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Open Duração e Memória: Bergsonismo e o piano no concerto em lá maior para piano com de Orquestra de Octávio Meneleu de Campos

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Academic year: 2018

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Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Música

Duração e Memória:

Bergsonismo

e o Piano no

Concerto em Lá Maior Para Piano com Acompanhamento de

Orquestra

de Octávio Meneleu de Campos

Dayse Dias Silva e Costa

(2)

Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Música

Duração e Memória:

Bergsonismo

e o Piano no

Concerto em Lá Maior Para Piano com Acompanhamento de

Orquestra

de Octávio Meneleu de Campos

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal da Paraíba como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Música, área de concentração em Práticas Interpretativas, linha de pesquisa em Piano e Análise.

Dayse Dias Silva e Costa

Orientador: Prof. Dr. Maurílio José Albino Rafael

(3)

C837d Costa, Dayse Dias Silva e.

Duração e memória: Bergsonismo e o Piano no Concerto em Lá Maior para piano com acompanhamento de orquestra de Octávio Meneleu de Campos / Dayse Dias Silva e Costa.- João Pessoa, 2011.

262f. : il.

Orientador: Maurílio José Albino Rafael

Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA 1. Campos, Octávio Meneleu de (compositor) – Crítica e

intepretação. 2. Música. 3. Piano – prática e análise. 4. Bergsonismo. 5. Memória musica.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, ao meu Deus, que me deu o dom da música e esteve ao meu lado em todos os momentos, suprindo minhas necessidades e dando sabedoria nos momentos de dúvida.

À minha família mais próxima: Aderson Costa, Giovanni Costa e Alair Dias. Vocês decidiram que estariam juntos comigo na realização deste projeto de vida e não mediram esforços para ajudar-me neste propósito.

À minha família maior, nas pessoas de: Alaíde Costa, Darci Costa, Sônia Santos, Eliete e Aurizer Sena, Janira e Raimundo Melo, Ana Claúdia Araújo, Juliana Melo e Ana Cláudia Guimarães. Vocês também contribuíram em momentos variados e de formas diferentes para a concretização deste trabalho.

À minha família da fé, os irmãos em Cristo da Primeira Igreja Batista de Manaus, Amazonas e da Igreja Congregacional no Bessa, João Pessoa, que me sustentaram emocionalmente com palavras de incentivo e espiritualmente com suas orações.

À família Gomes da Silva: Adson, Lucinéia e Mônica. Pela hospedagem em sua casa na época das provas de seleção e pelo apoio dado nos tempos iniciais na Paraíba.

Ao apoio financeiro dado pela agência do governo brasileiro CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, através da concessão de bolsa de demanda social.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Maurílio José Albino Rafael. Meu profundo reconhecimento e gratidão por sua dedicação ao ensino, pela busca de novos caminhos para compartilhar conhecimentos, pela confiança que demonstra no potencial de cada aluno e pela sua amizade. Seus conselhos e sugestões foram preciosos para o desenvolvimento desta pesquisa.

Aos professores do Programa de Pós- Graduação em Música da Universidade Federal da Paraíba, que, neste período do mestrado, somaram em troca de experiências musicais e conteúdos abordados.

Ao Prof. Dr. Márcio Leonel Farias Reis Páscoa, que mencionou a existência do

Concerto e incentivou esta pesquisadora a iniciar as investigações que deram origem a este trabalho.

(7)

À Prof. Eliana Câmara Cutrim, por sua gentil recepção nas dependências da Universidade do Estado do Pará e pelas indicações dos locais de pesquisa na capital belenense.

Ao Museu da Universidade Federal do Pará, ao seu diretor Prof. Jonas Arraes e à equipe de bibliotecários, por franquear acesso às informações requeridas, disponibilizando a consulta ao Acervo Vicente Salles, bem como a atenção dedicada à minha pessoa.

Ao Dr. Gilberto Chaves, que doou parte da bibliografia que embasa este trabalho. Ao musicólogo Vicente Salles e sua esposa Marena Isdebski Salles, que abriram as portas de sua casa para conceder uma entrevista com alegria e interesse.

À Profª Licia Sirch, bibliotecária do Conservatório de Música “Giuseppe Verdi” em

Milão, que também colaborou com presteza na coleta de dados para este trabalho.

À Profª Maria Lindacy Soares, que fez as versões das cartas do português para o italiano.

À Srª Ruth Selma e ao Sr. Ranulfo, da Biblioteca Pública Arthur Vianna, Pará, que realizaram pesquisas em jornais paraenses antigos.

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RESUMO

Esta pesquisa teve como meta o resgate do Concerto em Lá Maior para Piano com Acompanhamento de Orquestra, do compositor paraense Octávio Meneleu de Campos, com vistas à prática pianística e análise. Este Concerto foi composto no período mais profícuo da carreira do músico, entre os anos de 1903 e 1904, na cidade de Milão. A transcrição do manuscrito, o estudo analítico da peça e o estudo da parte de piano do Concerto foram fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho. Os caminhos percorridos por esta análise fundamentaram-se principalmente na filosofia da duração de Bergson (1934) e no estudo sobre o tempo musical de Seincman (2001). Através do Concerto em Lá Maior para Piano com Acompanhamento de Orquestra apresentam-se alguns dos resultados da investigação sobre a memória musical da Belle Époque Amazônica verificando o estilo do compositor, seu referencial estético dentro do cenário musical brasileiro, além de sua relação com o período romântico.

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ABSTRACT

This research aimed at rescuing the Concerto in A major for the Piano with Orchestral Accompaniment by the Brazilian composer Octávio Meneleu de Campos, from the state of Pará, regarding pianistic practice and analysis. This concerto was composed in the most

productive period of the musician’s career, between 1903 and 1904, in the city of Milan. The

manuscript transcription, the analytical study of the piece as well as the study of the Concerto

piano part were of utmost importance to the development of this paper. The ways through

which this analysis was carried out were mainly based on Bergson’s philosophy of duration (1934) and on Seincman’s study of the musical tempo (2001). Some of the Amazon Belle Époque musical memory investigation results are shown throughout the Concerto in A major for the Piano with Orchestral Accompaniment, where the composer’s style, his aesthetical

referential within the Brazilian musical scenario and also his relationship with the romantic period are verified.

(11)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Meneleu Campos aos 30 anos de idade ... 38

Figura 2 – Registros de Matrícula de Meneleu Campos no Conservatório de Milão ... 39

Figura 3 – Primeiro Motivo (A) do 1º Movimento... ... 71

Figura 4 – Segundo Motivo (B) do 1º Movimento ... 72

Figura 5 – Mediante Maior ... 73

Figura 6 – Excerto do Prelúdio nº 9 de Debussy... ... 73

Figura 7 – Compassos Iniciais do Polichinelo de Villa- Lobos... ... 73

Figura 8 – Cadência semelhante a Tchaikovsky... ... 74

Figura 9 – Motivos Renovados ... 75

Figura 10 – Seção Episódica ... 76

Figura 11 – Flexibilização do Fluxo Musical... ... 76

Figura 12 – Ponto de Articulação ... 77

Figura 13 – Solo de Clarinete ... 78

Figura 14 – Reexposição Motívica... ... 79

Figura 15 – Tema A do 2º Movimento... ... 80

Figura 16 – Acordes Ambíguos... 81

Figura 17 – Ilusão de Velocidade ... 82

Figura 18 – Tema B do 2º Movimento ... 82

Figura 19 – Entrada do Piano com o Tema A do 2º Movimento ... 83

Figura 20 – Excerto do Adágio do Concerto Nº 16 de Grieg ... 83

Figura 21 – Referência do Motivo (A) do 1º Movimento... ... 84

Figura 22 – Primeiro Tema do 3º Movimento ... 86

Figura 23 – Segundo Tema do 3º Movimento ... 87

Figura 24 – Cíclico Motivo (B) do 1º Movimento... ... 88

Figura 25 – Cadência com Motivo (A) do 1º Movimento... 89

Figura 26 – Excerto da Sonata Op. 2 de Brahms... ... 89

Figura 27 – Trecho da Cadência do Piano... ... 89

Figura 28 – Ambiguidade Tonal... ... 91

Figura 29 – Reexposição Abreviada ... 92

Figura 30 – Estado em que se Encontra o Manuscrito ... 96

Figura 31 – Excerto do Manuscrito do 2º Movimento... ... 99

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Exames Finais de Meneleu Campos no Conservatório de Milão ... 41

Tabela 2 – Organização Formal do 1º Movimento ... 71

Tabela 3 – Mudanças de Andamento no 1º Movimento ... 77

Tabela 4 – Organização Formal do 2º Movimento ... 79

Tabela 5 – Organização Formal do 3º Movimento ... 84

(13)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

... 13

CAPÍTULO 1

... 21

O Mundo de Meneleu Campos

... 21

1.1 – Era das transformações ... 21

1.2 – Paris n`América ... 23

1.3 – Reflexos dos Valores Estético-Musicais da Belle Époque no Pará... ... 27

1.4 – Paradigma Italiano ... 32

1.5 – A Vida de Meneleu Campos ... 36

1.5.1 – De súdito a compatriota ... 36

1.5.2 – Academicismo Italiano ... 37

1.5.3 – Glória da Terra Natal ... 42

1.5.4 – Auge da Carreira ... 43

1.5.5 – Decepções e Declínio ... 45

CAPÍTULO 2

... 48

Preservando o Passado no Presente

... 48

2.1 – Proposta de Análise Bergsoniana ... 48

2.1.1 – Da Escolha da Filosofia de Bergson ... 48

2.1.2 – Sobre O Pensamento e o Movente ... 48

2.1.3 – Sobre Matéria e Memória ... 58

2.1.4 – Sobre Do Tempo Musical ... 63

CAPÍTULO 3

... 67

O Concerto em Lá Maior para Piano com Acompanhamento de

Orquestra

... 67

3.1 – Dos Manuscritos do Concerto ... 67

3.2 – Análise do Concerto Sob a Perspectiva de Bergson ... 69

3.2.1 – Primeiro Movimento ... 71

3.2.2 – Segundo Movimento ... 79

3.2.3 – Terceiro Movimento ... 84

3.3 – Escolhas Interpretativas ... 93

3.3.1 – Transcrição dos Manuscritos ... 94

(14)

3.3.2.1 – Indicações Metronômicas ... 97

3.3.2.2 – Indicações de Dinâmica ... 98

3.3.3 – A Realização do Objeto Artístico ... 100

CONSIDERAÇÕES FINAIS

... 102

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

... 105

APÊNDICE

... 109

Apêndice A – Cópia da Carta enviada para o Conservatório Giuseppe Verdi ... 109

ANEXOS

... 110

ANEXO A– Entrevista com o Prof. Jonas Arraes ... 110

ANEXO B– Entrevista com Vicente e Marena Salles ... 121

ANEXO C– Cópias das cartas enviadas eletronicamente pela Profª Licia Sirch da Biblioteca do Conservatório Giuseppe Verdi - Milão/ Itália ... 138

ANEXO D - Cópia de excertos do manuscrito do Concerto em Lá Maior para Piano com Acompanhamento de Orquestra ... 143

ANEXO E– Recortes do Jornal Folha do Norte do ano de 1925 ... 146

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Introdução

A música, enquanto expressão cultural do homem está diretamente relacionada à época em que foi concebida, como leitura de seu tempo através do processo de criação. Ela transmite, por intermédio de seus signos, a situação da vida cultural e dos códigos filosóficos de uma era. As manifestações culturais são encenação de determinada prática social; a "dramatização e a representação musical prestam-se bem para uma leitura de questões sociais" (FELD apud PINTO, 2001, p. 5).

Nesta perspectiva, enfoca-se neste trabalho o Concerto em Lá Maior para Piano com Acompanhamento de Orquestra, do compositor e regente paraense Octávio Meneleu de Campos (1872-1927). Meneleu Campos, como ele mesmo assinava suas obras e a partir de agora será assim designado neste trabalho, foi uma figura relevante no meio musical das cidades de Belém e Manaus no fausto do Ciclo da Borracha, também denominado de Belle Époque Amazônica. Suas obras foram executadas em salas de concerto por instrumentistas renomados da época e, após isso, caíram no esquecimento. Dentro de sua vasta obra constam: duas óperas, música orquestral (sinfonias, suítes, fantasias, marchas), música de câmara, música sacra, música vocal para solo, música coral (dentro da prática pedagógica) e música instrumental.

Um dos primeiros historiadores que colaborou para a preservação da memória da música e dos músicos brasileiros foi Guilherme Teodoro Pereira de Melo. Em 1908, Melo elencou, em A Música no Brasil, as fontes influenciadoras da cultura musical brasileira. O livro de Melo apresenta uma catalogação de nomes de compositores e instrumentistas de várias regiões do país e seus principais feitos. No rol dos músicos do Pará surge o nome de Meneleu Campos, e a descrição detalhada de seus exames acadêmicos finais. Sendo assim, Melo pode ser considerado um dos pioneiros na pesquisa dos músicos que atuaram no Norte do Brasil, na virada do século XIX para o XX.

Este trabalho nasceu do desejo de prosseguir na linha de pesquisa acadêmica iniciada pelo Prof. Dr. Márcio Leonel Farias Reis Páscoa, em seu livro A Vida Musical em Manaus na Época da Borracha (1997). Mediante o contato com a história da profícua vida musical nos Estados do Amazonas e Pará, na época do Ciclo da Borracha, novas ideias surgiram sobre aspectos ainda não abordados deste assunto tão vasto.

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realização da pesquisa intitulada “Patrimônio Musical do Norte do Brasil / Mulheres Musicistas na Época da Borracha” (1850-1910) (COSTA, 2006). Nesta investigação, notou-se que as mulheres viveram uma fase de revolução de costumes e abertura educacional, e assim tiveram acesso ao ensino musical com maestros e instrumentistas reconhecidos no Brasil e no exterior, que estiveram em Manaus para as temporadas líricas. A busca pelo conhecimento possibilitou para elas o ingresso no mercado de trabalho como profissionais da música.

Ao pesquisar a crítica musical da época sobre a performance destas mulheres, percebeu-se a necessidade de classificá-las em dois grupos: amadoras e profissionais. As profissionais estavam atuando ao lado de músicos de projeção nacional e internacional da época, ou executavam peças de maior dificuldade técnica, o que as diferenciavam do outro grupo (PÁSCOA, 1997, p. 313-364). Verificou-se também que as peças para piano de Meneleu Campos constavam nos programas dos concertos realizados pelas profissionais, paralelamente com as de maior dificuldade técnica, fato que não ocorre atualmente, visto que suas músicas não têm sido mais executadas com muita frequência.

A escolha do Concerto em Lá Maior para Piano com Acompanhamento de Orquestra,

de Meneleu Campos, foi motivada por ser esta uma peça "que marca o apogeu de sua criação", segundo Vicente Salles1 (SALLES, 1972, p. 164). Seguindo nesta senda de registro da historiografia musical brasileira, Vicente Salles, em Música e Músicos no Pará (1970) e na

Revista de Cultura do Pará (1972), focalizou a produção musical paraense. Por intermédio deste pesquisador foi possível recuperar livros, periódicos, correspondências e vários documentos sociais e culturais que compõem um acervo que atualmente leva seu nome, localizado na Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará. Isto revela uma preocupação crescente de músicos e musicólogos em recuperar a memória e a história por meio da investigação bibliográfica e da busca de documentos.

A catalogação do acervo revelou obras importantes para a história da música paraense e brasileira e tem permitido a outros pesquisadores a chance de pesquisar esse material. Neste acervo é possível encontrar partituras manuscritas do século XIX e também as editadas durante o período da Belle Époque Amazônica. Dentre algumas obras de compositores paraenses e residentes em Belém durante a época da borracha, que estão ali catalogados, acham-se também as de Meneleu Campos.

Afora isso, a história musical de Belém e Manaus no período compreendido de 1850 a 1910 deve continuar sendo alvo de estudos. Há necessidade de ampliação do conhecimento do

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panorama musical e cultural da época e de compreensão da visão dos músicos deste período no Norte do Brasil. Este trabalho foi realizado como um estudo de caso, um espelho, que ajudou a refletir sobre o processo de interpretação e criação de uma geração de músicos, de um momento significativo para toda a região brasileira supracitada.

O interesse pelo compositor Meneleu Campos e sua música tem crescido no meio acadêmico brasileiro. Vários pesquisadores têm se dedicado a estudar sua obra nos últimos anos, os quais são mencionados a seguir.

Mário Dantas2 (2006) iniciou suas investigações com a publicação dos artigos:

Meneleu Campos: Contexto de Criação e Recepção de Duas Peças Líricas de Câmara, e

Notturno e Allegro Scherzando, de Meneleu Campos: contexto de composição, transcrição musicológica e história da recepção. Dantas posteriormente direcionou seu olhar para a produção didática do compositor no artigo Meneleu Campos e a Educação Musical: as publicações de caráter didático (2008).

Gina Reinert3 (2007) realizou uma proposta pedagógica para o aprendizado de violino baseada na Fantasia de Concerto para Violino e Orquestra de Meneleu Campos.

Eliana Câmara Cutrim4 (2009) buscou, no estudo da interpretação de algumas peças para piano solo, o caminho para compreensão das influências românticas nas composições de Meneleu Campos.

Márcio Páscoa5 (2009) versou sobre a ópera Gli Eroi, no livro Ópera em Belém.

Encontra-se em processo final de elaboração, no momento atual desta pesquisa, um livro, fruto da dissertação de mestrado escrita pelo tenor João Augusto Ó de Almeida, sobre as obras vocais de câmara de Meneleu Campos.

Por intermédio deste panorama, constatam-se as variadas frentes que o compositor trilhou e a necessidade de mais investigação sobre a sua obra. Apesar de cada um destes trabalhos abordar diferentes aspectos da produção musical de Meneleu Campos, percebe-se na cena musical paraense um consenso, no sentido de que este músico de Belém foi um dos mais destacados compositores paraenses, ao deixar um variado legado musical.

O referencial teóricopara este trabalho baseou-se principalmente na filosofia de Henri Bergson, particularmente em sua teoria da duração (durée), destacando-se as seguintes obras:

2 Mestrando pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e participante do grupo de pesquisa sob orientação da

Profª Drª Maria Alice Volpe.

3 Mestre em Música (Violino) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

4 Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará e Pós-Graduada pelo Conservatório Sergei

Rachmaninov (Paris). Professora da Universidade do Estado do Pará (UEPA), do Núcleo de Arte e Cultura.

5 Doutor em Ciências Musicais e Históricas pela Universidade de Coimbra- Portugal. Musicólogo. Professor do

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O Pensamento e o Movente (BERGSON. [1934] 2006) e Matéria e Memória (BERGSON. [1896] 2010). O embasamento teórico trouxe subsídios para o estudo do tempo musical como proposta de análise da obra. Bergson mesmo ilustrou por diversas vezes seus pensamentos com imagens musicais e com isso estabeleceu uma espécie de interdisciplinaridade entre a filosofia e a música.

Os conceitos bergsonianos mostraram-se úteis para a abordagem do Concerto em Lá Maior para Piano com Acompanhamento de Orquestra, de Meneleu Campos, possibilitando uma reflexão sobre a relação ouvinte-obra, passado-presente, exterior-interior, identidade-semelhança e fragmento-continuidade. Os elementos aqui listados foram alguns dos pressupostos que se apresentaram pertinentes à linha analítica desejada. Sendo assim, o enfoque da análise concentrou-se mais na escuta musical, pela própria curiosidade de ouvir a obra e também pelo lapso temporal entre composição e receptividade do público no atual século.

As atividades concernentes ao âmbito da pesquisa documental foram iniciadas no momento da solicitação da cópia do manuscrito à Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. O Concerto em Lá Maior para Piano com Acompanhamento de Orquestra, de Meneleu Campos, encontra-se catalogado nesta instituição sob o sistema alfa-numérico: MS C-XXVI-199 e MS C-XXVI-202 e foi disponibilizado para a pesquisadora no formato de microfilme pelo Atendimento à Distância e pela Divisão de Música do Acervo da Biblioteca Nacional em 13 de maio de 2010. Visto que os cinco aparelhos de leitura de microfilme existentes na Universidade Federal da Paraíba não estavam funcionando, as imagens foram visualizados na Fundação Joaquim Nabuco, em Recife (PE). Pelo fato da impressora desta instituição estar inoperante, foi possível apenas fotografar a visualização do microfilme.

Em seguida, iniciou-se a transcrição dos manuscritos. A decodificação das imagens e as implicações da transcrição dos manuscritos foi um dos primeiros desafios para este trabalho, pois, verificou-se a dificuldade com a nitidez das imagens. A dificuldade não foi por causa do estado de conservação do material. Pode-se afirmar que os livros que abrigam os manuscritos autógrafos estão em bom estado. Mas, para a execução deste trabalho, os negativos dos microfilmes fotografados foram transformados em positivos, e isto comprometeu a clareza das imagens.

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As dimensões das páginas influenciaram na qualidade do material do microfilme. As partes centrais das páginas estão mais nítidas em relação às das extremidades esquerda e direita porque receberam maior incidência de luz no momento da captura da imagem pela fotografia do microfilme. É importante ressaltar que também existe a possibilidade de visualizar as imagens diretamente na leitora de microfilme, onde a qualidade é um pouco melhor.

Esta transcrição permitiu o estudo da partitura, o arrolamento das tendências estilísticas e estéticas do Concerto em Lá Maior para Piano com Acompanhamento de Orquestra em relação aos movimentos musicais da época, tais como romantismo, influências operísticas, temas nacionalistas com roupagem europeia, valorização da música instrumental (sobretudo peças para piano), e, posteriormente, a interpretação.

Foi realizada, em janeiro de 2011, a visita ao Museu da Universidade Federal do Pará, que abriga uma parte do acervo do compositor Meneleu Campos. Também foi visitado o Instituto Carlos Gomes, do qual Meneleu Campos foi um de seus diretores. Com a pretensão de buscar outras fontes primárias na cidade de Belém, esta pesquisadora esteve no Centro Cultural Tancredo Neves (CENTUR), que abriga a Biblioteca Pública Arthur Vianna, onde é possível encontrar periódicos antigos microfilmados.

Uma lacuna de informações referentes à interpretação do Concerto foi detectada, tanto nos periódicos consultados pelos funcionários do Centro Cultural Tancredo Neves (CENTUR) que abriga a Biblioteca Pública Arthur Vianna, com acervo de jornais antigos do estado do Pará, quanto no Instituto Carlos Gomes. Contudo, por falta de datas precisas para investigar e pelo fato de que a Biblioteca Pública Arthur Vianna não oferecia meios para fazer cópias dos documentos, a procura não obteve êxito. Posteriormente, uma notícia de um jornal foi encontrada e as solicitações de consultas, bem como o atendimento, foram feitas via e-mail.

Na capital paraense também foram realizadas quatro entrevistas semi-estruturadas com professores e pesquisadores da obra do compositor. Uma das entrevistas foi filmada, visando registro de informações que constam no trabalho e da reprodução fiel das informações prestadas. Os quatro colaboradores da pesquisa entrevistados foram: Profª Eliana Câmara Cutrim, Prof. Jonas Arraes6, Dr. Gilberto Augusto Monteiro Chaves7 e Profª Amélia Dóris Mendes da Silva Azevedo8.

6 Musicólogo. Coordenador do Projeto “Recuperação e Difusão do Acervo Musical da Coleção Vicente Salles”

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A professora Cutrim apresentou sua própria experiência ao tocar peças para piano solo do repertório de Meneleu Campos. Ela reconheceu o caráter romântico das músicas de Meneleu Campos. As melodias comparam-se às de Bellini e Chopin, com temas contrastantes, na forma de rondó, retornando ao tema principal. O professor Arraes relatou suas impressões provenientes de seu trabalho à frente da Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará e do seu contato com a documentação referente a Meneleu Campos. A entrevista foi transcrita e reproduzida na íntegra nos anexos desta pesquisa.

O próximo entrevistado, Dr. Chaves, lembrou que o Pará teve, na virada do século XIX para o XX, três compositores com viés operístico italiano: Henrique Eulálio Gurjão, José Cândido da Gama Malcher e Meneleu Campos. Meneleu Campos viveu um período com novas tendências na Itália, como o Verismo9, por exemplo, e a influência de seus principais representantes – Mascagni e Puccini. Dr. Chaves ainda recordou que teve oportunidade de conhecer a segunda esposa do compositor e privar de sua amizade, ouvindo sobre o tempo em que ela e o marido viveram na Europa. Por último, a professora Azevedo mostrou seu empenho em divulgar a música dos compositores paraenses. Em 2010, na 25ª edição do Festival de Música Brasileira, que aconteceu nas dependências do Instituto Carlos Gomes, o músico escolhido para ser homenageado foi Meneleu Campos. Segundo ela, as músicas do compositor executadas durante o Festival tiveram boa acolhida do público, o que proporcionou aos paraenses o desejo de conhecer mais a obra do compositor.

Um ponto em comum entre os entrevistados era que nenhum deles tinha ouvido o

Concerto em Lá Maior para Piano com Acompanhamento de Orquestra, de Meneleu Campos, embora tivessem interesse em conhecer e divulgar a música do seu Estado.

No acervo do Museu da Universidade Federal do Pará, da Coleção Vicente Salles, foram disponibilizadas fotografias, algumas partituras editadas e outras manuscritas digitalizadas, além de gravações em áudio de peças de Meneleu Campos.

No mês de junho de 2011, o musicólogo Vicente Salles e sua esposa Marena Isdebski Salles receberam esta pesquisadora em sua residência em Brasília para conceder uma entrevista. O casal foi o principal veículo de divulgação da obra de Meneleu Campos, ao receber todo o acervo existente das mãos dos familiares. Também foram eles que encaminharam o referido acervo para a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Na entrevista,

7 Cantor. Membro da Academia Paraense de Música e do Conselho Estadual de Cultura do Pará. Ex-diretor do

Theatro da Paz.

8 Pianista. Fundadora da cadeira nº 6 da Academia Paraense de Música patrocinada por Meneleu Campos.

Atualmente leciona piano no Instituto Carlos Gomes.

9 O Verismo foi um movimento literário italiano do final do século XIX, inspirado pelo Naturalismo, onde a

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anexa a este trabalho, o casal Salles falou sobre esta experiência e as impressões no contato com a obra do compositor.

Desde o mês de julho de 2011, foram feitos alguns contatos iniciais com o Conservatório Giuseppe Verdi, em Milão. Porém, somente em setembro, a responsável pela Biblioteca do Conservatório, Profª Licia Sirch, pôde acenar com algumas informações, que também constam nos anexos deste trabalho. Na consulta feita por via postal e por correio eletrônico, a bibliotecária Licia Sirch informou que a instituição não tinha pessoal disponível para fazer consultas aos jornais antigos. Informou ainda que, do material encontrado, restavam apenas oito obras do compositor e os livros de registro de sua matrícula no referido conservatório. Não foi encontrada nenhuma cópia do manuscrito do Concerto e nada que revelasse como se deu a receptividade do público desta obra em solo italiano.

Sendo assim, as poucas informações sobre o Concerto em Lá Maior para Piano com Acompanhamento de Orquestra vieram do artigo Centenário de Meneleu Campos, na Revista de Cultura do Pará (1972) e de um verbete do livro Música e Músicos do Pará (2007), ambos de Vicente Salles. No primeiro, Salles (1972, p. 173) teceu uma breve descrição do Concerto, em termos de quantidade de movimentos, o momento em que foi composto e sua importância dentro da obra do compositor. No segundo (SALLES, 2007, p. 311), há uma menção à última intérprete deste Concerto e a peculiaridade desta apresentação. Diante do exposto, o presente trabalho teve que relacionar aspectos variados de outras áreas face à escassez ou omissão das fontes consultadas.

Isto posto, convém apresentar o roteiro deste trabalho, que está formatado em três capítulos. O primeiro capítulo, “O Mundo de Meneleu Campos”, propõe-se a delinear o ambiente do músico, narrando algumas das transformações tecnológicas e científicas ocorridas no período supracitado e os reflexos culturais destas mudanças na sociedade paraense, enriquecida pela economia borracheira. Ainda neste capítulo, enfoca-se a trajetória de Meneleu Campos e seu contato com o universo acadêmico italiano.

O segundo capítulo, “Preservando o Passado no Presente”, contempla uma revisão de

literatura, em que são focalizados os principais conceitos do pensamento de Bergson em relação a espaço e tempo, aplicados à música de Meneleu Campos e a sua influência nas escolhas para a interpretação da peça.

O terceiro capítulo, “O Concerto em Lá Maior para Piano com Acompanhamento de Orquestra”, é o cerne deste trabalho e onde são tratados os seguintes temas: dados históricos

(22)

20

Ainda neste capítulo são apresentadas as escolhas interpretativas, oportunidade na qual se discorre sobre as alternativas eleitas no ato de recriação e suas aplicações quando do estudo da partitura e sua posterior execução pública.

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1 - O Mundo de Meneleu Campos

1.1

Era de Transformações

No período compreendido entre o final do século XIX e a primeira década do século XX, algumas capitais brasileiras experimentaram uma efervescência cultural. Foi então traçado um panorama deste contexto como ferramenta para auxiliar na compreensão da realidade vivida pelos brasileiros da Região Norte do Brasil neste período.

Esta foi uma era de cultura cosmopolita na história europeia, que começou no final do século XIX e durou até o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. O período foi marcado por uma atmosfera intelectual e artística intensa e por importantes transformações culturais, que se manifestariam em novas formas de conceber a vida diária.

Esta movimentação cultural apresentou seus reflexos no norte do Brasil quando, em decorrência da atividade da extração do látex e das riquezas proveniente do seu comércio, esta região travou contato com o ideal de cultura do mundo ocidental. Este fato coincidiu com as reformas implantadas por Haussmann no espaço físico de Paris e pelas inovações tecnológicas que despertariam no inconsciente coletivo o desejo de viver em um lugar que transparecesse civilidade e que ostentasse as marcas do progresso (SEVCENKO, 2004, p. 23). Civilidade e progresso eram as palavras de ordem para esta geração. Este período, marcado por várias transformações urbanas, sociais, estéticas e políticas, passou a ser conhecido como Belle Époque.

A Belle Époque foi uma era de desenvolvimento tecnológico, artístico e cultural. A tecnologia era estimada como ferramenta inerente ao progresso social, pois ela favoreceu um grande número de pessoas, com inovações tais como: a descoberta de vacinas, o uso da eletricidade, a invenção do telefone, o serviço de bondes e a implantação de medidas de saneamento, que contribuíram para a melhoria das condições de saúde da população. Da perspectiva cultural, a Belle Époque conheceu tanto o despontar do cinema, como paralelamente manteve a tradição da ópera. Também cultivou movimentos artísticos como o Impressionismo, com Cézanne, Van Gogh e Gauguin; o Pontilhismo de Seurat; o Fauvismo de Matisse; e o Cubismo de Picasso, que permitiram o aparecimento de outros movimentos decorrentes destes (GOMBRICH, 1995, p. 535-575).

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uma política econômica liberal, que permitiu a ampliação das redes de comércio internacionais. Além disso, um novo segmento de pessoas surge na cidade, com o aumento da população egressa da vida rural, fornecendo os recursos humanos que comporiam a classe operária que alavancava a Segunda Revolução Industrial.

As péssimas condições de trabalho nas fábricas impulsionavam a insatisfação do proletariado, que começou a se articular em agremiações políticas com base no anarquismo, lançando os fundamentos para a criação de sociedades mutualistas, cooperativas e associações de trabalhadores, como os sindicatos e confederações. Estas questões sociais, ameaçando a pretensa estabilidade da sociedade do fim do século XIX, desencadearam revoluções políticas e lutas entre as classes. Apesar disso, os problemas não arrefeciam a euforia provocada pelo progresso em todas as esferas (ARDAGH, J.; JONES, C. 1997, p. 82).

Esta sociedade em metamorfose pautava-se nos conceitos de Comte, Kant e Hegel, que balizavam as ideias libertárias e instigavam os indivíduos a uma participação ativa e consciente na coletividade. No Brasil, estes princípios influenciaram principalmente a proclamação da República, por meio do positivismo, conforme parece patente no lema da bandeira: “ordem e progresso”. Diante do contexto de desenvolvimento econômico, tecnológico e industrial que o mundo de então experimentava, o positivismo era o pensamento que melhor atendia ao progresso das ciências biológicas, matemáticas, naturais e fisiológicas.

Nesta esteira progressista, dois países da Europa são referenciais para a Belle Époque

Tropical. A Inglaterra, que dominava as novas tecnologias, e a França que teve na renovação de costumes, na intelectualidade, vestuário, modos e vocabulários de sua capital, o modelo que seria seguido, sobretudo pelos brasileiros. Veja-se que Belém, Manaus, Porto Alegre e Rio de Janeiro, são alguns exemplos de capitais brasileiras que aderiram a uma verdadeira revolução de seu traçado urbano e a uma nova ordem de comportamentos, que privilegiava a classe burguesa e afastava a camada mais pobre da população para a periferia.

A rua era um espaço de interesse público, e, para funcionar como tal, as autoridades públicas passaram a controlá-la e revitalizá-la, dando início à modernização dos centros urbanos. Adotaram medidas de higienização e aeração, a fim de promover a livre circulação, o lazer e de colocar em prática a manifestação do progresso, abrindo amplas vias de acesso e construindo prédios majestosos que os identificassem como monumentos da sociedade (MARINS, In: SEVCENKO, 2004, p. 134-135).

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escolas filosóficas e estéticas. Dessa forma, as cidades procuravam imitar o modelo inglês e francês, com abertura de novas avenidas, construção de prédios monumentais e passeios públicos, valorização da indumentária como status social e a busca pela forma adequada de lazer, que geralmente estava ligada a saraus de poesia e música.

O desenvolvimento dos meios de transportes e de comunicação, a disponibilidade de energia elétrica, somadas ao crescimento urbano, fomentou o surgimento da cultura do entretenimento. Essa cultura ganhou status social na burguesia, pois estimulava as interações sociais nas praças, coretos, clubes, cafés-concerto e teatros. A vida urbana começou a experimentar um crescente dinamismo no seu quotidiano, resultado das profundas transformações usufruídas pela sociedade, que buscava progresso material e cultural e que imprimia velocidade nas atividades e relações humanas.

1.2

Paris n`América

A Amazônia já havia sido contemplada com reformas administrativas, econômicas e políticas por parte da Coroa Portuguesa desde a gestão do Marquês de Pombal, com o intuito de proporcionar desenvolvimento para a região. Estas ações desenvolveram na sociedade local um nascente ideal libertário. Mas, foi somente no período da Belle Époque que estes anseios tomaram forma (DAOU, 2004, p. 10).

Tanto em Belém, como em Manaus, a Belle Époque aconteceu em decorrência do dinamismo da economia borracheira, que proporcionou rápido crescimento dos negócios e o acúmulo de riquezas pela burguesia local. Isto ocorreu também graças à descoberta do procedimento de vulcanização da borracha, por Charles Goodyear, o que aprimorou a sua resistência e durabilidade (SARGES, 2000, p. 47). A utilização da goma elástica foi então ampliada com esta descoberta, servindo para revestimentos de sapatos, correias, mangueiras, produção de pneus, artigos médicos, pavimentação, confecção de fios para a rede elétrica, fabricação de luvas para uso hospitalar, dentre outros.

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comércio externo, ao disponibilizar sua matéria–prima para a indústria (DAOU, 2004, p. 12-16).

O porto da capital paraense tornou-se um elo com o mundo. Por ele transitavam mercadorias e pessoas em busca de seus interesses comerciais; por ele passavam tanto a matéria prima in natura extraída dos seringais com destino à Europa, como também as novidades de bens de consumo e bens culturais que provinham da Inglaterra e França. A partir do momento que Belém começou a lançar-se como um centro exportador do produto da seringueira, foi dada a largada ao período de prosperidade da sociedade paraense, que conheceu assim uma rápida expansão, desde que a borracha passou a ser embarcada em seu porto. A qualidade dos produtos que eram desembarcados dos navios a vapor, tais como porcelanas, cristais, joias, perfumes, tecidos e relógios, testemunhavam que os recursos monetários arrecadados pelo Estado neste período foram abundantes (Idem, p. 12-16).

Este consumismo ao estilo europeu, praticado pela elite da borracha, alavancou o comércio belenense, que se mostrava bastante diversificado com tabacarias, joalherias, importadoras, chapelarias, frigoríficos, padarias, confeitarias, casas de tecidos e lojas de instrumentos musicais e partituras, só para citar alguns exemplos. Estes estabelecimentos comerciais sinalizavam o quanto a sociedade paraense havia incorporado novos costumes, tanto que Belém passou a ser conhecida como “Paris n`América” (CASTRO, 2009).

Viajar para a Europa era quase uma obrigação para quem quisesse manter-se em

sintonia com o mundo “civilizado”. Por isso, foi neste momento que as famílias que tinham poder econômico mais privilegiado tiveram a oportunidade de enviar seus filhos para estudar em Paris, Milão, Londres, Lisboa, Recife, Rio de Janeiro ou Salvador. Estes, ao retornar, traziam na bagagem as correntes libertárias, novas concepções de sociedade e os costumes das cidades que eram consideradas símbolos de modernidade (PÁSCOA, 1997, p. 51-60). O investimento na educação da juventude nestes centros revelava uma preocupação, por parte dos coronéis da borracha, de formar uma elite intelectual que futuramente estaria à frente da vida pública e dos empreendimentos da família.

A prosperidade advinda da Hevea Brasiliensis também contribuiu para a modernização do espaço urbano de Belém. Para os habitantes da parte central da cidade, as reformas favoreciam o ambiente público, refinavam os hábitos da população e cultivavam uma nova mentalidade. Estes ideais liberais eram controlados por um código de posturas que zelava pela observância da salubridade da capital.

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Serviços urbanos, a exemplo da iluminação elétrica, pavimentação de ruas, circulação de bondes, usinas de incineração de lixo, construção de rede de esgotos e sistema telegráfico; bem como a viabilização de projetos arquitetônicos como, por exemplo, a construção de praças e jardins, o Mercado Municipal Ver-o-Peso, o Palacete Bolonha e o Palacete Pinho, foram responsáveis por atrair a atenção de pessoas de outras nacionalidades, que circulavam pelo centro belenense (SARGES, 2000. p. 55; 100-127).

Nota-se que a valorização do espaço urbano possibilitou às pessoas estabelecerem maiores relações interpessoais, por meio de encontros sociais, nos quais havia o ensejo de ostentação pública e de dinamização da sociabilidade entre os indivíduos. Era cada vez mais notória a distinção do ambiente laboral para o ambiente de lazer. Desta época datam o surgimento de entidades como lojas maçônicas, sociedades musicais, clubes e agremiações que acolhiam a sociedade burguesa, como o Ateneu Comercial e o Clube Euterpe, onde eram realizadas festas e reuniões com dança e música (DAOU, 2004, p. 40–43).

A constante interação dos indivíduos permitiu que muitos estrangeiros, sobretudo franceses, italianos, alemães, portugueses, espanhóis e árabes, que vieram para trabalhar e residir em Belém, também contribuíssem para dinamizar a vida cultural desta cidade. Em virtude de estas pessoas, novatas na cidade, advirem de atmosferas culturais mais ativas, sentiam necessidade de continuar a conviver em espaços onde se realizassem atividades intelectuais e espetáculos, com os quais estavam habituadas em seus países de origem.

Foram variadas as formas artísticas que a capital paraense conheceu nestes anos de glória, em que a movimentação cultural era sua marca registrada. Dentre as mais populares do grande público estavam o teatro declamado, a opereta, a revista e a mágica (PÁSCOA, 2006, p. 11). Por causa deste interesse pelo teatro de variedades, novas casas de diversão foram

inauguradas, cujos nomes ostentavam a clara intenção dos paraenses em “afrancesar-se”, tais

como: Café Chic, Moulin Rouge, Chat Noir e Café Riche (SARGES, 2000, p. 54).

Os recitais, os balés e a ópera foram algumas das amostras de atividades artísticas que estiveram em voga. O interesse pela ópera no Pará começou por volta do século XVIII, de quando se tem notícias de construções de “casas de óperas” e de espetáculos teatrais com

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Embora o quarteto não proporcionasse a versão integral das obras, foi muito apreciado pelo público paraense e pode ser considerado como responsável pela primeira temporada lírica no Norte do Brasil (PÁSCOA, 2006, p. 15).

Por volta do ano de 1860, as companhias líricas passaram a introduzir a cidade de Belém nos roteiros de suas viagens. Com o auge da economia da borracheira e a intensa movimentação social e intelectual dela decorrentes, a capital paraense viu a necessidade de construir uma sala de espetáculos à altura dos artistas que começaram a circular na cidade.

O Theatro da Paz, projetado pelo engenheiro José Tiburcio de Magalhães, espelhou-se no Teatro Scalla de Milão, na Itália, para sua inspiração arquitetônica. Sua construção foi iniciada em meados de 1869, prevalecendo o estilo neoclássico. Inaugurado em 15 de fevereiro de 1878, o Theatro da Paz foi aberto ao público com o drama de Adolphe d`Ennery, As Duas Órfãs, organizado pela companhia lírica de Vicente Pontes de Oliveira, com acompanhamento da orquestra do maestro Francisco Libânio Collas. Porém, somente em 1880, o Theatro da Paz teve pela primeira vez em seu palco uma companhia lírica (PÁSCOA, 2006, p. 17).

O poderio econômico oferecia um espaço para o consumo cultural das classes dominantes da borracha, que denotava progresso, refinamento e conferia distinção aos seus frequentadores. Neste teatro aconteceram grandes espetáculos que revelavam o desejo da sociedade paraense em se equiparar a outras cidades do mundo, que também compartilhavam dos mesmos ideais estéticos para a música da virada do século XIX para o século XX. O ambiente musical não se restringiu ao palco do principal teatro paraense, pois as companhias líricas, por seus cantores e instrumentistas de orquestra, influenciavam o público burguês a desenvolver uma apreciação musical adequada e a desejar investir na sua própria formação nesta área (DAOU, 2004, p. 50-55).

Além disso, alguns destes músicos estrangeiros decidiram fixar residência em Belém e assim contribuíram diretamente para expandir o ensino de música. A consequência desta onda de interesse por atividades musicais foi o aumento da importação de partituras, criação de estabelecimentos tipográficos e de importação de instrumentos, sobretudo o piano, que reunia em torno de quem possuísse habilidades para tocá-lo, familiares e amigos. A Paris n`América

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1.3

Reflexos dos Valores Estético-Musicais da Belle Époque no Pará

Enquanto na Europa as correntes operísticas se encaminhavam para o Verismo, a música experimentava o Impressionismo, a desintegração do sistema tonal, com o acorde Tristão - precursor do atonalismo e do dodecafonismo, além dos elementos percussivos em Stravinsky. No Brasil, e particularmente em Belém, respirava-se ainda o ideal da estética romântica, que ali chegava por intermédio dos que tinham estado no Velho Continente.

O Romantismo abrangeu diversas tendências musicais e estilos diferentes, como a música vocal e a instrumental, que eram constantes nos programas dos círculos culturais das classes abastadas. Buscava-se o movimento, a paixão, a liberdade e a transcendência do Eu, que segundo Fichte, equiparava-se à profundeza, espiritualidade, elevação e liberdade no Romantismo. Na música, isto significou maior liberdade formal, que servia para dar maior expressividade às peças de caráter individualista (NUNES, In: GUINSBURG, 1978, p. 58).

Na Europa, cada país experimentou de modos distintos o seu Romantismo e por esta razão é correto afirmar que houve uma pluralidade nas formas de manifestações artísticas: óperas, poemas sinfônicos e lieder, entre outras. Fica evidente a conexão destas três com a palavra, cuja influência da literatura é uma constante, chegando até mesmo a ser inspiração para composições musicais. A diversidade de formas se cristalizava no pensamento de Hegel sobre a arte romântica, na qual a ideia transcende a forma. O artista sabe que não se pode formalizar o sensível. É preciso revelar seu caráter espiritual, já que a ideia é uma aspiração. Por isso há liberdade na forma para a pintura, a música e a poesia, que exemplificam a tradução do espiritual sobre o material (BAYER, 1995, p. 305-311).

Os artistas também reagiram à filosofia romântica de forma diferenciada. Havia os reclusos, os performáticos, os boêmios e os de tendência conservadora. O músico já não dependia mais de um mecenas. O público que o apreciava era quem lhe patrocinava. O músico se apresentava diante de seus admiradores como o porta voz de uma esfera superior e inatingível. Inaugurou-se assim a época dos virtuoses, que a custa de bom desempenho técnico, associado à teatralidade nos gestos e da divulgação da imagem do artista, movimentavam a vida cultural de então (GROUT; PALISCA, 2001, p. 575-576).

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de parcelas importantes da sociedade da época, o ambiente tornou-se propício para o golpe político que instaurou a República no Brasil (REZENDE; DIDIER, 2005, p. 480-492).

Dessa forma, este momento de grande mudança no gerenciamento da nação brasileira, os primeiros anos da República experimentaram disputas pelo poder e a busca pela condução do novo regime dentro da realidade brasileira. A burguesia, agora participativa da vida pública, também dedicava-se aos seus negócios e aos divertimentos em teatros e concertos. A concomitância do advento da República com a fase economicamente propícia ao estado do Pará, colaborou para muitas modificações na sua capital. Inaugurou-se um momento deveras conveniente à vida artística, percebido por aqueles que a ela se dedicavam como um período

áureo de fomento às múltiplas formas de expressão neste campo. As artes “tomam grande

impulso, amparadas por condições políticas e econômicas vantajosas. O governo pode subvencionar estudo de dezenas de artistas nos melhores centros da arte europeia. São

beneficiados, em especial, jovens dotados de aptidões para a pintura e para a música”

(SALLES, 1994, p. 131).

Sob o patrocínio da República viabilizou-se a formação acadêmica dos artistas paraenses, custeando seus estudos nos grandes centros europeus. As manifestações artísticas auxiliavam o novo regime político, como uma ferramenta de convencimento ideológico, constituindo a supremacia republicana (SALGUEIRO, 2002, p. 2). Neste relacionamento existia uma via de mão dupla, na qual a arte estava a serviço da República e a República financiava a arte.

Uma das manifestações palpáveis de valorização da música pela sociedade paraense foi a construção de um teatro de considerável porte em seu meio. Na Europa, desde 1763, já era comum haver casas de espetáculos que ofereciam concertos públicos com entrada paga (GROUT; PALISCA, 2001, p. 478-479). Em Belém, estas atividades públicas eram patrocinadas por sociedades burguesas, que promoviam música pelo simples prazer de desfrutar desta arte. O Ateneu Comercial, a Sociedade Phil`Euterpe, a Sociedade Musical Club Philarmonico, o Club Mozart, o Club Verdi e o Clube Euterpe refletiam o processo de assimilação dos padrões europeus, nos quais os belenenses formavam orquestras e grupos de câmara com vistas a apresentações locais (VIEIRA, 2001, p. 50).

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Os compositores também experimentaram uma mudança de atitude para com suas obras. Por não estarem mais submissos a um mecenas, poderiam expressar-se com mais desenvoltura. Na medida em que as partituras eram difundidas, as indicações interpretativas passavam a ser mais precisas (LAWSON, In: RINK, 2006, p. 27-28).

Mais do que em outros momentos da História, o profissional da música, a fim de ser requisitado constantemente para atuar diante das plateias pelo mundo afora, deveria apresentar firmeza, clareza e correção no seu desempenho, na escolha do repertório e no momento da performance. De acordo com a perspectiva da estética positivista da época, estas eram as condições para alguém ser considerado bom músico pelo público e pela crítica.

Em uma atmosfera tão favorável à musica, era natural que o público se interessasse pela discussão de assuntos que lhe fossem afins. Na medida em que aumentava o número de espetáculos na cidade, crescia também o rol daqueles que se dedicavam a relatar as atividades musicais. Surgia a figura do crítico especialista em música, ora escrevendo nas colunas dos jornais, ora lançando publicações, tais como a Gazeta Musical, o Salão Musical, a Revista Lyrica, e a Revista Musical (VIEIRA, 2001, p. 52).

A necessidade de formar artistas que atendessem às expectativas de transcendência musical floresceu nos belenenses o anseio pela educação musical, cuja demanda crescia pela oferta de ensino de música nas escolas institucionalizadas.

À semelhança da Europa, houve a criação de conservatórios, que tinham como objetivo estimular o virtuosismo técnico, como uma forma de ajuizar valor na formação de futuros intérpretes. Estes conservatórios procuravam estimular o desenvolvimento da técnica vocal e instrumental. Em Belém foi inaugurado, em 24/02/1895, o primeiro conservatório paraense: o Instituto Carlos Gomes. Este conservatório foi fundado após a Proclamação da República e era destinado ao ensino de música da elite paraense, mantendo as tradições da música erudita e das práticas instrumentais inerentes a esta seara. No caso do Instituto Carlos Gomes, o modelo conservatorial foi uma reprodução das instituições de ensino europeias. Por isso mantinha os mesmos métodos: separação da prática instrumental do aprendizado teórico; uniformização de metodologias; valorização da iniciação musical em tenra idade e forte apego ao domínio técnico (VIEIRA, 2001, p. 53).

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A manutenção da prática musical europeia nos espaços oficiais, como teatros e conservatórios, servia para assegurar a estrutura social na qual a sociedade estava embasada, em que a elite era detentora de música de qualidade e da ordem social. Anos mais tarde, no Ensaio sobre a Música Brasileira (1928), Mário de Andrade iria confrontar as elites brasileiras por ainda manter a preferência pela música erudita europeia e por se mostrar avessa às manifestações de vanguarda.

A sociedade deste período valorizava a arte como uma cópia da Natureza, segundo a visão de Schelling, que acreditava que pela intuição intelectual o homem poderia atingir o Absoluto e penetrar na origem do saber filosófico. O Absoluto é a chave para elucidar a Natureza que é o espírito visível. As obras artísticas procuravam imitar Deus em seu ato criador (BORNHEIM, In: GUINSBURG, 1978, p. 103).

O artista ligado ao Romantismo desejava traduzir o estado de espírito do homem, o seu pathos interior, pois para transmitir algo sublime seria necessário causar uma situação de impotência ou admiração. Surge a figura do gênio romântico, baseada na teoria kantiana que

diz: “No homem gênio, o macrocosmos penetra no cérebro humano, manifestando-se nele e

revelando os mistérios das coisas e criando entre eles uma íntima relação” (BAYER, p. 196-205). O artista gênio distanciava-se do seu público e buscava inspiração em si mesmo, procurando compor para a posteridade. Desta forma, Kant conclui que a alma do universo é semelhante à alma do homem e elas podem fundir–se. Diante disso, os artistas geniais são

símbolos desse universo e por isso ditam as regras. “Pelo gênio a natureza dá regras à Arte”

(BAYER, op. cit., p. 196-205).

Diante deste quadro, compreende-se por que cresceu em importância a excelência na performance e explica-se o fato de a música instrumental ter se desenvolvido bastante nesta época, bem como ter ocorrido um crescente aperfeiçoamento na fabricação dos instrumentos. A música instrumental era, segundo o ideal hegeliano, a música pura, pois ela teria condições de expressar todos os sentimentos humanos sem utilizar as palavras (BAYER, 1995. p. 305-311). Desta forma, a música instrumental seria aquela que estaria mais próxima do pensamento romântico, pois ela é a própria experiência do Absoluto. Mas, apesar disso, as poesias cantadas em forma de canção também tiveram destaque neste período. Foi um século marcado pela exaltação de um indivíduo, seja como instrumentista solista, seja como cantor solista.

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surgissem diferentes escolas destinadas ao aperfeiçoamento da execução pianística. Isto levou à busca do virtuosismo por parte dos instrumentistas (GROUT; PALISCA, 2001, p. 590).

A música para piano do período romântico foi composta em forma de dança ou pequenas peças líricas, que possuíam títulos a indicar um ambiente ou um sentimento evocado. Dessa maneira, o público passou a tentar descobrir significados na música puramente instrumental.

Mas como esta fase é marcada por duplicidades e antíteses, que revelavam deslocamentos dos valores que se produziam socialmente, a arte veiculava estes valores e princípios do homem da virada do século. Se havia pequenas formas, também houve um aumento das dimensões das estruturas formais na música romântica. Os espaços para apresentação ampliavam-se. Isto se refletiu no crescimento da orquestra em número e em naipes de instrumentos. Os compositores também percebem que poderiam ousar mais em suas obras, criando músicas com efeitos sonoros impactantes e que despertassem a atenção do público.

A vida musical no Brasil do final do século XIX conheceu um gênero que sobressaía aos demais: a ópera. No bel canto, os cantores deveriam emocionar com a voz e qualidades cênicas e esse elemento teatral foi a herança que a Itália deixou para a ópera romântica (CARPEAUX, 2001, p. 235). A ópera proporcionava a reunião de manifestações artísticas em torno de uma mesma finalidade, unindo música, poesia, dança, pintura, arquitetura e teatro no mesmo espetáculo.

A sociedade paraense procurava distrações que satisfizessem sua nova realidade econômica e social e a ópera vinha ao encontro desta necessidade. Por esta razão, os compositores inseriram danças, coros e intensa movimentação cênica, conferindo à ópera o conceito de grande espetáculo (GROUT; PALISCA, 2001, p. 629). Mas foi principalmente da Itália que surgiram os compositores de ópera mais profícuos e que tiveram excelente receptividade entre o público de Belém na Belle Époque.

Compositores como Rossini, Donizetti, Bellini, Verdi, Puccini e Gomes foram os mais apreciados e aplaudidos, pois comoviam e cativavam os ouvintes. Estas óperas baseavam-se nas histórias já conhecidas pelo público através da literatura, como, por exemplo, Le Roi s`Amuse, de Victor Hugo, e O Guarani, de José de Alencar, obras que inspiraram o libreto da ópera Rigoleto, de Verdi, e O Guarani,de Gomes, respectivamente (KOBBÉ, 1997, p. 316 e 535).

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borracha e proporcionado pelas companhias líricas e seus artistas, desenvolveram uma atmosfera musical na cidade. Além disso, para o belenense, sua assiduidade às apresentações

líricas conferia distinção social e refinamento de costumes. Em virtude da música de ópera italiana ter sido a que mais atraiu a atenção do público paraense e pelo fato de Meneleu Campos ter optado por cumprir sua formação acadêmica musical em terras milanesas, questiona-se: qual seria a realidade artística italiana deste mesmo período?

1.4

Paradigma Italiano

O longo período que Meneleu Campos passou na Itália, por certo teve uma enorme influência em sua obra. Desde a data de sua chegada para estudar em Milão, somente vinte anos haviam se passado quando o país havia conseguido sua unificação. Foram muitas lutas travadas por Mazzini à frente da organização revolucionária chamada de Jovem Itália. Em seguida, despontou Cavour, um dos líderes do Risorgimento, cujo movimento pretendia fazer que a Itália revivesse seus tempos de glória. Finalmente, houve a ação de Garibaldi, que atacou o Reino das Duas Sicílias e criou condições para sua libertação do domínio estrangeiro (REZENDE; DIDIER, 2005, p. 435-437).

Um plebiscito decidiu que os italianos seriam governados pelo rei do Reino Sardo-Piemontês, Victor Emanuel II. Com a maior parte do atual território italiano, em 1861 Victor Emanuel II foi proclamado rei da Itália, mas, para que a unidade fosse completada, era necessário conquistar Veneza e Roma. Veneza foi incorporada no ano de 1866 e Roma, em 1870, passando a ser capital do país no ano seguinte (REZENDE; DIDIER, op. cit., p. 435-437).

Na época das lutas pela libertação, os ativistas da unificação gritavam e escreviam nos muros, por toda a Itália, “Viva VERDI”. Aproveitando a popularidade do compositor pelas suas óperas, esta frase em código significava: Viva Victor Emmanuelle Re D’Italia!” Nesta ocasião surgiu Nabuco, de Verdi, que foi uma obra ao mesmo tempo musical e política, pois significou o seu reconhecimento como compositor nacional: ela evocava o episódio da escravidão do povo judeu na Babilônia, e o famoso canto Va pensiero é o canto dos escravos oprimidos, saudosos de sua pátria (CARPEAUX, 2001, p. 341).

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mundo estava dividido em dois lados: alegria e tristeza, sacrifício e vitória. Isto lhe rendeu o título de músico oficial do movimento, e o sucesso de suas óperas internacionalmente recuperou novamente o prestígio de Milão como importante centro musical italiano. (CARPEAUX. 2001, p. 341-343). Como se vê, uma das primeiras influências que Meneleu Campos recebeu foi o ideal nacionalista, ao ponto de tê-lo utilizado como tema de uma de suas óperas, Gli Eroi, na qual o enredo central se pautava nos conflitos políticos da independência italiana de 1848 (SALLES, 1972, p. 187-189).

A Alemanha e a França possuiam escolas de música de prestígio. Porém, a Itália, então politicamente mais estável, atraía estudantes de música de outros países, como o Brasil. Isso se devia à força da ampla difusão da ópera italiana pelo mundo ocidental, além da boa reputação da qualidade de seus conservatórios e instituições destinadas à educação musical de nível superior.

Mas o Romantismo na Itália do final do século XIX assumia novos formatos. Já não se usava mais o sentimentalismo e o apelo à imaginação do início do movimento. A psicologia estava bem avançada como ciência. Sendo assim, surgiu na literatura o Naturalismo de Émile Zola, com seu descritivismo psicológico. Os personagens eram pessoas do povo. Operários e aristocráticos eram tratados sem máscaras. Nesta visão, procurava-se mostrar que o ser humano era vulnerável aos seus impulsos e que, às vezes, não conseguia controlar sentimentos como ódio, paixão ou inveja. Havia uma descrição do cotidiano como ele se apresentava, retratando os problemas sociais. As ideias e os sentimentos dos indivíduos eram consequência do ambiente em que ele vivia (REZENDE; DIDIER, 2005, p. 424).

Estes mesmos valores da literatura seriam transportados para a música. Os escritores que se dedicavam a fazer o libreto das óperas de tendência naturalista, eram os scapigliatti.

Na época em que Carlos Gomes esteve na Itália, travou contato com o movimento da

scapigliatura. Os membros deste grupo pautavam-se pela rejeição dos valores tradicionais da sociedade, inspirados nos boêmios franceses. A este grupo pertenciam figuras como Arrigo Boito e Emílio Praga. Escreviam poemas e libretos para óperas. Eram conhecidos pelas suas atitudes incoerentes, contraditórias e imprevisíveis. Boito, por exemplo, era músico, poeta e escreveu a famosa ópera Mefistophéles. Sua inspiração provinha dos textos de Hamlet. Os

scapigliatti tentaram se aproximar de temas exóticos e abordá-los de maneira mais direta (GROVE, 1994, p. 119).

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propostas musicais daquele momento até a iminente virada do século. Milão era o centro de referência musical da época, a julgar pelos alunos egressos de seu Conservatório de Música, como Puccini (1880) e Mascagni (1882) que a esta altura eram laureados pelas editoras Casa Sonzogno e Casa Ricordi em seus concursos de óperas. Destes concursos, Puccini despontou com a ópera Le Villi, produzida pela Casa Ricordi (CARPEAUX, 2001, p. 344; GROVE, 1994, p. 749).

Também como fruto dos eventos patrocinados por estas editoras, Pietro Mascagni apresentou Cavaleria Rusticana, que seria o modelo das próximas óperas e que revitalizaria o gênero. Ela foi paradigmática, pelo fato de diminuir a quantidade de cenas, números e personagens, em relação às compostas anteriormente (CARPEAUX, 2001, p. 344-345). Mas Puccini foi o compositor que fez uma carreira operística mais extensa. Ele foi o último compositor de ópera da galeria romântica italiana. Em suas obras, as novas tendências de composição são perceptíveis. As melodias ficaram mais extensas e elaboradas. Elas descreviam o estado sentimental e psicológico do personagem. A música instrumental funcionava como uma personagem dramática (GROVE, 1994, p. 749).

Ele empregou o leitmotiv como uma ferramenta para mostrar o estado psicológico do personagem ou da sua presença. O leitmotiv servia como um contraste emotivo, modificando o clima de uma cena, dando volubilidade sentimental à peça. Nisto residia o descritivismo musical, dando cor ao sentimento. Em Madame Butterfly, a personagem é definida com uma melodia japonesa. Em Turandot, Puccini faz uso das escalas pentatônicas para caracterizar e identificar a cultura que desejava descrever (CARPEAUX, 2001, p. 346).

O texto poderia ser versificado, porém os compositores naturalistas primeiro compunham a música e depois colocavam a letra. Usavam muitas frases soltas, pequenas sentenças, exclamações, gritos. O canto se tornou farfalhado, ficando muito declamado, por vezes gritado, convulsivo. O canto assumiu aspectos afetivos e devia haver explosões de sentimentos.

As melodias continuavam sendo tonais e nota-se o dobramento da melodia principal pelos violinos, a violinata. Este recurso fez com que a ópera se aproximasse da música sinfônica. Assim como em Mascagni, em Puccini houve uma abolição de cenas e números. O ato era contínuo do início ao fim. A descrição era em tempo real, e a ação desenrolava-se durante a cena. Criava-se uma verdade ainda maior, o Verismo. Durante a década que Meneleu Campos esteve em Milão, três óperas veristas foram apresentadas:

1892 – Leoncavallo estreou, em Milão, I Pagliacci

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1896 – Puccini fez sucesso com La Bohéme (KOBBÉ, 1997, p. 375 e 639).

De fato, Meneleu Campos não ficou imune a tamanha profusão de títulos líricos, pois um número considerável de obras vocais enriqueceu o corpo de sua obra, além da composição de uma ópera propriamente dita. Por intermédio destas características musicais percebidas na ópera, é possível imaginar que elementos da tradição italiana na música vocal se impusessem também na música instrumental, que cada vez mais experimentava novas concepções.

Dos compositores contemporâneos de Meneleu Campos, na Itália, que não se dedicaram à ópera e que exerceram influência nas suas composições instrumentais, destacam-se Otorrino Respighi e Vincenzo Ferroni.

Embora Respighi tenha iniciado sua formação em Bolonha, ele se notabilizou por

fazer parte da “Geração de 1880” ao lado de Ildebrando Pizzetti e Gian Francesco Malipiero. Este grupo tinha como objetivo revitalizar a música italiana, valorizando suas origens no Renascimento e no Barroco, evidenciando amúsica instrumental e a música a cappella. Além das obras que se referem ao passado como Arie Antiche, para orquestra, uso de cantochão e modos eclesiásticos, Respighi ficou mais conhecido como compositor de peças orquestrais com intenso colorido (GROVE, 1994, p. 778).

Vincenzo Ferroni teve um relacionamento direto com Meneleu Campos, pois foi seu professor no Conservatório Giuseppe Verdi em Milão. Ferroni estudou harmonia com Savard e composição com Massenet, no Conservatório de Paris. Por intermédio das composições iniciais de Massenet, que coincidem com o período em que ele lecionou para Ferroni, vislumbra-se que seu estilo era mais melódico e expressivo em comparação com o que ele adotou posteriormente. A música de Massenet, em seu plano harmônico, seguia os cânones tradicionais, empregando moderadamente cromatismos (Ibid., p. 583).

Nesta mesma instituição, Ferroni ensinou harmonia, entre os anos de 1873 a 1883. Em 1885, Ferroni ganhou o prêmio do concurso Le Fígaro Illustré, com sua obra inédita para piano Hymne d’un pâtre italien (Hino de um pastor italiano). Com a morte de Amilcare Ponchielli, tornou-se vaga uma das cadeiras no Conservatório Giuseppe Verdi, em Milão. Ele participou do concurso e, em 1888, apropriou-se da cadeira que era de Ponchielli como professor de composição na referida instituição (http://www.mappeditalia.it).

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FIGURA  1:  Maestro  Meneleu  Campos  aos  30  anos  de  idade,  assinatura  e  quatro  primeiros  compassos do Prelúdio “Amanhecendo”
FIGURA 2: Registros de matrícula de Meneleu Campos no Conservatório de Milão.
FIGURA 4: Segundo motivo (B) do 1º movimento. Compassos 66-68.
FIGURA 7: Compassos iniciais de Polichinelo de Villa-Lobos.
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Referências

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