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O DISCURSO RELATADO NA MÍDIA ONLINE: A REPRESENTAÇÃO DO DISCURSO DE POSSE (2015) DE DILMA ROUSSEFF

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273 O DISCURSO RELATADO NA MÍDIA ONLINE:

A REPRESENTAÇÃO DO DISCURSO DE POSSE (2015) DE DILMA ROUSSEFF

Daniele de OLIVEIRA danieleoliveira@yahoo.com

Universidade Federal da Bahia (UFBA) RESUMO

Um dos objetivos da Análise Crítica do Discurso é estimular a emancipação do leitor em relação à percepção do significado da linguagem na produção, manutenção e mudança nas relações sociais que envolvem poder (FAIRCLOUGH, 1989). Sendo assim, nesta pesquisa voltamos nosso olhar para a relação assimétrica que se estabelece entre a mídia e a sociedade por meio do discurso, cuja ideologia, muitas vezes, é mascarada por meio de recursos textual-discursivos. Mais especificamente, nosso objetivo é investigar como o discurso de posse, para o segundo mandato (2015-2018), da Presidenta da República do Brasil, Dilma Rousseff, foi recontextualizado na mídia online. A realização desta pesquisa tem sua origem em uma reflexão atenta às questões sociais, aliada ao interesse em voltar um olhar acadêmico para uma delas: a relação que se estabelece entre a mídia e a sociedade por meio do discurso. Pretendemos lançar luz para pontos obscuros dessa relação por meio dos estudos do discurso, mais especificamente, do conceito de intertextualidade, tal como proposto por Fairclough (1992; 2003), bem como da noção de verbos introdutores de opinião, tal como proposta por Marcuschi (2010). Retomando o conceito bakhtiniano de dialogismo, Fairclough (2003) ressalta a complexidade da expressão da intertextualidade por meio do discurso relatado, direto ou indireto, tendo em vista que esse recurso acentua o aspecto dialógico do texto. Para nossa análise, selecionamos notícias que repercutem o discurso de posse da Presidenta em 2015, disponibilizadas em portais de notícias online. Nessas notícias, identificamos, todas as orações nas quais a voz da Presidenta é retomada, com o intuito de investigar como essa recontextualização acontece. Em fase inicial, as primeiras observações da pesquisa nos mostram que há um predomínio do discurso indireto, no qual há um resumo do conteúdo dito, nem sempre fiel à fala proferida originalmente; e também que os verbos introdutores de opinião predominantes, dizer e afirmar, estão entre os considerados mais fracos em termos argumentativos.

Palavras-chave: Discurso relatado; Intertextualidade; Mídia online.

1. INTRODUÇÃO

A dialogicidade da linguagem, apontada por Bakhtin (2006 [1929]), é revelada,

entre outras formas, por meio do recurso ao discurso de outrem em determinado texto. Para

o autor (Bakhtin, 2006 [1929], p. 156), o discurso citado deve ser compreendido em um

contexto social mais amplo no qual as fronteiras exteriores entre o discurso citado e o

(2)

274 restante da enunciação são “nítidas e invioláveis”, o que caracteriza o estilo linear. Ele ressalta também a possibilidade de se “atenuar os contornos exteriores nítidos da palavra de outrem”, o estilo pictórico.

Ao apresentar o trabalho de Bakhtin, na década de 1960, Júlia Kristeva cunha o termo intertextualidade, não empregado pelo autor russo, mas que reflete a discussão bakhtiniana sobre o caráter essencialmente dialógico de todo enunciado. De fato, para Bakhtin, todo enunciado responde de alguma maneira a enunciados anteriores a ele, bem como antecipa enunciados subsequentes.

Neste trabalho, meu objetivo é analisar como o discurso de posse da Presidenta da República Dilma Rousseff, proferido em 01 de janeiro de 2015, foi recontextualizado em notícias veiculadas em portais de notícias da internet. Para tanto, utilizarei o arcabouço teórico disponibilizado pela Análise Crítica do Discurso, especialmente a vertente desenvolvida por Fairclough (1992, 2003) que discute o conceito de intertextualidade, ancorado em autores como Foucault e Bakhtin. O foco de análise recairá sobre as orações que introduzem ou recontextualizam a voz da Presidenta no jornalismo online. Tratarei também, ainda que brevemente, dessa nova modalidade de jornalismo.

2. INTERTEXTUALIDADE

Ancorado nos pressupostos bakhtinianos e também foucaultianos

1

, Fairclough afirma que textos “são inerentemente intertextuais, constituídos por elementos de outros textos” (2008 [1992]). Nessa obra, o autor faz uma distinção entre intertextualidade manifesta e interdiscursividade (ou intertextualidade constitutiva), à luz da distinção usada pelos analistas de discurso franceses:

A intertextualidade manifesta é o caso em que se recorre explicitamente a outros textos expecíficos em um texto, enquanto interdiscursividade é uma questão de como um tipo de discurso é constituído por meio de uma

1

Para Foucault (2005 [1969], p. 111) “não há enunciado que, de alguma forma ou de outra, não

reatualize outros enunciados”.

(3)

275 combinação de elementos de ordens de discurso” (Fairclough, 2008 [1992], p. 152).

O autor justifica também sua opção pela expressão representação de discurso em detrimento da tradicional discurso relatado. Ele explica que representação de discurso transmite melhor a ideia de que quem relata um discurso o faz de determinado modo e não de outro, e que o que está representado inclui também a organização discursiva, além dos aspectos gramaticais do evento discursivo representado.

Fairclough (2003) retoma a discussão sobre o conceito de intertextualidade, assumindo a expressão discurso relatado para se referir às vozes explicitamente presentes no texto, ao estabelecer uma conexão entre as relações internas (semântica, gramatical, lexical) e externas (com outros elementos de eventos sociais, com práticas sociais e com estruturas sociais) de um texto. Fairclough (2003) considera essa intertextualidade de modo bastante amplo. Além das relações entre textos, o autor ressalta o discurso relatado como uma forma importante, e menos óbvia, de intertextualidade. O discurso relatado pode reproduzir um discurso tal como foi proferido originalmente, o que tradicionalmente conhecemos como Discurso Direto, ou pode resumir ou reformular o que foi realmente dito ou escrito, o Discurso Indireto.

No entanto, ressalta Fairclough (2003), elementos de outros textos também podem ser incorporados sem atribuição, trata-se das pressuposições, ou seja, os elementos implícitos de um texto tomados como dados mas não atribuídos. Da mesma forma que a intertextualidade as pressuposições também conectam um texto a outros textos. A diferença entre as duas formas de se incorporar um texto em outro é que a intertextualidade é atribuída a textos específicos e a pressuposição não. A pressuposição, tal como compreendida por Fairclough, é análoga ao que Ducrot (1977 [1972]) denomina implícitos não discursivos.

Sendo assim, a intertextualidade revela uma abertura para a diferença ao trazer

outras vozes para o texto e a pressuposição, em contrapartida, revela uma redução da

diferença ao assumir uma base comum. Tendo em vista que as pessoas diferem em vários

aspectos, essa orientação para a diversidade torna-se fundamental para a interação social e

particularmente para a interação discursiva.

(4)

276 Além do discurso direto, discurso indireto e da pressuposição, as vozes outras podem ser articuladas por meio da ironia e da negação (Fairclough, 2008 [1992]).

Essa orientação para a diversidade pode variar em eventos sociais e na interação, bem como nos textos. Fairclough (2003) esquematiza cinco cenários possíveis:

a) uma abertura para a diferença, como em um “diálogo” no sentido mais amplo do termo;

b) uma acentuação da diferença, conflito, polêmica, uma luta sobre significado, normas, poder;

c) uma tentativa de resolver ou superar a diferença;

d) a suspensão da diferença;

e) o consenso, uma normalização e aceitação das diferenças de poder.

Os textos nem sempre são constituídos de apenas um desses cenários, na verdade, em geral, eles podem ser combinados de várias formas. Temos uma situação que é comum em textos: alguns aspectos são dialogizados, outros não; há uma orientação para a diferença em alguns aspectos mas não em outros.

De acordo com Fairclough (2003) para qualquer texto há um conjunto de outros textos, outras vozes, que são potencialmente importantes e, consequentemente, podem vir a ser incorporados ao texto. Dessa forma, um questionamento relevante no que se refere à análise do funcionamento da intertextualidade, para o autor, é: que textos/vozes são incluídos, quais são excluídos e qual o significado dessas ausências? De fato, Bakhtin (2006 [1929]) já nos alertara sobre o fato de que quando dois textos diferentes, ou duas vozes diferentes, são relacionados em um texto, como em um diálogo, trata-se potencialmente de duas perspectivas ou dois pontos de vista distintos, o que justifica a reflexão atenta sobre como o primeiro texto foi relatado, que trabalho foi feito com ele no momento em que foi acionado para funcionar como uma intertextualidade.

Fairclough (2003) diferencia quatro formas de relatar: i) relato direto: citação

supostamente das palavras reais usadas; ii) relato indireto: resumo do que foi dito ou

escrito, sem marcas de citação; iii) relato indireto livre: intermediário entre o relato direto e

(5)

277 o indireto, característico da linguagem literária; iv) relato narrativo do ato de fala: relato do tipo de ato de fala, sem referência ao conteúdo. É importante ressaltar, com Fairclough (2003), que o relato direto é supostamente fiel ao texto original, já que muitas vezes não se tem acesso ao texto original para se verificar a fidelidade do relato.

O autor (Fairclough, 2003) mostra ainda que a intertextualidade é uma questão de recontextualização, na medida em que pode ser entendida como um movimento de um contexto para outro, o que implica transformações específicas no que se refere a como o material original figura no novo contexto. Sendo assim, há que se considerar a relação entre o relato e o original, e também a relação entre o relato e o restante do texto (novo contexto).

Um dos aspectos dessa recontextualização é a seleção do verbo de dizer. De fato,

“apresentar ou citar o pensamento de alguém implica, além de uma oferta de informações, também uma certa tomada de posição diante do exposto” (Marcuschi, 2007, p. 146). No entanto, ressalta o autor, esse posicionamento, em geral, não é explicitado paralelamente, mas é processado por meio do instrumento linguístico. Dito de outra forma, são as escolhas linguísticas feitas pelo autor do texto que revelam seu posicionamento em relação ao pensamento/discurso que veicula.

De um modo geral, “pode-se dizer que é praticamente impossível informar neutramente” (Marcuschi, 2007, p. 151), já que ao apresentar ou citar o discurso do outro, o autor do texto parte de sua interpretação desse discurso, interpretação que, por sua vez, é influenciada pelas estruturas sócio-político-culturais nas quais está inserido. Sendo assim, quando se informa uma opinião, especialmente no discurso midiático, pode-se dizer que ela é sempre manipulada por essa interpretação pessoal. Essa manipulação, em geral, é feita por meio de um verbo introdutor de opinião.

Para Marcuschi (2007, p. 151),

Ao se informar a opinião de alguém é possível levá-lo a dizer algo que não

disse. (...) Muitas vezes alguém levantou uma hipótese e o redator já nos faz

ver uma declaração; outras vezes um político expressa uma posição mais

dura e o redator transforma aquilo em uma ameaça; em outros casos alguém

faz uma ressalva e o redator nos faz ver uma ênfase.

(6)

278 Assim se processa a manipulação discursiva, ainda que ela não seja intencional ou que esteja despida de intenções obscuras. O relato de opiniões pode acontecer por meio de um verbo, de uma nominalização, de construções adverbiais ou de dois pontos (ou inserção aspeada no texto). Neste trabalho, vamo-nos dedicar principalmente à análise da opinião introduzida por um verbo.

Tendo em vista também a função argumentativa que esses verbos desempenham no discurso, pode-se dizer que eles incorporam as intencionalidades do autor do texto, a partir de sua interpretação da opinião citada ou relatada.

3. O JORNALISMO ONLINE

A divulgação online vem transformando o jornalismo contemporâneo, que vem sendo denominado como jornalismo online, digital, virtual, webjornalismo, apenas para citar algumas das denominações encontradas na literatura específica. No entanto, apesar de o novo formato ser evidente, não se pode dizer que se trata de uma absoluta novidade, o que na verdade é um processo já amplamente conhecido de transmissão ao vivo, a exemplo do que fazem o rádio, o telégrafo, o telex e o fax (Kucinski, 2005).

Pode-se dizer que está ocorrendo uma mudança de hábitos em relação à interação com o discurso jornalístico, já que ele pode ser acessado a qualquer hora, em qualquer lugar.

O fato de ser divulgado no ambiente online implica também em algumas mudanças no texto jornalístico, a fim de acompanhar o ritmo imposto pelo ambiente virtual. De fato, segundo Kucinski (2005, p. 77) “as várias formas de mídia da internet têm em comum textos curtos para uma leitura rápida. Mas permite também a leitura comparativa e o acesso a textos grandes, e mesmo gigantescos”. O autor ressalta ainda a possibilidade de ler imediatamente sobre determinado assunto em jornais do mundo inteiro, além das novas formas narrativas, hipertextos, que, segundo Kucinski (2005), tornam o ato de escrever mais prazeroso.

Kucinski (2005) alerta ainda para o fato de a prática jornalística em si não

apresentar novidades com o denominado jornalismo online. Na verdade, sob o aspecto da

atualidade da informação, o jornalismo online não é diferente do jornalismo tradicional. A

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279 novidade, informa Kucinski (2005), consiste no ritmo de abastecimento de notícias, muito mais veloz atualmente. No jornalismo online, “os fatos vão sendo narrados continuamente, em textos curtos e pouco acabados, à medida que vão acontecendo, e não depois que aconteceram” (Kucinski, 2005, p. 77).

Esse ritmo veloz certamente resulta na fragmentação da informação, uma vez que cada novo acontecimento é narrado à medida que vai acontecendo, a notícia é divulgada em etapas. Essa é uma característica da notícia tradicional “levada ao extremo no jornalismo online”. Além disso, aspectos como “precisão, contextualização e interpretação” não são mais prioridade, o que importa é a velocidade com a qual a notícia é divulgada (Kucinski, 2005).

Sendo assim, pode-se dizer que o jornalismo online: i) possui textos curtos e de rápida leitura; ii) os fatos são narrados continuamente; iii) é divulgado por meio de um hipertexto. Características de fato encontradas nas notícias que selecionamos para este trabalho.

4. METODOLOGIA

As notícias selecionadas para análise são “Dilma defende na posse prioridade à educação e ajuste nas contas públicas” (G1) [Texto 1], “'É preciso apurar e punir sem enfraquecer Petrobras', diz Dilma na posse” (BBC) [T2], “Em discurso de posse, Dilma promete prioridade à educação e defende Petrobras” (R7) [T3], “Dilma diz que educação será ‘prioridade das prioridades’ em seu governo” (Jornal do Brasil) [T4] e “Dilma põe educação em lema de governo e fala em extirpar corrupção” (UOL) [T5], todas publicadas no dia 01 de janeiro de 2015, logo após a Presidenta proferir seu discurso de posse.

Em primeiro lugar a análise estará voltada para os verbos introdutores de opinião,

nos termos de Marcuschi (2007), ou Processos Verbais na terminologia da Linguística

Sistêmico-Funcional, utilizados para inserir a voz da Presidenta, bem como sua força

argumentativa e os efeitos de sentido por eles provocados no discurso. Considerando os

pressupostos teóricos de Marcuschi (2007), o objetivo é observar como os verbos

(8)

280 introdutores de opinião organizam os argumentos no texto, bem como a intencionalidade do autor já que a seleção lexical parte de uma razão motivadora. Nessa etapa serão apresentados exemplos de uso dos verbos introdutores de opinião mais frequentes nas notícias selecionadas.

Na sequência, a investigação se dedicará à análise de trechos citados por meio do Discurso Direto. Nessa etapa o objetivo é verificar se esses trechos foram ditos pela Presidenta tal como reproduzidos nas notícias. E se, havendo alterações no original, há alterações também nos sentidos produzidos.

Toda a análise se pautará pelo aparato teórico-metodológico disponibilizado pela Linguística Sistêmico-Funcional adotada também por Fairclough (2003). Sendo assim, serão identificadas as Orações Verbais, ou seja, as orações do dizer. É por meio delas (mas não somente) que se insere a voz de outrem em determinado discurso. As Orações Verbais são constituídas por um Processo Verbal (refere-se à ação verbal) e pode envolver quatro Participantes: o Dizente (o responsável pelo processo verbal, ainda que não seja humano, como nas fábulas), o Receptor (a quem o processo verbal é direcionado), a Verbiagem (o que é dito) e o Alvo (objeto da ação verbal).

5. ANÁLISE

Nas 5 notícias analisadas identifiquei 140 Orações Verbais

2

, considerando-se as orações constituídas a partir de um Processo Verbal (119 ocorrências), mas também aquelas que possuem uma Circunstância de Ângulo (21 ocorrências) e outras estruturas menos recorrentes. Neste trabalho, o foco será nas Orações Verbais cujo núcleo é um Processo Verbal, já que um dos aspectos a serem analisados é exatamente quais foram os Processos Verbais utilizados e o que essa escolha revela em termos discursivos. Além disso, considerei apenas as orações que relatam o discurso da Presidenta Dilma e não de outras vozes que também se fizeram presentes nesse discurso, ainda que em número muito restrito.

2

Adoto a terminologia disponibilizada pela Linguística Sistêmico-Funcional, tendo em vista que o

próprio Fairclough parte desse instrumental de análise em suas reflexões.

(9)

281 O discurso da Presidenta Dilma foi mais amplamente relatado por meio do Discurso Indireto (93 ocorrências ou 66% das Orações Verbais) do que do Discurso Direto (47 ocorrências ou 34% das Orações Verbais). É importante ressaltar um recurso bastante utilizado que é a presença das ilhotas textuais, fragmento da mensagem que aparece como

“tendo ‘resistido’ na sua literalidade à operação de reformulação-tradução contida na mensagem” (Authier-Revuz, 2004, p. 194), ela emerge no interior do Discurso Indireto.

Trata-se de pequenos trechos ou expressões retiradas do discurso original que podem complementar ou reforçam a ideia retextualizada, mas pode ser usada também como forma de aumentar a distância entre o discurso relatado e o discurso do autor do texto.

1. A petista afirmou ainda que irá “lutar” para oferecer o máximo possível aos brasileiros nos próximos anos. [T3]

2. Dilma referiu-se à banda larga como a porta de entrada para o "Brasil do futuro" e lembrou a aprovação do Marco Civil da Internet pelo Congresso Nacional. Ela firmou a meta de garantir acesso "barato, rápido e seguro" à banda larga, bem como universal. [T4]

Nas notícias analisadas, todas as ilhotas textuais são fragmentos do discurso da Presidenta Dilma Rousseff, como nos exemplos acima e, em geral, parecem reforçar o distanciamento entre o discurso relatado e o discurso relator. Sendo assim, pode-se dizer que o autor do texto não assume como suas as palavras da Presidenta, confirmando a proposição de Fairclough (2003), segundo a qual um mesmo texto pode apresentar uma orientação para a diferença em alguns aspectos e em outros, não.

A predominância do Discurso Indireto mostra que, em alguns aspectos, as notícias online optam por um fechamento da diferença, nos termos de Fairclough (2003), ou seja, aparentemente o objetivo é aproximar o discurso da Presidenta do discurso das mídias que o veiculam. Ainda que esse dado sugira uma aproximação entre os discursos, a forma como o discurso da Presidenta é veiculado aponta em outra direção.

De fato, observou-se um enfraquecimento do discurso da Presidenta, o que foi

revelado pela seleção de Processos Verbais mais fracos em termos argumentativos. Entre os

119 Processos Verbais identificados, os mais recorrentes foram: dizer (27 ocorrências),

afirmar (22), defender (9) e prometer (9). O uso desses processos, especialmente dizer e

(10)

282 afirmar, mostra pouco envolvimento com o discurso relatado, o que permite inferir que a mídia online não assume uma identidade com o discurso da Presidenta, ou seja, de modo geral, não está de acordo com o ponto de vista que ela expressou em seu discurso de posse em janeiro de 2015.

Vejamos alguns exemplos de uso desses Processos Verbais no discurso da mídia online quando noticia o discurso de posse da Presidenta Dilma Rousseff em seu segundo mandato em 2015.

O Processo Verbal dizer:

3. Na parte econômica, disse que a estabilidade e a credibilidade vão nortear seu mandato, junto ao combate à inflação. Dilma disse que o Brasil "precisa voltar a crescer" com ajuste nas contas públicas, aumento da poupança interna e "mais investimento e produtividade".

[T2]

4. A presidente disse que terá o compromisso de democratizar o acesso a um ensino de qualidade em todos os níveis, da creche ao ensino superior. [T4]

Como já foi dito, o Processo Verbal dizer tende a enfraquecer o discurso apresentado, já que não revela explicitamente nenhuma interpretação do locutor do texto.

No entanto, ressalte-se que ele pode funcionar como um “coringa” e assumir aspectos argumentativos dissimulados e que poderiam ter sido revelados de modo mais claro por meio do uso de outros processos, tais como ressaltar em (1) ou assegurar em (2).

O Processo Verbal afirmar:

5. Ao se referir à educação como principal prioridade do próximo governo – ela tirou a pasta do PT e escolheu para ministro o ex-governador do Ceará Cid Gomes (PROS) –, Dilma afirmou que o setor começará a receber volumes "mais expressivos" de recursos oriundos dos royalties do petróleo e do fundo social da exploração da camada pré-sal. [T1]

6. Sem citar as denúncias, Dilma afirmou que "nunca" o país passou por um período tão longo sem crises institucionais e que "nunca se puniu tanto a corrupção, em todos os níveis". [T5]

A exemplo do que acontece com o Processo Verbal dizer, o uso de afirmar

também sugere um enfraquecimento do argumento apresentado. Nesse caso, o autor do

texto evidencia que a responsabilidade do que foi dito é inteiramente do autor, no caso a

Presidenta Dilma, ressaltando a distância entre o discurso relatado e o discurso relator. Dito

(11)

283 de outra forma, ressalta a diferença e estabelece uma distância entre seu ponto de vista e o da Presidenta.

Defender:

7. Ela voltou a falar em ajuste em outro momento do discurso, no qual também defendeu um aumento dos investimentos e da produtividade da economia. [T1]

8. Dilma também falou sobre a situação da Petrobras, e saiu em defesa da estatal, repetindo que não compactua com a corrupção e defendeu que a Petrobras tenha uma rigorosa estrutura de governança e controle para não permitir que novos esquemas de desvio de recursos públicos possam ser implantados na estatal. [T3]

O Processo Verbal defender revela uma força argumentativa mais intensa, mas, como vimos, seu uso é muito restrito nesse discurso se comparado aos anteriores, dizer e afirmar. De fato, defender um ponto de vista é muito mais complexo do que simplesmente afirmá-lo. Quando o autor do texto utiliza esse Processo Verbal ele mostra sua interpretação da fala da Presidenta de modo claro, o que revela também o seu posicionamento em relação ao discurso mencionado.

Prometer:

9. A presidente prometeu também lançar, em seu segundo mandato, a terceira fase do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o segundo Programa de Investimento em Logística. [T3]

10. Dilma prometeu promover mudanças e se disse disposta a mobilizar a população para uma nova "arrancada" do Brasil. [T4]

Por fim, o Processo Verbal prometer, também forte em termos argumentativos, uma vez que expressa de modo claro as intenções comunicativas do autor do texto. O caso de prometer nesse discurso é interessante porque trata-se da menção ao discurso de posse da Presidenta da República, o que significa que tudo o que for interpretado como uma promessa deverá, e certamente será, cobrado posteriormente da mesma. O que talvez justifique o uso de um Processo Verbal mais forte.

Além da seleção dos Processos Verbais, analisamos também como o discurso de

Dilma foi recuperado nas notícias em tela. Por exemplo, o que foi introduzido por meio do

Discurso Direto representa, de fato, exatamente o que foi dito por ela?

(12)

284 Na verdade, encontramos citações cujo conteúdo foi alterado a partir de mudanças de palavras em relação ao original e também da exclusão de palavras de fato ditas pela Presidenta. Ressalte-se que, no Discurso Direto, em tese, a fala mencionada é retratata fielmente, tal como proferida no discurso original.

11. " Temos [assim]

3

que saber apurar e [saber] punir sem enfraquecer a Petrobras. Temos muitos motivos para proteger [preservar e defender] a Petrobras de seus predadores internos e seus inimigos externos." [T2] [mudança no original]

12. Mas disse que não mexerá com direitos trabalhistas e previdenciários e que quer "derrotar a falsa tese de [que afirma existir um] conflito entre estabilidade econômica e [o] crescimento [do investimento social,] dos ganhos sociais [e do investimento em infraestrutura]". [T2]

[exclusão de palavra e/ou expressão]

13. — Agora é a hora de prosseguir com nosso projeto [de novos objetivos], [É hora de]

melhorar o que está bom [corrigir o que é preciso] e fazer o que povo espera de nós. [Sim, neste momento,] Ao invés de simplesmente garantir o mínimo necessário como foi o caso ao longo da nossa história, temos [,agora,] que lutar para oferecer o máximo possível.

Vamos precisar [,governo e sociedade,] de paciência, coragem, [persistência,] equilíbrio e humildade para vencer os obstáculos. E venceremos [esses obstáculos]. O povo [brasileiro]

quer democratizar cada vez mais a renda, o conhecimento e o poder. [T3] [exclusão de palavra e/ou expressão]

Os exemplos (11), (12) e (13) mostram como o Discurso Direto, em algumas ocorrências, não repercute no jornalismo online exatamente o que foi dito pela Presidenta.

Nesses casos, estamos considerando como Discurso Direto os trechos que aparecem entre aspas em (11) e (12) e todo o exemplo (13), pois este último aparece antecipado por um travessão, o que sugere que se trata de uma citação literal de parte da fala da Presidenta. Em (11) observamos uma alteração no discurso original por meio de uma troca de termos.

Nesse caso, o que, por exemplo, no original era “preservar e defender” se torna “proteger”

na citação. Essa alteração certamente provoca mudanças nos efeitos de sentido produzidos pela reprodução do discurso. Em (12) e (13) observamos uma ação diferente que é a exclusão de alguma palavra ou expressão do trecho original citado. O que também altera o sentido do texto original, uma vez que, por exemplo, ao se omitir a expressão “corrigir o

3

O conteúdo inserido entre colchetes refere-se às palavras e/ou expressões que, de fato, constituem

o texto original. Já as palavras e/ou expressões grifadas referem-se ao que foi alterado ou inserido

pelo autor da notícia, mas que não se encontra no texto original.

(13)

285 que é preciso” em (13), trecho que revela uma auto-crítica, produz um sentido distinto do originalmente enunciado pela Presidenta.

Em (14) abaixo, identificamos uma ocorrência de aspas cujo conteúdo não foi encontrado no discurso proferido originalmente. É importante ressaltar, no entanto, que a ideia de luta contra a corrupção permeia boa parte do discurso, mas em nenhum momento referido da forma como foi “retratado” pela notícia.

14. Em meio ao escândalo de subornos envolvendo a Petrobras, a presidente afirmou ainda que enfrentará "sem medo a luta contra a corrupção". [T??]

Por fim, em (15) e (16) identificamos trechos ditos pela Presidenta em seu discurso, mas que não foram aspeados em sua reprodução na notícia em que são citados.

Essa estratégia, foi denominada por Fairclough (1995) como unsignalled, ou seja, trata-se do trecho retirado do texto original, mas não sinalizado com aspas. Dessa forma, produz-se o efeito contrário do Discurso Direto já que ocorre o apagamento da voz da Presidenta sutilmente incorporada ao discurso do autor da notícia.

15. A presidente disse que terá o compromisso de democratizar o acesso a um ensino de qualidade em todos os níveis, da creche ao ensino superior [à pós-graduação]. Ela ressaltou que a educação começará a receber volumes maiores de recursos, oriundos dos royalties e do fundo social do pré-sal. [T4]

16. Dilma Rousseff disse também em seu discurso de posse na Câmara dos Deputados que o Brasil não será sempre um país em desenvolvimento. [T4]

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise das notícias que repercutiram o discurso de posse da Presidenta Dilma em seu segundo mandato, em janeiro de 2015, mostrou que o uso generalizado de Processos Verbais tais como dizer e afirmar revela uma tentativa de enfraquecer os argumentos defendidos no discurso original.

Além disso, foi observada predominância do Discurso Indireto, o que não

significa necessariamente que o discurso da Presidenta é assumido nas notícias nas quais

veicula. Na verdade, há também um movimento no sentido de se demarcar de modo claro a

(14)

286 origem de cada discurso, por meio do Discurso Direto e também das ilhotas textuais. O que confirma, como já foi dito, a proposição de Fairclough (1995) segundo a qual o Discurso Direto supostamente retrata o discurso original fielmente. Em nossos exemplos, provenientes do discurso midiático online, pode-se dizer que nem sempre a reprodução é fiel. Encontramos ainda uma ocorrência entre aspas, mas não proferida pela Presidenta, ou seja, foi creditado a ela palavras que não disse.

Essas observações mostram a importância de trabalhos como este, que procuram revelar os modos de dizer um discurso. O recurso da intertextualidade é uma importante ferramenta na construção de sentidos de um texto, mas deve ser igualmente compreendida pelos leitores desse texto, a fim de que sejam capazes de identificar o que realmente está por trás de determinados usos linguísticos.

REFERÊNCIAS

AUTHIER-REVUZ, J. Observações sobre a categoria da ‘ilhota textual’. In: _____. Entre a transparência e a opacidade: um estudo enunciativo do sentido. Porto Alegre: EDIPUCRS, p.

191-215, 2004.

BAKHTIN, M. (Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006 [1929].

DUCROT, O. Princípios de semântica linguística: dizer e não dizer. São Paulo: Cultrix, 1977 [1972].

FAIRCLOUGH, N. Analysing discourse: textual analysis for social research. London; New York:

Routledge, 2003.

FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Editora UnB, 2008 [1992].

FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005 [1969].

KUCINSKI, B. Jornalismo na era virtual: ensaios sobre o colapso da razão ética. São Paulo:

Editora Fundação Perseu Abramo: Editora UNESP, 2005.

MARCUSCHI, L. A. A ação dos verbos introdutores de opinião. In: _____. Fenômenos da

linguagem: reflexões semânticas e discursivas. Rio de Janeiro: Lucerna, p.146-164, 2007.

Referências

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