o que é teu, não lho reclame” (Lucas 6, 27 – 30). São esses compromissos singulares extremos que São Francisco, Gandhi, Martin Luther King assumiram. (RICOEUR, 2012, p. 29)

Uma lógica necessita da outra para não se esquivar de sua missão, pois, devemos tomar cuidado pra não deixar o amor cair num sentimentalismo ingênuo e nem deixarmos a Regra da Justiça mover-se tão-somente pelo cálculo interessado, numa máxima utilitarista.

Dessa forma, Ricoeur mostra que a dureza de Jesus não é à Regra de Ouro em si, mas antes, a uma interpretação sempre caótica e interessada dela. O mandamento do amor permeado da Lógica da Superabundância dá esse caráter desinteressado a Regra de Ouro. São duas visão que fazem parte de um mesmo fenômeno. E isso pode ocorrer até mesmo com a Regra da Justiça, por que ao entregar-se a si mesma tende a cair na sua visão utilitarista e deixar-se mover pela disputa, onde um seria mais beneficiado do que o outro. É a partir do equilíbrio refletido que Ricoeur se apoia para mostrar esse parentesco entre amor e justiça que se desvela aos olhos do ser humano. Em momento algum o Filósofo em questão quis extirpar as diferenças que ambos fenômenos apresentam, mas antes, buscou mostrar que para se atingir a verdadeira justiça é necessário o auxilio do amor e para que o amor seja vivenciado no aqui e no agora da nossa existência, é necessário a justiça como campo ético, que não deixa o amor cair num mero sentimentalismo que não consegue “pensar” e viver intensamente.

Não é fácil concilia-los, porém, não é impossível. Nós enquanto seres humanos dotados de capacidade reflexiva e apoiados sobre a Teologia e a Filosofia, devemos trazer para todas as esferas da nossa vida esses dois ideais, que mais do que teóricos devem ser práticos, nos movendo ao agir. Não um agir utilitarista e ingenuamente sentimental, que são totalmente discrepantes entre si, mas antes, um agir que evidencie um efetivo diálogo e partilha entre eles, revelando que Amor e Justiça podem e devem ser vividos no intimo do ser humano, não em conflito, mas em mutua participação no agir do homem. Amar nos humaniza e ser justo nos impele a uma vivência plena da prática do amor. Em conjunto, estes dois ideais dão plenitude e sentido ao ser humano, reforçando a necessidade de viver amor e justiça em intima comunhão e não na obrigação de escolher entre um ou outro. Não é ser justo e se

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esquecer de amar e muito menos amar e esquecer de ser justo. É buscar sempre as mediações práticas entre estes dois extremos, mesmo que seja de maneira frágil e/ou provisória e que para isso seja necessário lançar mão de um caminho árduo e penoso.

3. O PERDÃO NA FILOSOFIA RICOEURIANA

Ricoeur nos oferece inúmeros escritos acerca do perdão e de suas implicações na vivência comunitária do ser humano. Podemos dizer que ao caminharmos pelo percurso filosófico ricoeuriano, vamos descobrindo que o tema do difícil perdão dá vida a todo seu pensamento. O perdão se mostra como possibilidade de sanar toda a dívida que existe no homem capaz, tema recorrente na antropologia ricoeuriana, e assim, extirpar todo tipo de lesão que tal homem realizou ou sofreu, seja por uma mal praticado ou pelo mal padecido.

Para se atingir o perdão é necessário uma via longa, na qual caminhamos por entre a desproporção existente entre a culpa e o perdão. É que Ricoeur refletirá no epílogo de “A memória, a história, o esquecimento”, que ele mesmo intitulará como “O perdão difícil”, ressaltando as difíceis etapas que são necessárias para alcançar este dom.

O início deste labor filosófico se dará na formulação da equação do perdão, que está sustentada numa disparidade vertical, encontrando-se entre dois polos distintos, indo desde a profundidade da falta à altura do perdão. Para discursar sobre o perdão precisamos saber qual o sentido da falta, que segundo Ricoeur, “é o pressuposto existencial do perdão” (RICOEUR, 2008, pg. 467). Mas, para que exista a falta e desse modo o perdão, faz-se necessário a imputabilidade, que é o ato de poder acusar, presumir ou declarar culpa a alguém, de modo tal que esta pessoa sinta-se culpada e assuma-se como o autor destes atos que ferem a humanidade de uma pessoa. A falta deve ser remetida a alguém e esse alguém “acolhê-la”

como sendo dela. Para Ricoeur, a dimensão da falta está presente no homem capaz, que a todo momento utiliza-se do verbo poder, ou seja, é um ser humano que pode fazer, que pode falar, que pode acolher e reconhecer seus atos, mesmo que receba uma sentença por isso. Devemos procurar desvelar a falta ou culpabilidade2, no âmbito da imputabilidade. Outro termo cunhado por Ricoeur é o da confissão, que é um ato de linguagem que dá ao ser humano a possibilidade de reconhecer-se culpado e tomar para si uma acusação. Na confissão encontramos fundamentos que são capazes de ultrapassar a diferença discrepante entre inocência e culpabilidade e mais ainda, entre ato e agente.

2 Este termo é designado por Karl Jaspers como uma situação-limite da existência do ser humano, da mesma forma como a morte, o sofrimento e o combate. Ricoeur acolhe também a este termo, sendo possível referir-se a falta que está explicitada em sua Filosofia.

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Para compreender a profundidade da falta, Ricoeur procurará esclarecer os três benefícios que este “aprofundamento da profundidade” ganha na relação com o mal. Primeiro, apoiado pela metacategoria encontramos a falta em relação com outras situações negativas da experiência humana. Segundo, o mal nos leva a imaginar algo insuportável, que está em demasia no íntimo humano. E em terceiro, podemos suscitar com a ligação entre mal e falta, a descoberta de uma profundidade na elaboração cultural de inúmeros discursos mítico- simbólicos acerca do mal, que desde os confins alimentou um grande imaginário. Será neste ponto que nosso filósofo se arraigará para encontrar um lugar viável para a prática do perdão, pois, como ele mesmo indica, depois desta descida às profundezas da falta parece-nos que é impossível proferir uma outra palavra que não seja de imperdoável.

Outro momento importante desta empreitada na procura de vivenciar o difícil perdão, será analisar o segundo extremo da disparidade vertical, no caso a altura do perdão. Aderindo a afirmação de Nicolai Hartmann3, “de que no plano moral existe uma vitória sobre o mal, mas, não um aniquilamento”, Ricoeur mostrará que a culpabilidade e a ipseidade estão intrinsecamente em comunhão e que uma falta é imperdoável, tanto no plano do fato, quanto do direito. Para ele, há o perdão, sendo este um desafio inverso, sendo uma voz silenciosa que vem da altura, do mesmo modo que a voz da confissão vem da profundidade existencial da ipseidade. O perdão procede da mesma família do amor, que tem sua fonte do alto. Para que entendamos essa familiaridade entre amor e perdão, Ricoeur busca fundamento na grande exortação que São Paulo dirige à comunidade de Coríntios, que mostra o amor como a maior de todas as virtudes humanas, sendo ela a própria Altura. Vemos que o amor tudo suporta, tudo crê, tudo perdoa, então, temos nesse termo tudo, uma congregação de fatos, inclusive do que é imperdoável. Dessa maneira, Ricoeur deixa claro que o perdão só existe, de fato, à medida em que está confrontando-se com aquilo que é imperdoável, sendo um amor incondicional que não tem fronteiras que o privem de agir. Não é preciso pedir perdão para que este exista, basta haver algo que seja considerado imperdoável, pois, ai já residirá de fato o perdão. O perdão é uma espécie de “prova do impossível”, evidenciando este caráter conflitivo entre a profundidade da falta e a altura do perdão, na qual Ricoeur dissertará enorme tempo de seu pensamento.

Caminhando na empreitada rumo ao desvelamento do que é o difícil perdão, Ricoeur se centrará na explanação acerca da odisseia do espírito do perdão, que se dá na travessia das

3 Foi um importante filósofo, nascido em Riga na Letônia, aos 20 de fevereiro de 1882. Preocupou-se com todas as disciplinas filosóficas, construindo um legado em torno da ética, da estética, da teoria do conhecimento, dentre outras. Morreu aos 9 de outubro de 1950, na cidade alemão de Göttingen.

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instituições. Trilhando o mesmo caminho que Karl Jaspers, Paul Ricoeur analisará os quatro tipos de culpabilidade existentes na sociedade, e desse modo, analisará a relação do perdão no meio dos níveis institucionais. Vale ressaltar que o quarto tipo de culpabilidade, a chamada metafísica, fora dissertada em primeiro plano neste epílogo.

O primeiro tipo de culpabilidade é chamado de criminal e imprescritível, sendo sob esta questão que nosso filósofo se pautará na elaboração do problema do perdão. O imprescritível emerge devido à existência de seu contrário, no caso a prescrição. Esta prescrição não é o extermínio de uma ação jurídica, mas, apenas reforça o caráter conclusivo das sentenças penais, preservando a ordem social que está inscrita num determinado tempo.

Do outro lado, a imprescritibilidade exerce uma força de persistência no tempo, mesmo que seja necessário superar as barreiras imposta pela ação da prescrição. É o mesmo que ressuscitar a todo momento uma história penal que já poderia estar enterrada, ou seja, um eterno retorno numa situação que poderia ter sido “apagada” com o passar do anos. Ricoeur chama-nos a atenção para não cairmos no erro de confundir imprescritível com imperdoável.

No caso da culpabilidade criminal, o espírito do perdão, segundo Ricoeur, é algo inviável, pois, perdoar seria o mesmo que esquecer e deixar impune aquilo que de fato é imperdoável.

Isso causaria uma enorme injustiça perante a lei e as vitimas que estão envolvidas no caso. Na culpabilidade criminal todo crime é medido a partir da infração cometida, mas quem sofre as duras penas da justiça é o criminoso. Por isso, tratar os casos de crimes com o perdão, é esquivar o criminoso de sua sentença e declará-lo impune diante da sociedade.

O segundo tipo de culpabilidade é chamada de política, que segundo Jaspers e adotada por Ricoeur; ela se difere da responsabilidade criminal que é julgada a partir dos tribunais.

Temos a noção de uma culpabilidade dita coletiva e não de povo criminoso. Segundo afirma Ricoeur: “quem usufruiu os benefícios da ordem publica deve, de certo modo, responder pelos males criados pelo Estado do qual faz parte” (RICOEUR, 2008, pg. 481), evidenciando, desta maneira, o caráter coletivo da culpabilidade política. É sob os limites desta culpabilidade e os conflitos por ela emergidos que a problemática do perdão se encontra.

O terceiro tipo de culpabilidade é chamada de moral, que perde o caráter coletivo da culpabilidade política, passando a ser uma responsabilidade em nível pessoal. Neste momento, o filósofo começa a pensar uma possível troca entre demanda e perdão, deixando de lado o regime de acusação. A partir de então, Ricoeur se dirigirá à análise da escala da troca, na qual o perdão ganha um espaço, mesmo que de maneira periférica.

Ainda na busca do sentido do perdão, Ricoeur refletirá sobre a odisseia do espírito do perdão, analisando a escala da troca. Aqui relacionar-se-á o pedir perdão e dar o perdão.

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Ricoeur identifica esta relação entre demanda e oferta do perdão como sendo bilateral, o que não dá bases para que a relação vertical que já fora exposta seja reconhecida. A dinâmica do espírito da troca está fundada sobre dois atos de discurso, sendo um culpado que reconhece seu erro diante de outrem e um o outrem que é capaz de pronunciar o perdão que se tornaria uma palavra de libertação. Diante disso, Ricoeur construirá dilemas, inspirado por Oliver Abel, que podem ilustrar claramente como se dá essa dinâmica própria do espírito da troca.

O primeiro dilema aparece a partir da seguinte interrogação: “Pode-se perdoar aquele que não confessa sua falta?” (RICOEUR, 2008, p. 485). Segundo Ricoeur, com este questionamento podemos respeitar o orgulho do culpado. O segundo dilema surge de outro questionamento: “É preciso que quem enuncia o perdão tenha sido ofendido?” (RICOEUR, 2008, p. 485). Aqui é importante nos atentarmos para não cairmos numa espécie de teatro, no qual apenas representamos um pedido de perdão e não fazemos de coração. Ai Ricoeur acredita residir uma grande perturbação no que tange uma resposta. E o terceiro dilema que desvela-se de um último questionamento: “Pode-se perdoar a si mesmo?” (RICOEUR, 2008, p. 485). Esta última indagação só será de fato respondida por completo no final desta odisseia.

Perdoar a si mesmo carrega em si uma dupla problemática. Primeiro que somente a vítima perdoa, sendo que esta é diversa de mim. E a segunda, está no sentido da diferença vertical entre o perdão e a falta, que não dá espaço para uma projeção horizontal desta relação.

Feito esta distinção de dilemas, Ricoeur procurará esclarecer o sentido da economia do dom, para dissipar a ambiguidade suscitada pelo terceiro dilema. Para o filósofo, dom e perdão sofrem de uma comparação devido às proximidades semânticas e etimológicas que elas absorvem em várias línguas. Será uma tentativa de mostrar a diferença de altitude que existe entre o dom e o perdão, a partir do espírito de troca.

Primeiro, vemos que o dom deve estar livre do espírito de troca, pois, nos doamos sem nada esperar em troca. Para Ricoeur, “a ênfase recai mesmo, aqui, na ausência de reciprocidade” (RICOEUR, 2008, p. 486). Porém, há uma lógica que empurra o dom em outra direção diferente da que foi oposta pela lógica da superabundância. Esta força nos convida a retribuir e não receber. É um caráter que parece-nos gratuito e livre, mas, que em si carrega uma força que nos motiva a retribuir algo ganhado. Esta força é um enigma que se encontra, segundo Ricoeur, no vínculo de um tríade, a saber: “a de dar, a de receber, a de retribuir” (RICOEUR, 2008, p. 487).

Mergulhado no modelo arcaico da economia do dom, podemos caminhar na tentativa de responder aos dilemas do perdão, mesmo que seja no nível de sua dimensão bilateral e recíproca. Deste modo, Ricoeur coloca-nos diante da inversão do dilema, pois, somos

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confrontados com o mandamento cristão de amar aos inimigos sem nada esperar em troca.

Para Ricoeur, “este mandamento impossível parece ser o único a altura do espírito do perdão”

(RICOEUR, 2008, p. 488). Para muitos críticos essa tese seria uma disparidade diante da Regra de Ouro que visa a justiça entre as pessoas. Porém, alimentando-se dos evangelistas, Ricoeur mostrará que na boca de Jesus encontra-se a radicalização da crítica feita pelos adversários da regra da superabundância:

“Lê-se isso: ‘Se amais os que vos amam, que reconhecimento tereis? Pois, os pecadores também amam os que os amam; [...] mas, amais vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem nada esperar em troca’ (Lucas 6, 32-37). A critica anterior é, assim, radicalizada: a medida absoluta do dom é o amor aos inimigos” (RICOEUR, 2008, p. 488)

Encontramos na ótica da superabundância da narrativa evangélica, as bases para o início da destruição da regra da reciprocidade, que visa a troca como meio eficaz de sua plenificação. Para Ricoeur, a hipótese de que nada se espera em troca do inimigo é falsa, pois, no fundo, este amor pelo inimigo pede sua conversão. Aqui, encontra-se uma nova forma de expressar o dom, desvinculado de um caráter comercial: “não mais a troca entre dar e retribuir, mas, entre dar e simplesmente receber” (RICOEUR, 2008, p. 489). O que chama- nos a atenção é que entre a relação do pedir perdão e dar o perdão, encontra-se um obstáculo muito intrigante, pois, aquele que confessa seu erro e quer o perdão, deve estar aberto também a escutar um não, já que quem tem o poder de perdoar deve se sentir na liberdade de dar ou não seu perdão. Uma dificuldade que acompanha Ricoeur em seu projeto filosófico sobre o perdão, está na assimetria que constitui a equação do perdão, já que este dom ultrapassa todo o intervalo existente entre a profundidade da culpa e a altitude do espírito do perdão.

Ricoeur utilizará exemplos de comissões que se pautaram em encontrar meios de promover a justiça e a paz, sem a disseminação de vingança, ódio e guerra, para analisar os dois lados da situação: vitimas e acusados. Do lado das vítimas, encontramos benefícios morais, terapêuticos e políticos, pois, estas comissões lhes possibilitaram o alívio de suas angustias e sentimentos perante os condenados, porém, é de certa maneira questionável, pois, o que Ricoeur levante e que nos interpela hoje quando nos deparamos com estes casos é o seguinte: até que ponto as vitimas avançaram rumo ao perdão que seja verdadeiramente sincero? A resposta ricoeuriana é muito sucinta: “é difícil dizer” (RICOEUR, 2008, p. 491).

Do lado dos acusados que pedem publicamente perdão, temos um agravante, pois, até que ponto é verdadeiro e sincero seu pedido de perdão? Muitos simplesmente utilizam destes

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artifícios para expressarem um espetáculo que aos olhos humanos é puro, é belíssimo, mas que na sua essência é podre e mentiroso.

Diante destas perplexidades, Paul Ricoeur vê-se novamente frente à provocação inicial, a saber: se é possível realmente perdoar. Também caímos face ao abismo existente entre pedir perdão e perdoar, que para Ricoeur se resume em uma única pergunta: “que força torna capaz de pedir, de dar, de receber a palavra perdão?” (RICOEUR, 2008, p. 492).

Mais um passo é dado pelo filósofo que é o retorno sobre si mesmo, no centro da questão da ipseidade. Inspirado por Hannah Arendt, a questão da promessa e do perdão será o último ponto enfrentado por Ricoeur, antes de esclarecer o paradoxo do arrependimento. O perdão desliga o agente de seu ato e a promessa o liga. Ambos os fenômenos dependem da pluralidade para se efetivarem, visto que, ninguém consegue experiênciá-los na solidão. É sob esta harmonia entre perdão e promessa que Ricoeur refletirá. Do lado da promessa, vemos que ela pode se institucionalizar, a medida que com o perdão é bem diferente, pois, este constrói uma relação com o amor, que o faz esquivar do campo político. Segundo Ricoeur: “não há política do perdão” (RICOEUR, 2008, p. 496). Necessitamos dos outros para colocarmos em prática o perdão e querer perdoar a nós mesmos necessitaria de nos reconhecermos como tais.

Este dom diferentemente da promessa tem uma áurea religiosa, que vem do alto, pois, ele é capaz de tamanha doação que pode desligar o agente de seu ato.

Este desligamento do agente de seu ato nos leva a uma outra questão importante deste epílogo e que dá sentido à prática do perdão. Amparado pelas “religiões do Livro”, Ricoeur trará a tona dois conceitos que ainda não tinham sido elucidados, no caso, a relação entre perdão e arrependimento. No perdão encontramos o poder revitalizador que traz ao homem culpado a possibilidade de voltar a ser aquilo que é sua essência de ser humano, ou seja, viver novamente pautado pelo espírito da bondade. Precisamos entender o perdão como a fonte que renova o pecador, estabelecendo sua força originária. A partir do arrependimento, o culpado se lança ao novo de sua existência, prometendo viver sob os pilares do amor, da paz e da bondade. No perdão encontramos essa capacidade de devolver a um sujeito sua capacidade criadora e mais ainda, de começar uma vida nova. É o que Ricoeur afirma com certa veemência sobre um acusado: “tu vales mais que teus atos” (RICOEUR, 2008, p. 501). É fazer uma pessoa reconhecer que mesmo tendo cometido um erro, ela ainda é ser humano e pode viver sua humanidade. O que Ricoeur procurou durante todo seu percurso filosófico foi compreender e investigar acerca do que move todo homem, a saber: o desejo de ser feliz e viver sua memória, sua história e seu esquecimento ancorado sobre este bonito dilema, que faz todas criaturas serem mais humanas e fraternas.

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CONCLUSÃO

Deparar-se com a obra filosófica de Paul Ricoeur é reconfortante para a alma, pois, ao refletirmos sobre cada termo que nos foi designado, encontramos o reflexo de um ser humano que soube traduzir sua vida na vivência plena de tais sentimentos e mais, deixou um belíssimo legado filosófico para todas as futuras gerações. Como é bom encontrar uma doutrina filosófica que diferentemente de todo tipo de egoísmo, ganância e violência que o mundo pode manifestar, nos trás o real sentido do que é o amor, a justiça e o perdão. Estamos diante de uma sociedade que cada vez menos está pautada pelo anuncio de ideais tão ricos e que possuem uma singularidade serena e humanizadora. O percurso filosófico de Ricoeur é riquíssimo e muito vasto. Poderíamos escrever milhares de páginas, que mesmo assim, seria pouco perto do que este autor tem a nos dizer.

Com Ricoeur pudemos continuaremos aprender que amor, justiça e perdão são polos distintos da vida humana, no qual cada um possui sua singularidade, seu modo próprio de se manifestar no ser humano, mas, que estão em intima relação quando encarados como sendo complemento um do outro. Amor e perdão são familiares. São sentimentos que procuram e almejam alcançar o mesmo fim, ou seja, aquilo que é impossível de ser alcançado, quando visto unicamente pelos olhos humanos. Eles são da ótica do dom, da superabundância que traspõem qualquer barreira no momento de sua manifestação. O amor nos humaniza juntamente com o perdão. E nos humanizando somos convidados a prática da justiça, que mais do que um simples aparato judicial, é aquilo que possibilita em nós, seres humanos, a vivermos em constante comunhão, sem que caiamos simplesmente num cálculo interessado, mas antes, reconheça no outro minha própria humanidade. Ser justo não infere uma troca de favores ou agir de maneira que espere algo em troca, mas, pelo contrário, deve ser uma atitude que vise primeiramente uma vida boa com os outros em instituições justas, onde com minhas atitudes, possa contribuir para a edificação de uma sociedade mais humana e fraterna.

A justiça deve ser a base de toda prática humana e social, amparada sempre pelo amor e o perdão que nos leva a perdoar o mal padecido e a reconhecermo-nos pecadores diante do mal praticado a outrem. Não é diminuir minha humanidade, muito menos a humanidade do meu próximo, mas sim, dar bases para a construção de um efetivo diálogo entre as partes que se reconhecem como irmãos e necessitados do amor, do perdão e da justiça que nos faz todos sermos iguais.

Perdoar não é simplesmente liberar o acusado de sua culpa, fazendo com que haja injustiça e/ou impunidade, mas, é fazer com que a pessoa saiba reconhecer seu erro perante a sociedade e esteja disposta a pedir perdão, mesmo que ela se encontre a mercê da resposta

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daquele que fora prejudicado pelo seu ato, pois, como vimos no percurso deste trabalho, para Paul Ricoeur temos a liberdade de poder perdoar ou não o acusado que se arrepende. Ser justo diante do mal praticado e/ou padecido é esta capacidade de trazer um acusado a realidade de sua culpa e não deixá-lo perder sua humanidade, mas, que o possibilite viver uma vida nova.

Podemos sim, perdoar e ser justos, pois, mesmo sendo ideais com perspectivas diferentes, ambos, juntamente com o amor que tem fonte em Deus, são importantes para a construção de uma sociedade que seja melhor e mais humana, onde na fraternidade, todos vivamos como irmãos, mesmo que sejamos muito diferentes e tenhamos nossas próprias convicções.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ABEL, Oliver, PORÉE, Jérôme. Vocabulário de Paul Ricoeur. Trad. Maria Luisa Portocarrero F. Silva, Luis Antonio Umbelino. Editora Minerva Coimbra, Portugal, 2010.

HOUAISS, Antonio, SALLES, Mauro de Salles. Mini Dicionário da Língua Portuguesa Antônio Houaiss. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2010. 4 ed. rev. e aumentada.

JERVOLINO, Domenico. Introdução a Ricoeur. São Paulo: Paulus, 2011.

PELAUER, David. Compreender Ricoeur. 2 ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2010 RICOEUR, Paul. Amor e justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2012.

_____________. ‘’O difícil perdão’’, in A memória, a história, o esquecimento. São Paulo:

Editora Unicamp, 2008

Referências

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