Pedro Henrique dos Santos Fernandes Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Política e Território (GEOPPOL) E-mail: fernandesphs@hotmail.com
Os Mirantes e as Políticas Públicas na Nova Paisagem Carioca
INTRODUÇÃO
A cidade do Rio de Janeiro vive um momento ímpar, principalmente do ponto de vista estrutural e cultural, provocando inúmeras transformações de naturezas e resultados distintos pela cidade, além de despertar reações diversas na população.
A primeira natureza dessas transformações estaria ligada ao aspecto estrutural,
as intervenções espaciais concretas, que fazem surgir novas formas dentro de funções
específicas a partir de demandas estruturais, políticas ou “festivas” (no caso dos grande
eventos a serem realizados na cidade). Diferentes projetos são executados na cidade
tendo em vista essa questão estrutural associada aos eventos (Copa do Mundo e
Olimpíadas) como uma forma de legado, ou então com uma modernização e/ou
revitalização de áreas degradadas da cidade, como o Teleférico do Complexo do
Alemão, o Porto Maravilha, entre outros. Logo, podemos observar como o espaço da
cidade do Rio de Janeiro está sendo modificado, e mais, pensado e planejado segundo
as motivações citadas acima, inseridas em lógicas que vão além da funcionalidade e do
planejamento urbano, possuindo um caráter diferenciado que serve como uma espécie
de elo entre alguns desses projetos: a questão da paisagem.
A paisagem da cidade do Rio de Janeiro é antagônica, famosa mundialmente pelos contornos de sua linha de costa, formações geomorfológicas, entre outros elementos já consagrados, além de novos que surgem através novas narrativas e valorizações, que serão abordadas no decorrer do trabalho. Sendo assim, a questão da paisagem se torna central na gestão da cidade, devido ao grande destaque desta face, associada principalmente a fortalecer a imagem da cidade, tornando-a atrativa e competitiva a nível global. O que leva as autoridades públicas a sempre pensarem sua agenda, projetos e intervenções de maneira bem específica, intimamente relacionada À paisagem da cidade e sua consolidação como imaginário social (e internacional).
Dessa maneira, os projetos públicos de intervenção urbana que têm impactado e modificado o espaço da cidade possuem uma preocupação com a paisagem, inclusive possuindo desdobramentos e ações que são especificamente relativas à paisagem, seja através de restaurações ou pela maneira em que a intervenção é dirigida, ou até no próprio sentido e/ou objetivo dos projetos. Essa preocupação é claramente vista através dos mirantes da cidade, já que são estruturas pensadas, desenvolvidas e estrategicamente posicionadas pensando a paisagem a ser observada. Dentro desses megaprojetos, mirantes são revitalizados e criados, revelando uma valorização clara da paisagem consagrada da cidade, mas também descortinando novas narrativas incorporadas, já que as intervenções constroem mirantes novos, em áreas que antes não os possuíam, ou tinham suas paisagens pouco destacadas.
A realização da Copa do Mundo (tendo o seu grande momento -a final- na
cidade) e da Olimpíadas (que voltam todas as atenções para a cidade) atraem os olhares
do mundo para o Rio de Janeiro e produzem uma oportunidade única para seu
fortalecimento em uma rede cada vez mais competitiva de cidades, não de maneira
econômica, mas que destacam-se na esfera cultural. Sendo assim, o poder público
assume essa condição e promove mudanças no espaço da cidade, utilizando,
principalmente no Rio de Janeiro, a paisagem como articulador desse processo. Os
megaprojetos então, ao mesmo tempo em que modificam e transformam o espaço
urbano, fazem o mesmo com a paisagem da cidade e seu imaginário, enaltecendo e seu
preocupando com essa narrativa, além de expandi-la e reformulá-la, incorporando novas áreas e elementos, construindo uma nova paisagem carioca. Vale ressaltar que essa escolha na ampliação da narrativa da paisagem se dá de forma seletiva, incorporando e excluindo determinados elementos, relacionado às motivações e objetivos dos projetos, do poder público e suas motrizes.
TRANFORMAÇÃO E RESSIGNIFAÇÃO: AS POLÍTICAS PÚBLICAS NA CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM
O objetivo central do trabalho consiste em analisar a associação entre as grandes obras de planejamento urbano e seus rebatimentos na criação e divulgação de novas paisagens, compreendendo como essa associação é feita, dando destaque principalmente ao estabelecimento dos mirantes e suas respectivas localidades, já que, como já citado, existe uma lógica, tanto para os projetos urbanos quanto para as paisagens produzidas a partir dos mesmos, o que nos coloca diante de outro objetivo importante, que é a localização desses novos mirantes, buscando compreender também que paisagens surgem e quais são seus elementos principais, analisando-os e comparando-os com a paisagem tradicionalmente exaltada da cidade; bem como a existência de alguns
“pontos cegos”; elementos presentes nos espaços que estão sendo trabalhados, mas que, por algum motivo, são esquecidos na paisagem emergente.
A partir disso, analisaremos as localidades que recebem esse tipo de intervenção,
bem como se são áreas já presentes na narrativa tradicional da paisagem carioca ou se
são áreas inéditas nesse tipo de intervenção. Com isso, se faz necessário compreender o
que motiva essas intervenções nessas áreas, qual é o discurso que as insere e ao mesmo
tempo cria novas narrativas na paisagem carioca, bem como que paisagem é essa que
surge, suas peculiaridades e elementos principais.
Será feito um contraste de discursos, comparando o tradicional olhar da paisagem carioca, de praias, morros e parques localizados principalmente na Zona Sul da cidade e das novas paisagens insurgentes, que possuem certa variedade em sua localização e até elementos componentes. Utilizaremos como parâmetro a candidatura da cidade à Patrimônio Mundial na categoria paisagem cultural, que utiliza e exemplifica bem o discurso consagrado. É através deste exercício que buscarei analisar o novo discurso produzido através dos grandes projetos urbanos.
Essas grandes obras causam algum impacto local, já que se tratam não apenas de pequenas modificações, mas de uma reorganização e reestruturação espacial, que muitas vezes acabam afetando interesses da população local, causando transtornos e medidas de contestação, fazendo surgir questão relativa à população e sua respectiva reação a essas intervenções, tanto espacialmente, através de seus transtornos infraestruturais, quanto na questão da paisagem, remetendo a uma representatividade ou a falta dela.
Os objetivos citados serão melhor compreendidos através da metodologia empregada, que irá esclarecer como e que dados serão adquiridos, tratados e interpretados, de forma a estudar o fenômeno exposto.
METODOLOGIA
A metodologia do trabalho é dividida segundo alguns objetivos a serem cumpridos, de forma a deixar o trabalho mais organizado, além de legitimar a pesquisa cientificamente. Dessa forma, dividiremos a metodologia em Metodologia Operacional (que se subdivide em aquisição e tratamento de dados) e Metodologia conceitual (que trata do referencial teórico e dos conceitos principais envolvidos na pesquisa).
A Metodologia Operacional é relativa às informações que serão necessárias, a
forma como elas serão obtidas, inseridas e organizadas dentro do trabalho. Nossas
informações principais estão inseridas dentro do próprio discurso dos projetos. Esse
discurso é obtido através, principalmente, dos sites informativos dos projetos, que são
riquíssimos em informações constantemente atualizadas, além de constituir o canal mais legítimo para compreendermos o discurso oficial envolvido. É utilizada de forma complementar a fonte jornalística, que pode fornecer informações de intervenções menores e mais específicas envolvidas, até algumas repercussões populares; sendo privilegiado o Jornal O Globo, por ser o de maior circulação e perfil mais associado à cidade e sua paisagem.
Como parte da coleta de dados, foi feito um levantamento iconográfico, a partir de fontes secundárias, utilizando imagens, infográficos e/ou mapas dos veículos oficiais já citados, mas também será (e têm sido) feito um levantamento novo, a partir de visitas de campo e fotografias diversas tiradas de diferentes ângulos a partir dos mirantes.
Acredito que, com esse levantamento pode-se fazer uma análise sobre a nova paisagem, compreendendo tanto os elementos mais ressaltados quanto os mais periféricos, através do contraste entre o discurso e as fotografias, juntamente com a observação em campo.
A partir dos dados obtidos, foram feitas tabelas, destacando os novos mirantes, onde estão localizados, projeto urbano em que está inserido e ano de criação. Com essa organização se torna mais fácil analisarmos de maneira ampla a criação e a disposição dos mirantes nos últimos anos, relativos à preparação para os grandes eventos e à grande reforma urbana empreendida na cidade. Com a localização dos mirantes, também foram feitos alguns mapas, relacionando todos os mirantes, diferenciando-os pelos projetos, além de alguns mapas mais específicos por projetos, já que alguns foram responsáveis pela criação de mais de um mirante.
Um próximo passo metodológico seria a realização de entrevistas ou
questionários com a população que reside nas áreas que sofreram essas intervenções,
que moram próximas e frequentam (ou não) os mirantes. A partir disso se iniciaria uma
nova fase da pesquisa, que visa entender a reação a essas mudanças, tanto no aspecto
estrutural, do ponto de vista da qualidade de vida dos moradores, bem como o seu ponto
de vista acerca da paisagem local e sua divulgação.
O PAPEL DOS MIRANTES E A PAISAGEM: A CONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS
Na Metodologia Conceitual, trataremos dos conceitos necessários e que auxiliam a compreensão do fenômeno estudado pelo trabalho, no caso, os conceitos principais trabalhados serão: Mirantes e Paisagem.
O problema do conceito de mirante e sua respectiva escassez bibliográfica específica repercutem na elaboração da metodologia da pesquisa, já que se faz necessária a delimitação clara do objeto. O que é mirante para a pesquisa? Que critérios lhe conferem esta definição? Quem determina e regula esses critérios? Na falta de uma definição conceitual precisa de mirante serão utilizadas algumas contribuições de temáticas semelhantes para a delimitação do objeto, como paisagem cultural no imaginário (DUNCAN, 2004), sua visibilidade e implicações políticas (RIBEIRO, 2012). Assim poderemos restringir a categoria de mirante, já que se trata de um conceito amplo e banalmente utilizado em uma cidade tão rica em questões de paisagem e contemplação da mesma como o Rio de Janeiro. O mirante, dentro da pesquisa, se caracteriza como uma estrutura estrategicamente posicionada no espaço, “recortando-o”
para a observação de uma determinada paisagem, sendo por excelência um “ponto de vista” (GOMES, 2013), uma seleção que determina uma porção do espaço a ser selecionada para ser vista/apreciada, transformando-a em uma paisagem. Uma espécie de moldura, obviamente posicionada segundo interesses acerca da paisagem que se deseja realçar.
O conceito de paisagem é trabalhado a partir da Nova Geografia Cultural, em
que a paisagem não é apenas um conjunto de técnicas e modos de produção dispostos
espacialmente consideraremos a paisagem como uma narrativa, sendo construída a
partir de elementos selecionados por determinado grupo ou segmento social: Uma
paisagem cultural. A paisagem cultural é um recorte seletivo do espaço, uma escolha
dentro de outras inúmeras possíveis. Obviamente o conceito não se restringe apenas à
dimensão concreta do espaço, muitas vezes se apropriando e produzindo signos e se
reproduzindo e constituindo o imaginário social (DUNCAN, 2004); o que faz da paisagem um “modo de ver” além de poderoso meio através do qual sentimentos, ideias e valores são expressos” (COSGROVE, 1993b, p. 8)
“A paisagem, contudo, não é apenas forma material resultante da ação humana transformando a natureza. É também forma simbólica impregnada de valores.
Além de sua gênese, estrutura e organização, focos correntes dos geógrafos, é necessário para a sua compreensão que se apreendam os seus significados, pois são estes que lhe dão sentido” (CASSIRER, 2001/1923).