SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
FACULDADE DE GEOLOGIA
PROGRAMA
DE
PÓS-GRADUAÇÃO
EM
RECURSOS
HÍDRICOS
(PPRH)
FUNDAMENTOS
DE
GEOCIÊNCIAS
Módulo 1: unidades 1, 2 e 3
Prof. Marcio D. Santos
Belém/PA
2021
SUMÁRIO
MÓDULO 1
... 04
1.1 ORIGEM DO UNIVERSO E DO SISTEMA SOLAR ... 04
1.2- GEOLOGIA COMO CIÊNCIA: Princípios fundamentais da geologia ... 10
1.3- ATERRA PRIMITIVA: Origem e diferenciação do planeta Terra ... 14
1.4- BOMBARDEAMENTO VINDO DO ESPAÇO: Meteoroides e asteroides ... 16
1.5- FORMAÇÃO DOS CONTINENTES, OCEANOS E ATMOSFERA DA TERRA .... 18
1.6- OS SISTEMAS INTERATIVOS DA TERRA ... 19
1.7- A TERRA AO LONGO DO TEMPO GEOLÓGICO ... 22
... 26
2.1- INTRODUÇÃO: métodos de investigação do interior terrestre ... 26
2.2- TERREMOTOS ... 26
2.3- ESTRUTURA INTERNA DA TERRA ... 29
2.4- CAMPOS GRAVITACIONAL E MAGNÉTICO DA TERRA ... 32
2.4.1- Campo Gravitacional ... 32
2.4.2- Campo Magnético ... 34
... 41
3.1- INTRODUÇÃO: Teoria da deriva continental ... 41
3.2- TEORIA DA TECTÔNICA DE PLACAS ... 43
3.2.1- Regime divergente de placas litosféricas ... 50
3.2.2- Regime convergente de placas litosféricas ... 52
3.2.3- Regime transformante ou conservativo de placas litosféricas ... 56
3.3- CICLO DE WILSON E DANÇA DOS CONTINENTES ... 57
3.4- TECTÔNICA DE PLACAS E OS DEPÓSITOS MINERAIS ... 62
3.5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 62
3.6- ATIVIDADES DESTE MÓDULO PARA OS ESTUDANTES ... 63
MÓDULO 2
4- OS MATERIAIS TERRESTRES: Minerais e rochas 5- ESTRUTURAS GEOLÓGICAS
MÓDULO 3
6- TEMPO GEOLÓGICO3
APRESENTAÇÃO
O presente documento é o texto de referência da disciplina “
” do Programa de Pós-graduação em Recursos Hídricos (PPRH), ofertado pela Faculdade de Geologia (Fageo) do Instituto de Geociências (IG) da Universidade Federal do Pará (UFPA), na modalidade à distância (EAD). Fundamentos de Geociências é uma disciplina básica do PPRH que visa dar suporte geológico de nivelamento para as disciplinas específicas do PPRH, especialmente para os cursistas que não são geólogos e nem engenheiros de minas. A disciplina aborda de forma integrada os principais processos geológicos, como a origem dos oceanos e continentes e da própria Terra, formação das rochas, estruturas geológicas, o tempo geológico e os depósitos minerais, inclusive os recursos hídricos (objeto principal do PPRH). Desse modo, a disciplina Fundamentos de Geociências corresponde ao alicerce geológico das disciplinas específicas do PPRH. O conteúdo aqui apresentado pode ser aplicado para qualquer curso de Geologia Introdutória, podendo ser necessário alguns ajustes dependendo do contexto do curso.
Prof. Dr. Marcio D. Santos Geólogo econômico
O planeta Terra, o Sistema Solar e o Universo
Antes de abordar os processos geológicos e seus produtos, com os quais convivemos no nosso planeta Terra, será apresentada uma breve síntese sobre a origem do Sistema Solar, que hospeda o planeta Terra, e do Universo que hospeda tudo. 1.1- ORIGEM DO UNIVERSO E DO SISTEMA SOLAR
A questão da origem do Universo e de nossa própria e pequena parte nele contida (o Sistema Solar), vem intrigando os pensadores e cientistas desde quando o homem compreendeu que habita um dos planetas que orbita uma estrela (Sol) em um minúsculo canto da imensidão do Cosmos. As estrelas se distribuem no Universo de maneira ordenada, segundo hierarquias. Agrupam-se em galáxias com dimensões da ordem de 100.000 anos-luz, podendo conter mais de 100 bilhões de estrelas. Os dois tipos mais comuns de galáxia são o tipo elíptico (Fig. 1.1) e o tipo espiral (Fig. 1.2). A galáxia de Andrômeda (tipo elíptico), é a mais próxima do nosso Sistema Solar, situada há 2,4 milhões de anos-luz. O Sistema Solar está situado em um dos braços periféricos da Via Láctea, uma galáxia do tipo espiral (Fig. 1.3). As galáxias podem conter enormes espaços interestelares de baixa densidade, mas também regiões de densidade extrema, com grande energia gravitacional. O núcleo das galáxias é uma dessas regiões que pode configurar-se como buracos negros, ou que pode evoluir para tal situação, com extrema força gravitacional que pode sugar tudo em sua volta, inclusive a luz. As galáxias também podem formar aglomerados de algumas dezenas a milhares de galáxias, ou até superaglomerados de dezenas de milhares de galáxias, o maior nível hierárquico do Universo, com extensões de até centenas de milhões de anos-luz.
Atualmente a explicação mais aceita para a origem do Universo é baseada na teoria do Big Bang, segundo a qual o nosso Universo surgiu entre 13 e 14 bilhões de anos (13-14 Ga) atrás, a partir de uma grande explosão cósmica. Antes deste instante, denominado pelos astrofísicos de singularidade, toda a matéria e energia estavam concentradas em um ponto inicial de densidade inconcebível. Embora pouco se saiba sobre as primeiras frações de segundo após a grande explosão, denominado de período planckiano(1), quando não havia espaço e matéria, somente energia (radiação), os astrofísicos obtiveram um entendimento geral sobre os bilhões de anos que se seguiram. Desde o instante do Big Bang, o Universo vem se expandindo, formando estrelas e galáxias, conforme a lei de Hubble (v = H0D), pela qual a velocidade de expansão (v)
aumenta linearmente com a distância (D), sendo H0 a constante de Hubble (H0= v/D).
Entretanto, não é a distância entre as estrelas de uma galáxia que está aumentando, as
1 Curto período de tempo (5,4×10‾44s) que a luz percorre o comprimento de planck (1,6162× 10‾35m), a menor dimensão de comprimento da física, que é 10‾20 vezes o diâmetro de um próton.
Figura 1.1- Galáxia tipo elíptico de Andrômeda, há 2,4 milhões de anos-luz do Sistema Solar.
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quais estão ligadas entre si pela atração da gravidade, cuja distância entre elas pode até estar diminuindo, e sim a distância entre as galáxias e os aglomerados galácticos que não estão suficientemente ligados pela atração gravitacional. Por outro lado, a constante de Hubble (H0), a taxa de expansão do Universo, não está bem determinada e seu valor
atual é de 74 Km/s/Mpc. Isso significa que o Universo expande 74 Km/s por megaparsec(2) de distância (3,26 milhões de anos-luz), em relação a uma determinada galáxia. Se o Universo for “aberto”, ele continuará se expandindo para sempre, podendo inclusive aumentar a sua taxa de expansão. Mas se o Universo for “fechado”, a taxa de expansão diminuirá com o tempo, até anular-se, para em seguida começar a contrair-se. A natureza aberta ou fechada do Universo depende de sua densidade média, cujo valor não se encontra estabelecido adequadamente, por causa da dificuldade de medir a matéria escura, presente em todo o espaço interestelar. O valor limite da densidade para anular a expansão do Universo é denominado densidade crítica (ρC= 3H02/8G), onde
G é a constante gravitacional (6,74×10‾11m3/Kg/s2). O valor de ρC para H0 de
74 Km/s/Mpc situa-se em torno de 10‾29g/cm3. Estimativas recentes sugerem que a densidade média do Universo é em torno de 100 vezes menor que a densidade crítica (ρC) de 10‾29g/cm3, indicando um Universo aberto.
Os cientistas acreditam que a expansão do Universo foi impulsionada pela grande explosão original e a radiação de micro-ondas de fundo, que se propaga em todas as direções no Universo, é remanescente da radiação emitida logo após a grande explosão e constitui-se em uma das maiores evidências da teoria do Big Bang. Logo após o fim do período planckiano, o Universo expandiu-se rapidamente, com velocidade até maior que a velocidade da luz, durante um brevíssimo intervalo de tempo, entre 10‾33 e
10‾32segundos (fase inflacionária). A expansão e a criação contínua de espaço favoreceram o surgimento das quatro forças fundamentais da natureza (força da gravidade, forças nucleares forte e fraca e a força eletromagnética). Após a fase
2Megaparsec (Mpc) = 1 milhão de parsec (Pc). 1Pc = 3,26 anos-luz. 1Mpc = 3,26 106 anos-luz
Figura 1.2- Galáxia NGC 1232, do tipo espiral, localizada
a 72 milhões de anos-luz (a.l.) do Sistema Solar.
Figura 1.3- Via Láctea idealizada, com a localização do
Sistema Solar. Vista frontal, com largura de 100 mil anos-luz (a) e vista lateral (b).
Side View
b
Vista Laterala
Vista Frontalinflacionária, a expansão do Universo foi governada pela constante de Hubble (H0) e sua
evolução, com velocidade de expansão igual à velocidade da luz, o levaria até o estágio atual, com raio em torno de 13 a 14 bilhões de anos-luz. A matéria só começou a surgir, pelo processo da nucleogênese, com o decréscimo da temperatura, após 10‾9 segundos. Primeiro formaram-se os quarks(3) e depois os prótons, nêutrons e elétrons. Os núcleos de Hidrogênio (H) formaram-se após 10‾3 segundos e os de Hélio (He) após 100 segundos. A captura de elétrons pelos núcleos, com formação dos átomos dos elementos mais leves, principalmente H e He, só ocorreu após 800.000 anos, quando o Universo embrionário tornou-se transparente à luz, com temperatura em torno de 3.000 K (2.726,85C). As estrelas e as galáxias formaram-se mais tarde, em torno de 550 milhões de anos (Ma) após o Big Bang, quando o resfriamento generalizado permitiu o confinamento da matéria em imensas nuvens (nebulosas), as quais, por causa da atração gravitacional, se dividiram em nuvens menores. O progresso da contração gravitacional resultou na hierarquia hoje reconhecida, com as galáxias formando aglomerados e superaglomerados. A Via Láctea formou-se logo após o Big Bang, em torno de 13 Ga atrás e o Sistema Solar há, aproximadamente, 4,7 Ga.
O Sol é uma estrela de média grandeza que ocupa a posição central de um sistema constituído por 8 (ou 9) planetas, 4 (ou 5) planetas anões, 194 satélites naturais conhecidos e milhares de outros corpos menores (como asteroides e cometas), denominado Sistema Solar. (Fig. 1.4). Qualquer teoria para explicar a origem do Sistema Solar deverá considerar as seguintes características desse sistema:
1- Todos os planetas giram em torno do Sol no mesmo sentido, em órbitas elípticas de pequena excentricidade, praticamente coplanares, em cujo plano (eclíptica), também orbitam a maioria dos outros corpos menores, como cometas e asteroides.
2- Os planetas rotacionam no mesmo sentido de suas translações em torno do Sol, ou seja, no sentido anti-horário, observando-se a Terra do polo norte para o polo sul, exceto Vênus, Urano e Plutão que rotacionam no sentido horário (rotação retrógrada). 3- Embora a massa do sistema solar esteja quase toda concentrada no Sol (99,8%), o momento angular do sistema está concentrado nos movimentos dos planetas, sobretudo dos planetas maiores.
Momento angular (L) é a quantidade de movimento (mv) de corpos em rotação que equivale a quantidade de movimento multiplicado pelo raio (r) de rotação (L = m.v.r), sendo a massa e a velocidade do corpo em rotação.
4- Os planetas podem ser classificados em interiores (ou terrestres ou rochosos) e exteriores (ou jovianos ou gasosos). Os 4 planetas interiores (Mercúrio, Vênus, Terra, Marte) possuem massa pequena e densidade média próxima à da Terra (5,5), enquanto que os 4 planetas exteriores (Júpiter, Saturno, Urano, Netuno) exibem maior massa e densidade média próxima à do Sol (1,4). Plutão, antes considerado como o menor e mais distante planeta do Sistema Solar, destoando dos 4 planetas gigantes exteriores, foi recentemente reclassificado como planeta anão transnetuniano (após a órbita de Netuno).
5- Os planetas internos possuem poucos satélites e atmosferas pouco espessas e rarefeitas, enquanto que os planetas externos possuem normalmente mais satélites, com atmosferas muito espessas dominadas por hidrogênio e hélio, tal como o Sol. 6- Entre os planetas internos e externos (entre Marte e Júpiter) ocorre um cinturão de
asteroides, com características semelhantes aos planetas internos (rochosos). O maior asteroide conhecido (Ceres) deste cinturão, com diâmetro em torno de 970 km, foi reclassificado como planeta anão, único que não é transnetuniano.
(3)
Quarks são subpartículas carregadas componentes dos prótons e neutros. Juntamente com os elétrons (carregados) e neutrinos (sem carga), são as menos partículas (indivisíveis) da matéria.
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A teoria mais aceita atualmente, entre os cientistas, para explicar a origem do Sistema Solar, é a teoria da nebulosa, sugerida inicialmente pelo filósofo alemão Immanuel Kant, em 1755. De acordo com essa teoria, a nebulosa solar inicial era uma nuvem de gás e poeira cósmica em lenta rotação constituída principalmente por hidrogênio (H) e hélio (He), com pequenas quantidades de lítio (Li) e berílio (Be), (Fig.1.5). A nebulosa começou a contrair-se devido a força da gravidade de sua massa, acelerando sua rotação e achatando-a em forma de um disco, com o núcleo mais denso que sua periferia. A progressão da contração gravitacional resultou na concentração de quase toda a matéria no centro da nebulosa, formando uma protoestrela, envolvida por uma periferia mais rarefeita, com alguns anéis concêntricos de matéria. Comprimido pelo seu próprio peso, o proto-Sol tornou-se mais denso e quente, atingindo milhões de graus celsius e iniciando a reação de fusão nuclear, pela qual átomos de H, sob alta pressão e temperatura, combinam-se para formar He. Nessa reação, parte da massa é convertida em energia (conforme a equação de Einstein, E = mc2), emitida pelo Sol principalmente na forma de luz. Após a formação do proto-Sol, o disco nebuloso começou seu resfriamento, iniciando a
condensação do material gasoso
incandescente em material líquido e sólido.
A atração gravitacional deu início ao processo de acreção planetária, por meio de colisão e agregação de poeira e material condensado, em pequenos blocos ou planatesimais, com diâmetro de até 1 Km (Fig. 1.6). A acreção continuou entre os planatesimais, formando protoplanetas (corpos maiores com tamanho da Lua). Finalmente, uma pequena quantidade desses protoplanetas maiores atraiu os outros
Figura 1.5- Evolução do Sistema Solar. Figura 1.4- Sistema Solar, mostrando os planetas interiores rochosos e exteriores gasosos,
corpos para formar os 8 (ou 9) planetas em suas órbitas atuais em torno do Sol, distribuídos em dois conjuntos, separados por um cinturão de asteroides: os planetas interiores, de menor tamanho, e os planetas gigantes exteriores (Fig. 1.4 e 1.6). Após a formação dos planetas, a acreção planetária continuou, embora menos intensa, como evidenciada pelas crateras de impacto em praticamente todos os planetas e satélites do Sistema Solar, inclusive a Terra. Os movimentos harmônicos dos planetas em suas órbitas, principalmente translação em torno do Sol e rotação em torno de seus eixos, foram herdados do movimento de rotação, provavelmente anti-horário, da nebulosa original.
Também conhecidos como planetas rochosos ou terrestres (parecidos com a Terra), situados na parte interna do Sistema Solar. Em ordem de proximidade com o Sol, os 4 planetas interiores são: Mercúrio, Vênus, Terra e Marte (Fig. 1.4). Em contraste com os planetas exteriores, os planetas interiores são pequenos e constituídos por rochas e metais. A temperatura mais alta próximo do Sol favoreceu a perda parcial dos componentes voláteis para a periferia do Sistema Solar, retendo os metais pesados, como o ferro, e outros elementos pesados que formam as rochas que compõem os 4 planetas interiores. As idades dos meteoritos que ocasionalmente ainda golpeiam a Terra e são considerados como remanescentes do período pré-planetário, indicam que os planetas interiores começaram a acrescer há cerca de 4,56 Ga e teriam crescidos até o tamanho de planeta em um curto período de menos de 100 Ma. Os dois planetas mais próximos do Sol (Mercúrio e Vênus) possuem períodos orbitais inferiores a um ano e rotação lenta. A rotação de Vênus é retrógrada (horária) e muito lenta (243 dias), mais demorada que sua translação de 224,7 dias em torno do Sol (tabela 1.1). A inversão da rotação, denominada retrógrada (horária), ocorre quando a inclinação do eixo do planeta é maior que 90. Como a inclinação do eixo de Vênus é quase 180 (177,36), o ângulo que o eixo faz com a normal ao seu plano orbital é pequeno (suplemento de 177,36), mas nesse caso ele é referido como ângulo negativo (
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2,64).Também conhecidos como planetas gasosos ou jovianos (parecidos com Júpiter), situados na parte externa do Sistema Solar, após o cinturão de asteroides. Maior parte do material volátil da nebulosa solar original ficou concentrada no Sol, retida pela forte gravidade solar. Entretanto, devido à alta temperatura próximo do Sol, o material volátil da região dos planetas interiores não condensou durante o período da acreção planetária, e a maior parte desse material escapou para a periferia mais fria do sistema solar, o que permitiu a formação dos 4 planetas gigantes exteriores, constituídos principalmente de componentes voláteis (gelo e gases de H e He), embora com núcleos
Figura 1.6- Mecanismo de acreção de
planatesimais que resultou na formação dos planetas interiores, e acreção de material gasoso que resultou na formação dos planetas exteriores.
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rochosos. São eles, em ordem de proximidade com o Sol: Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. (Fig. 1.4). A forte atração gravitacional dos planetas gigantes exteriores atraiu os componentes mais leves do sistema solar, mais afastados do Sol e não suficientemente contidos pela atração gravitacional solar. Os 4 planetas gigantes têm órbitas longas e demoradas, a menor (Júpiter) leva quase 12 anos para completar e a mais longa (Netuno) leva quase 165 anos (tabela 1.1). Além disso, a rotação desses gigantes é rápida, o mais lento (Netuno) leva pouco mais de 16 h para completar sua rotação, e o mais rápido (Júpiter) leva menos de 10 h (tabela 1.1). Urano também é retrógrado, com rotação horária de pouco mais de 16h e com seu eixo quase paralelo ao seu plano orbital (inclinação de 97,77 ou
-
82,64), tabela 1.1. O planeta mais externo (Plutão) é um pequeno corpo gelado de metano, água e rocha, com 5 satélites naturais, que foi recentemente reclassificado pela União Astronômica Internacional (UAI), em 2006, como planeta anão, logo após a descoberta de mais três corpos, em 2005, também classificados como planetas anões: Haumea (com dois satélites), Makemake e Éris, cada um com um satélite. Os 4 planetas anões estão situados após a órbita de Netuno e, por isso, são denominados de transnetunianos. Nessa região periférica do Sistema Solar, denominada de cinturão Kuiper, já foram identificados diversos outros corpos menores, asteroides e meteoroides. Entretanto, a classificação de Plutão como planeta anão não é consensual entre os cientistas, dos quais muitos ainda consideram Plutão como planeta, com um longo período orbital de mais de 248 anos e uma rotação retrógrada (horária) de 6,39 dias, com eixo muito inclinado (119,59 ou-
60,41).Mercúrio Vênus Terra Marte Júpiter Saturno Urano Netuno Plutão
Raio (RE) 2.439,7 6.051,8 6.378 3.396,2 71.492 60.268 25.559 24.764 1.187 Massa (t) 3,3011 1020 4,8685 1021 5,9736 1021 6,4174 1020 1,8986 1024 5,6846 1023 8,6810 1022 1,0243 1023 1,3050 1019 Densidade1 5,43 5,24 5,51 3,93 1,33 0,69 1,27 1,64 2,03 Atmosfera (%)
−
CO2(96) N (3,5) N (78) O (21) Ar (0,9) CO2(95) N (3) Ar (1,6) H (89,7) He (10) CH4(0,3) H (96,3) He (3,25) CH4(0,45) H (83) He (15) CH4(2) H (80) He (18,5) CH4(1,5)−
Satélites−
−
1 2 79 62 27 14 5 Distância ao Sol (UA) 0,39 0,72 1 1,52 5,2 9,58 19,23 30,10 39,48 Período orbital (d/a) 87,97 0,24 ano 224,70 0,615 365,25 1a +6h 686,97 1 + 322 d 4.332 11+317 10.760 29 +175 30.681 84 +21 60.190 164+330 90.613 248+93 Período de rotação (d) 58,65-
243,02 0,997 23:56h 1,026 24:37h 0,41 9:48 h 0,44 10:34 h-
0,72 17:14h 0,67 16:06 h-
6,39 Excen-tricidade 0,21 0,007 0,02 0,09 0,05 0,06 0,04 0,01 0,25 Inclinação do eixo2 () 0,01 177,36 (-
2,64) 23,44 25,19 3,13 26,73 97,77-
82,64 28,32 119,59-
60,41 Gravidade3 (m/s2) 3,7 8,87 9,78 3,7 24,79 10,44 8,69 11,15 0,658Tabela 1.1- Parâmetros físicos dos planetas do Sistema Solar: Planetas interiores (faixa azul) e
planetas exteriores (faixa vermelha) e o maior planeta anão (Plutão, na faixa cinza extrema). RE: Raio equatorial. (1)Densidade em g/cm3, (2)Ângulo que eixo o de rotação faz com a
perpendicular ao plano orbital do planeta, (3)Gravidade equatorial. UA: Unidade astronômica
O modelo evolutivo da nebulosa, para explicar a origem do Sistema Solar, deve ser considerado apenas como uma hipótese que muitos cientistas pensam estar bem ajustada aos fatos conhecidos sobre o Sistema Solar e suas características principais apresentadas na tabela 1.1. O modelo nos oferece uma maneira de explicar a origem do Sistema Solar que pode ser testada pela observação do nosso sistema e pelo estudo de outros sistemas estelares. Uma impressionante descoberta revelada pelos dados obtidos pelas sondas espaciais americanas e russas é que em nosso Sistema Solar não existe sequer dois corpos que podem ser considerados iguais.
Há décadas, cientistas e filósofos têm especulado sobre a existência de planetas em outros sistemas estelares, os denominados exoplanetas, os quais só foram finalmente descobertos em 1999, usando potentes telescópios. Até agora mais de 4 mil exoplanetas já foram identificados em mais de 3 mil sistemas estelares. Entretanto, devido às limitações técnicas de observação, a grande maioria dos exoplanetas já detectados, são planetas gigantes do tamanho, ou maior, que Júpiter, em condições inóspitas para abrigar vida tal como a conhecemos na Terra. Desse total de exoplanetas descobertos, apenas seis são considerados possivelmente habitáveis, dos quais dois são muito parecidos com a Terra (Teegarden b e Teegarden c), que orbitam a estrela Teegarden, uma anã vermelha da constelação Áries, situada há 12,5 anos-luz da Terra. Essas descobertas reacenderam a questão que intriga a humanidade: será que não estamos sós no Universo? A perspectiva dos cientistas é que, com o aperfeiçoamento das técnicas de observação, mais exoplanetas habitáveis possam ser descobertos, aumentando as possibilidades de existência de vida extraterrestre.
Após posicionar o Sistema Solar no espaço e no tempo, nos deteremos, a partir daqui, ao nosso planeta Terra, à sua origem, logo após a formação do Sistema Solar, e aos processos geológicos e seus produtos, estudados pela Geologia, que se sucederam e nos conduziram até um planeta vivo, com continentes, oceanos e atmosfera.
1.2- GEOLOGIA COMO CIÊNCIA: princípios fundamentais da geologia
Geociências, ou Ciências da Terra, é o campo das ciências naturais que estuda o planeta Terra (Fig. 1.7), sua origem, evolução, dinâmica e seus habitats que sustentam a vida. Compõem a Geociência: a , que estuda os materiais terrestres (minerais e rochas) e os processos que os originaram (processos geológicos), a , que estuda a fisiografia da superfície terrestre e os fenômenos físicos, biológicos e humanos que nela ocorrem, a , que estuda os fenômenos físicos que afetam a Terra (gravidade, magnetismo, sismicidade e fenômenos elétricos), a , que estuda os fenômenos químicos que ocorrem na litosfera, biosfera, hidrosfera e na atmosfera, a , que estuda os oceanos, mares e zonas costeiras, sob todos os aspectos (físico, químico e biológico), e a , que estuda a atmosfera e sua interação com a superfície terrestre e seus aspectos climáticos. O foco principal desse documento são os processos geológicos que atuam na Terra desde a sua origem e que a moldaram até a situação atual, estudados pela Geologia (Fig. 1.8).
Figura 1.7- Fotomontagem, com o planeta Terra,
mostrando o continente americano, e a Lua (NASA).
11
Assim como os outros campos das ciências, a geociências usa o método científico com o objetivo de obter as evidências para desvendar os processos geológicos. O método científico é um plano geral de pesquisa baseada em
observações metodológicas e
experimentos para compreender e explicar os processos naturais que ocorrem na Terra e em todo o Universo. Inicialmente, uma hipótese é formulada com base em interpretações indutivas e dedutivas, a partir de observações e experimentos. A hipótese, ao ser testada com novos dados, por outros cientistas, pode ser confirmada, modificada ou descartada se, após as modificações, os resultados positivos não forem repetidos satisfatoriamente. Uma hipótese que sobrevive a repetidas mudanças e consegue replicar resultados positivos em diversas situações, pode ser elevada à condição de teoria. Uma teoria também pode ser modificada, revisada, confirmada ou descartada. Mesmo que uma teoria explique satisfatoriamente os fenômenos observados, ela permanece em teste contínuo ao longo do tempo. Quanto mais tempo uma teoria resiste às mudanças científicas mais confiável ela se torna, se aproximando cada vez mais da verdade absoluta que nunca é alcançada definitivamente. Um modelo científico é a representação de algum aspecto ou fenômeno da natureza com base em um conjunto de hipóteses e teorias científicas (Fig. 1.9).
A comparação entre as previsões de um modelo científico e as observações feitas é uma maneira eficaz de testar se as hipóteses e teorias utilizadas no modelo são mutuamente consistentes com ele. Os resultados científicos são frutos de um trabalho conjunto de equipe de cientistas que interagem entre si, continuando e aperfeiçoando o
Figura 1.9- Fluxograma do método científico. Figura 1.8- Geociências e seus principais
domínios: Geologia, geografia, geofísica, geoquímica, oceanografia e meteorologia.
trabalho cumulativo de cientistas anteriores. Atualmente os modelos são formulados com suporte computacional, especialmente para sistemas de longa duração, como os geológicos, que nem as observações de campos nem os experimentos laboratoriais sozinhos podem elucidar. O progresso dos trabalhos científicos depende da formação contínua de cientistas, passando o conhecimento para as gerações seguintes.
A obra do médico e mineralogista alemão Georg Bauer, mais conhecido como Georgius Agricola (Fig. 1.10), registrada principalmente nos livros “De Natura Fossilium”, dedicado ao estudo dos minerais, de 1546, e “De Re Metallica”, sobre a natureza dos metais, de 1556, é considerada o principal marco inicial da Geologia como ciência, ou seja, baseada no método científico. A obra de Agrícola, sobre os minerais, o levou a ser considerado como o pai da Mineralogia.
Como nos demais campos das ciências, a geologia depende de observações científicas e experimentos em laboratório. No entanto, a geologia é uma ciência histórica particular que procura desvendar processos geológicos do passado e, para tal, os geólogos procuram, no campo, por seus vestígios que ficam registrados nas rochas. Foi estudando as rochas sedimentares do oeste da Itália, com olhar científico, na segunda metade do século 17, que o cientista e bispo católico dinamarquês Niels Stensen, mais conhecido como Nicolaus Steno (Fig. 1.11), definiu os três princípios básicos da sucessão estratigráfica das camadas sedimentares: Princípio da horizontalidade original das camadas, pelo qual as camadas sedimentares são depositadas em posição horizontal. Princípio da sobreposição das camadas, pelo qual um estrato é mais antigo que aquele que o cobre e mais novo que aquele que lhe serve de base. Princípio da continuidade lateral, pelo qual as camadas sedimentares são contínuas, estendendo-se até a margem da bacia de deposição.
Como um cientista da Igreja, Steno foi um dos precursores de uma corrente científico-geológica pela qual quase todas as rochas, inclusive as rochas ígneas e metamórficas, teriam sido precipitadas das águas do mar primordial que cobria toda a Terra, antes da separação das terras e das águas, conforme o relato bíblico da criação. Essa corrente geológica, denominada de Netunismo, em referência ao Deus do mar, Netuno, da mitologia greco-romana, se consolidou na segunda metade do século 18, sob a liderada do geólogo alemão Abraão G. Werner (1749-1817), e refletia ainda a grande influência da Igreja católica no pensamento científico daquela época.
No final do século 18 começou a surgir uma outra corrente científica-geológica, liderada pelo geólogo escocês James Hutton, que considerava as rochas ígneas, como os granitos, intrusivas (mais nova) em rochas sedimentares (mais antigas), se contrapondo ao pensamento netunista, pelo qual as rochas sedimentares eram mais novas. Por considerar as rochas ígneas formadas a partir de material fluido e quente do interior da Terra, outra importante diferença em relação ao Netunismo, essa nova corrente geológica foi denominada de Plutonismo, em referência ao Deus das profundezas, Plutão, da mitologia greco-romana. Essa bipolaridade Netunismo-Plutonismo dominou o pensamento geológico até a metade do século 19, quando a insustentabilidade científica do Netunismo começou a ser reconhecida. Coube também a Hutton estabelecer mais claramente, como critério científico de observação, a comparação dos processos geológicos atuais com os processos antigos inferidos a partir
Figura 1.10- Georgius Agricola (1494-1555)
Figura 1.11- Nicolaus Steno (1638-1686)
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dos registros geológicos preservados nas rochas, fazendo a conexão entre o presente e o passado geológico. Segundo esse princípio, as leis da natureza são constantes, o que leva a interpretar os processos geológicos antigos como os mesmos que ocorrem atualmente. Por causa dessa uniformidade dos processos geológicos ao longo do tempo, considerada nesse princípio, o mesmo passou a ser denominado
, o qual foi formalizado mais profundamente por outro geólogo escocês, Charles Lyell, no começo do século 19 (Fig. 1.12). O Uniformitarismo é considerado um dos princípios basilares da Geologia moderna, o qual, em sua versão mais simples, costuma ser dito: o presente é a chave para o passado.
Em sua formulação original, o princípio do Uniformitarismo estabelece que os processos são lentos e graduais. Certamente isso é correto para muitos processos, como o soerguimento de cadeias de montanhas, deposição de espessas sequências sedimentares e a migração dos continentes, cuja duração é medida em milhões de anos. Entretanto, outros processos são muito mais rápidos, como uma erupção vulcânica e o rompimento de um terreno por uma falha geológica, e até súbito, como o impacto de um meteoroide ou asteroide que pode formar uma grande cratera em questões de segundos. Outra restrição ao princípio do Uniformitarismo, imposta pelo avanço do conhecimento geológico, é que embora os grandes processos geológicos (sedimentação, magmatismo, movimento de placas tectônicas, erosão, etc.) que ocorreram no passado, continuem acontecendo, nem sempre ocorrem da mesma forma e com a mesma intensidade do passado. Os humanos nunca presenciaram o impacto de um grande asteroide na Terra, embora sabemos que eventos como esse ocorreram muitas vezes no passado e provavelmente ocorrerão novamente. Da mesma forma, grandes derrames vulcânicos que cobriram vastas áreas e envenenaram a atmosfera global com gases ocorreram diversas vezes no passado, com intensidades variáveis, chegando a cobrir mais de um milhão de Km2, como os basaltos da bacia do Paraná. Eventos desse tipo não ocorrem na Terra há mais de 6 Ma. Com o esfriamento progressivo do planeta, os violentos processos que moldaram a Terra primitiva foram substancialmente diferentes dos processos atuais.
a
b
Figura 1.12- James Hutton e o famoso afloramento de uma
discordância rochosa, em Siccar Point, na costa sudeste da Escócia, onde Hutton teria se inspirado, em 1788, para formular suas ideias do Uniformitarismo (a). Charles Lyell, quem formalizou com mais profundidade o princípio do Uniformitarismo (b), em sua clássica obra Principles of Geology, de 1830, em três volumes.
O primeiro marco sobre o aspecto prático da geologia foi estabelecido pelo agrimensor britânico William Smith (Fig. 1.13), no início do século 18. Trabalhando na construção de canais para escoamento de carvão em várias regiões da Inglaterra, Smith observou as diversas camadas geológicas e seus fósseis e deduziu que “cada estrato contém fosseis organizados que lhe são peculiares”, permitindo fazer correlações a grandes distâncias. Em 1815 ele publicou seu mapa geológico da Grã-Bretanha, abrangendo a Inglaterra, País de Geles e Escócia, reconhecido como o primeiro mapa geológico de grande escala feito pelo homem, que ficou conhecido como o
, atualmente exibido na Burlington House, sede da Geological Society of London, no centro de Londres. As conclusões de Smith, sobre a evolução das rochas sedimentares e a vida marinha, com base na sucessão das camadas estratigráficas e seus fósseis, contribuíram para a teoria da evolução das espécies anunciada por Charles Darwin quase seis décadas depois.
Um marco mais recente na história da Geologia foi estabelecido apenas no início do século passado, embora tenha sido especulado desde longa data: a
. A ideia da união entre a África e a América do Sul no passado vem desde a época dos primeiros ensaios cartográficos, no século 17, representando as margens desses dois continentes. Entretanto, uma teoria da deriva dos continentes apoiada em conhecimento científico, só foi proposta no início do século 20, independentemente pelo geólogo americano Frank B. Taylor (Fig. 1.14 a), em 1908, e pelo meteorologista alemão Alfred L. Wegener (Fig. 1.14 b), em 1912. De acordo com essa teoria, os continentes atuais teriam se originado da fragmentação de um continente primitivo denominado Pangeia. Os fragmentos resultantes teriam se afastado uns dos outros desde o Jurássico ou Cretáceo (cerca de 200-150 Ma atrás), derivando sobre o manto oceânico até as posições atuais. A Deriva Continental foi a teoria precursora de outra mais bem
fundamentada, a , que emergiu na década de 1960, a qual,
juntamente com os métodos de datação radiométrica, que determinam as idades absolutas das rochas, surgidos no final da década de 1950 do século 20, moldaram a evolução da geologia moderna.
1.3- TERRA PRIMITIVA: origem e diferenciação do planeta Terra
A formação dos planetas rochosos da parte interna do Sistema Solar, entre eles a Terra, ocorreu principalmente pelo processo da acreção planetária de fragmentos (planatesimais) que, atraídos pela gravidade, se agregaram até formar um protoplaneta e finalmente um planeta. O movimento dos planatésimos envolve energia cinética que é
Figura 1.13-
Figura 1.14 - Precursores da teoria da
tectônica de placas: Frank B. Taylor (1860-1938), geólogo americano (a) e Alfred L. Wegner (1880-1930), meteorologista alemão (b).
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convertida em calor durante os violentos impactos que atingiram a Terra primitiva. Muitos cientistas acreditam que durante essa fase primitiva de intenso bombardeamento de planatesimais, a Terra deve ter sido atingida por um corpo maior, aproximadamente metade do tamanho da Terra (equivalente ao tamanho de Marte), suficiente para gerar uma grande quantidade de detritos e fundir maior parte do que teria restado da Terra. Segundo essa hipótese, a Lua teria se formado a partir da agregação dos detritos desse grande impacto, ocorrido em torno de 4,5 Ga, entre o início do período de agregação da Terra (4,56 Ga) e a idade das rochas mais antigas da Lua (4,47 Ga) trazidas pelos astronautas da missão Apollo no final da década de 1960 (Fig. 1.15). Esse cataclisma teria acelerado a velocidade de rotação da Terra, inclinado seu eixo de rotação para em torno de 23 e fundido grande parte da massa da Terra.
Além do calor do grande impacto, havia o calor gerado pelo decaimento de elementos radioativos, como urânio e tório, mais abundantes no passado. Essas duas fontes teriam gerado calor suficiente para fundir 30 a 65 % da Terra, formando uma camada externa de rocha derretida (oceano de lava), de centenas de quilômetros de espessura, sobre o interior terrestre, também aquecido e parcialmente fundido. Tal situação permitiu a mobilização do material terrestre, com a migração do material mais denso em direção ao interior, para formar o núcleo terrestre, e do material mais leve para a superfície, formando a crosta terrestre. Essa mobilização transportou calor interno da Terra para a superfície, de onde ele irradiou-se para o espaço, provocando resfriamento e posterior solidificação de grande parte da Terra, resultando em um planeta diferenciado, ou zonado, em três camadas principais: núcleo central denso, constituído principalmente por ferro, e uma crosta externa leve, separados por um manto de rochas de densidade intermediária (Fig. 1.16).
Maior parte do ferro (Fe) da Terra, seu principal componente pesado que representa mais de um terço da sua composição global, mergulhou para o interior do planeta durante o processo de diferenciação, acompanhado por outros elementos pesados menores, como o níquel (Ni). Elementos mais leves, como o oxigênio (O), silício (Si), alumínio (Al), sódio (Na) e potássio (K) se separaram da massa fundida e migraram em direção à superfície, acompanhados por um pouco de cálcio (Ca), magnésio (Mg) e ferro também, para formar a crosta terrestre, uma delgada camada superficial. Entre o
Figura 1.15- Simulação computadorizada da origem da Lua por meio de um grande impacto de
núcleo e a crosta se acomodou a maior parte sólida da Terra, o manto, constituído por rochas de densidade intermediária compostas por Si, O, Ca, Mg e Fe.
1.4- BOMBARDEAMENTO VINDO DO ESPAÇO: Meteoroides e asteroides
As superfícies marcadas por crateras da Lua, Mercúrio, Marte e outros corpos, são evidências de um importante período da história primordial do Sistema Solar, o período de bombardeamento pesado que durou em torno de 600 Ma, desde a formação dos planetas. Durante esse período, os planetas varreram e colidiram com os fragmentos deixados para trás na época da acreção planatesimal. A atividade geológica da Terra obliterou os efeitos desse intenso bombardeamento. Após esse período, o bombardeamento continuou, porém de maneira muito mais branda, evidenciado por incontáveis pequenos fragmentos que continuam penetrando a atmosfera terrestre. A maioria deles, denominados meteoros, são muito pequenos ( 10 m) e normalmente são destruídos e volatilizados pelo atrito com a atmosfera, antes de atingir a superfície da Terra. As estrelas cadentes que, em noites de bom tempo, podem ser vistas como estrias luminosas que riscam o céu, são meteoros penetrando na atmosfera terrestre. Por outro lado, fragmentos maiores que 10 m, denominados meteoritos, podem atingir a superfície da Terra. Atualmente, cerca de 40 mil toneladas de material extraterrestre caem na Terra a cada ano. A cratera de Barringer, também conhecida como cratera do Meteoro, com 1,2 Km de diâmetro, no Arizona, EUA, foi formada há cerca de 50 mil anos pelo impacto de um meteorito com em torno de 50 metros de diâmetro e pesando cerca de 300 mil toneladas (Fig. 1.18). O estudo de milhares de amostras de meteoritos permitiu elaborar uma classificação destes corpos, de acordo com suas estruturas internas e suas composições químicas e mineralógicas, em três classes seguintes (Tabela 1.2):
classe francamente dominante, com 95 % das amostras estudadas, que se subdivide em
(86 %) e (9 %). Os condritos são
principalmente do tipo ordinário (81 %) e, mais raramente, do tipo carbonáceo (5 %). classe menos frequente, com apenas 1 % das amostras estudadas.
, com 4 % das amostras estudadas.
Figura 1.18- Cratera de Barringer (do Meteoro),
Arizona, EUA, com 1,2 Km de diâmetro.
Figura 1.16- Diferenciação
da Terra primitiva resultou em um planeta zonado, com três camadas principais: núcleo central de ferro e níquel, uma crosta de rochas leves e um manto de rochas de densidade intermediária entre o núcleo e a crosta.
17 (95 %) Condritos (86 %) Com côndrulos Ordinários (81 %)
Características: Primitivos não
diferenciados. Idade entre 4,5 e 4,6 Ga. Composição: Minerais silicáticos (olivina, piroxênio, plagioclásio) e fases refratárias metálicas intersticiais (Fe-Ni) + matéria orgânica (em condritos carbonáceos). Proveniência: Corpos não diferenciados do cinturão de asteroides. Carbonáceos (5 %) Acondritos (9 %) Sem côndrulos
Características: Diferenciados. Idade: 4,4 a 4,6 Ga Composição: Heterogênea, em muitos casos similar à dos basaltos terrestres. Minerais principais: Olivina, piroxênios e plagioclásio.
Proveniência: Corpos diferenciados (manto silicático) do cinturão de asteroides, da lua e de Marte.
(1 %)
Composição: Mistura de minerais silicáticos e metálicos (Fe-Ni).
Proveniência: Interior de corpos diferenciados do cinturão de asteroides. São meteoritos acondríticos.
(4 %)
Composição: Minerais metálicos (Fe-Ni).
Proveniência: Núcleo de corpos diferenciados do cinturão de asteroides. São meteoritos acondríticos.
Os meteoritos condríticos ordinários (Fig. 1.19 a) são constituídos por pequenos glóbulos (côndrulos) milimétricos de minerais silicáticos (principalmente olivina, piroxênio e plagioclásio), além de minerais metálicos intersticiais (sulfetos ou ligas de Fe e Ni). Os condritos carbonáceos distinguem-se dos ordinários por possuir compostos orgânicos e alguns podem não apresentar côndrulos. Os condritos são interpretados como fragmentos de corpos primitivos da parte interna do sistema solar que não chegaram a sofrer diferenciação química, preservando, portanto, suas estruturas internas (côndrulos) e também sua composição original (silicatos + minerais metálicos), com exceção dos elementos voláteis (H e He) que escaparam no estágio precoce da evolução do sistema solar, ainda muito quente (1.700 a 2.000ºC). A estrutura condrítica é a melhor evidência do processo de acreção gravitacional de partículas que teria gerado os planatésimos e protoplanetas, precursores dos atuais planetas rochosos do sistema solar.
Os meteoritos não condríticos (ou acondritos) podem ser de três tipos seguintes: acondritos rochosos, ferro-pétreos (ou siderólitos) e metálicos (ou sideritos). Os acondritos rochosos são constituídos por minerais silicáticos (principalmente olivina, piroxênio e plagioclásio), sem fases metálicas significativas e, em muitos casos, similares a composição dos basaltos terrestres. Os meteoritos siderólitos são constituídos por
Tabela 1.2- Características e classificação e dos meteoritos: rochosos, siderólitos e sideritos.
a
b
Figura 1.19- Amostras de meteorito condrítico, Museu de história Natural, Nova York, EUA (a)
misturas de silicatos e minerais metálicos de Fe e Ni, enquanto que os sideritos são basicamente constituídos por minerais metálicos de Fe e Ni (Fig. 1.19 b). São derivados de corpos maiores diferenciados, nos quais a estrutura condrítica foi destruída.
Meteoritos rochosos condríticos são interpretados como fragmentos de corpos não diferenciados, enquanto que meteoritos rochosos acondríticos são considerados fragmentos do manto ou crosta de corpos diferenciados (Fig. 1.20). A composição metálica pura dos meteoritos sideríticos conduz à interpretação de serem eles fragmentos do núcleo metálico de corpos diferenciados (Fig. 1.20). Os meteoritos siderólitos correspondem a situações mais raras nas quais os fragmentos de corpos diferenciados conteriam porções tanto do núcleo metálico como do manto silicático.
Os impactos de corpos rochosos maiores ( 1Km), como os asteroides e cometas, os maiores asteroides podendo atingir centenas de quilômetros, deixam vestígios na forma de crateras que ocorrem praticamente em todos os corpos do Sistema Solar. Embora colisões de asteroides tenham se tornado raras, corpos de 1 a 2 Km de diâmetro ainda podem colidir com a Terra com intervalos em torno de poucos milhões de anos. Em torno de 65 Ma atrás (final do período Cretáceo), um asteroide com pouco mais de 10 Km de diâmetro colidiu com a Terra, na península de Lucatã, sudeste do México, e formou uma cratera com mais de 180 Km de diâmetro, denominada cratera Chicxulub, atualmente soterrada. Os cientistas acreditam que esse impacto causou a extinção dos dinossauros. Possivelmente, esse evento tenha possibilitado a ascensão dos mamíferos como espécie dominante na Terra, preparando o caminho para o homem. As órbitas dos grandes asteroides estão sendo estudas pelos astrônomos com o objetivo de antecipar a possibilidade de algum deles se chocar com a Terra. Astrônomos da Nasa previram, com probabilidade de uma chance em 300, que um asteroide com 1 Km de diâmetro colidirá com a Terra em março de 2880.
1.5- FORMAÇÃO DOS CONTINENTES, OCEANOS E ATMOSFERA DA TERRA Pelo exposto acima, a fusão e a diferenciação primitiva da Terra resultaram na formação da crosta terrestre e, portanto, dos continentes, a feição mais visível da crosta terrestre. A diferenciação também provocou o escape dos gases mais leves para a superfície, o que resultou na formação de grande parte dos oceanos e da atmosfera. Esses gases, que continuam exalando em erupções vulcânicas, são remanescentes primitivos da nebulosa solar original que ficaram retidos no interior do planeta.
O crescimento dos continentes começou logo após a diferenciação da Terra e continuou ao longo do tempo geológico. Imagina-se que durante a diferenciação rocha fundida (magma) do interior do planeta ascendeu à superfície, onde esfriou e solidificou-se para formar a crosta rochosa. Essa crosta primitiva fundiu-solidificou-se e solidificou-solidificou-se repetidamente, provocando a separação contínua dos matérias mais leves e pesados,
Figura 1.20- Origem dos meteoritos
a partir de corpos planetários não diferenciados (condritos rochosos) e diferenciados (acondritos rochosos e sideritos). Acreção Fragmentação Fragmentação Condritos Crosta Manto Sideritos Núcleo Acondritos Diferenciação Acreção
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com ascensão dos mais leves para formar os núcleos primitivos dos continentes. A água da chuva, vento e gelo erodiram as rochas continentais que sofreram desintegração e decomposição, formando detritos físicos e químicos que moveram-se para regiões de deposição mais baixas, acumulando-se em camadas sedimentares, formando praias, deltas e assoalhos sedimentares de mares adjacentes. A repetição desses processos durante muitos ciclos estruturou os continentes.
A maioria dos geocientistas acredita que a água e outros componentes voláteis dos oceanos e atmosfera terrestre eram componentes originais dos planatesimais que se agregaram para formar a Terra, na forma de minerais hidratados (com oxigênio e hidrogênio). Da mesma forma, nitrogênio e carbono também faziam parte de certos minerais dos planatesimais. Quando a Terra se aqueceu, com fusão parcial de seus materiais, e se diferenciou, o vapor d’água e outros gases foram liberados e levados para a superfície pelos magmas e lançados na atmosfera pela atividade vulcânica (Fig. 1.21). Os gases emitidos pelos vulcões primitivos (há 4 bilhões de anos) eram constituídos principalmente por vapor d’água, além de hidrogênio (H), nitrogênio (N), dióxido de carbono (CO2) e outros gases traços, os mesmos gases emitidos pelos vulcões atuais,
embora não necessariamente nas mesmas quantidades relativas. Quase todo o hidrogênio escapou para o espaço exterior, enquanto que os gases mais pesados formaram a atmosfera que envolve o planeta. A atmosfera primitiva era destituída de oxigênio, elemento que constitui 21% da atmosfera atual, mas que só foi incorporado à atmosfera com o surgimento de organismos fotossintéticos.
Outra hipótese, defendida por alguns geocientistas, advoga que maior parte do ar e da água da Terra atual é proveniente de fora do sistema solar, por meio de materiais ricos em voláteis, como cometas, compostos predominantemente de gelo, dióxido de carbono e outros gases congelados. Segundo essa hipótese, incontáveis cometas podem ter impactado a Terra nos primórdios de sua história, fornecendo água e outros gases que deram origem à atmosfera e aos oceanos primitivos.
1.6- OS SITEMAS INTERATIVOS DA TERRA
Os processos geológicos atuantes na Terra, tais como terremotos, vulcões, glaciações e sedimentação, são governados por dois mecanismos térmicos, um interno e outro externo. O mecanismo interno da Terra é governado pela energia térmica aprisionada durante a origem do planeta a partir da nebulosa solar, além do calor gerado pelo decaimento de elementos radioativos no interior da Terra. O calor interno controla os movimentos no núcleo, manto e litosfera que provocam magmatismo (fusão de rochas), movimentos de placas tectônicas e soerguimento de montanhas, denominados . O mecanismo externo terrestre é controlado pela energia solar que atinge a Terra. O calor solar energiza a atmosfera, a hidrosfera e a biosfera, provocando chuvas, vento e degelo que erodem montanhas, modelam a paisagem e controlam o
clima do planeta, denominados (Fig. 1.22).
Figura 1.21- Formação dos oceanos e da
atmosfera por emanação de vapor d’água, CO2, N e H para a superfície, por atividade
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Embora a dinâmica externa e interna da Terra sejam dois sistemas independentes, alimentados por fontes de energia diferentes, os processos e os produtos da dinâmica interna afetam aqueles da dinâmica externa e são modelados por ela, compondo um sistema global, denominado , que é aberto e troca massa e energia com o cosmos. A dinâmica externa e interna são os dois grandes subsistemas do sistema Terra que podem ser ainda subdivididos em outros subsistemas menores e específicos, denominados (Fig. 1.23) que são interconectados e interativos. Os principais subsistemas da dinâmica externa são a atmosfera, hidrosfera, biosfera e a superfície sólida da crosta terrestre que compõem o geossistema do clima. Os processos da dinâmica interna envolvem dois geossistemas importantes: 1) geossistema das placas tectônicas, relacionados com os subsistemas litosfera, astenosfera e manto inferior; e 2) geossistema do geodínamo, relacionado com o núcleo externo e interno da Terra.
Figura 1.22- Dinâmica externa da Terra, controlada pela energia solar, e dinâmica interna
governada pela energia térmica original e calor radioativo do interior da Terra.
Figura 1.23- Principais geossistemas globais do sistema Terra: geossistema do clima,
21
Somente nas últimas décadas do século 20, a ciência reuniu conhecimento e condições tecnológicas para investigar como o sistema Terra e seus geossistemas realmente funcionam, com uma rede de satélites para coleta de dados em uma escala global e computadores capazes de calcular a massa e energia transferidas dentro do sistema Terra. Estudar os geossistemas terrestres e suas interconectividades é o que se propõem as geociências.
O geossistema do clima inclui todas as propriedades e interações dos subsistemas da dinâmica externa da Terra necessários para determinar o clima em uma escala global e como ele muda com o tempo. O clima compreende a temperatura, precipitação pluviométrica, nebulosidade e os ventos em um ponto ou área da superfície terrestre. O clima depende principalmente das condições da atmosfera, mas também de suas interações com a hidrosfera, biosfera e com a superfície sólida da Terra. A vida, inclusive dos seres humanos, é extremamente dependente do clima, podendo favorece-la ou dificultá-favorece-la e até inviabilizá-favorece-la. Embora os ciclos climáticos da Terra sejam bem definidos pelas estações do ano, controladas pelo influxo da energia solar nos ciclos sazonais, as variações mais curtas e mais longas são muito difíceis de prever com precisão devido à complexidade da atmosfera e suas interações com outros subsistemas. Para compreender essas interações os cientistas elaboraram modelos numéricos (sistemas climáticos virtuais) em supercomputadores e comparam os resultados de suas simulações com os dados observados. O objetivo desses ensaios é poder fazer previsões climáticas de curto prazo e também as tendências de mudanças climáticas futuras de longo prazo, com menor erro possível.
Os geossistemas das placas tectônicas e do geodínamo fazem parte da dinâmica interna do planeta. Alguns dos mais dramáticos eventos geológicos terrestres, como as erupções vulcânicas e terremotos, estão relacionados com o geossistema das placas tectônicas. Esses fenômenos são controlados pelo calor interno do planeta que escapa para a superfície por meio de circulação de material sólido dúctil (não rígido) do manto, através de um mecanismo denominado convecção. A convecção é um mecanismo de transferência de energia e massa causada pela diferença de temperatura em um material que pode fluir (líquido, gás ou solido dúctil), no qual o material aquecido abaixo ascende e o resfriado acima afunda, formando uma corrente de convecção. A convecção mantélica é semelhante à convecção de água fervente em um recipiente (Fig. 1.24 a), no qual material sólido dúctil aquecido do manto inferior, de menor densidade, se move para cima pela força do empuxo, enquanto que o material mais frio e mais denso do manto superior se move para baixo, pela força da gravidade, criando o movimento convectivo que movimenta as placas tectônicas rígidas da litosfera (Fig. 1.24 b). As placas são criadas nas zonas de ascensão da convecção e, após se resfriarem, mergulham de volta para o manto nas zonas descendentes da convecção.
Figura 1.24- Convecção em água fervente (a) e convecção mantélica que controla os
movimentos das placas tectônicas (b).
O campo magnético terrestre está relacionado com o geossistema geodínamo, controlado pelo núcleo da Terra, constituído basicamente de ferro e subdividido em núcleo externo (líquido) e núcleo interno (sólido). Correntes de convecção no núcleo externo (líquido) convertem energia mecânica em energia elétrica que, por sua vez, gera um campo magnético bipolar, semelhante a um dínamo. Além de sua importância na orientação geográfica, o campo magnético terrestre protege a Terra, como um escudo, dos ventos e erupções solares. Desse modo, os dois geossistemas mais importantes da dinâmica interna da Terra estão relacionados, cada um, a um sistema convectivo: o das placas tectônicas está relacionado a uma convecção no manto, e o do geodínamo a uma convecção no núcleo externo da Terra.
1.7- A TERRA AO LONGO DO TEMPO GEOLÓGICO
A história geológica da Terra, desde a sua origem até o tempo atual, tem em torno de 4.500 Ma, uma escala de tempo inimaginável pelas pessoas leigas, quando comparamos com a própria história humana, medida em séculos ou, no máximo, alguns milhares de anos. Mas o que aconteceu com o nosso planeta durante essa imensidão de tempo? Responder a essa pergunta é o que se propõe a geologia.
A Terra começou a se formar há 4.560 Ma, por meio de acreção planatesimal. Após aproximadamente 100 Ma, a Terra primitiva já estava formada e diferenciada em três camadas (crosta, manto e núcleo). Entretanto, após a sua formação, o processo de acreção, com bombardeamento pesado de planatesimais, continuou até em torno de 4.000 Ma atrás. Esses primeiros 500 Ma da história terrestre pode ser denominado de “idade geológica das trevas”, porque muito pouco do registro geológico sobreviveu ao período de bombardeamento pesado até 4.000 Ma, idade das rochas mais antigas encontradas na superfície terrestre (Fig. 1.25).
Há pouco mais de 4.000 Ma, a atmosfera e a hidrosfera primitivas da Terra já estavam formadas. Gases leves, como o hidrogênio, escaparam para o espaço, ficando os gases mais pesados, como o vapor d’água, dióxido de carbono (CO2), nitrogênio e
dióxido de enxofre (SO2), que formaram a atmosfera primitiva da Terra. Todos os
componentes da luz solar conseguiam atravessar essa atmosfera primordial, inclusive os raios ultravioletas (UV) que são danosos para a vida. Por outro lado, havia CO2 e
vapor d’água suficiente para aprisionar o calor solar que chegava à superfície da Terra, por meio do efeito estufa, mantendo a superfície terrestre aquecida.
De alguma forma, a vida iniciou nessa atmosfera primitiva hostil, pobre em oxigênio e com radiação UV, porém favorecida pelo aquecimento do efeito estufa. Os primeiros degraus da vida foram a formação de grandes moléculas orgânicas gasosas (metano e amônia) que devem ter ocorrido em torno de 4.000 Ma atrás. A energia para a síntese dessas moléculas foi suprida pela radiação UV, disponível na atmosfera primitiva. De alguma maneira essas moléculas orgânicas agregaram-se e formaram sistemas capazes de crescer e metabolizar. Esses sistemas não eram propriamente vida ainda, pois não se reproduziam, e sim uma espécie de protovida. A vida propriamente dita surgiu com o desenvolvimento das proteínas e dos ácidos nucleicos, estes últimos são macromoléculas com capacidade de se autorreplicarem. Primeiramente surgiu o ácido ribonucleico (RNA) que foi transitório e logo evoluiu para o ácido desoxirribonucleico (DNA), mais complexo, que foi a base do desenvolvimento da biosfera pelo resto da história geológica terrestre. Os fósseis mais antigos conhecidos são de cianobactérias primitivas (estromatólitos), encontrados em rochas com idades entre 3.800 a 3.500 Ma, da era pré-cambriana ( 542 Ma), que constituem as primeiras evidências diretas de vida primitiva, unicelular do tipo procarionte (células sem núcleo). Os primeiros indícios da ação erosiva da água foram encontrados em rochas com idade de 3.800 Ma (Fig. 1.25).
23
Em torno de 2.500 Ma atrás foi completada a principal fase de formação das grandes massas continentais, começando a movimentação das grandes placas tectônicas. A partir de 2.500 Ma o registro fóssil da vida na Terra tornou-se progressivamente mais rico, revelando uma espetacular evolução adaptativa dos seres pioneiros da vida terrestre (Fig. 1.25). Alguns geocientistas defendem uma outra hipótese para a origem da vida, da atmosfera e dos oceanos, pela qual a água e outros componentes da atmosfera e a própria vida teriam uma origem extraterrestre, trazidos por cometas que se chocaram com a Terra no período do bombardeamento pesado. Alguns cientistas adeptos dessa hipótese alegam que o bombardeamento pesado pode até ter destruído a vida inicial, implicando que a vida poderia ter reiniciado várias vezes até se estabelecer definitivamente.
Uma importante mudança biológica ocorreu, a partir de 2.450 Ma, quando os organismos evoluíram para produzir seu próprio alimento por meio da fotossíntese, pelo qual as plantas utilizam a clorofila (pigmento que as colore de verde) e a luz solar para produzir carboidratos a partir de CO2 e água, conforme a reação:
3CO2 + 6H2O C3H6O3 + 3H2O + 3O2, com consumo de CO2 e liberação de O2.
A continuidade da fotossíntese teve importantes consequências para o planeta, pois à medida que o CO2era retirado, o oxigênio se acumulava na atmosfera. Foi assim que
em pouco mais de 200 Ma a atmosfera se oxigenou (Fig. 1.25) e o processo continuou por pelo menos 2 bilhões de anos até a porcentagem de oxigênio na atmosfera se estabilizar em torno de 21 %. Quando as moléculas de oxigênio (O2) atingiram a
Figura 1.25- Fita do tempo geológico, em milhões de anos, desde a formação do sistema solar
até o presente, mostrando os principais eventos da história geológica da Terra.
Luz Glicose
Glaciação
atmosfera superior (estratosfera) foram transformadas pela radiação solar em ozônio (O3), formando uma camada protetora que absorve maior parte da radiação UV que
chega à Terra. Sem a camada de ozônio, a vida na Terra não teria evoluído para formas mais complexas. Há 2.100 Ma ocorreu a primeira glaciação de grande escala (Huroniana) que deixou registros. A partir de 2.000 Ma surgiram os primeiros organismos unicelulares eucariontes (células com núcleo), como os fungos. Entre de 2.000 e 1.000 Ma a vida tornou-se multicelular, quando surgiram as algas e algas marinhas.
Durante a era pré-cambriana ocorreram mais quatro glaciações, dentre elas a glaciação Marinoan, entre 790 e 630 Ma, uma das mais severas glaciações conhecidas, quando grande parte da superfície da Terra ficou coberta de neve e, por isso, é conhecida como Terra Bola de Neve. Após a glaciação Marinoan, surgiram os primeiros seres do reino animal, há 600 Ma, evoluindo em uma sequência de picos biológicos no período Cambriano (543 a 510 Ma), iniciando com formas simples, sem partes duras, e também metazoários namacalathus, os primeiros organismos reconhecidos com esqueleto calcífero, mas que foram logo extintos. O segundo pulso foi um breve período entre 545 e 530 Ma em que houve uma explosão biológica, referido como Big Bang biológico, no qual surgiram os ancestrais de quase todos os animais que conhecemos hoje: vermes terrestres e marinhos, estrelas do mar, bolachas de praia, moluscos, insetos, crustáceos, cordados e os trilobitas (ancestral do camarão), além de criaturas esquisitas, como o hallucigenia, (Fig. 1.26 a, b) que deixaram, pela primeira vez, carcaças fósseis bem preservadas no registro geológico.
A evolução biológica normalmente é um processo muito lento, embora os registros mostram breves períodos de mudanças bruscas, como foi a explosão biológica cambriana. Igualmente bruscas e impressionantes foram as extinções em massa que fizeram desaparecer subitamente do registro geológico muitos tipos de plantas e animais. Cinco episódios bem registrados de extinções estão indicados na figura 1.25. Três principais causas dessas extinções são consideradas pelos geocientistas: ) impactos de asteroides; ) mudanças climáticas bruscas provocadas por glaciações; ) erupções vulcânicas de grande intensidade e extensão. O primeiro evento de extinção em massa ocorreu em torno de 100 Ma após a explosão biológica cambriana, provavelmente relacionado com a glaciação Andean-Saharan, entre 460 e 430 Ma atrás (Fig. 1.25). Há 420 Ma surgiram os primeiros animais terrestres, após o que ocorreram mais duas glaciações antes do último período geológico, o Quaternário (˂ 2,6 Ma). O maior evento de extinção conhecido, que varreu 95 % de todas as espécies de vida da época, ocorreu em torno de 250 Ma atrás (extinção permiana) e não se sabe ao certo a(s) causa(s) desta grande extinção. O último evento de extinção, ocorrido há 65 Ma, foi causado pelo impacto de um asteroide com em torno de 10 Km de diâmetro, na península de Lucatã, sudeste do México. Esse evento extinguiu metade das espécies de vida na Terra, inclusive os dinossauros.
Os primeiros hominídeos surgiram há 5 Ma, no início do período Plioceno (entre 5 e 2,6 Ma). No último período geológico, o Quaternário, ocorreram seis períodos glaciais, o último (glaciação Wisconsin) entre 110 e 12 mil anos atrás, já com a presença do homo
a
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sapiens que surgiu há 120 mil anos (Fig. 1.25). essa última glaciação é também conhecida como glaciação antropológica, pelo fato de ter auxiliado os seres humanos na travessia dos estreitos congelados: África para o Oriente Médio (mar vermelho), Ásia para a América do Norte (estreito de Bering), China para o Japão (estreito da Coreia) e Ásia para a Oceania (estreito de Torres, entre Papua Nova Guiné e Austrália).
Nessa unidade introdutória, tratamos de posicionar o nosso planeta Terra no espaço (no Sistema Solar e na imensidão do Universo) e no tempo. Mostramos como os geocientistas pensam e trabalham para desvendar a história geológica do nosso planeta e de seus sistemas interativos. Por fim, procuramos mostrar os principais eventos dessa longa e bela história geológica na escala do tempo geológico, desde a origem ardente da Terra e suas mudanças ao longo desse tempo e desde a origem da vida até o aparecimento dos seres humanos. Nos próximos tópicos serão detalhados os processos geológicos e seus produtos que ocorreram ao logo do tempo geológico. Iniciaremos com os processos da dinâmica interna, no interior da Terra, e os mecanismos da tectônica de placas e, em seguida, trataremos dos materiais terrestres (minerais e rochas), incluindo os processos endógenos de formação das rochas ígneas e metamórficas (da dinâmica interna) e os processos exógenos de formação das rochas sedimentares (da dinâmica externa). O tempo geológico será abordado mais detalhadamente e, finalmente, trataremos dos recursos minerais, hidrológicos e energéticos e da questão ambiental e suas implicações globais para a civilização humana.
Esse documento é aplicável para qualquer curso de geologia introdutória, presencial ou à distância, não somente para cursos relacionados às ciências geológicas, mas também para qualquer curso que necessite de conhecimentos de Geociências. Entretanto, dependendo do grau de profundidade pretendida pelo leitor, este documento deverá servir de base para que o leitor possa complementar seu conteúdo com leituras e vídeos adicionais, disponíveis nas bibliotecas tradicionais e eletrônicas e indicados nesse documento.
2.1- INTRODUÇÃO
O furo de sondagem mais profundo até hoje realizado (em Kola, Rússia) atingiu apenas 12 km, dimensão insignificante diante do raio da Terra de 6.370 km. Não é possível, portanto, ter acesso direto às partes mais profundas da Terra devido as limitações tecnológicas para enfrentar as altas temperaturas e pressões do interior terrestre. Desse modo, a estrutura interna do nosso planeta só pode ser estudada de maneira indireta, com base principalmente em dois tipos de fontes indiretas de informações: os meteoritos e os terremotos. Os meteoritos são fragmentos do interior de corpos espaciais da parte interna do sistema solar que podem fornecer informações importantes sobre o interior da Terra, considerando que se os corpos do sistema solar tiveram uma origem comum, não deve haver diferenças significativas entre os corpos de tamanhos equivalentes da parte interna desse sistema, onde fica o planeta Terra. Por outro lado, os terremotos são abalos sísmicos, estudados pelo ramo da geofísica denominado sismologia, que embora causem catástrofes em diversas regiões do planeta, fornecem informações sobre o comportamento das rochas do interior terrestre submetidas a esforços mecânicos, como o estado físico e a composição das rochas. A associação das informações provenientes dos terremotos e meteoritos, juntamente com os dados do campo gravitacional e campo magnético do nosso planeta, permitiram definir um modelo consistente da estrutura interna da Terra que é o tema central desta unidade. 2.2- TERREMOTOS
O calor interno da Terra provoca fusão de porções rochosas do interior terrestre gerando magma que adquire mobilidade, podendo extravasar na superfície através dos vulcões. Essa mobilidade magmática gera movimentos tectônicos que afetam não só os continentes, mas toda a litosfera terrestre, gerando tensões que se acumulam em vários pontos, principalmente ao longo das bordas das placas tectônicas. Quando essas tensões atingem o limite de resistência das rochas ocorre uma ruptura repentina, denominada falha geológica, gerando vibrações que se propagam em todas as direções, fazendo a terra tremer Os terremotos ocorrem mais frequentemente no limite entre as placas litosféricas (Fig. 2.1), mas podem ocorrer também no interior das placas, sem que a falha atinja a superfície.
Figura 2.1- Sismicidade mundial mostrada em mapa de epicentros de sismos com magnitude