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Ementa: Define os crimes de autoridade e dá outras providências.

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NOTA TÉCNICA PRESI/ANPR/JR Nº 001/2017

Proposição: Substitutivo ao PLS 280/2016

Ementa: Define os crimes de autoridade e dá outras providências.

Autoria: Senador Roberto Requião

Senhores Senadores,

A Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR apresenta Nota Técnica quanto ao Substitutivo ao Projeto de Lei do Senado nº 280/2016, que define os crimes de abuso de autoridade, e que ora tramita nesta ilustre Casa Legislativa.

Em específico, esta Nota Técnica visa a tratar de um único tema:

a questão da ação penal privada para os crimes de abuso de autoridade.

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O tema já foi objeto de análise na Nota Técnica JR 020/2016.

Contudo, no decorrer dos debates das últimas semanas surgiram sugestões e indicações de que seria retomada a ação penal privada (ou não pública) como alternativa para os crimes de abuso de autoridade, fazendo ressurgir o assunto como pauta que merece ser endereçada.

Senão, vejamos.

Primeiramente, cumpre esclarecer que, embora o ordenamento brasileiro admita tanto a ação penal pública quanto a ação penal privada, a ação pública constitui a regra, preponderante na esmagadora maioria dos crimes, sendo a ação penal privada a exceção, concedida ao particular em casos bastante restritos. A ação penal pública é titularizada pelo Ministério Público, como representante do poder-dever estatal de perseguir e reprimir os atentados aos bens jurídicos especialmente elencados pela tutela penal.

De outro lado, a ação penal privada, de cabimento restrito no

ordenamento pátrio, pode ser exclusiva ou subsidiária da pública. A primeira é

instrumento de tutela penal, a ser utilizado exclusivamente pelo ofendido

(vítima), nos estritos crimes definidos pela lei, via de regra quando se trata de

condutas que atinjam primordialmente a esfera privada do ofendido. Assim,

nesses casos, confere-se ao ofendido um instrumento de tutela penal

personalíssimo, uma vez que o bem jurídico atingido se restringe à esfera

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privada do ofendido. É o caso da ação penal nos crimes contra a honra: injúria, calúnia, difamação.

Nota-se que a ação penal privada é absoluta exceção em nosso ordenamento, confirmando tendência já observada há milhares de anos, ainda em civilizações antigas, de se retirar o poder punitivo da mão da própria vítima, e de conferi-la ao Estado, que, imparcial e neutro, garante a aplicação da lei com isonomia e justiça. Mais recentemente, também, a evolução do Direito Penal garante também a dignidade na aplicação da lei penal, isto é, na aplicação das sanções (obviamente ainda a exigir a devida observância). O fato do poder punitivo se encontrar nas mãos do Estado e não nas mãos de qualquer pessoa ofendida é o que garante a civilidade nas relações e a igualdade perante a lei, evitando os abusos gerados pela vingança privada. É nesse contexto que se deve enquadrar a titularidade para a ação penal, e daí porque a ação privada se enquadrar apenas em restritas hipóteses de repercussão da ofensa meramente na esfera privada da vítima.

A ação penal privada subsidiária da pública, por sua vez,

prevista na Constituição Federal, assegura ao cidadão lesado a possibilidade

de promover a ação penal quando não intentada a ação penal pública no prazo

legal. Conforme prevê a Carta Magna: “será admitida ação privada nos crimes de

ação pública, se esta não for intentada no prazo legal” (art. 5º, LIX). O caráter desta

é subsidiário, a ser cabível quando não houver atuação do titular da ação

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penal pública. Trata-se de um instrumento a ser utilizado secundariamente, caso a atuação principal, pelo Ministério Público, não ocorra. Novamente, o caráter restritivo da ação privada se aplica: exige-se uma efetiva desídia e omissão do Poder Público para justificar a atuação privada. Não é, destarte, um instrumento a ser utilizado livremente pelo particular ofendido pela conduta criminosa.

Há que se esclarecer que o Ministério Público, conforme o seu livre convencimento motivado, tem as seguintes alternativas, ao receber o inquérito ou a notícia de infração penal: (i) requerer novas investigações; (ii) requerer o arquivamento do inquérito; ou (iii) oferecer a denúncia. Ocorrendo qualquer destas hipóteses, o Ministério Público avaliou e agiu, NÃO há inércia do Estado, e, portanto, descabe a vítima se valer da ação penal subsidiária.

Esta somente tem cabimento quando houver desídia (atraso na avaliação e na atuação) do Ministério Público, e, ainda assim, caberá ao órgão do Estado encarregado da iniciativa penal intervir, aditar e fiscalizar o processo. Assim está definido na Lei Processual Penal:

“Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação

pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao

Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer

denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo,

fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo,

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no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal”[grifo nosso].

Na mesma linha segue a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: “Recurso extraordinário com agravo.

Repercussão geral. Constitucional. Penal e processual penal. (...) 5. Direito a mover ação penal privada subsidiária da pública.

Art. 5º, LIX, da Constituição Federal. Direito da vítima e sua família à aplicação da lei penal, inclusive tomando as rédeas da ação criminal, se o Ministério Público não agir em tempo.

Relevância jurídica. Repercussão geral reconhecida. 6. Inquérito

policial relatado remetido ao Ministério Público. Ausência de

movimentação externa ao Parquet por prazo superior ao legal

(art. 46 do Código de Processo Penal). Surgimento do direito

potestativo a propor ação penal privada. 7. Questão

constitucional resolvida no sentido de que: (i) o ajuizamento da

ação penal privada pode ocorrer após o decurso do prazo

legal, sem que seja oferecida denúncia, ou promovido o

arquivamento, ou requisitadas diligências externas ao

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Ministério Público. Diligências internas à instituição são irrelevantes; (ii) a conduta do Ministério Público posterior ao surgimento do direito de queixa não prejudica sua propositura.

(...). (stf, ARE 859251 RG, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 16/04/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-094 DIVULG 20-05- 2015 PUBLIC 21-05-2015)”. [grifos nossos]

O instituto já é, como se vê, tratado no Código de Processo Penal (“CPP”), de forma absolutamente satisfatória. A regulamentação prevista no CPP aplica-se a todas as ações penais públicas, não distinguindo quanto ao crime material objeto da ação. E isso porque realmente não se faz necessária uma previsão de ação específica conforme o tipo de crime: as ações penais seguem seus trâmites conforme a regulamentação processual geral, salvo raríssimas exceções. Assusta, neste contexto, a intenção dos ilustres legisladores de incluir ação penal privada própria na regulamentação dos crimes de abuso de autoridade, no âmbito do PLS 280/2016.

Os crimes de abuso de autoridade servem para tutelar a

legalidade, a probidade e a moralidade administrativa, evitando que o agente

desvirtue suas prerrogativas, utilizando-as para prejudicar o cidadão. Assim, o

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bem jurídico imediatamente protegido é o bom funcionamento da administração pública, e não os interesses particulares atingidos, estes sendo bens jurídicos tutelados secundariamente com o tipo penal. Por isso é a persecução penal incumbida ao Ministério Público – titular do interesse estatal de ver protegido o ordenamento jurídico e titular do poder sancionatório.

Veja-se que aqui se trata da esfera penal. Isso não significa a ausência de meios para a reparação do dano sofrido pelo particular, que pode, de forma autônoma, ser perseguida em esfera cível. Também não impede a aplicação de sanções em âmbito administrativo, pelas autoridades de controle.

Aqui se trata apenas da esfera penal, do crime, pois, em nosso ordenamento, assim como em diversos outros mundo afora, a persecução privada para aplicação de sanções penais é medida excepcional, conferida apenas para casos que afetem exclusivamente, ou predominantemente, a esfera de interesses privada do ofendido, em contraposição à segurança jurídica como um todo, a ser tutelada pelo Estado. Tanto é medida excepcional que o projeto de novo Código de Processo Penal, ora em tramitação no Congresso Nacional, a extingue do sistema jurídico, comportando apenas as ações penais públicas, com eventual cabimento da ação penal privada subsidiária da pública.

Sem embargo, se a ação privada é facultada, de forma inédita e

apressada, especificamente na Lei que tem como objeto a ação fiscalizatória e

punitiva do Estado, estar-se-á permitindo e estimulando o uso de ações

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criminais privadas como forma de coação, inibição e vingança em face de atuações regulares e corretas do Estado.

Mais: se já não fosse isto suficientemente grave, estar-se-ia permitindo principalmente e de forma mais efetiva aos mais ricos e poderosos na sociedade, pois eles terão acesso mais facilitado aos recursos de advogados privados. Exemplifica-se: se um preso, pobre, é exposto à mídia algemado e sem camisa, dificilmente terá os meios de promover uma ação privada de abuso de autoridade. Seja porque não tem o devido conhecimento de seus direitos, seja porque a Defensoria Pública tem restrições de capacidade de atuação, e até mesmo sequer foi implementada em alguns estados. A ação privada, assim, é instrumento que acaba por ser utilizada por aqueles de melhor condição econômica, melhor assessorados por advogados à sua disposição, e, sem dúvida, são utilizados também como forma de ameaça e de coação quando se vêem atingidos interesses pessoais.

Trata-se, portanto, de medida que em tudo favorecerá ações

deletérias, e sem nexo, ou voltadas apenas para fins de vingança privada. Para

isto, para uma reflexão neutra e técnica, é que o Estado tem a titularidade da

ação penal por órgão específico. Se o MP não atuar, faz sentido garantir o

direito de iniciativa privada subsidiária. Porém apenas diante de inércia

desidiosa, e sempre sob a tutela posterior do titular da ação penal.

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Assim, ainda que se ampliasse em nosso ordenamento a utilização da ação penal privada, os crimes de abuso de autoridade seriam o último gênero de crime a ser abrangido por este tipo de ação, posto que são, por essência, crimes que tutelam a administração pública. Permitir a ação privada para estes casos se presta apenas a desmoralizar e tornar temerária a atuação dos agentes administrativos e autoridades.

E mais. Para além de ser indevida a previsão de ação privada especificamente para os crimes de abuso de autoridade, a previsão constante do PLS 280/2016, em sua versão original, também era deficiente. Estabelecia o prazo de 15 (quinze) dias para o oferecimento da denúncia, a contar do recebimento do inquérito ou da representação do ofendido. Não havia a previsão de retorno do inquérito para maiores diligências, conforme habitualmente realizado, em consonância com a redação do art. 46 do Código de Processo Penal 1 . Afinal, é rotineiro que se prorrogue o prazo do inquérito, estando o réu solto, para que se aprimorem as investigações. A ausência de tal previsão pode prejudicar de forma cabal a investigação dos crimes.

Perceba-se que a coerência com o Código de Processo Penal no caso, além de técnica, é de particular importância. A criação de

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“Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias,

contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial,

e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do

inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do

Ministério Público receber novamente os autos”.

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regulamentação específica para a ação penal privada subsidiária da pública, e, ainda com tal deficiência de redação, não se justifica. Assim, não há justificativa para criação de modalidade específica de ação penal privada subsidiária da pública para os crimes de abuso de autoridade, razão pela qual se recomenda, com veemência, seja tal previsão removida do projeto de lei ora em comento.

Sendo o que havia para o momento, permanecemos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários. Recebam Vossas Excelências nossos protestos de estima e consideração.

Brasília, 11 de abril de 2017.

José Robalinho Cavalcanti

Presidente da ANPR

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