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Identidade no Acto Criativo

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Academic year: 2021

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Identidade no Acto Criativo

RESUMO

Através de manifestações artísticas, o Homem deixa uma marca no mundo procurando esquecer a sua condição de mortal. São esses objectos que testemunham ainda hoje, momentos de luta entre o Homem e a sua própria existência.

No mundo contemporâneo, globalizado e permeado pela velocidade das tecnologias, o Homem sofre o impacto do desenraizamento das suas confortáveis certezas. Poderemos afirmar que se processa uma profunda alteração na sua percepção de si, lançando-o para uma crise de referências.

De que forma este desconforto existencial se manifesta hoje nas suas criações artísticas?

É nesta situação de perda de referências, interpretada no campo artístico, que iremos situar a nossa reflexão.

Palavras-chave: Identidade; Arte; Arte Contemporânea; Acto Criativo; Arte e Tecnologia

ABSTRACT

Through art events, the man leaves a mark in the world for forgetting his mortal condition. These are objects that testify to this day, moments of struggle between man and his own existence.

In today's world, globalized and permeated by the speed of technology, the human is suffering the impact of being uprooted from their comfortable certainties. We can say that he operates a profound change in his perception of himself, cast him into a crisis of references.

How this existential distress is manifested in their artistic creations?

It is this situation of loss of referrals, played in the artistic field, we will situate our reflection.

Keywords: Identity; Art, Contemporary Art, Creative Act, Art and Technology

Introdução

No mundo de hoje, globalizado e tecnologicamente evoluído, assistimos uma vez mais a uma profunda alteração da percepção da nossa existência. Todas as certezas que alicerçaram a nossa relação com o mundo, tanto através da morte, como através da ideia de eu e de outro, são agora postas em causa, lançando o indivíduo para uma crise existencial pela perda de referências.

Manuel Castells afirma que, pela primeira vez na história, “[…] computadores, sistemas de comunicação, descodificação e programação genética são extensões da mente humana. […]. A integração crescente entre mentes e máquinas, inclusive a máquina do DNA […], está a alterar fundamentalmente o modo pelo qual nascemos, vivemos, aprendemos, trabalhamos, produzimos, consumimos, sonhamos, lutamos ou morremos” (Castells, 2000, p.51).

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Identidade e Morte

Segundo as análises do sociólogo francês Edgar Morin, resultantes de interrogações sobre o que somos, ficamos com a noção de que a consciência da individualidade tem origem, precisamente, na percepção que o Homem tem da sua própria morte – atitude que o distingue das outras espécies animais. Para Morin (1973), esta percepção é uma das maiores novidades que o Homo sapiens funda na história do Homem. A morte para o sapiens deixou de ser entendida como o era para os seus predecessores. Não se tratava apenas de um momento final de um elemento do grupo, o qual deveria ser afastado para proteger os vivos da decomposição do corpo, mas de um momento que se precipita sobre a vida, e a sua ideia torna-se presente mesmo fora da ocorrência imediata. Esta consciência conduziu o Homem a uma nova percepção do real provocando a irrupção do imaginário (Homem imaginário) e do mito, como uma estratégia de equilíbrio psicológico que o Homo sapiens encontrou para desafiar a sua mortalidade. Este novo estado de consciência resulta da interacção de uma consciência objectiva, que reconhece a mortalidade, e de uma consciência subjectiva que acredita, se não numa imortalidade, pelo menos numa transmortalidade.

A principal tarefa do Homem, desde o momento em que surge a consciência de si, é a de

permanentemente produzir objectos com os quais possa esquecer a sua condição de mortal (Medeiros, 2000). A arte surge assim como uma forma de imortalidade, como uma necessidade de permanência existencial.

E se a perfeição da técnica for tal que erradique o uso, a morte e o envelhecimento?

Hoje, os avanços tecnológicos têm permitido alcançar uma espécie de perfeição não só nos objectos, como também no corpo e na mente transportando-nos para uma ideia de imortalidade. Objectos como o compact disc, ou os dados digitais, não revelam desgaste pelo seu uso. As cirurgias estéticas, as

“prótese químicas” e manipulações celulares, entre outras possibilidades, intervêm no corpo e na mente de forma artificial, alterando-os, aperfeiçoando-os, preservando-os. É como se essa possibilidade de perfeição, quando tudo é produzido e controlado numa previsibilidade total, representasse o “limite das possibilidades” a que se refere o pensador francês Jean Baudrillard (1995). Na sequência desta

reflexão, o Homem está a tornar-se um ser para o qual em breve “não haverá morte, nem representação da morte, nem sequer (o que é pior) ilusão da morte” (Ibid., p.147). Corre-se o risco de se perder o original como referência.

Crise de Identidade

Falar em crise é assumir que algo foi profundamente abalado. É reconhecer a existência de um padrão minimamente estável, a partir do qual esta é identificada. A velocidade tecnológica está a arrastar tudo e todos das suas antigas e confortáveis certezas. Quebram-se, assim, os valores estruturais estáveis que referenciavam um sujeito com pleno controle da sua identidade: o sujeito moderno.

A ideologia do modernismo, fundada na razão e com fé no progresso, moldou durante séculos o sujeito e a cultura ocidental. Fechada sobre si própria, excluía das suas referência outras etnias e raças que não pertencessem à cultura dominante do “homem branco”, destituindo igualmente de valor o papel de grupos sociais, como a mulher ou o homossexual. A linearidade resultante deste desenvolvimento

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histórico provocou distorções de valores ao construir uma história cingida o cânone modernista (exclusivamente branco e masculino).

Do ponto de vista da ciência e da tecnologia, as sociedade menos desenvolvidas eram consideradas um lapso do tempo onde as civilizações “mais evoluídas” poderiam rever o seu passado. Um exemplo dessa situação passou-se numa exposição, em 1984, no MOMA, “Primitivism” in 20th Century Art:

Affinity of the Tribal and the Modern. O evento pressupunha mostrar ao público a influência da arte africana nas obras de artistas consagrados do século XX, tal como Miró e Picasso.

No entanto, o título dessa exposição revelou também a dificuldade do assumir igualitário das artes pelo facto de ter separado a palavra “primitivismo” de “no século XX”, como se aí não pertencesse e perpetuando uma mentalidade colonialista. Esta exposição provocou, como tal, reacções na esfera artística, levando a que se repensasse o conceito de “arte do outro” fora dos padrões ocidentais.

Importantes pensadores, entre eles Jean-François Lyotard (1985), contribuíram para abolir a arrogância das teorias modernistas e a supremacia das metanarrativas que vinha a escrever e a documentar uma História da Humanidade sob um ponto de vista único, logo distorcido. O emergir do outro (enquanto diferente do eu da cultura dominante) tornou-se num dos temas cruciais em qualquer debate sobre o Pós-Modernismo.

A força desses teóricos conseguiu mudar a direcção do paradigma da verdade única e universal, frustrando as expectativas existentes na Razão e na Ciência. A própria definição de sujeito perdeu todas as referências lançando o Homem numa profunda crise identitária.

O mesmo aconteceu no campo estético, quando esse outro irrompe pela linguagem artística dominante.

O conceito de globalização de finais do século XX ampliou a consciência da dimensão do Mundo e da importância das periferias. Nos anos 80 e 90 surgem as grandes bienais internacionais de arte em países do Terceiro Mundo e em países periféricos, como a Coreia, Cuba, Austrália, África do Sul, Brasil, Espanha, etc.

As exposições sucedem-se com uma perspectiva do mundo como um todo, considerando, pela primeira vez, as produções artísticas realizadas nos cinco continentes.

Em 1989, realiza-se em Paris a exposição Les Magiciens de la Terre, pensada para reagir contra a mentalidade colonialista de que “cem por cento das exposições ignoram oitenta por cento da Terra”

[1], perpetuada noutros eventos. A Bienal de Veneza, em 1993, e a célebre exposição Cosido y Crudo (ou “civilizado e primitivo”), realizada em Madrid em 1994, foram consideradas como uma espécie de

“remake” da Les Magiciens de la Terre.

Apesar da política destas exposições ser a de respeitar a globalização como um respeito da identidade, estes ventos proporcionaram o reconhecimento de que a globalização também afecta a linguagem estética. Ou seja, a arte produzida por artistas tão distantes uns dos outros revelou uma estética híbrida, plural e ecléctica, tornando-se difícil identificar a identidade do artista através da sua obra. Com a globalização a informação sobre o mundo, arte e filosofia deixou de estar limitada aos centros culturais. Ao ser democratizada torna-se matéria-prima de qualquer acto criativo.

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Sucederam-se outras exposições onde se exaltam o eu e o outro, o masculino e o feminino, e o corpo torna-se um reflexo do eu interior e do eu artificial.

É exemplo disso a exposição A Rrose is a Rrose is a Rrose: Gender performance in Photography, realizada em 1997 no Museu Guggenheim de Nova Iorque. Entre outros artistas representados encontravam-se Marcel Duchamp, Man Ray, Mapplethorp, Cindy Sherman e Andy Warhol.

O título da exposição combinava conceptualmente Gertrude Stein (na sua famosa frase: a rose is a rose is a rose is a …) e Duchamp. Antes de tudo, porque ambos fogem aos padrões tradicionais de género:

Gertrude era lésbica e possuía uma aparência masculina, e Duchamp celebrizou o seu alter-ego feminino através da personagem Rrose Selavy.

Rrose Selavy, pronunciado em francês, produzia uma subversão do significado entendendo-se: Eros, é a vida. Por seu lado, o que Gertrude Stein pretendia dizer com a sua expressão repetitiva é que a segunda vez que se pronuncia a palavra “rosa” ela nunca será igual à primeira, porque já existe a experiência da primeira “rosa” na mente da pessoa. Dita pela terceira vez, a palavra “rosa” já tem outras duas que a precedem e assim sucessivamente. Trata-se então de uma ironia ao dizer que as rosas são iguais. De facto, segundo a sua tese, não existe nunca a repetição de nada.

Esta exposição tinha como objectivo lançar um olhar contemporâneo sobre o género humano

(androginia, identidade de género e sexualidade) nas suas diversas formas de representação. Muitas das obras apresentadas referiam-se ao corte com a identidade de género e até mesmo à não-identidade – liberdade de não se querer ser classificável.

Arte e pluralidade

O Pós-Modernismo parece afirmar que, de facto, não há nada de novo sobre a Terra e que os trabalhos artísticos que falam somente sobre as suas características não falam nada sobre a condição humana. A evolução das tendências artísticas num sentido globalizaste das linguagens, após os anos 60, quebrou definitivamente com a noção modernista de pureza e separação de géneros artísticos. Resultou numa diversidade de estilos e culturas, com ênfase particular na ironia e na crítica social.

O significado da obra, que estava confinado a uma classificação e percepção única do seu autor, é também ele lançado às infinitas possibilidades de descodificação de cada “leitor”. Passa-se a entender a produção de significado como um resultado da relação entre “significados interligados e significados diferidos” (Heartney, 2001, p.10). Como explica Roland Barthes, uma partitura de música adquire vida (ou significado), quando é interpretada por um músico. Este passa a ser uma espécie de co-autor da obra. Inaugura-se, desta forma, o que o pensamento pós-estruturalista chama de “morte do autor”.

A arte passa a descreve a heterogeneidade como uma captura clara do pluralismo, estimulando o interesse pelo hibridismo. Os artistas recorrem sem pudor a obras de outros artistas, utilizando-as como matéria-prima dos seus trabalhos, transformando-as em novos tipos de significado.

A arte e a vida

Com a crise de valores e a perda de referências que caracteriza uma sociedade pós-industrial o artista procura agarrar a segurança que está nos amigos, na família, na tradição, etc. Surge a consciência de olhar para o passado (para diferentes passados) como elemento fundamental do presente, ao contrário da rejeição destes valores que se

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fazia sentir no Modernismo. Assim, a família, o sexo, a sida, o prazer, o racismo, a identidade, as tecnologias, o pós-humano, etc., são temas celebrados pela arte contemporânea, onde o corpo representa a metáfora ideal.

A ideia do corpo como um instrumento da arte aparece nos anos 60, com as performances, a body art, os happenings, o movimento Fluxus, etc., e reaparece nos anos 90 como um novo sítio – como um lugar de experiência. Mistura-se a arte com a vida.

As obras de Cindy Sherman, da década de 70, exploram o universo feminino, retratando-se em diferentes versões da mulher: mulher fatal, ingénua, executiva, perdida.

Foi entendida por alguns teóricos como uma forma de representação do eu descentralizado característico do mundo pós-modernista: a mulher composta de ficções. Nas suas obras, esta artista, insurge-se contra uma sociedade patriarcal, consumista e fragmentada pelo capitalismo.

Em meados dos anos 80, Cindy Sherman envolve-se com a representação do corpo na esfera da moda, mantendo este tema nos seus projectos mais recentes. Desenvolve trabalhos para o circuito normal de comercialização de modelos da alta costura, subvertendo os padrões tradicionais da fotografia de moda, produzindo imagens “nada atraentes, algo sinistras e declaradamente bizarras” (Heartney, 2001, p.59). Estes trabalhos conferiram, desta forma, flexibilidade conceptual e artística à esfera da moda.

Cindy Sherman, 2007. Fotografia produzida para a Vogue Paris para promover a roupa de Balenciaga. Fotografia produzida para a Vogue Paris para promover a roupa do Balenciaga, 2007

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Cindy Sherman, Untitled, 2007.

Por seu lado, a artista francesa Orlan explora questões relacionadas com os códigos de beleza e de perfeição adquiridos nas modificações corporais através das cirurgias estéticas. Com o objectivo de questionar se a beleza poderia ser a soma das partes, transformou o seu próprio rosto através de operações plásticas. Um trabalho iniciado em 1990 consistia inserir em “retalhos” de cânones anacrónicos de beleza ocidental: a boca da Europa, a testa da Mona Lisa, etc. A sua arte carnal flui entre os diversos conceitos de beleza, em que o seu corpo funciona literalmente como suporte de peças, numa atitude “frankensteiniana”. A crítica está lançada, especialmente aos estereótipos de beleza, procurando encaixar em si o estranho, o naturalmente inconciliável, o híbrido. Nas suas produções de finais dos anos 90, Self-hybridations e Reconfiguration, ela oferece novos padrões de beleza que vão além dos padrões actuais para corpos em estado de mutação.

Orlan, 1990. Primeira performance-cirurgica ou a operação “unicórnio”.Primeira performance-sirurgica ou a operação ‘unicórnio’.

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É neste tema que Barbara Kruger constrói as suas obras, apoderando-se de imagens retiradas, sobretudo de revistas femininas, fragmentando-as e conjugando-as com textos característicos das mensagens convencionais da publicidade.

Desde aí a arte tem-se manifestado, frequentemente, com narrativas que se originam na cultura de massa e que afecta o campo do corpo e da identidade pessoal ao importar directamente significado das mensagens publicitárias.

Daniele Buetti, através de uma técnica muito simples e rudimentar – criação de relevos em imagens através de um instrumento pontiagudo –, “tatua” marcas comerciais e arabescos nos corpos perfeitos dos supermodelos do nosso quotidiano, que são os exemplos correntes de beleza. Adopta, nas suas manifestações, uma posição crítica sobre o ideal estandardizado de belo como um código comercial que se liga frequentemente à ideia de “sucesso”.

As suas marcas, que parecem escarificações reais, aproximam dois tempos da História pelo uso simbólico das representações corporais: a relação primitiva de dor e beleza, num processo de amadurecimento pessoal, e a relação contemporânea com uma beleza superficial e efémera, que através de uma segunda pele se manifesta como um sinal de poder e de pertença a uma determinada tribo [2]. Nos seus trabalhos mais recentes continua as temáticas relacionadas com a sociedade de consumo que é dominada pela moda e pela indústria mediática.

Utilizando as imagens de modelos retiradas directamente da publicidade das grandes marcas, perfura-as e coloca- as sobre caixas de luz.

Daniele Buetti, Untitled from Goodfellows / Looking For Love,1996-98.

Daniele Buetti, If we are dead so what?, 2008.

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As obras de Lynn Hersheman Leeson exploram o universo físico e virtual da realidade. Esta artista procura desconstruir e aprofundar a forma como a tecnologia afecta a ética, a moral e a percepção que temos sobre o nosso próprio eu. Nos seus trabalhos reflecte sobre a identidade como resultado de uma estrutura social, moldada por uma cultura que encobre, mascara e acumula códigos construídos, que, segundo a artista, cada vez menos se referenciam na pessoa original.

Muitos outros artistas contribuem para levantar questões relacionadas com o corpo como um sítio da psique e a sua inscrição social, ou com o sentido de se ser humano quando o corpo é cada vez mais permeado e misturado com a tecnologia. A procura de referências para a pergunta quem sou?, leva a que nas suas obras se celebre o

acontecimento, o sentido da experiência.

Stelarc explora as próteses, os sistemas de r

ealidade virtual, a robótica e a Internet, como interfaces com o corpo. Para este artista o corpo humano, na sua forma e função biológicas, está obsoleto e é através da adição da tecnologia que ele pode ser expandido,

redesenhado e esculpido ampliando, assim, as suas capacidades operativas. Interessa-lhe “a ideia do corpo não só como meio de expressão, mas também como meio de experiência” [3].

Stelarc Ear on Harm, 2006. Implantação de orelha no antebraço.

Pipilotti Rist fala sobre o corpo social e da construção da identidade dentro da mente do outro. Bill Viola também explora a dimensão social. Jeff Koons explicita o sexo como corpo exibicionista. Boltansky, através do retrato, explora a morte, a memória e a História. Herman Nitsch, representa mutilações sexuais com base em rituais sangrentos. Paul McCarthy aborda o corpo grotesco e híbrido próximo do cliché, que ele assume servindo-se de máscaras. Fakir Musafar põe em causa a ideia de “sofrimento” e de “corpo” da sociedade contemporânea, comparando-a com a cultura primitiva. Apela, nas suas performances, à necessidade de voltarmos a utilizar o corpo.

Eduardo Kac questiona a qualidade do uso das tecnologias e a sua relação directa com o indivíduo. Matthew Barney aborda o corpo híbrido e a identidade sexual. Vito Acconci remete para questões sexuais utilizando o seu próprio corpo. William Forsythe e Pina Bausch redefinem o corpo, o espaço, o tempo e o movimento nas suas coreografias [4].

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Conclusão

Como podemos testemunhar, a arte contemporânea é reveladora de inúmeras questões fundamentais sobre o ponto de vista ontológico. As preocupações com a autenticidade da condição humana e tudo o que isso implica (corpo, identidade, morte, tempo, espaço, etc.) passaram a ocupar um lugar de destaque nas produções artísticas. Tem-se verificado uma persistente auto-representação do artista nas suas obras. Este não só cria a obra como intervém nela com o seu próprio corpo.

Segundo Margarida Medeiros (2000, p.15), “quando Rimbaud escreve “Je est un Autre” […], fala por si mesmo da percepção interna de uma cisão irreversível de que acabara de se aperceber, e a cuja dor, desde aí, a arte do século XX não tem deixado de se referir.”

Ora, é essa “cisão irreversível” que encontra equilíbrio numa duplicação do eu – na sua representação.

Representar-se é pois, uma forma de protesto contra o desaparecimento do ser, dominando a morte a arrancando-a do nada.

E se a ideia de morte é ultrapassada pelo controle que o Homem actual alcançou através dos desenvolvimentos tecnológicos que não dão lugar a factores de imprevisibilidade, a arte revela contudo uma angústia que

actualmente parece residir na vida, no humano, no erro. O aleatório e o caos, são por definição a própria novidade que permite potenciar novas direcções imprevisíveis e que possibilitam a evolução. O confronto com a crise de identidade, ou seja, perda de uma classificação definitiva do eu, revelou ser um campo fértil no desenvolvimento do próprio Homem. O conceito de culturas e identidades individuais é pois o resultado de uma construção constante, e não pré-determinada, feita através do seu contacto mútuo.

Uma forma de celebrar a vida enquanto acontecimento é criar obras que vão acontecendo, que, tal como a própria identidade, são um processo que torna indispensável o envolvimento do outro.

A arte contemporânea tem revelado assim a necessidade de recuperar a vida, o eu, o outro e o simbolismo associado ao equilíbrio existente com a interacção dos opostos complementares. Tudo nos indica que as referências que se perdem, uma vez mais são dominadas, sobrepostas e resolvidas no acto criativo.

Notas

[1] “one hundred percent of exhibitions ignoring 80 percent of the earth”, tradução livre.

Museum of Learning. Magiciens De La Terre [em linha]. [consult. 20 Out. 2009]. Disponível na World Wide Web: <http://www.museumstuff.com/learn/topics/Magiciens_de_la_terre

[2] BLASER, Jean-Christopher, Daniele Buetti: Destruction ou production de beauté? [em linha]. [Consult. 21 Nov. 2008] Disponível na World Wide Web: <URL: http://www.elysee.ch/articles/article34.html#

[3] Stelarc, The Body is Obsolete - Contemporary Arts Media.[em linha]. [Consult. 21 Set. 2009] Disponível na World Wide Web: <URL: http://www.youtube.com/watch?v=OKEfJRe4uys&feature=player_embedded [4] Para mais informações sobre arte performativa em que o corpo reflecte, contesta ou ri da sua condição no contexto contemporâneo, sugere-se o trabalho do Colectivo OSSO, em http://www.coletivosso.blogspot.com

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© 2007 Revista Convergência || As opiniões expressas nos artigos publicados são da responsabilidade dos autores.

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons para proteger os direitos de autor a nível internacional.

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