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UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO Ricardo Lopes Dinis Pedro

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UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

Ricardo Lopes Dinis Pedro

Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administração da

justiça: fundamento, conceito e âmbito

Dissertação para Doutoramento em Direito Público, sob a orientação de:

Professor Doutor José Carlos Vieira de Andrade Professora Doutora Carla Amado Gomes

(2)

2 PLANO GERAL DA DISSERTAÇÃO

Parte I – FUNDAMENTO Capítulo Único – Fundamento

Parte II – CONCEITO

Capítulo I – Administração da justiça Capítulo II – Mau funcionamento

Parte III ÂMBITO

Capítulo I – Administração da justiça clássica

(3)

3 Índice

PLANO GERAL DA DISSERTAÇÃO ... 2

PRINCIPAIS ABREVIATURAS E NOTAS DE LEITURA ... 6

Principais abreviaturas utilizadas ... 6

Notas de leitura ... 11

INTRODUÇÃO ... 12

PARTE I – FUNDAMENTO ... 22

1. Ordenamento jurídico-constitucional ... 22

1.1 Referência constitucional à responsabilidade civil do Estado pela administração da justiça ... 22

1.2 Responsabilidade civil do Estado e direito à tutela jurisdicional efectiva ... 39

2. Ordenamento jurídico europeu: standards mínimos de tutela ... 53

2.1 Ordenamento jurídico da União Europeia ... 53

2.2 Ordenamento jurídico do Conselho da Europa ... 79

3. Referência a ordenamentos jurídicos estrangeiros ... 98

3.1 Espanha ... 98

3.2 França ... 103

3.3 Itália ... 109

4. Ordenamento jurídico-ordinário: regime (imediatamente) antecedente e regime vigente ... 116

4.1 DL n.º 48051 ... 116

4.1.1 Direito legislado ... 116

4.1.2 Jurisprudência ... 120

4.2 RRCEE ... 134

4.2.1 Trabalhos preparatórios ... 134

4.2.2 Direito legislado ... 137

4.2.3 Jurisprudência ... 146

4.3 CPT ... 147

5. Síntese ... 149

PARTE II CONCEITO ... 155

Capítulo I - Administração da justiça ... 155

1. Pluralidade terminológica e de perspectiva ... 155

1.1 Diferentes terminologias e perspectivas ... 155

1.1.1 Noção autónoma de órgão jurisdicional nacional para efeitos de reenvio prejudicial desenvolvida pelo TJ ... 156

1.1.2 Noção autónoma de tribunal desenvolvida pelo TEDH ... 161

1.1.3 Terminologias à luz da Constituição ... 167

1.2 Terminologia e perspectiva adoptadas ... 182

2. Administração da justiça para efeitos de responsabilidade civil do Estado ... 190

2.1 Administração da justiça em sentido estrito e em sentido amplo ... 190

2.2 Administração da justiça em sentido orgânico e em sentido funcional ... 194

2.3 Administração da justiça e serviço público ... 196

2.4 Administração da justiça e administração pública da justiça ... 200

2.4.1 Actividade de satisfação das necessidades pessoais e materiais da administração da justiça ……….200

2.4.2 Actividade dos órgãos de governo, de acompanhamento ou de fiscalização dos titulares de funções de administração de justiça ... 202

2.4.3 Actividade governativa ou de gestão do tribunal ... 208

3. Algumas das mais recentes reformas da administração da justiça em Portugal e sua implicação na responsabilidade civil do Estado ... 209

3.1 Desjudicialização e desjurisdicionalização da administração da justiça ... 211

3.1.1 Desjudicialização ou administrativização da justiça ... 211

3.1.2 Desjurisdicionalização da administração da justiça ... 214

3.2 E-administração da justiça ... 216

3.2.1 Alguns problemas emergentes da divulgação indevida de dados pessoais presentes em plataformas informáticas ... 216

3.3 Participação de privados na administração da justiça ... 221

3.3.1 Participação de privados na administração da justiça: breve enquadramento ... 221

3.3.2 Participação de privados na administração da justiça e responsabilidade civil do Estado ……… 229

(4)

4

3.4.1 Meios alternativos: termos da sua admissão ... 237

3.4.2 Impacto dos meios alternativos no conceito de administração da justiça ... 248

3.4.3 Meios alternativos e responsabilidade civil do Estado ... 253

4. Conceito de administração da justiça para efeitos de responsabilidade civil do Estado ... 259

5. Síntese ... 262

Capítulo II - Mau funcionamento ... 269

1. Introdução ... 269

2. Conceito ... 274

2.1 Vários tópicos de análise ... 274

2.1.1 Mau funcionamento não inclui o erro judiciário ... 277

2.1.2 Relação do mau funcionamento com o erro judiciário ... 282

2.1.3 Relação do mau funcionamento com a administração da justiça em sentido estrito e em sentido amplo ... 284

2.1.4 Âmbito operativo do conceito de mau funcionamento ... 289

2.1.5 Mau funcionamento enquanto conceito indeterminado ... 294

2.1.6 Apresentação de um conceito de mau funcionamento ... 298

2.2 Modo de apreciação do conceito de mau funcionamento ... 299

3. Mau funcionamento e outros títulos de imputação ... 302

3.1 Título de imputação erro judiciário ... 302

3.2 Título de imputação privação indevida da liberdade ... 303

3.3 Título de imputação condenações penais injustas ... 310

3.4 Brevíssima referência ao título de imputação erro arbitral ... 311

4. Critérios orientadores ... 313

4.1 Mau funcionamento e responsabilidade civil subjectiva e objectiva ... 315

4.2 Mau funcionamento e ilegalidade ... 332

4.3 Mau funcionamento e ilicitude culposa ... 335

4.4 Mau funcionamento e divulgação indevida de dados ... 340

4.5 Mau funcionamento e actuações materiais ... 341

4.6 Mau funcionamento e omissões ... 343

4.7 Mau funcionamento e morosidade ... 344

4.8 Mau funcionamento e falta de coordenação dos serviços ... 346

4.9 Mau funcionamento, licitude e perigo ... 347

5. Mau funcionamento e restantes pressupostos da responsabilidade civil do Estado pela administração da justiça ... 349

6. Efeito do mau funcionamento na distribuição de competência jurisdicional ... 362

7. Síntese ... 366

PARTE III – ÂMBITO ... 372

Capítulo I – Administração da justiça clássica ... 372

1. Âmbito subjectivo: órgãos e sujeitos que podem gerar responsabilidade ... 372

1.1. Juízes e tribunais ... 374

1.1.1. Tribunal Constitucional ... 376

1.1.2. Tribunais Judiciais ... 379

1.1.3. Tribunais Administrativos e Fiscais ... 380

1.1.4. Tribunal de Contas ... 382

1.1.5. Tribunal de Conflitos ... 383

1.1.6. Tribunais Militares ... 385

1.2. Órgãos colaboradores e auxiliares da administração da justiça ... 387

1.2.1. Ministério Público ... 387

1.2.1.1. Ponto de ordem ... 387

1.2.1.2. Posições doutrinais sobre a caracterização jurídica do MP português ... 390

1.2.1.2.1. Caracterização do MP com maior incidência no exercício da acção penal ... 390

1.2.1.2.2. Caracterização do MP por consideração do estatuto e das funções constitucionais .. 394

1.2.1.3. Consideração do MP para efeitos de responsabilidade civil do Estado ... 402

1.2.2. Secretarias Judiciais e do Ministério Público ... 421

1.3. Outros órgãos e pessoal (funcionalmente) auxiliar da administração da justiça ... 425

1.3.1. Órgãos de polícia criminal ... 425

1.3.2. Médicos forenses ... 432

1.3.3. Outros ... 435

2. Âmbito objectivo: actividades que podem gerar mau funcionamento ... 437

(5)

5

2.2. Situações mais frequentes de mau funcionamento ... 447

2.2.1. Morosidade da administração da justiça... 448

2.2.1.1. A regulação específica prevista no CPT ... 450

2.2.2. Penhoras indevidas ... 452

2.2.3. Perda ou venda indevida de bens confiados à ordem de um processo judicial... 455

2.2.4. Violação ou colaboração na violação do segredo de justiça... 457

2.2.5. Prescrição de procedimento jurídico-criminal imputável ao Estado ... 458

2.2.6. Erro na identificação do arguido ... 460

2.2.7. Outras ... 460

3. Síntese ... 462

Capítulo II - Administração da justiça por privados ... 467

1. Privados participantes da administração da justiça ... 467

1.1. Jurado e juiz social ... 467

1.2. Agente de execução ... 473

1.3. Administrador judicial ... 486

2. Privados auxiliares da administração da justiça ... 492

2.1. Perito ... 492

2.2. Outros ... 495

3. Síntese ... 496

Capítulo III – Administração da justiça alternativa e complementar ... 499

1. Julgados de Paz ... 499

1.1. Órgãos, sujeitos e actividades que podem gerar mau funcionamento ... 499

1.1.1. Juiz de Paz ... 503

1.1.2. Mediador de Paz ... 504

1.1.3. Outro pessoal ao serviço dos JdP ... 506

1.2. Responsabilidade civil do Estado pela administração da justiça de paz ... 507

2. Tribunais arbitrais... 514

2.1. Órgãos, sujeitos e actividades que podem gerar mau funcionamento ... 514

2.1.1. Tribunais arbitrais ... 514

2.1.1.1. Tribunais arbitrais voluntários ... 514

2.1.1.2. Tribunais arbitrais necessários e outros ... 518

2.1.1.3. Tribunais arbitrais e centros de arbitragem institucionalizada ... 522

2.1.1.3.1. Centros de arbitragem institucionalizada ... 525

2.1.1.3.2. Actividade dos centros de arbitragem institucionalizada ... 526

2.1.1.3.3. Intervenção do Estado nos centros de arbitragem institucionalizada ... 528

2.2. Responsabilidade civil do Estado pela administração da justiça arbitral ... 531

3. Sistemas de mediação pública ... 536

3.1. Sujeitos e actividades que podem gerar mau funcionamento ... 536

3.1.1. Sistema de Mediação Laboral ... 539

3.1.2. Sistema de Mediação Familiar ... 540

3.1.3. Sistema de Mediação Penal ... 541

3.1.4. Mediador de conflitos... 543

3.2. Responsabilidade civil do Estado no âmbito dos sistemas de mediação pública ... 545

4. Síntese ... 548

REFLEXÕES FINAIS: Uma tese e outros desenvolvimentos ... 552

Resumo ... 557

Abstract ... 558

JURISPRUDÊNCIA E BIBLIOGRAFIA CITADAS ... 560

Jurisprudência ... 560

(6)

6

PRINCIPAIS ABREVIATURAS E NOTAS DE LEITURA

Principais abreviaturas utilizadas

Ac. Acórdão

AD Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo AAFDL Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa

AG Advogado Geral

AJDA Actualité Juridique. Droit Administratif AP-DR Apêndice do Diário da República

Art. Artigo

BFDUC Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

BMJ Boletim do Ministério da Justiça

BGB Burgerliches Gesetzbuch

C. Contra

CAAD Centro de Arbitragem Administrativa

CACCL Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa

CC Código Civil

CCOPC Conselho Coordenador dos Órgãos de Polícia Criminal CDFUE Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia CDP Cadernos de Direito Privado

CEDH Convenção Europeia dos Direitos do Homem

CE Constitución Española

CEJ Centro de Estudos Judiciários

CExp Código das Expropriações

Cf. Confrontar

CI Costituzione della Repubblica Italiana CGPJ Consejo General del Poder Judicial

CJ Colectânea de Jurisprudência

CNIACC Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo

COJ Code de l'Organisation Judiciaire

(7)

7

CPC Código de Processo Civil

CPCJ Comissões de Protecção de Jovens em Perigo

CPP Código de Processo Penal

CPPT Código de Procedimento e Processo Tributário CPT Código de Processo de Trabalho

CPTA Código de Processo nos Tribunais Administrativos CRP Constituição da República Portuguesa

CRFB Constituição da República Federativa do Brasil CSM Conselho Superior da Magistratura

CSMP Conselho Superior do Ministério Público

CSTAF Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais DAR Diário da Assembleia da República

DJAP Dicionário Jurídico da Administração Pública

DL Decreto-Lei

DL n.º 48051 Drecreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967

DR Diário da República

DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos

DUE Direito da União Europeia

DVBl Deutsches Verwaltungsblatt EAJ Estatuto do Administrador Judicial ECS Estatuto da Câmara dos Solicitadores EFJ Estatuto dos Funcionários de Justiça

e.g. exempli gratia

EMP Estatuto do Ministério Público EMJ Estatuto dos Magistrados Judiciais

EJ Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44.2, de 14 de Abril de 1962

ETAF/84 Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, com as sucessivas alterações

ETAF/04 Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais

GG Grundgesetz

JdP Julgados de Paz

(8)

8

LAV Lei da Arbitragem Voluntária

LDC Lei de Defesa do Consumidor

LGT Lei Geral Tributária

LJdP Lei dos Julgados de Paz

LdM Lei da Mediação

LMP Lei da Mediação Penal

LOSJ Lei da Organização do Sistema Judiciário

LOFTJ/99 Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro LOFTJ/08 Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais

Judiciais, aprovado pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto LOPJ Orgánica del Poder Judicial

LPL Ley de Procedimiento Laboral

LPTA Lei de Processo nos Tribunais Administrativos

LOFPTC Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional

LOPTC Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas LOSJEFJ Lei Orgânica das Secretarias Judiciais e Estatuto dos

Funcionários de Justiça

MP Ministério Público

NJW Neue Juristische Wochenschrift OPC Órgãos de Polícia Criminal

p. página

PIDCP Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos PGR Procuradoria Geral da República

PGRep Procurador Geral da República

PJ Polícia Judiciária

RAP Revista de Administración Pública RC/82 Primeira revisão constitucional RC/89 Segunda revisão constitucional RC/97 Quarta revisão constitucional RDDP Rivista di Diritto Processuale

(9)

9

REALA Revista de Estudios de la Administración Local y Autonómica

REDA Revista Española de Derecho Administrativo RFDA Revue Française de Droit Administratif RGDP Revue Générale de Droit Processuel RLJ Revista de Legislação e de Jurisprudência

RNCAI Rede Nacional de Centros de Arbitragem Institucionalizada RMP Revista do Ministério Público

ROA Revista da Ordem dos Advogados

ROFTJ Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais

RPJ Revista del Poder Judicial

RRCEE Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas

RTDCP Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile RTDH Revue Trimestrielle des Doits de l´Homme

se sem editora

sl. sem local

SMF Sistema de Mediação Familiar

SML Sistema de Mediação Laboral

SMP Sistema de Mediação Penal

ss. seguintes

STA Supremo Tribunal Administrativo STJ Supremo Tribunal de Justiça

TAC Tribunais Administrativos de Círculo

TC Tribunal Constitucional

TCAN Tribunal Central Administrativo Norte TCAS Tribunal Central Administrativo Sul

TCE Tratado que institui a Comunidade Europeia

TCO Tribunal de Contas

TConf Tribunal de Conflitos

TEDH Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

TG Tribunal Geral

(10)

10

TIR Termo de Identidade e Residência TJ Tribunal de Justiça da União Europeia T. L. REV Touro Law Review

TRC Tribunal da Relação de Coimbra TRL Tribunal da Relação de Lisboa TRP Tribunal da Relação do Porto TRE Tribunal da Relação de Évora

TT Tribunais Tributários

U.C. Davis L. Rev. University of California Davis Law Review

Vd. Veja-se

Vol. Volume

(11)

11 Notas de leitura

A. As obras e jurisprudência consultadas e, consequentemente, as referências bibliográficas e jurisprudenciais correspondem exclusivamente ao material publicado até Abril de 2014. Também as referências jurídicas/legais tidas em conta correspondem às normas jurídicas/legais em vigor àquela data.

B. As obras são citadas em nota de rodapé da seguinte forma: nas monografias indica-se o autor, título, data e número de página citada; nos periódicos o autor, título, revista e número de página citada e nas obras colectivas é indicado o autor, título, título da obra colectiva, ano e número de página citada.

C. A citação de documentos electrónicos faz-se por referência ao autor, título e data da consulta.

D. Maioritariamente as decisões consultadas referentes a tribunais nacionais e os pareceres da PGR estão disponíveis em (www.dgsi.pt). Quando assim não aconteça é indicado o respectivo local de consulta. Estas decisões citam-se indicando o tribunal, a data, o número do processo e o nome do relator. Os pareceres da PGR citam-se indicando a data de publicação no jornal oficial e o número do documento. Todas as decisões consultadas referentes ao TEDH e ao TJ estão disponíveis, respectivamente, em (http://www.echr.coe.int) e (http://curia.europa.eu). Estas decisões citam-se indicando o tribunal, a data, número do processo e o nome por que é conhecido.

E. A bibliografia a final contém a referência completa de todas as obras citadas e utilizadas no texto. A referência dos documentos electrónicos e das decisões judiciais segue os termos referidos para a citação em nota de rodapé. A bibliografia é organizada por ordem alfabética e a jurisprudência e pareceres da PGR é organizada por ordem cronológica.

(12)

12 INTRODUÇÃO

1. Apresentação

I. A administração da justiça é um tema que, não pelas melhores razões, é frequentemente objecto de comentários, seja da comunicação social, seja do cidadão ou do jurista. Tais comentários reflectem, muitas vezes, o aparente paradoxo do fenómeno da (administração da) justiça danosa1. Apesar das sucessivas reformas legislativas desenvolvidas com vista a ajustar a administração da justiça às necessidades que a nossa sociedade hodierna reivindica, o cidadão é frequentemente confrontado com um

“aparelho judiciário” ainda incapaz de responder tempestiva e adequadamente à natureza

do litígio a resolver, queixando-se de mau funcionamento administração da justiça. Esta legítima preocupação do cidadão não pode ser ignorada pelo jurista dada a importância que o Estado de Direito, a protecção dos direitos fundamentais e a Justiça representam para a nossa sociedade.

O Estado de Direito e a protecção jurisdicional dos direitos fundamentais2 enquanto últimas garantias dos particulares perante os poderes públicos3 reivindicam que o instituto da responsabilidade civil do Estado – como protecção secundária – permita repor o valor Justiça ameaçado pelo mau funcionamento da administração da justiça. Será, assim, no instituto da responsabilidade civil do Estado que se deve procurar a valia para a reposição do equilíbrio posto em causa por uma administração da justiça danosa.

Se à premissa – que se tem como verdadeira – de a responsabilidade civil do Estado surgir como concretização do princípio do Estado de Direito4, associarmos outra não menos verdadeira – de que o Estado de Direito dificilmente existe se não for garantido o direito à tutela jurisdicional efectiva5, chegamos ao tema do nosso estudo com a revelação

1Sendo hoje comummente aceite o dever do Estado indemnizar as “vítimas da justiça”, cf., entre outros, ROMANO BETTINI/FULVIO PELLEGRINI, "Circolo vizioso giudiziario o circolo vizioso legislativo?: la durata dei procedimenti giudiziari in Italia", Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, p. 186.

2 Cf. JORGE REIS NOVAIS, Contributo para uma teoria do Estado de direito: do Estado de direito liberal

ao Estado de direito social e democrático de Direito, 2006, p. 201 e ss, e JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os direitos fundamentais na Constituição de 1976, 2012, p. 343.

3 Ou de última ratio, como afirma JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, O problema da responsabilidade do

Estado por actos lícitos, 1974, p. 132.

4 Cf., entre outros, PHILIP KUNIG, Das Rechtsstaatsprinzip. Überlegungen zu seiner Bedeutung für das

Verfassungsrecht der Bundesrepublik Deutschland, 1986, p. 191-192, e EBERHARD SCHMIDT-AßMANN, "Der Rechtsstaat" in Handbuch des Staatsrechts, 1987, p. 990-997.

5 Considerado um princípio estruturante do Estado de Direito, cf., por todos, LARS NIESLER, Angemessene

Verfahrensdauer im Verwaltungsprozeß, 2005, p. 15; JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA,

(13)

13

de que o ordenamento jurídico que não disponha de um correcto meio de eliminação dos danos causados por mau funcionamento da administração da justiça dificilmente passa o teste de um Estado constitucional moderno garantidor de direitos fundamentais.

Ora, a nossa Constituição não permite um standard jurídico abaixo do referido, sob pena de negarmos os seus fundamentos e caminharmos rumo à inconstitucionalidade. Com vista a que sejam assegurados os referidos standards, centramos o nosso estudo no fim da linha de (necessidade de) protecção jurídica – isto é, no momento em que o Estado, em incumprimento da obrigação constitucional de garantir o direito à tutela jurisdicional sem lacunas (lückenlos)6, provoca danos nos utentes deste serviço ou a terceiros. O instituto mais apropriado para o cumprimento da obrigação de eliminação dos referidos danos remete-nos para um problema que se coloca a propósito da teoria da responsabilidade civil do Estado.

II. O problema, centrado ao nível dogmático, está pois na exacta delimitação do âmbito de protecção que a nossa ordem jurídica positiva confere face aos efeitos lesivos decorrentes do exercício da função de administração da justiça. Sendo que se deve ter por indiscutível que a danosidade provocada pela administração da justiça convive mal com um Estado de Justiça que não disponha de garantias jurídico-formais reparatórias adequadas7.

Não descurando que o tratamento jurídico se deverá centrar primeiramente no estudo de mecanismos que previnam o mau funcionamento da administração da justiça, a verdade é que não resta outra opção – com vista à eliminação dos eventuais danos causados pelo mau funcionamento da administração da justiça – que não seja centrar a atenção num meio adequado de repor a Justiça que qualquer utente legitimamente espera quando recorre a este serviço público.

BOTELHO, "A tutela jurisdicional efectiva na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo: breves

considerações" in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, 2012, p. 463. Entendendo o

acesso à justiça como um elemento fundamental da “rule of law”, cf. DI MARIO CHIAVARIO, "(Art. 6)" in

Commentario alla convenzione europea per la tutela dei diritti dell'uomo e delle libertà fondamentali, 2001, p. 156. No sentido de que o “right to a fair trial” constitui um elemento central e essencial do Estado de Direito, cf. FABIENNE QUILLERÉ-MAJZOUB, La défense du droit à un procès équitable, 1999, p. 16. 6 Cf. apelando ao direito à tutela jurisdicional sem lacunas, cf. CARLOS LOPES DO REGO, Acesso ao direito

e aos tribunais, Estudos sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional, 1993, p. 46; KLAUS STERN/MICHAEL SACHS, Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland. Allgemeine Lehren der Grundrechte: Grundrechtstatbestand, Band III/2, 1994, p. 962, e JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2013, p. 273 e ss.

7 No sentido de que numa sociedade contemporânea um Estado de Direito é também um Estado de Justiça,

cf. MARIA LÚCIA AMARAL, A forma da República: uma introdução ao estudo do direito constitucional,

(14)

14

Se, por um lado, o tema da administração da justiça surge per se como um tema da mais elevada importância no âmbito das funções estaduais essenciais, por outro, a protecção dos lesados contra os danos causados pelo mau funcionamento daquela reivindica uma atenção redobrada, pois a responsabilidade do Estado pelo mau funcionamento da administração da justiça balança entre vários interesses: o interesse dos lesados de eventuais disfuncionamentos, o interesse geral, e, especialmente, o prestígio e a serenidade da justiça necessários à segurança jurídica e à paz social8.

III. Uma vez identificado o instituto que nos vai ocupar a atenção, importa agora que se considere como prius a função estadual sobre a qual há-de operar o referido instituto da responsabilidade.

A densificação da função de administração da justiça verifica-se, sobretudo, no discurso constitucional. No entanto, tendo em conta que o instituto da responsabilidade civil do Estado tem o seu locus dogmático no Direito administrativo é a este ramo do Direito que se deve prestar atenção. Aproveitando todo o instrumentarium que este ramo do Direito tem vindo a desenvolver historicamente, nada mais lógico do que entender aquela função à luz das ferramentas do direito administrativo, convocando o conceito de administração da justiça para o campo da responsabilidade civil do Estado. Todavia, tal não significa que se trate de um conceito conhecido da dogmática administrativista e que a protecção secundária dos lesados face ao mau funcionamento da administração da justiça se baste com a mera aplicação acrítica dos pressupostos da responsabilidade administrativa por factos ilícitos.

O dever público de indemnizar os danos causados pela administração da justiça não pode dispensar o topos administração da justiça. A sua consideração dogmática e o desenvolvimento de um conceito operativo de administração da justiça torna-se indispensável para a caracterização e definição do regime a que deve ser sujeita a responsabilidade civil do Estado pelo exercício da função de administração da justiça.

Acresce que a evolução ocorrida nas tarefas e nos modos de administração da justiça, quer no âmbito da administração da justiça desenvolvida pelos tribunais estaduais, quer no âmbito da administração da justiça alternativa e complementar daquela, revela uma nova realidade, nomeadamente pela implementação de novas tecnologias na e de administração da justiça, pela emergência de privados na administração da justiça e pelo

(15)

15

franco desenvolvimento e implementação de novos modos de administração da (outra)9 justiça10.

O estudo de um conceito dogmático de administração da justiça, como ponto de partida, permite compreender que administrar e administrar a justiça são conceitos diferentes, não sendo, por isso, admissível uma aplicação acrítica de todos os pressupostos da responsabilidade civil da administração à administração da justiça. Impõe-se, por isso mesmo – como resultado do estudo da função de administração da justiça (particularidades e diversidade) –, uma leitura que vá além da mera adesão à responsabilidade civil da administração.

A assunção da função de administração da justiça como elemento determinante do método interpretativo, por contraponto com a simples pré-compreensão da igualdade dos pressupostos indemnizatórios, revelou – como aliás já tinha revelado noutros ordenamentos onde os pressupostos foram ajustados à natureza da função11 a insuficiência da resposta dada pela aplicação acrítica da responsabilidade da administração à administração da justiça. Esta abordagem, que impõe a compreensão e mobilização dos valores da administração da justiça com um telos distinto do da administração, obriga, consequentemente, à procura de um modelo de responsabilidade adequado à sua “natureza íntima”12.

O resultado dessa busca, adiantamos já, levou-nos ao conceito de mau funcionamento, enquanto elemento adequado de imputação de responsabilidade para superar as insuficiências da aplicação dos conceitos de ilicitude e culpa (bastante enraizados na nossa cultura jurídica)13. A compreensão de um conceito que tome o lugar daqueles dois pressupostos clássicos da responsabilidade civil – que apele a standards de funcionamento revelou-se um critério de maior flexibilidade e justeza para a compreensão das situações com que o juiz administrativo é confrontado.

9 Sobre estes novos modos de administração da justiça, cf. VINCENZO VARANO, "Presentazione" in L´altra

Giustizia, 2007, p. VII e ss.

10 Aliás, em linha com o que tem acontecido noutros ordenamentos jurídicos, cf. FRANK E.A.SANDER, The

Multi-door Courthouse, 1983, passim.

11 Referimo-nos a Espanha, França e Itália, cf. Parte I, ponto 3.

12 Sobre a adequação da responsabilidade à natureza íntima da função, cf. MARIA LÚCIA C.A.AMARAL

PINTO CORREIA, Responsabilidade do Estado e dever de indemnizar do legislador, 1998, p. 108 e 109.

Chamando à atenção para a necessidade regimes diferenciados “tendo em conta as características específicas de cada função”, cf. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os direitos fundamentais na Constituição de 1976, 2012, p. 353.

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Mantendo-nos no mesmo locus dogmático – responsabilidade civil do Estado –, o problema centra-se na determinação dos pressupostos adequados à responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administração da justiça, demonstrando-se que a área de actuação desta se situa entre a responsabilidade civil da administração e a responsabilidade civil por erro judiciário, embora não se confunda com nenhum destes regimes.

Acresce que este não é o único núcleo essencial de problemas a resolver, pois, como já se referiu, os movimentos de reforma da administração da justiça revelam, nomeadamente, por um lado, que esta actividade – que se poderia presumir totalmente executada por gestão directa do Estado – é, por determinação legal e em situações pré-determinadas, exercida por particulares e, por outro, que outras estruturas de administração da justiça – além dos tribunais estaduais clássicos – têm sido implementadas entre nós. A este novo cenário de exercício de administração da justiça não pode ficar alheio o mecanismo de responsabilidade civil do Estado, enquanto mecanismo garantidor do Estado de Direito e de protecção dos direitos fundamentais.

O despertar do Estado de garantia14 (que já não só o Estado de execução) na área da administração da justiça obrigou a revisitar o papel do instituto da responsabilidade civil do Estado. A diferente intervenção do Estado na administração da justiça, longe de afastar a convocação do tema da responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento, antes obriga à diferenciação do dever de indemnizar do Estado quando este já não executa, mas, nomeadamente, através de mecanismos de fiscalização, garante o bom funcionamento de certas estruturas de administração da justiça.

O objectivo que nos move, neste ponto, consiste em contribuir para o estudo da caracterização da responsabilidade civil do Estado (garante) pelo mau funcionamento da administração da justiça e não em definir este modo de o Estado garantir a execução de uma função pública.

O nosso objectivo terá sempre como fito contribuir, por um lado, para contrariar a errada percepção de que no exercício da função privada de administração da justiça o Estado está sempre ausente, estando, por isso, afastada a possibilidade da sua responsabilização. Por outro lado, contribuir para que na área da administração da justiça

14 Cf., entre muitos, CLAUDIO FRANZIUS, Der Gewährleistungsstaat, internet, consultado em 2012-07-06;

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por particulares – que também pode provocar danos – não exista um déficit de protecção jurisdicional (secundária) pela simples razão de que o exercício da função pública de administração da justiça não tem lugar por via de funcionários públicos, mas através de particulares que participam naquela função de administração da justiça.

2. Relevância e actualidade do estudo

I. O tema da responsabilidade civil do Estado tem sofrido grandes alterações nas últimas décadas. A esta evolução, como se dará nota mais à frente, a doutrina não tem estado alheia. Por este motivo, o trabalho científico que aqui se desenvolve já não se centra sobre as grandes questões teóricas – como o da superação do dogma soberania/irresponsabilidade15–, mas em torno de “questões” de pendor mais dogmático ou de importância mais prática – dado o diferente regime que daí pode resultar. Em última análise, são estas questões que permitem que se distinga o que deve ou não ser digno de garantia reparatória a suportar pelo Estado.

O recente quadro jurídico – implementado em geral pela previsão do artigo 12.º do RRCEE (com uma remissão para os pressupostos da responsabilidade civil por actos administrativos ilícitos) – parece, como se verá, ter surgido em desconformidade com as estruturas científicas. A realidade subjacente a este regime apenas pode ganhar sentido quando conjugada com pré-dados do leitor já iniciado na noção de administração da justiça –, pelo que se impõe o seu estudo teórico e dogmático.

A falta de compreensão do tema pelo legislador vem a revelar-se noutra norma – prevista no artigo 98.º-N do CPT – que, apesar de visar o mesmo fim, apresenta um regime distinto – alheio ao regime do instituto da responsabilidade civil do Estado. Este

15 Em síntese, os fundamentos para a irresponsabilidade da função de administração da justiça são, em regra: a intangibilidade do caso julgado; a irresponsabilidade do julgador (como garantia de independência e imparcialidade no acto de julgar); e a independência do julgador. Como se verá mais à frente (apesar desta

investigação não incidir sobre toda a área da administração da justiça, mas apenas sobre uma parcela – a

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novo regime não só aumenta a confusão do leitor que se preste à compreensão do tema, como revela uma desigualdade de tratamento difícil – se não impossível – de justificar. O legislador do processo laboral – talvez desconfortável com o regime geral previsto no artigo 12.º do RRCEE – (ar)risca um novo regime para uma realidade tão pontual como a reparação de alguns danos (salários de tramitação) causados pela administração da justiça morosa em processos urgentes de impugnação do despedimento ilícito. Todavia, parece ignorar que se está ainda no terreno da função de administração da justiça.

Em ambas as situações legalmente previstas deverá ser a ciência do direito a dar uma resposta ao significado hipotético destes enunciados legais – mais facilitada no artigo 12.º do RRCEE (onde surge expressamente identificada) e literalmente mais dificultada no artigo 98.º-N do CPT – pois a interpretação daquelas normas remete o leitor para conceitos e realidades que lhe são exteriores e que não compreendem em si os significados a que aludem e que, por fim, não receberão com certeza a chave dessa interpretação pela mão da jurisprudência a propósito da função administrativa. Exige-se, em suma, um pré-saber do intérprete porquanto a falta deste conhecimento pode comprometer o resultado da própria interpretação. Por isto, não basta o alerta – face aos regimes positivados – impõe-se a sua correcção.

II. Ao que se acaba de referir, acresce que os regimes jurídicos sinalizados representam uma continuidade lógica e histórica do estatuído no diploma revogado pelo RRCEE, isto é, o regime do DL n.º 48051. Acresce que, apesar de várias décadas de jurisprudência dedicada ao tema, também não se pode afirmar pela existência de uma jurisprudência rigorosa, porquanto o que se verifica é um Richterrecht que visa dar resposta a casos concretos, conciliando interesses, sem que daí resulte a sua compreensão ordenada em critérios operativos.

A insatisfação do intérprete que se propõe à análise do material empírico (que se recolhe daquela jurisprudência) resulta, nomeadamente, das dúvidas que surgem quando se procura compreender: a função – administração da justiça – que está subjacente a esta responsabilidade; os pressupostos de indemnizar – maxime ilicitude e culpa –; e o regime jurídico adequado para a assunção pelo Estado dos danos resultantes da actividade de particulares no exercício da administração da justiça (pública e privada).

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doutrina, deixando para a jurisprudência a formulação de juízos concretos que no seu iter discursivo-decisório tenham presente e revelem já o trabalho da dogmática.

III. A compreensão da referida e já vasta jurisprudência sobre administração da justiça e pressupostos indemnizatórios deve ser feita, no nosso entender, à luz de dois conceitos operativos desenvolvidos para efeitos de responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administração da justiça: conceito de administração da justiça e conceito de mau funcionamento. Estes conceitos deverão permitir, por um lado, delimitar com rigor a área que, no contexto da administração da justiça, pode ainda ser imputada ao Estado quando aí se verifiquem danos e, por outro, um nível adequado de protecção dos lesados, nomeadamente, por confronto com outros títulos de imputação, já reconhecidos legalmente, de responsabilidade civil do Estado pela administração da justiça.

Para além da referida jurisprudência, podem encontrar-se decisões recentes que vêm revelar um novo foco de preocupações, que se traduz na questão prévia de saber se o Estado pode/deve ainda ser responsável pela actuação danosa de particulares que participam ou auxiliam na administração da justiça levada a cabo pelos tribunais estaduais. Já acima sinalizámos o problema. Todavia, este adquire outras dimensões à medida que se vão diversificando, entre nós, os particulares que exercem tarefas de administração da justiça – juízes sociais, jurados, agentes de execução e administradores judiciais – ou que auxiliam naquelas tarefas – peritos judiciais, depositários judiciais, intérpretes.

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3. Estrutura e precisão sobre o objecto de estudo

I. O presente trabalho é constituído por três partes. A primeira parte dedicar-se-á ao estudo dos fundamentos jurídicos da responsabilidade civil do Estado pela administração da justiça. Como se verá a seu tempo, a evolução dos sistemas de responsabilidade civil do Estado tem passado pela procura dos seus fundamentos.

O tema dos fundamentos da responsabilidade civil do Estado tem sido objecto de desenvolvimentos científico, legislativo e jurisprudencial, que vão além da mera compreensão dos regimes jurídicos dos ordenamentos internos. Procuraremos, por isso, saber quais são os fundamentos jurídicos – positivos e pretorianos – que sustentam e definem o tema da presente investigação.

O caminho para alcançar este desiderato passará não só pela consideração dos elementos normativos previstos no nosso ordenamento jurídico interno e jurisprudência associada, mas também pela consideração dos elementos jurídicos vinculativos resultantes dos ordenamentos jurídicos da União Europeia e do Conselho da Europa.

Dada a variada oferta de fontes normativas em matéria de responsabilidade civil do Estado pela administração da justiça e as suas diferentes estrutura e caracterização, visa-se, em suma, responder – com a caracterização que lhe vai associada – à pergunta: quais os fundamentos jurídicos da responsabilidade civil do Estado pela administração da justiça?

II. Na segunda parte procuraremos definir dois conceitos operativos fundamentais para o instituto da responsabilidade civil do Estado que nos ocupa. Referimo-nos ao conceito de administração da justiça e ao conceito de mau funcionamento. Esta segunda parte decompõe-se em dois capítulos.

O primeiro centra-se na percepção doutrinária da administração da justiça e na sua compreensão à luz do dever de reparar os danos causados pela administração da justiça, visando responder à pergunta: o que é hoje administração da justiça para efeitos de responsabilidade civil do Estado?

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administração da justiça, que deve ter um regime distinto do associado ao erro judiciário, por estar em causa uma actividade diversa da coberta por este título de imputação. Neste capítulo, responde-se indirectamente à pergunta: são todos os pressupostos da responsabilidade civil da administração pública aplicáveis à administração da justiça?

III. Na terceira parte deste trabalho, que está dividida em dois capítulos, aplicaremos os conceitos estudados anteriormente, com vista a delimitar o âmbito da responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administração da justiça à luz do ordenamento jurídico vigente.

Dada a importância prática do tema e com vista à sua maior aproximação possível a quem este pode ser útil – operadores da administração da justiça – por meio de quem estas linhas podem ganhar vida –, entendemos indispensável dedicar uma parte desta investigação à identificação – à luz do nosso ordenamento jurídico vigente – dos órgãos, sujeitos e actividades que podem originar responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administração da justiça.

Tendo presente o risco que esta opção acarreta, sobretudo à luz das constantes alterações legislativas na área da administração da justiça e tendo também presente a jurisprudência nacional – que é composta por material empírico tão rico quanto desordenado –, entendemos que tal delimitação poderá contribuir para um outro rigor decisório e para uma maior uniformidade de critérios.

O desenvolvimento doutrinário e legislativo actual permite dividir esta última parte

em três capítulos. O primeiro, dedicado à administração da justiça “clássica”, isto é, a

desenvolvida pelos tribunais estaduais16. O segundo capítulo debruça-se sobre os privados que participam e que auxiliam na administração da justiça. O terceiro capítulo é dedicado à administração da justiça alternativa e complementar da administração da justiça clássica. A diferente filosofia subjacente a estes (outros) meios de administração da justiça impõe um tratamento autónomo, revelando, em regra, uma diferente intervenção do Estado e, consequentemente, uma distinta responsabilidade civil deste.

Em suma, e por fim, quer responder-se, nesta última parte do estudo, à pergunta: que órgãos, sujeitos e actividades podem gerar responsabilidade do Estado pelo mau funcionamento da administração da justiça?

16 Referindo-se também a tribunais no sentido clássico do termo, cf. FABIENNE QUILLERÉ-MAJZOUB, La

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22 PARTE I – FUNDAMENTO

1. Ordenamento jurídico-constitucional

1.1 Referência constitucional à responsabilidade civil do Estado pela administração da justiça

I. Quando um prejuízo ou dano juridicamente relevante é causado pelo exercício de um poder público para a reparação pelo Estado ou outra entidade pública valerão, em particular, regras de direito público17. Afirmação em perfeita concordância com o conhecido Arrêt Blanco18. Hoje, e apenas por referência ao bloco de juridicidade vigente no nosso ordenamento jurídico, tal afirmação sai reforçada e obriga-nos a sinalizar e analisar o já vasto elenco de normas positivas e normas de decisão emitidas sobre o tema da responsabilidade civil do Estado por mau funcionamento da administração da justiça.

Num período de abundância de direito, pouco compatível com a segurança jurídica exigida num Estado de Direito democrático, o intérprete e aplicador do Direito vê-se hoje confrontado não só com uma crescente actividade do legislador (nesta matéria, sobretudo nacional) como também do pretor (nacional e europeu – TJ e TEDH) sobre o tema do dever de reparar os danos causados pela administração da justiça (diga-se nem sempre em uníssono). É nesta múltipla sede normativa de responsabilidade civil do Estado que nos iremos mover.

II. São várias as normas constitucionais que relevam para a compreensão da responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administração da justiça. Centraremos a nossa análise nas normas referentes à responsabilidade propriamente dita (e suas dimensões), aos órgãos, sujeitos e função em causa.

17 Assim, expressamente, PETER BADURA, "Fondamenti e sistema della responsabilità dello Stato e del risarcimento pubblico nella Repubblica Federale di Germania", Rivista trimestrale di diritto pubblico, p. 399. Também entre nós se insiste num sistema de responsabilidade do Estado assente em normas de direito público, cf., entre outros, WLADIMIR DE BRITO, "Contributo para uma teoria da responsabilidade pública do

Estado por acto de função pública soberana" in Responsabilidade Civil dos Magistrados, 2002, p. 47-78 e,

recentemente, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "A responsabilidade indemnizatória dos poderes

públicos em 3D: Estado de direito, Estado fiscal, Estado social", RLJ, p. 345 e ss. Mantém-se a distinção para a gestão privada, prevista no artigo 501.º do CC. Propondo uma leitura diferente, cf. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, "A responsabilidade civil do Estado", O Direito, p. 657.

18 Que dá início, em França, à admissão de uma responsabilidade por outras regras que já não as de direito

privado. Sobre este acórdão, entre outros, MICHEL PAILLET, La responsabilité administrative, 1996, p. 4 e

ss, e entre nós, CARLA AMADO GOMES, Contributo para o estudo das operações materiais da administração

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Começando a nossa análise pelas normas constitucionais que se referem directamente à responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo mau funcionamento da administração da justiça, é de sublinhar que o fundamento jurídico desta se encontra, nomeadamente, no artigo 22.º da Constituição19. O referido artigo disciplina que o

Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.

Como já se escreveu, trata-se de uma das normas de mais difícil interpretação20, dada a amplitude da sua previsão e, que, por isso, não tem gerado unanimidade na sua caracterização como direito, liberdade e garantia ou como garantia institucional21. Todavia, tratar-se-á sempre de um princípio geral22 que impõe a responsabilidade directa e solidária do Estado e demais entidades públicas pelos actos funcionais que violem direitos, liberdades e garantias ou causem prejuízo para outrem23. Trata-se de um

19 Para além do que se referirá infra, trata-se de um preceito normativo que se conexiona com outros preceitos constitucionais, nomeadamente com os previstos nos artigos 1.º, 2.º, 3.º e 13.º da Lei Fundamental, estabelecendo um princípio de responsabilidade do Estado de Direito democrático baseado na dignidade da pessoa humana de estalão constitucional. Para efeitos do presente estudo, apenas nos interessa a responsabilidade civil ou patrimonial extracontratual das entidades públicas que administram a justiça. No entanto, o elenco de preceitos constitucionais referentes à indemnização de danos pelo Estado não se fica por aqui. A este propósito veja-se o disposto no artigo 37.º/4 (indemnização por violação da liberdade de expressão e informação), no artigo 60.º/1 (direito à reparação no âmbito dos direitos dos consumidores), no artigo 62.º/2 (indemnização por requisição e expropriação por utilidade pública) e no artigo 83.º (nacionalização e outras expropriações).

20 Que, por isso, tem levantado muitas questões interpretativas. Apenas nos referiremos aos problemas que

melhor permitam compreender a responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administração da justiça.

21 Para um resumo das várias posições doutrinais sobre esta discussão, Ac. do TC de 2007-03-02, proc. n.º

65/02, Prazeres Beleza, e para uma visão panorâmica das diferentes posições da doutrina sobre a natureza

do artigo 22.º e do regime aplicável, RICARDO PEDRO, Contributo para o estudo da responsabilidade civil

extracontratual do Estado por violação do direito a uma decisão em prazo razoável ou sem dilações indevidas, 2011, p. 28 e ss.

22 O tratamento desta norma constitucional como um princípio é recorrente na doutrina nacional e parece

sair reforçado da evolução da doutrina dos direitos fundamentais que tende a reconhecer as normas de direitos, liberdades e garantias com a estrutura de princípios, pelo menos prima facie. Neste último sentido,

entre muitos, ROBERT ALEXY, Teoria de los Derechos Fundamentales, 1993, passim. Entre nós, a favor da

“teoria dos princípios” como modo de solucionar o conflito entre direitos fundamentais, entre outros, JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, "Direito constitucional de conflitos e protecção de direitos fundamentais",

RLJ, p. 37 e ss; CARLA AMADO GOMES, Defesa da saúde pública vs. liberdade individual: casos da vida

de um médico de saúde pública, 1999, p. 24. Mais detalhadamente sobre o método proposto por Alexy, MARIA SILVINA VALENTE, "Da licitude da intervenção do Estado na limitação ao exercício do segredo

bancário" in Liber Amicorum de José de Sousa e Brito em comemoração do 70.º Aniversário - Estudos de

Direito e Filosofia, 2009, p. 59-87. Para outras referências sobre o tema, JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, A estruturação do sistema de direitos, liberdades e garantias na constituição portuguesa - A construção dogmática, 2006, p. 442.

23 Apesar de o artigo 22.º apenas se referir a direitos, liberdades e garantias, a doutrina tem entendido que

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dispositivo que permite o desenvolvimento de um modelo de reparação de danos adequado à natureza da função, nomeadamente, pela modelação dos pressupostos indemnizatórios.

Está em causa um preceito que inclui várias normas24, pelo menos uma por cada função do Estado. Esta compreensão obriga a que se considere a natureza e o regime constitucional relativo a cada função específica do Estado, o que pode revelar que o que é válido para uma função do Estado ao nível da responsabilidade não é válido para outra. Aliás, no que tange à responsabilidade do Estado pela administração da justiça sempre se terão de convocar outros preceitos que a Constituição prevê para situações particulares historicamente identificadas como merecedoras de indemnização.

A análise dos diferentes normativos constitucionais relativos ao dever de indemnizar pela administração da justiça já revela per se um sistema de responsabilidade que foge aos cânones do sistema único de responsabilidade civil do Estado25. Acresce que a adopção de outro método de análise do direito – mais ajustado –, como aquele que privilegia a análise do problema em detrimento do sistema, permitindo desprendermo-nos das amarras pré-compreensivas que o sistema traz necessariamente consigo, impõe a consideração das particularidades da função de administração da justiça e, nomeadamente, da relevância desta no contexto do Estado de Direito e de protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Percebe-se a tentação de tratar a responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento da administração da justiça à luz dos pressupostos clássicos da responsabilidade civil da administração pública. Para isso poderá contribuir, para além da cómoda aplicação do sistema comum de responsabilidade, a proximidade linguística e a dificuldade em destacar o “enclave” que aquela responsabilidade representa face aos dois grandes temas de responsabilidade geograficamente próximos – administração

interesses legalmente protegidos. Por todos, JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA,

Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 2007, p. 436-437.

24 Neste sentido, entre nós, JORGE PEREIRA DA SILVA, Dever de legislar e protecção jurisdicional contra

omissões legislativas: contributo para uma teoria da inconstitucionalidade por omissão, 2003, p. 310, e no

mesmo sentido, por referência ao ordenamento jurídico italiano, SERGIO BARTOLE/ROBERTO BIN/ANDREA

AMBROSI, Commentario breve alla costituzione, 2008, p. 291.

25 Contra um sistema único de responsabilidade, cf. MARIA LÚCIA C. A. AMARAL PINTO CORREIA,

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pública e erro judiciário26-27. No entanto, a tarefa a que nos propomos impõe que resistamos à tentação e que se distinga as suas diferenças, delimitando as fronteiras. Ou seja, que se assuma a função da administração da justiça no seu contexto e relevância e não como uma mera modalidade de responsabilidade civil administrativa28-29.

Ponto assente é o de que se trata de um normativo que impõe uma garantia30 em primeira linha31 do Estado pelos danos causados pelo exercício de funções públicas, isto é, de uma responsabilidade directa32. Podendo variar o regime de responsabilidade do Estado consoante a qualidade dos entes e das funções em causa. O que está de acordo

26 Todavia, como se esclarecerá mais à frente, o objecto da presente dissertação não se estende a toda a

responsabilidade civil do Estado pela administração da justiça – antes será circunscrita ao seu mau

funcionamento. Esta categoria não coincide com a categoria da responsabilidade civil da administração,

nem com a categoria da responsabilidade civil por erro judiciário. Revelando-se uma categoria com particularidades que merecem um tratamento destacado, com reflexos ao nível dos pressupostos.

27 Como se verá mais à frente, a jurisprudência nacional reflecte essa dificuldade.

28 Repare-se que, apesar de o legislador do RRCEE inserir sistematicamente a responsabilidade que aqui

tratamos no capítulo dedicado à função jurisdicional, acaba por remeter os pressupostos indemnizatórios –

que é o que definitivamente caracteriza o instituto da responsabilidade civil – para a responsabilidade civil pela administração por factos ilícitos.

29 No entanto, assumimos que se está perante o instituto da responsabilidade civil do Estado e não perante

outro instituto com outros fundamento e regime. Adiantando, embora sem desenvolver, a figura da

indemnização compensatória como figura adequada à administração da justiça, cf. CARLA AMADO GOMES,

"A compensação administrativa pelo sacrifício: reflexões breves e notas de jurisprudência" in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, 2012, p. 151-182. Todavia, em nada fica prejudicada a posição que defendemos nesta investigação, pois, se bem compreendemos o pensamento desta Autora, tal âmbito de aplicação limitar-se-ia ao erro judiciário e não ao mau funcionamento da administração da justiça

– que é o objecto desta investigação. Por outro lado, a posição da Autora citada reforça a nossa posição da

insuficiência dada pela figura da responsabilidade civil da administração, uma vez que, só a falta de adequação desta justifica a procura de uma figura jurídica mais capaz. A nossa posição procura não sacrificar o instituto da responsabilidade civil, mas sim, ajustá-lo às particularidades da função em análise.

30 Referindo-se a uma garantia mínima (Mindestgarantie) de responsabilidade civil do Estado, a propósito

do art. 34.º da GG, cf. AAVVMICHAEL SACHS, Grundgesetz: Kommentar, 1996, p. 884, e MARTEN

BREUER, Staatshaftung für judikatives Unrecht. Eine Untersuchung zum deutschen Recht, zum Europa- und Völkerrecht, 2011, p. 105.

31 Em apoio desta posição está a jurisprudência do TJ e do TEDH. Infra ponto 2. O fundamento para tal

posição encontra-se, sobretudo, na protecção do lesado através do património estadual e do evitar da

ineficiência administrativa do funcionário público, cf. HARTMUT MAURER, Allgemeines Verwaltungsrecht,

2000, p. 663. O que definitivamente revela a ideia da estatização da responsabilidade do funcionário público (Haftungsübernahme) e da protecção do lesado através de um património mais solvente, o do Estado, cf. FRITZ OSSENBÜHL/MATTHIAS CORNILS, Staatshaftungsrecht, 2013, p. 10 e 11. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os direitos fundamentais na Constituição de 1976, 2012, p. 352, refere-se a uma

responsabilidade do Estado “em nome próprio”.

32 Neste sentido, entre outros, CARLA AMADO GOMES, "A responsabilidade civil extracontratual da administração por facto ilícito: Reflexões avulsas sobre o novo regime da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro" in Textos dispersos sobre direito da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, 2010, p., p. 220, e JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "A responsabilidade indemnizatória dos poderes públicos

em 3D: Estado de direito, Estado fiscal, Estado social", RLJ, p. 347. No mesmo sentido, alguma doutrina

italiana, mesmo perante uma norma constitucional que literalmente se refere à responsabilidade do Estado pela actuação dos funcionários (art. 28.º), insiste numa responsabilidade directa do Estado (ainda que

moldada pela responsabilidade do juiz). Cf. VINCENZO VIGORITI, Le responsabilità del giudice: norme,

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com aqueles que entendem que este tipo de normas constitucionais não são úteis para resolver a questão de saber se é concebível a responsabilidade de um sujeito especial, e em caso positivo, a determinação e a medida concreta dessas regras33.

A ideia de responsabilidade directa do Estado é aquela que está em maior concordância com a assunção e exercício de certas funções pelo Estado, bem como com a aceitação da responsabilidade exclusiva do Estado em determinadas situações e ainda com o conteúdo de várias normas que a Constituição veio a dedicar, nomeadamente, ao modo como deve responder o Estado pela actuação de certos servidores públicos. Ao que acresce que permite compreender a evolução constitucional – pouco linear, mas sobretudo historicamente comprometida – da responsabilidade do Estado, no sentido da progressiva garantia de reparação dos danos causados aos cidadãos e que culminou com a assunção dessa garantia por via do património estatal.

Se, num primeiro momento, reinou a irresponsabilidade (Estado/Monarquia), admitindo-se apenas a responsabilidade do funcionário, num segundo (Estado/Ditadura), ditou-se a responsabilidade do Estado (caso houvesse lei expressa nesse sentido) e, já num terceiro (Estado/Democracia), declarou-se a responsabilidade do Estado34.

Embora durante demasiado tempo se tenha discutido se o artigo 22.º da CRP incluía todas as funções do Estado ou apenas a função administrativa – variando as posições consoante as leituras maximalistas ou minimalistas35 do texto constitucional , hoje, terá de se admitir que não se encontra segmento normativo que circunscreva a responsabilidade civil do Estado apenas a uma qualquer função deste. Logo, o instituto da responsabilidade civil do Estado deve compreender a função administrativa, jurisdicional e legislativa36. Apesar de o artigo 165.º/1-s) da CRP, relativo à reserva

33 Neste sentido, por referência ao ordenamento italiano, SERGIO BARTOLE/ROBERTO BIN/ANDREA

AMBROSI, Commentario breve alla costituzione, 2008, p. 291.

34 Sem prejuízo de posteriores referências específicas à responsabilidade pela administração da justiça, deve

ter-se presente que na nossa história constitucional se verificou uma tendência para a admissão da responsabilidade dos funcionários pelo exercício de funções. Assim aconteceu na Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822 (arts. 14.º e 17.º), na Carta Constitucional da Monarquia Portuguesa de 1826 (art. 145.º §§ 27 e 28), na Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1838 (arts. 15.º e 26.º), na Constituição Política da República Portuguesa de 1911 (art. 3.º § 30) e na Constituição Política da República Portuguesa de 1933 (art. 8.º/17).

35 Defendendo uma leitura do artigo 22.º numa perspectiva gradativa, de um patamar minimalista a um

nível maximalista, CARLA AMADO GOMES, "A responsabilidade civil extracontratual da administração por

facto ilícito: Reflexões avulsas sobre o novo regime da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro" in Textos dispersos sobre direito da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas, 2010, p., p. 221. Contra leituras maximalistas ou minimalistas do artigo 22.º da Constituição, MANUEL AFONSO VAZ, A responsabilidade Civil do Estado – considerações breves sobre o seu estatuto constitucional, 1995, p. 16.

36 Hoje é vasta a doutrina neste sentido. Entre muitos, tendo também por referência a doutrina aí citada,

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relativa da competência legislativa da Assembleia da República, apenas se referir à

responsabilidade civil da Administração”37, a leitura conjugada de vários dispositivos, nomeadamente dos artigos 271.º, 216.º/2 e 117.º/1 da CRP denuncia a responsabilidade civil do Estado pelas suas várias funções38.

III. A discussão relativa à caracterização da norma do artigo 22.º da CRP como um direito, liberdade e garantia análogo ou antes como uma garantia institucional, sobretudo para aqueles que entendem que as garantias institucionais não beneficiam do regime dos direitos, liberdades e garantias é de suma importância, desde logo, pela possibilidade de tal norma se considerar directamente aplicável ou não. Esta discussão tornou-se com certeza menos necessária com a entrada em vigor do novo regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, mas tal não quer dizer que não tenha actualidade. Por um lado, porque é necessário prever uma cobertura adequadas às áreas em que o RRCEE

responsabilidade civil do Estado por actos legislativos, 1992, p. 86 e ss, maxime nota 255. No sentido deste normativo incluir também a função política, JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, I, 2010, p. 474. No sentido de o artigo 22.º não incluir a função legislativa, MARIA LÚCIA C.A. AMARAL PINTO CORREIA, Responsabilidade do Estado e dever de indemnizar do legislador, 1998, passim, esclareça-se que esta Autora admite o dever de indemnizar do Estado por actos legislativos, mas o fundamento para tal deve encontrar-se no disposto no artigo 62.º da CRP. A posição da doutrina maioritária nem sempre foi acompanhada pela jurisprudência, que, por exemplo, ora entendia existir no nosso ordenamento jurídico um regime de responsabilidade civil pela administração da justiça, ora entendia o contrário. A título de exemplo, sem prejuízo de outros desenvolvimentos que se adiantarão na Parte I, ponto

4.1.2. No sentido positivo, Ac. do STA de 1989-03-07, proc. n.º 26524, António Samagaio. No sentido

negativo, Ac. do STA de 1990-10-09, proc. n.º 025101, Santos Patrão.

37 Este artigo esclarece que esta matéria integra a reserva relativa legislativa da Assembleia da República.

O mesmo se deve entender, por igualdade de razão, em relação à responsabilidade pela função jurisdicional. Tal resulta também do disposto no artigo 165.º/1-b) e p) que estabelece uma reserva relativa legislativa da Assembleia da República. A primeira alínea refere-se à reserva relativa legislativa da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias. Entre estes direitos conta-se o direito à tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º) e o direito à reparação dos danos decorrentes da violação daquele (art. 22.º).

A segunda alínea refere-se “(…) ao estatuto dos respectivos magistrados”. No entanto, o mesmo já não se

passará relativamente à responsabilidade pessoal de alguns magistrados, podendo esta estar sujeita a uma reserva absoluta. Isto, caso se faça uma leitura mais favorável à competência parlamentar, tendo em conta

o disposto no artigo 164-m) que trata do “Estatuto dos titulares de órgão de soberania” onde se deverá

incluir o estatuto dos magistrados judiciais, enquanto titulares de órgãos de soberania (cf. art. 110.º); assim, se se perfilhar esta leitura terá de se entender que deve existir reserva absoluta relativamente ao estatuto dos magistrados judiciais. Já assim não será relativamente aos magistrados do Ministério Público, que, por não serem titulares de órgãos de soberania, vêem o seu estatuto apenas sujeito a reserva relativa.

38 No sentido de que tal conclusão não se revela na simples leitura do artigo 22.º, antes convocando outros

normativos constitucionais, cf. MARIA LÚCIA C.A.AMARAL PINTO CORREIA, Responsabilidade do Estado

e dever de indemnizar do legislador, 1998, p. 460. Dúvidas não podem existir de que se trata de um preceito constitucional (art. 22.º) com uma formulação ampla que, por isso, revela um grande potencial de desenvolvimento, oferecendo um vasto leque de alternativas ao legislador ordinário, nomeadamente, pela

consideração das diferentes especificidades que cada função do Estado apresenta. Como se verá infra, o

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