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O PACTO ENTRE AS PALAVRAS E AS IMAGENS: PALAVRAS GRANDES, UM LIVRO ILUSTRADO

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Academic year: 2021

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O PACTO ENTRE AS PALAVRAS E AS IMAGENS:

PALAVRAS GRANDES, UM LIVRO ILUSTRADO

SANDRA CRISTINA AZEVEDO CARDOSO

Orientadores

Professor Doutor Luís Lima

Professora Especialista Marta Madureira

Trabalho de Projeto apresentado

ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave

para obtenção do Grau de Mestre em Ilustração e Animação

fevereiro, 2018

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O PACTO ENTRE AS PALAVRAS E AS IMAGENS:

PALAVRAS GRANDES, UM LIVRO ILUSTRADO

SANDRA CRISTINA AZEVEDO CARDOSO

Orientadores

Professor Doutor Luís Lima

Professora Especialista Marta Madureira

Trabalho de Projeto apresentado

ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave

para obtenção do Grau de Mestre em Ilustração e Animação

fevereiro, 2018

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Anexo V - Declaração

Nome Sandra Cristina Azevedo Cardoso

Endereço eletrónico: exit@live.com.pt

Telem.: 916825248

Número do Bilhete de Identidade: 13726096

Título do Trabalho: O Pacto entre as Palavras e as Imagens:

Palavras grandes, um Livro ilustrado.

Orientador(es): Professor Doutor Luís Lima

Professora Especialista Marta Madureira

Ano de conclusão: 2018

Designação do Curso de Mestrado: Ilustração e Animação

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTE TRABALHO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, 01 / 03 / 2018

Assinatura: ________________________________________________

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RESUMO

«O Pacto entre as Palavras e as Imagens: Palavras grandes, um Livro ilustrado» procura, tendo como ponto de partida «Palavras Grandes», o livro ilustrado produzido aquando deste projeto, analisar as relações entre palavra e imagem através do conceito de Pacto. Um pacto é um acordo entre duas ou mais partes. Numa breve análise do exercício da osmose entre texto e imagem, é proposta uma reflexão da relação vantajosa entre estes dois elementos, num pacto de (des)acordo e de (des)entendimento.

O material teórico foi definido segundo autores como Aristóteles, Gilles Deleuze e Félix Guattari, Wilhelm Dilthey, Umberto Eco, Hans-Georg Gadamer, Michel Foucault, Friedrich Nietzsche e W. J. T. Mitchell. O documento atravessa, assim, a produção imagética e concetu- al em «Palavras Grandes» e as noções «Palavras de Ordem» (Deleuze e Guattari), «Poder»,

«Discurso», «Vontade de Verdade» (Foucault), «Perspetivismo» e «Vontade de Potência» (Nie- tzsche).

A diversidade de significados e de interpretações, bem como as potencialidades da ambi- guidade na produção de sentido e de conteúdo, fazem da metáfora um instrumento criativo, expressivo e individuado na ilustração, «sem esvaziar a força da literalidade do pacto». Pro- pondo figurar a metáfora visual através da prática na ilustração (produção de um livro ilustra- do) e alicerçada nos campos da Pragmática (Linguística), da escrita criativa e da teoria da inter- pretação, o projeto procura explorar esta figura de estilo como criadora de sentido sobre a realidade.

PALAVRAS-CHAVE

Pacto; Palavra de ordem; Palavra-Imagem; Ilustração; Sentido; Metáfora visual; Livro ilustra-

do; Indefinição; Ambiguidade.

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ABSTRACT

«THE PACT BETWEEN WORDS AND IMAGES: BIG WORDS, AN ILLUSTRATED BOOK» seeks, having as a starting point «Big Words», the author’s illustrat- ed book, to analyse the relationship between word and image through the concept of Pact. A pact is an agreement between two or more parts. In a brief analysis of the osmosis’ exercise between text and image, it is proposed a reflection of the beneficial relationship between these two elements, in a pact of (dis)agreement and (miss)understanding.

The theoretical material was defined according to authors as Aristoteles, Gilles Deleuze and Félix Guattari, Wilhelm Dilthey, Umberto Eco, Hans-Georg Gadamer, Michel Foucault, Friedrich Nietzsche and W. J. T. Mitchell. The present document crosses, therefore, the im- agetic and conceptual production in «Big Words» and the notions «Order-word» (Deleuze and Guattari), «Power», «Discourse», «Will to Truth» (Foucault), «Perspectivism» and «Will to Power» (Nietzsche).

The diversity of meanings and interpretations, as well as the potentialities of ambiguity in the production of signification and of content, turn metaphor a creative, expressive and indi- viduated instrument in the Illustration, without wilting the strength of the pact’s literality.

Proposing to figure the visual metaphor by illustration practice (production of an illustrated book) and grounded on the fields of Pragmatics (Linguistics), of creative writing and of theory of interpretation, the project seeks to explore this figure of speech as a creator of meaning on reality.

KEYWORDS

Pact; Order-word; Word-Image; Illustration; Meaning; Visual Metaphor; Illustrated book; Un-

definition; Ambiguity.

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AGRADECIMENTOS

- Aos meus orientadores Professor Doutor Luís Lima e Especialista Marta Madureira pela disponibilidade, rigor, exemplo e dedicação demonstrada ao longo deste projeto.

- À Filipa.

- À minha família, em particular à minha mãe e à Joana.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 5

ADVERTÊNCIAS AO LEITOR 8

PARTE I 9

A METÁFORA NA ILUSTRAÇÃO 9

1 INTRODUÇÃO À METÁFORA 10

2 METÁFORA VISUAL 12

3 METÁFORA VISUAL: DA ILUSTRAÇÃO 14

4 AMBIGUIDADE E INDEFINIÇÃO 19

1 ORDEM, DISCURSO E PODER 21

2 PALAVRAS DE ORDEM: PALAVRA-IMAGEM. 23

3 A DINÂMICA IMAGEM-PALAVRA E IMAGEM-ILUSTRAÇÃO. 26 4 PACTO: O (DES)ENTENDIMENTO ENTRE AS PALAVRAS E AS IMAGENS 30

5 O PACTO ENTRE AS PALAVRAS E AS IMAGENS - CONCLUSÃO 34

PARTE III 35

PALAVRAS GRANDES 35

1 PALAVRAS GRANDES - DESCRIÇÃO DO PROJETO 36

2 PALAVRAS GRANDES: PALAVRA-IMAGEM 37

2.1 SINCRONIA | AMOR 38

2.2 PERSISTÊNCIA | ENGENHO 40

2.3 SONHO | RISCO 42

2.4 SILÊNCIO | SENSIBILIDADE 44

2.5 OBSESSÃO | VERGONHA 46

2.6 EXÓTICO | DESCOBERTA 48

2.7 SOLIDÃO | PRESENÇA 50

2.8 MEMÓRIA | LEALDADE 52

2.9 AMIZADE | CONQUISTA 54

2.10 INTERPRETAÇÃO | VERDADE 55

(8)

2.11 PACTO | PODER 60

METODOLOGIA - PALAVRAS GRANDES 62

PALAVRAS GRANDES - PRIMEIRO MOMENTO PROCESSUAL 63 PALAVRAS GRANDES - SEGUNDO MOMENTO PROCESSUAL 67

CONCLUSÃO 73

DESENVOLVIMENTOS FUTUROS 74

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 75

ANEXOS 77

ELEMENTOS COMPOSITIVOS 78

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INTRODUÇÃO

«O Pacto entre as Palavras e as Imagens: Palavras grandes, um Livro ilustrado» é um Pro- jeto de Mestrado que teve como ponto de partida as questões:

- «O que é a metáfora visual e como se pode ilustrar, expressar e interpretar?»

- «Podemos ilustrar uma metáfora ou será ela própria ilustração?»

Em consequência da sua natureza teórico-prática, procurou-se explorar as questões de in- vestigação através da compreensão do papel da metáfora analisando referências e publicações sobre o tema, assim como esclarecer a metáfora e o seu papel enquadrando-a no campo das Artes Plásticas e da Ilustração. Desenvolveu-se, igualmente, um projeto de cunho prático que consistiu na osmose da imagem, do texto e da metáfora, através de um livro ilustrado cujas imagens expressassem visualmente certos conceitos, compondo assim narrativas com forte caráter metafórico, sem história linear ou personagens subjetivadas e constantes. Através do conceito-chave inerente ao projeto de livro ilustrado, o estudo sublinhou a ponte entre a pro- dução imagética e concetual da autora e determinados conceitos de Gilles Deleuze e de Félix Guattari («Palavras de Ordem» e «Literalidade»), de Michel Foucault («Poder», «Discurso»,

«Vontade de Verdade») e/ou de Friedrich Nietzsche («Perspetivismo», «Vontade de Potên- cia»).

O presente documento divide-se em três partes centrais.

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Na primeira parte, «A METÁFORA NA ILUSTRAÇÃO», procede-se a uma introdução à metáfora enquanto figura de estilo e a um breve estudo da função da metáfora através de au- tores do universo teórico considerados pertinentes para a definição do Estado da Arte como:

Roman Jakobson, Paul Ricoeur, George Lakoff, Gilles Deleuze. Procura-se, também, compre- ender a noção de metáfora visual através de referências do campo da teoria, assim como na prática visual, tendo como aprofundamento o caso da metáfora visual na ilustração. Referên- cias do campo das artes plásticas (Liu Ruowang, Lee Lee-Nam, René Magritte, Francisco de Goya) e do campo da ilustração (Adrian Tomine, Chris Ware, André da Loba, André Letria, Mariana Rio, Bruno Munari, Chiara Armellini, John Holcroft, entre outros) são exploradas.

Finalmente, e na sequência das questões levantadas quanto ao sentido e quanto à função da metáfora, a investigação pensa a indefinição como produtora de sentido.

Na segunda parte, «O PACTO ENTRE AS PALAVRAS E AS IMAGENS», aborda-se a

posição de W.J.T. Mitchell na definição dos diferentes tipos de imagens (gráficas, mentais,

verbais, etc.), bem como a sua abordagem à existência de imagens diferenciadas, designada-

mente a imagem verbal cuja imagem mental não parece ser imediata por não possuir represen-

tação privilegiada. Analisando a dinâmica imagem-palavra e imagem-ilustração, estudam-se

(11)

diferentes ilustrações e álbuns ilustrados tendo como foco livros onde figuram opostos e li- vros que associam palavra-ilustração com sentido de complexidade variável. O conceito de

«pacto» torna-se possibilidade para uma nova relação entre palavras e imagens. À semelhança do iconotexto, define-se, também, o que se entende por pacto e o modo como o (des)entendimento entre as Palavras e as Imagens pode ser considerado como potenciador de criação de sentido. Em «O PACTO ENTRE AS PALAVRAS E AS IMAGENS» também se pensa a noção de Palavras de Ordem, a partir de Gilles Deleuze e Félix Guattari, em «Mil Pla- naltos», como sendo «palavras maiores» e «ordenantes». Nesta segunda parte, efetua-se, sem- pre que possível, uma ponte com o universo imagético que tinge a produção artística.

SINCRONIA – AMOR PERSISTÊNCIA – ENGENHO

SONHO – RISCO SILÊNCIO – SENSÍVEL OBSESSÃO – VERGONHA EXÓTICO – DESCOBERTA SOLIDÃO – PRESENÇA MEMÓRIA – LEALDADE AMIZADE – CONQUISTA INTERPRETAÇÃO – VERDADE

PACTO – PODER

Fig. 1. Sandra Cardoso. «Palavras Grandes» (2017).

Na terceira parte, «PALAVRAS GRANDES», constrói-se uma ponte entre as Palavras

de Ordem de Gilles Deleuze e de Félix Guattari e o livro ilustrado «Palavras Grandes», uma

vez que estas duas noções apresentam semelhanças. Explana-se, aqui, a escolha e a existência

dos diferentes pactos que compõem o livro ilustrado. O processo evolutivo e metodológico

encontra-se documentado na referida parte do presente documento.

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ADVERTÊNCIAS AO LEITOR

A grande generalidade das imagens que compõem este documento está disponível na in- ternet, em obras impressas consultadas e em instituições museológicas. Adverte-se, igualmen- te, o leitor para o facto de na versão impressa e na versão digital do Projeto de Mestrado todas as imagens serem a preto e branco à exceção das imagens produzidas no projeto.

Dada a natureza teórico-prática do Projeto, o documento impresso vem acompanhado de

um livro físico («Palavras Grandes»). Por seu lado, a versão digital contempla o livro «Palavras

Grandes» no final dos anexos.

(13)

PARTE I

A METÁFORA NA ILUSTRAÇÃO

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1 INTRODUÇÃO À METÁFORA Através de Paul Ricoeur [24], e numa breve definição, podemos pensar a metáfora enquanto uma figura de estilo por analogia que aproxima dois termos aparentemente afastados, realçando a sua semelhança. Esta não os compara, como acontece numa comparação, mas iguala-os diretamente. É da descoberta e descodificação dessa similitude menos imediata que surge um novo significado ou sentido.

Por ser, na sua essência, um veículo para novos significa- dos, a metáfora tornou-se um instrumento que ultrapassa o uso estilístico e formal para: participar na criação semântica e cognitiva linguística; permanecer implícita numa narrativa como redundância (palavra de ordem social (Michel Foucault em «A Ordem do discurso»)) ou como significado profundo (relação imanente interna ao discurso das palavras de ordem (Gilles Deleuze e Félix Guattari em «Mil Planaltos»). A metá- fora é um método conceptual que nos leva a questionar a flexibilidade de forma e de estilo. A metáfora coopera, igual- mente, na produção criativa da obra literária ou, onde se cen- tra esta investigação, da obra visual. Portanto, a metáfora que participa na produção criativa da obra visual, será designada de metáfora visual. Criamos, aqui, uma distinção entre a metá- fora literária e a metáfora visual, já que objeto de estudo e seus instrumentos são formalmente diferentes.

Fazendo uma análise da história da retórica até à sua reformulação, Paul Ricoeur, em «A Metáfora Viva» e «Teoria da Interpretação», decompõe a metáfora como criadora de sentido num processo semelhante à resolução de um enigma a que chama de dissonância semântica, formado pela distância entre os termos da frase e pela discordância entre as interpretações literais e as interpretações figurativas. Como indica, metáfora é uma criação instantânea, uma inovação semântica que não tem estatuto na linguagem já estabelecida. Ricoeur acrescenta que as metáforas, tal como os símbolos, se modificam e participam na linguagem [24]. Atravessan- do a sua obra está a ideia que as metáforas mais inovadoras, sendo potenciais nessa participa- ção, são denominadas de metáforas vivas, pela sua capacidade de inovação semântica e de expandir a compreensão da realidade.

Fig. 2. René Magritte.

«L’Empire des Lumières»

(1954). Óleo sobre tela.

195,4x131,2cm.

Fig. 3. René Magritte.

«Les Idees Claires» (1958). Óleo

sobre tela. 50x60cm.

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A partir de outro ponto de vista, Roman Jakobson em «Funções da Linguagem» [14], di- vide o universo da linguagem figurada entre dois métodos, a metáfora e a metonímia. Ambas funcionam por tropo, isto é, através do uso de um termo em sentido figurativo para o qual este (o termo) não foi determinado. A diferenciação entre a metáfora e a metonímia ocorre pela conexão que justifica o tropo: na metáfora, essa relação é de semelhança, enquanto na metonímia é de justaposição. Jakobson, ao comprovar que estes géneros de linguagem figura- tiva se baseiam em relações de afinidade e de contiguidade, relações que existem fora do cam- po verbal, torna estes termos aplicáveis à expressão visual.

Para Gilles Deleuze, metáfora e literalidade diferenciam-se. A metáfora implica uma se- melhança no domínio semântico; e, na filosofia estética, a literalidade implica uma atenção aos conceitos, para que estes não sejam ofuscados pela linguagem metafórica. Tal é o caso dos devires.

O devir-lobo, por exemplo, não comporta uma transformação na qual homem se torna,

efetivamente, lobo. Este é um espaço intermédio que visa uma experimentação distinta do

sujeito com o mundo. O devir propõe um conjunto de relações entre dois termos que não

estão, «a priori», ligados. Com o devir esses conceitos/termos conectam-se deveras, estabele-

cendo uma relação numa nova zona de sentido. O devir-lobo não se estrutura em linguagem

metafórica, é, sim, uma relação literal, um devir molecular. Não nos referimos a uma trans-

formação de homem em lobo, mas a um estado temporário.

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2 METÁFORA VISUAL

As obras de René Magritte, «La clef des songes», «L’Empire des Lumières» (Fig.1) ou «Les Idees Claires» (Fig.2) são representativas do papel da metáfora e da metonímia no Surrealismo.

O seu método permite-lhe criar metáforas visuais que questionam a organização da obra e a sua ilusão de realidade. Mas estará a estrutura figurativa onírica surrealista mais próxima da analogia verbal e/ou pictórica do que do delírio ou do «streaming of consciousness»?

A análise sobre a oscilação do significado das imagens influenciou a teoria da imagem, como podemos apontar em «Modos de Ver» [2] de John Berger. De igual modo, é notável a sua influência em movimentos artísticos que contestam a obra de arte e propõem a sua refor- ma, como é o caso do Dadaísmo ou da Pop Art. Focaremos nesta investigação a análise e a experiência da representação da metáfora enquanto expressão visual. Por isso mesmo, a sua participação na reforma das artes ou a sua investigação pela estrutura da linguística não serão objetos de estudo. Por outro lado, convém realçar uma argumentação alicerçada nas diferentes teorias da metáfora, a partir de autores como os já mencionados Paul Ricoeur e Roman Jakob- son, mas, também, a partir de Ernst Gombrich, de George Lakoff, de Friedrich Nietzsche, de Gilles Deleuze e de Félix Guattari, investigando o ensaio destas teorias sobre a prática visual.

Fig. 4. Lee Lee-Nam. «Reborn Light» (2014). CRT frame, tv LCD, água.

A representação de imagens com o recurso da metáfora é amplamente explorada nas artes

visuais. A sua presença pode ser notada, como analisou Gombrich, desde que a necessidade de

comunicar visualmente se aliou à mitologia e à economia imagética [12]. É possível discernir,

entre as metáforas fabulosas nos túmulos egípcios e a vanguarda artística, uma plasticidade

caracterizada ela simplicidade, pela simbologia, pela abstração, pelo surrealismo, pela concep-

tualização, pelo afastamento emocional, pelos símbolos pessoais e pela poesia visual. No cam-

po das artes plásticas, «Reborn Light» (Fig.3) de Lee Lee Nam emprega a simbologia e a metá-

fora para provocar, nas palavras do artista, uma «iluminação» sobre a realidade [15]. Num

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exame à sociedade capitalista, o artista recorre à tecnologia digital e aos elementos industriais para criar um afastamento e um questionamento sobre a vida e a humanidade. O batismo de uma televisão torna-se uma metáfora ao renascimento na era digital.

Fig. 5. Liu Ruowang, «The Wolves are Coming» (2008-2010), 111 lobos em bronze fundido. República de San Marino, Veneza.

A contrastar com a obra acima referida, o artista Liu Ruowang emprega a metáfora visual

em «The Wolves Are Coming» (Fig.4). Mais de uma centena de lobos de bronze, a superar a

escala natural, correm de todas as entradas e preenchem o claustro, formando um círculo físi-

co e de tensão em volta de uma peça branca. Recorrendo à «Pietà» de Miguel Ângelo, elemen-

to cultural e histórico, a presença e a violência da alcateia em bronze é realçada. A peça sob

ataque pode ser alternada e é escolhida em função do espaço da instalação, adaptando-se e

potenciando o(s) sentido(s) da obra.

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3 METÁFORA VISUAL: DA ILUSTRAÇÃO A metáfora encontra um habitat particular na ilustração. Quan- do associada a uma imagem fugaz, como na publicidade, ou nas edições periódicas, a ilustração descobre na metáfora um aliado que a equipa com uma comunicação imediata, universal e eficaz. Tal detetamos nas ilustrações de capa da revista estadunidense «The New Yorker» (Fig.5 e 6) com a participação de ilustradores como John Holcroft, Adrian Tomine ou Chris Ware. Do mesmo modo, a capa do calendário de atividades da Fundação Calouste Gulbenkian é outro dos exemplos possíveis. «Descobrir» (Fig.7), de André da Loba faz alusão à astronomia. A ilustração possui um carácter de compreensão imediata, identitário de imagens periódicas ou publici- tárias. A ocupar toda a ilustração, um personagem bicolor espreita para o interior do seu chapéu. Do gesto e linguagem corporal deno- tamos surpresa ao encontrar – um pequeno céu estrelado. Num dia luminoso ver estrelas e constelações seria impossível, pois esconder- se-iam na luz do dia. No entanto, ao levantar o chapéu da cabeça e ao olhar na direção do céu, André da Loba propõe um espaço onde a luz pouco entra, criando uma abóbada escura para ver, pensar ou imaginar esse céu estrelado.

Fig. 6. André da Loba. «Descobrir». Capas dos calendários de atividades, Centro Calouste Gulbenkian (2014), Lisboa.

Fig. 7. André Letria. «Se eu fosse um livro, gostava de ser uma janela aberta para a imensidão do mar».

Dupla-página de «Se eu fosse um livro» (2011). Digi- tal. 12,5x20cm. Pato Lógico.

Fig. 8. Adrian Tomine.

Capa de «The New Yorker» (2009).

Fig. 9. Chris Ware. Capa de «The New Yorker»

(2005).

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Quando aplicada com todo o seu vigor, como vimos na teoria da metáfora de Paul Ricoeur, uma ilustração metafórica pode iluminar a realidade com novos sentidos, associados à criatividade e à inovação.

Com a página apresentada do álbum ilustrado «Se eu fosse um livro» (Fig.8) de André Letria, podemos denotar uma comparação entre um livro e o mar.

Ao nos debruçarmos na imagem, confrontamo-nos com um barco – talvez de pesca – que parece subir a folha branca de um livro. O barco dá mostras de avançar ou de navegar, não só pelo movimento de ascensão ao longo da folha, mas, também, pelo fumo que exala, sintoma do funcionamento do seu motor. Poderíamos numa primeira instância questionar:

«Mas como pode um barco estar a navegar sem mar? Afinal de contas, nem rodas tem». Neste processo de reconheci- mento e de compreensão reparamos, igualmente, dada a apa- rente inexistência de mar, que o casco do barco parece perfu- rar ou mesmo «afundar-se» na página em branco. Através desta aparente impossibilidade, deduzimos que o livro tem características que não lhe são imediatamente próprias. Este livro torna-se adaptável, moldável, de características instáveis, de onde da ação do folhear possa brotar uma onda ou, pelo menos, um movimento alusivo à ondulação. A interpretação desta semelhança não é literal - já que o livro não é o mar - mas sim metafórica.

Este livro ilustrado é, assim, imaginado como um mar, navegável e explorável com cores, movimentos, lugares e narrativas. Simultaneamente, a ilustração não se restringe a ser uma tradução do texto, uma vez que, da relação estabele- cida entre o texto e a ilustração, se potenciam outros signifi- cados. Não nos oferecendo uma única interpretação, o con- teúdo escrito «Se eu fosse um livro, gostava de ser uma janela aberta para a imensidão do mar», é polissémico. Tal como na cultura ocidental nos deparamos com a metáfora «os olhos

Fig. 10. René Magritte.

«Le Faux Miroir» (1928).

Óleo s/tela. 54x80,9cm.

MOMA, Nova Iorque.

Fig. 11. John Holcroft.

«Anger».

Fig. 12. e 13. Represen-

tações do peixe «Tetro-

don Fahaka».

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são uma janela para a alma, também os poderíamos conceber como uma janela para o mundo»

(Fig.9). Abre-se a hipótese de o livro também ser uma janela para as imensas possibilidades do mundo, aqui figuradas como o mar. Deste modo, delineia-se um retrato, não de caracterização do autor-humano, mas da estruturação identitária do livro, através da personificação.

Se os olhos podem ser encarados como uma janela para o mundo, não é de estranhar que o corpo no seu todo seja um espaço que habitamos. Esta representação do corpo enquanto espaço habitacional está presente numa das páginas (Fig.13) do livro «Quebra-Cabeças» ilus- trado por Mariana Rio. Este espaço adquire uma forma ou uma organização única, que não pode ser compartilhada, correspondente à personalidade de cada um. Esta casa, que nunca deixamos de habitar, enche-se de entusiasmo, dor e alegria, sentimentos capazes de nos inun- dar completamente.

Fig. 14. Mariana Rio. «Se o meu corpo é o espaço que habito, não será ele uma casa em constante desarrumação?» Dupla- página de «Quebra-Cabeças» (2012). Carimbo e guache sobre papel. 12x24cm. Edições Eterogémeas.

Por esta ordem de ideias, também nos parece natural pensar no corpo, não apenas como uma casa, mas como um contentor ou um recipiente. Se enchemos o corpo de emoções, posi- tivas ou negativas, elas são sentidas como efervescentes ou reativas. Ao mesmo tempo, pode- mos sentir diferentes emoções com diferentes morfologias (Fig.10).

A pessoa em fúria, como o peixe, incha em momentos de emoção intensa, e reverte ao seu estado normal quando a emoção diminui. Esta conceptualização de fúria está relacionada com a metáfora estruturalmente profunda FÚRIA É CALOR e O CORPO É UM CONTENTOR. Como resultado do processo de calefação, os ingredientes no contentor (i.e., o corpo humano), insufla. A descrição de uma pessoa em fúria como ‘inchada’ de fúria é uma metáfora comum no hebreu moderno e em alemão. [11]

1

1 Tradução livre da autora a partir de: Goldwasser, 2005:107.

«The angry person, like the fish, puffs up at times of intense emotion, and reverts back to his normal state when his

emotion lessens. This conceptualization of anger relates to the deep structure metaphors ‘ANGER IS HEAT’ and ‘THE

BODY IS A CONTAINER.’ As a result of the heating process, the ingredients in the container (i.e., the human body), in-

flate. The description of the angry person as ‘swollen’ by anger is a common metaphor in modern Hebrew as well as in Ger-

man — es schwillt der Aerger in ihm an.»

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Por isso, não é de estranhar que, em certas culturas, o peixe-balão possa ser uma metáfora para o sentimento de fúria. Tal como o peixe-balão (Fig.11 e 12), enchemo-nos, inchamos e, depois de «rebentarmos», voltamos ao nosso estado natural ou normal.

Bruno Munari com «Mai Contenti» (Nunca Contente) (Fig.14) remete para o corpo como contentor. No título, Munari parece fazer um trocadilho entre as palavras «contenti» (conten- te/satisfeito) e «contenuto» (conteúdo). Em cada página é representado um animal que, no interior do seu corpo, possui uma abertura. Pelo texto percebemos que o animal está insatis- feito. Procurando descobrir a resposta à sua insatisfação, somos convidados a abrir a aba que nos transporta para um espaço interior, evocador do desejo em ser outro. O livro decorre, onde cada animal deseja ser outro, esse outro que desejará ser outro ainda, alternando de con- tentores e de desejos, criando uma narrativa de constante descontentamento.

Fig. 16. Bruno Munari. «L’elefante è stanco di essere un grosso animale pesante e sogna. Che cosa sogna?» Dupla-página de «Mai Contenti» (1945). 32 x 42 cm. Corraini Editore.

Havendo diferentes possibilidades de representação, de corpo e do seu conteúdo, físico ou mental, apontamos como exemplo a ilustração «Mangiatutto» (Fig. 15 e 16) de Chiara Ar- mellini. Nesta ilustração, com desenho linear e vigorosos volumes negros, vemos uma criatura bípede, de bico triangular e de olhos esgazeados, como um Kiwi ou como uma galinha. Do seu corpo escuro, uma falha percorre o pescoço longo como um esófago. Esta falha branca culmina numa bolsa que, pela localização e pelo fato de o bico se encontrar aberto, supomos ser o estômago, ou qualquer outro órgão onde se deposita o que a criatura ingere. Aqui pode- mos notar como a mancha branca, que aproveita o branco do papel, remete para outro tipo de

Fig. 15. Chiara Armellini. «Mangiatutto» (2011). Impressão sobre papel.

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contentor. Nesta bolsa, ou neste estômago, vemos uma «representação de realidade»: uma paisagem enriquecida com árvores, casas, carros e, imaginando-a habitada, com pessoas.

Fig. 17. Pormenor de «Mangiatutto». Fig. 18. Francisco de Goya. «El Coloso» (1808-1812). Óleo sobre tela. 116x105cm. Museu do Prado, Madrid.

Fig. 19. Martin Baldwin-Edwards. «Co- lossus of Rhodes» (1751). Gravura.

Acreditando que a paisagem é mais coincidente com o real do que a criatura o é – pois não existe uma ave capaz de engolir literalmente uma cidade inteira –, não restam dúvidas no nosso julgamento: a criatura deve ser um colosso. Este «come-tudo» alimenta-se da represen- tação da realidade. Esta realidade ora é paisagem, vida numa civilização, ou mesmo Tempo.

Note-se que o Tempo, que ainda não foi comido (Fig.16), é representado pelas fases de cres-

cimento de um rebento.

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4 AMBIGUIDADE E INDEFINIÇÃO

Fig. 20. Félix Gonzalez-Torres. «Untitled (Perfect Lovers)» (1991). Relógios, tinta na parede. The Museum of Modern Art, Nova Iorque

Fig. 21. André da Loba. «(In)timidade». Dupla-página de

«Bocage» (2010). Digital. 31x37,5cm. Faktoria K de Li- vros.

A obra «Untitled (Perfect Lovers)» de Félix Gonzalez-Torres é composta por dois reló- gios, aparentemente semelhantes, funcionais e minimalistas, sobre uma parede pálida. Idênti- cos e posicionados lado a lado, encontram-se sincronizados, com o batimento dos segundos em passo coincidente. Essa sincronia propõe-nos um retrato de relação interna, de união «to- cante» de dois indivíduos idênticos.

Gonzalez-Torres aborda a problemática e a relação homossexual sem recorrer a elemen- tos visualmente evidentes ou imediatos. Assim, a questão de género torna-se implícita pelo seu carácter subentendido. Independentemente do maior ou menor grau de indefinição, o artista constrói uma «exposição não ameaçadora para o indivíduo» [3] e a força da obra reside nessa presença não pornográfica, que seria fácil e chocante, e poderia suscitar um forte ataque por parte de um grupo social conservador. Retratando a sua relação através de uma representação indefinida, mas, significante, o artista emprega uma característica da ambiguidade na metáfora:

a indefinição. Considera-se, aqui, pertinente referir a abordagem da indefinição como produ- ção de sentido ancorada no conceito de «entredois», no crepúsculo, no intempestivo de Nie- tzsche, no devir-lobo de Deleuze, em um grau de temperatura num dia de trovoada. É uma abertura para uma zona de sentido temporariamente autónoma, em pura individuação de sen- tido interno (movimento interno das componentes referenciais) e externo (referência interpre- tativas externas).

Para integrar um livro ilustrado de antologia poética de Bocage, André da Loba, com

«(In)timidade» (Fig.20), recorre à metáfora visual para ilustrar um poema. Ao revelar duas pá-

ginas em envelope, dois pássaros trocam olhares. A ilustração é composta por duas cores,

vermelho e azul, que delimitam o corpo das aves. Estando cruzadas, as duas manchas sobre-

(24)

põem-se, como numa impressão serigráfica, criando uma terceira cor. Anunciada pelo título

«(In)timidade», a relação de «intimidade» dos pássaros, para além do olhar «tímido», fica subentendida na sobreposição de cor, como se o toque, invisível e privado, acusasse a intimi- dade ao tingir os dois corpos. A ambiguidade de sentido na metáfora visual desta ilustração procura definir o conceito «intimidade», através da indefinição.

Escuta este verso do poeta Rafael Alberti: "E a mim preocupam-me muito o silêncio, a astronomia e a velocidade de um cavalo parado."

Qual a velocidade de um cavalo parado? É a velocidade dos teus olhos, da atenção que dás às coisas imóveis. A poesia é isso (ou mais ou menos isso). [18]

Fig. 22. Madalena Matoso, «Poesia». Páginas de «O Dicionário do Menino Andersen» (2015). 225x350cm. Planeta Tangerina.

A (in)definição da metáfora visual é uma das variáveis que cunham uma ilustração com o seu carácter poético (Fig.21). Age, do mesmo modo que na poesia literária, sob um pano am- bíguo e indefinido, numa tentativa de definir, indefinindo, nesse «(ou mais ou menos isso)».

[26] Onde culmina, como José Saraiva apontou sobre o percurso de André Letria, com ilustra- ções fortemente simbólicas e metafóricas, visualmente próximas do que é comummente de- signado de «poesia visual». [25] Assim sendo, e como acabamos de analisar, se tanto a tentativa de definição, como a própria indefinição, são, ambas, utilizadas na metáfora visual, parece adequado pensar nelas como dois fatores do mesmo sintoma, do qual possa brotar um novo significado ou a inovação semântica [porque indefinida].

Não existe algoritmo para a metáfora, nem pode uma metáfora ser produzida pelos meios das instruções precisas de um computador, não importa qual o volume de informação organi- zada que se ponha. O sucesso de uma metáfora é uma função de um formato sociocultural da enciclopédia do sujeito interpretante. Nesta perspetiva, as metáforas são produzidas unica- mente com a base num rico enquadramento cultural, na base, isto é, de um universo de conte- údo previamente organizado em redes de interpretantes, a qual decide (semioticamente) as identidades e diferenças de propriedades. [8]2

2 Tradução livre da autora a partir de: ECO, 1986:127.

«No algorithm exists for the metaphor, nor can a metaphor be produced by means of a computer's precise instructions,

no matter what the volume of organized information to be fed in. The success of a metaphor is a function of the sociocultural

format of the interpreting subjects' encyclopedia. In this perspective, metaphors are produced solely on the basis of a rich

(25)

1 ORDEM, DISCURSO E PODER

A Ciência procurou controlar e saber a natureza e o mundo através de uma linguagem que, decifrando, matematizando, enumerando, nomeando, poderia controlar esse mesmo mundo. No entanto, já Friedrich Nietzsche questionava a noção de a linguagem lógico-verbal poder controlar e captar na totalidade o mundo, assim como promover o acesso à verdade. O conhecimento lógico-racional seria o que Nietzsche denominaria de «a pequena razão» [20].

No seu Pluralismo, marcado por uma conceção perspectivística da vida, não existiria um mundo, mas múltiplos mundos, uma vez que cada sujeito (inclusive através da sua experiência) percecionaria o mundo de modo singular [19]. Por isso mesmo, a própria linguagem lógico- verbal foi questionada como capaz de nos conceder captação e acesso ao real [20]. Na vontade de dominar e de controlar o real, a tentativa do controlo da verdade.

«Que é então a verdade? Um exército móvel de metáforas, de metonímias, de antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram poética e retoricamente intensificadas, transpostas e adornadas e que depois de um longo uso parecem a um povo fixas, canónicas e vinculativas: as verdades são ilusões que foram esquecidas enquanto tais, metáforas que foram gastas e que ficaram esvaziadas do seu sentido, moedas que perderam o seu cunho e que são consideradas, não já como moedas, mas como metal.»3

Para Nietzsche conhecimento e domínio não seriam sinónimos. Conhecer implica a construção de realidades e não o domínio nem o controlo de uma realidade una, estável imóvel e pronta a ser controlada. A necessidade de conhecer relacionar-se-ia com um aumento da vontade de potência. A vontade de potência seria, assim, uma vontade de criar que permitiria ao homem experimentar e libertar-se das exigências/pressões/forças impostas pela sociedade.

Por sua vez, Michel Foucault considera que o real é percecionado em conformidade com uma tradição histórica. Para o presente estudo, o pensamento de Foucault quanto ao questionamento dos mecanismos do poder, assim como o seu funcionamento, as suas transformações, consequências, quem o exerce e como e onde é exercido, é pertinente. Em «A Ordem do Discurso» pensa de que modo nas nossas sociedades a produção de discursos se relaciona com o poder. Para analisar os discursos servimo-nos do próprio discurso e, por isso,

cultural framework, on the basis, that is, of a universe of content that is already organized into networks of interpretants, which decide (semiotically) the identities and differences of properties.»

3 NIETZSCHE, 1997: 221

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nunca nos encontramos no exterior do discurso: «Existe em muita gente, penso eu, um desejo semelhante de não ter de começar, um desejo de se encontrar, logo de entrada, do outro lado do discurso, sem ter de considerar do exterior o que ele poderia ter de singular, de terrível, talvez de maléfico».4

«A Ordem do Discurso» é, assim, relevante em consequência da compreensão do discurso e da sua enunciação, como da relação entre poder/controlo e discurso. Foucault pensa de que modo a produção de discurso nas nossas sociedades está controlada e condicionada por um conjunto de procedimentos que visam o controlo da produção e distribuição, tal como do sujeito que produz o discurso. Reportamo-nos a um «certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade».5

A questão da «vontade de verdade»6 é pensada. Para Foucault esta promove uma

«pressão e um certo poder de constrangimento» relativamente à produção de discursos. O discurso verdadeiro, ordenava respeito, cultivava terror e exigia submissão. Compreende-se, de imediato, a relação entre discurso e poder anteriormente mencionada.

«Como se a vontade de verdade e as suas peripécias fossem mascaradas pela própria verdade na sua explicação necessária. E a razão disso talvez seja esta: se, com efeito, o discurso verdadeiro já não é, desde os Gregos, aquele que responde ao desejo ou aquele que exerce o poder, o que é que, no entanto, está em jogo na vontade de verdade, na vontade de o dizer, de dizer o discurso verdadeiro — o que é que está em jogo senão o desejo e o poder? O discurso verdadeiro, separado do desejo e liberto do poder pela necessidade da sua forma, não pode reconhecer a vontade de verdade que o atravessa; e a vontade de verdade que desde há muito se nos impôs é tal, que a própria verdade — que a vontade de verdade quer — mascara a vontade de verdade».7

O discurso pode ser um instrumento de perpetuação de leis, normas, valores ou ideias.

Porém, «não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar».8

4 FOUCAULT, 1999: 6 5 idem, 9

6 FOUCAULT, 1999: 19 7 idem, 19-20

8 idem, 10

(27)

2 PALAVRAS DE ORDEM: PALAVRA-IMAGEM.

Segundo Gilles Deleuze e Félix Guattari [4], as palavras são ordens.9 A linguagem foi criada não para informar, transmitir ou convencer, mas para ordenar, impor: «A linguagem não é a vida, dá ordens à vida».10 Quando algo é comunicado, é lançada uma ordem de como agir/presenciar. A Palavra não procura nem espera ser ouvida ou obter resposta, ela impõe, como soberana, como pedra, pau ou ferramenta. Essa natureza é a qualidade abstrata da cor em «vermelho», tanto quanto de invocar a cor vermelha. E à palavra não faz diferença qual o objeto vermelho, nem lhe importa se há ou não um objeto, e essa indiferença dá-lhe a soberania sobre o corpo que a lê ou ouve. O objetivo é a obediência.

Ao ler um romance, vemos a cena desenrolar, projetamo-la mentalmente e preenchemos as lacunas com pormenores. Obedecemos ao texto. A palavra impõe uma perceção, um enquadramento.

A origem da linguagem advém da necessidade do discurso indireto [4], de retransmitir o que ouvimos, infinitamente. A linguagem transcende a comunicação.

«A linguagem não é informativa nem comunicativa, não é comunicação de informação, mas o que é muito diferente, transmissão de palavras de ordem, seja de um enunciado para outro, seja no interior de cada enunciado, enquanto um enunciado realiza um acto e que o acto se realiza no enunciado».11

O objetivo do falante é ser obedecido. A linguagem «é feita para obedecer e fazer obedecer»,12 assim como dizer «o que tem de ser observado e mantido».13 A linguagem vai de um dizer a outro. Ela não sugere o que deve ser observado, mas comanda o que tem de ser mantido/esquecido. Por obediência à palavra, experienciamos o que nos é ordenado. A primeira pessoa ordena uma experiência/perceção a uma segunda pessoa. Tendo-a obedecido/experienciado, a segunda vive-a na primeira, podendo, assim, passá-la a uma terceira [4]. Esta corrente de ordens pode ser vista como a fonte da capacidade de retransmissão – e, portanto, a perpetuação – da palavra.

9 DELEUZE e GUATTARI, 2007: 107 10 idem, 109

11 idem, 109

12 idem, 108

13 idem

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«Chamamos 'palavras de ordem’, não uma categoria particular de enunciados explícitos (por exemplo no imperativo), mas a relação de qualquer palavra ou qualquer enunciado com pressupostos implícitos, isto é, com actos de palavras que se efectivam no enunciado, e não podem efectivar-se senão nele».14

No caso de elementos que comportem texto e imagem, as palavras impõem como ver a imagem, porque são palavras de ordem. A imagem decompõe a palavra, porque é subjetiva.

Ambas compõem num agenciamento.

Para W. J. T. Mitchell [17], o termo «imagem» é um conceito lato, uma vez que o autor refere estátuas, poemas, espetáculos, memórias, padrões, projeções, ideias como imagens.

Nesse sentido, e porque estas diferentes imagens podem, segundo Mitchell, «não ter coisas em comum», esquematiza o que define como «a família das imagens». Sendo que as imagens têm diferentes famílias, para este caso em particular, interessam-nos as Imagens Gráficas e as Imagens Verbais.

W.J.T. Mitchell também diferencia «Picture» de «Image» [17]. Apesar de na Língua Portuguesa esta diferença não se fazer sentir, pois o único termo existente é «imagem», na Língua Inglesa há, deveras, uma diferenciação. «Picture» é de natureza material, algo concreto, físico, algo que, como Mitchell diz, pode ser pendurado na parede. Contudo, «Image» é de natureza imaterial.

Na sua diferenciação de Imagens, as de natureza Gráfica reportariam, assim, ao domínio do material, comportando, por isso, «Pictures». No entanto, as de natureza Verbal, seriam imagens que nos apareceriam através de recursos expressivos. Relativamente às imagens verbais, Mitchell faz referência ao envolvimento ou ao não envolvimento dos sentidos. As palavras suscitam imagens, todavia, podem existir palavras sem uma representação privilegiada.

Estas imagens verbais que não envolveriam os sentidos seriam ideias abstratas, como Justiça, Graça ou Mal [17].

Sendo que a tradição ocidental se centrou nas relações, dicotomias e

14 idem, 112

Fig. 23. W. J. T. Mitchell (1984). «What Is an Image?»

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soberania entre palavras e imagens, mais do que revisitar essa tradição, importa-nos compreender e estabelecer relações e diálogos. Mitchell faz referência ao conceito de

«imagem-texto» («imagetext») como elementos a operar de modo colaborativo e relacional na produção de sentido. Seria, assim, um acordo entre as duas partes – palavra e imagem –, um pacto.

Fig. 24. Phil Matarese e Mike Luciano. «Still» da série «Animals» (2016).

No vastíssimo leque de palavras, há palavras mais ordenantes do que outras e a ação e impacto que produzem varia. Algumas palavras referem género, quantidade, número. Outras são «independentes», indiferentes a tais qualificações, «infinitas» – de certa forma -, não presas ao número e ao género. Existem sem corpo. São as palavras sem representação privilegiada, as ideias abstratas que Mitchell referencia [17]. São palavras que ordenam quem as ouve e ordenam as palavras em volta. Os adjetivos, por exemplo, necessitam de um «corpo», de algo que possam adjetivar. São palavras «obedientes» e «dependentes». Na multiplicidade de substantivos, pensemos nos « concretos » , nos que detêm um certo corpo «concreto». Falamos de substantivos como «homem», «cadeira» ou «noite» e nos «abstratos», sem um corpo (talvez imediato). Tal é o caso de «Coragem», «Justiça» [17], «Graça» [17], «Mentira», «Consciência»,

«Poder». São palavras que ordenam e as outras cedem e obedecem, como se de um centro

gravitacional que as atrai e as molda se tratasse. Estes substantivos abstratos são «Palavras de

Ordem». «Palavras Grandes» que são ordenantes e «maiores» do que as outras, pois exigem

(no sentido de Deleuze e Guattari) obediência. Tendo cedido sob o próprio tamanho e não

tendo um corpo concreto – ou, talvez, tendo-se livrado de um corpo concreto – são centros

de fusão e de luz. São palavras que, contrariamente aos adjetivos, não são mutantes nem

tropismos que se movem segundo forças exteriores.

(30)

Fig. 25. Clayton Junior. «Alone Together»

(2016). Words & Pictures.

Fig. 26. Xavier Deneux. «Opposites»

(2013). TouchThinkLearn.

3 A DINÂMICA IMAGEM-PALAVRA E IMAGEM-ILUSTRAÇÃO.

A ilustração surge, como foi sendo definida, para

«ilustrar», frequentemente, um texto/narrativa. É um domínio no qual tendencialmente as palavras, dimensões soberanas, governavam e a imagem obedecia. As ilustrações davam corpo às palavras.

Sinónimos visuais. Preenchiam, se pudessem, os espaços vazios, estendiam o sentido e subordinavam- se. Mas essa obediência e esse carácter de sinónimo não é obrigação para a imagem, já que ela transcende a descodificação necessária à leitura. São, inclusive, vários os exemplos em que a ilustração participa na narrativa. O que se pretende compreender é que na relação entre palavra-imagem, e na crescente produção contemporânea, não há o certo nem o errado, o obediente e o ordenante, e sem regras, há múltiplos exemplos no gradiente desta relação complexa.

Segundo o mencionado, e no estudo de produções que exploram palavra-imagem, propõe-se em análise o caso de alguns livros do ilustrador Blexbolex (Fig. 27 e 28). Na sua produção, em cada imagem-papel existe uma imagem-ilustração e uma imagem-palavra. É importante nomeá-las todas de imagem-[exemplo], pois todas são/provocam/ordenam uma imagem gráfica/mental. O tipo de relação estabelecida varia:

numa imagem-palavra como «melancia», a imagem-

mental comum é quase direta e unânime e,

consequente, a imagem-ilustração também: a palavra

ordenou e a imagem obedeceu. Nela vimos uma

melancia, notamos como explora graficamente as

texturas e as cores, mas a tautologia está presente e

em nada a imagem transcende ou altera a

interpretação do elemento gráfico «uma melancia».

(31)

Mas será a palavra a tirana e a imagem a súbdita? Terão os dois elementos o mesmo peso?

Será esta imagem-melancia culpada de ceder a uma imagem-palavra que já vem acompanhada de uma imagem-mental bem definida? A página parceira deste conjunto, «T-shirt», evidencia e nomeia de igual modo, mas, neste caso, através da ausência. A imagem-ilustração acrescenta algo mais à imagem-mental. Nós percecionamos a «t-shirt», mas não a «vemos», pois, esta peça de vestuário em branco funde-se com o branco do fundo. A palavra ordena que se percecione uma t-shirt e a imagem obedece. Porém, não sem acrescentar algo: a palavra «t-shirt» refere um substantivo comum, um objeto. A imagem-ilustração refere um verbo «vestir»/«despir», um adjetivo «branco»/«fresco»/«calor»/«sol», e – ao ser acompanhada da melancia, posicionamo-la no verão –, até, projeta uma ação «mergulhar». Esta adição e rebeldia não é, no entanto, desaprovada pela imagem-palavra, pois «t-shirt» enquadra-se nesse contexto.

Tomando outro exemplo, há imagens-palavra que associamos ou que se relacionam a outras imagens-palavra por contrários ou semelhanças: «cima»/«baixo», «dentro»/«fora»,

«quente»/«frio», «casaco»/«inverno», «construir»/«inventar». Tal é a situação da dupla-página

«astronauta»/«sonhador». Temos, primeiro, a imagem-palavra «astronauta»;

consequentemente, a imagem-ilustração de um astronauta (a previsível imagem-mental de

«astronauta», variando um pouco a paisagem, quando há). Do outro lado, temos o seu, possível, cognome e parceiro, «sonhador», cuja imagem-mental se torna mais flexível. Neste conjunto, a palavra «sonhador» faz-se acompanhar de uma imagem-ilustração de uma criança que sonha, olhando para o astronauta com admiração (se tomarmos em conta a composição da dupla-página), ou, até, se imaginando um. A palavra ordenou um astronauta e a ilustração obedeceu-lhe literalmente com um autêntico astronauta. O primeiro conjunto carece de uma rebeldia que surge no conjunto que o complementa: Quem decidiu que o autêntico astronauta é mais astronauta que a criança? E que a criança se imagina um autêntico homem-astronauta e não uma criança-astronauta? A relação literal surge como uma certa tirania. A flexibilidade da

Fig. 27. Blexbolex. «Seasons» (2010).

Enchanted Lion Books.

Fig. 28. Blexbolex. «People» (2011).

Enchanted Lion Books.

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imagem-palavra «sonhador», em termos de imagem-mental, surge da sua aproximação de substantivo abstrato, uma qualidade de indefinido que é preenchida subjetivamente.

Aqui, perante a ordem da palavra, a imagem- ilustração dialoga, expõe-se e entrega-se.

Através destes casos, compreendemos que em diferentes conjuntos ou produções, podemos explorar palavras mais ordenantes, que subordinam outras palavras, palavras mais ou menos imutáveis ou nobres.

O uso de uma única palavra/noção por cada ilustração é um recurso comum em livros de opostos. Estes livros servem um propósito direto: ensinar certas noções abstratas, desenvolver o raciocínio e impor a ordem de opostos a crianças: cima/baixo, dentro/fora, preto/branco, excêntrico/sóbrio, menino/menina, pesado/leve, cativo/livre.

Na coexistência de palavra de ordem e de ilustração enquanto obediente, podemos referenciar livros semelhantes a dicionários ilustrados: uma palavra e a sua ilustração literal, com o propósito direto – e tautológico – de ensinar palavras a crianças, e de impor a falaciosa noção de que tudo é possível de etiquetar/cartografar. São objetos de ordem mais do que objetos de ensino [4].

Um bom exemplo de um livro de opostos é «Elephant Elephant: A Book of Opposites»

onde através do mesmo elemento (o elefante) opostos são colocados lado a lado. Na relação entre a dupla-página, na qual texto e imagem procuram ser antónimos, estes opostos podem

Fig. 29. Francesco Pittau. «Elephant Elephant:

A Book of Opposites» (2001). Harry N.

Abrams.

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Fig. 30. Yara Kono. «Imagem» (2016). Planeta Tangerina.

ser mais ou menos imediatos. Opostos imediatos são, por exemplo, os conjuntos grande/pequeno ou menino/menina (que, aqui, envolvem uma compreensão da componente biológica). Neste caso, são as qualidades inerentes ao elefante que são expostas.

Contrariamente aos exemplos que exploram opostos que incorporam as próprias qualidades de um elefante – um elefante pode ser maior do que outro, pode ser de género masculino ou feminino, etc. –, o livro apresenta, igualmente, conjuntos menos imediatos.

Estes conjuntos de opostos menos imediatos, como nos exemplos mencionados, comportam dimensões e características que não se associam, ao animal escolhido como personagem- corpo. Tal é o caso dos conjuntos subtração/adição, sólido/ líquido, fechado/aberto, quadrado/ redondo. Tais palavras não pertencem ao universo do elefante. A dupla-página

«inteligente»/«estúpido» é outro exemplo pertinente na relação palavra-imagem. Nos casos anteriormente apresentados relativos ao mesmo livro, palavra e imagem variam, movimento natural para um livro ilustrado de contrários (e de contrários de características ou de estados visíveis). Todavia, nem tudo se expressa no campo do visível. Neste caso, foca-se na questão dos opostos que não são distinguíveis fisicamente, onde as imagens na dupla-página não variam, sendo o texto quem ordena a diferença.

Numa vertente semelhante, Yara Kono em «Imagem» ilustra palavras de Arnaldo Antunes sobre o universo da imagem, em que a relação é visual e textual. Podem ser relacionados enquanto substantivos e verbos conjugados ou enquanto sujeito indeterminado e complemento direto:

o conjunto «cor-enxerga» pode ser

construído como «enxerga a cor»; o «corpo-observa» como «observa o corpo»; e o «detalhe-

nota» como «nota o detalhe». Este exercício de observação, por participação e por afastamento

(afastamento entre sujeito e objeto, mas, também afastamento como se de um «zoom out» se

tratasse), propõe, assim, uma reflexão sobre a imagem e a ação de a ver.

(34)

4 PACTO: O (DES)ENTENDIMENTO ENTRE AS PALAVRAS E AS IMAGENS

«Pê de Pai», de Bernardo Carvalho, caracteriza-se pela economia de cores, de formas, de palavras, de detalhes, etc. Cada página apresenta uma situação das várias facetas de ser pai, retratando a sua entrega e dedicação com manchas sólidas, gestos teatrais e contrastes vibrantes. No entanto, o mais notável acontece quando acompanhado do texto/poema de Isabel Minhós Martins: As palavras ordenam como olhar para a ilustração, etiquetando a dedicação do pai ao ponto da metamorfose – pai[exemplo] –, como acontece em «pai colchão»

onde vemos o filho sentado no tronco do pai, ou em «pai cofre», no qual a filha guarda um segredo nos seus ouvidos. Será justo pensar que, sem o texto, a imagem é insuficiente? Será o texto o orquestrador soberano? Se assim é, porque não existe somente o texto-narrativa?

Antes de concluir quem é o tirano, note-se como: o texto é infantilmente caligrafado com uma das cores da ilustração; se passeia pelo palco das páginas; e participa nos gestos (como que vocalizado pela criança). A palavra «existe» – não só participa na imagem, ela «é» imagem – para ordenar como ver a ilustração. Sem a ilustração, as palavras solitárias podiam nem fazer sentido, e sem as palavras, a ilustração possuiria múltiplos sentidos. Com isto queremos dizer que ambos os elementos ganham atributos, se apuram, se orientam e se complementam com a dupla. É-lhes vantajoso e, por isso, estabelecem um pacto.

Fig. 31. Bernardo P. Carvalho. «Pê de pai» (2006). Planeta Tangerina.

Com uma organização semelhante, temos o projeto «3 meses e 2 dias» (2013) de Catarina Sobral, onde a palavra se acompanha de uma ilustração. Neste caso, as palavras são relativas a um tempo e as imagens a um momento.

No caso de «instante/eternidade», palavras numa linha de tempo em momentos opostos,

a imagem reflete o mesmo exercício, ilustrando instantes opostos numa linha de tempo. Tudo

pode acontecer num momento, tudo pode acontecer num breve instante e tudo pode

perdurar. Há situações que tudo mudam: seja por um anódino instante ou por um momento

decisivo e irreversível que se prolonga eternamente. Em «instante/eternidade», para além de

mudar o tempo em que decorre a imagem, muda a narrativa, que se estende, preenchida com

detalhes e dias. Esta narrativa, apesar de apenas vermos representados os seus momentos

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opostos, sabemos que existe. Podemos prevê-la e, até, imaginá-la a decorrer na linha que separa as imagens. A palavra entra em cena para ordenar qual a fita em que medimos este tempo, e não uma à escolha de quem a interpreta. Deste modo, a palavra-imagem e a ilustração-imagem pactuam, formando uma só página-imagem.

O mesmo acontece nas outras ilustrações da mesma série. Quando a palavra ordena «x semanas»

ou «x dias» e a imagem ilustra um momento específico, conseguimos prever ou supor o que aconteceu antes e/ou depois. É o caso de «7 semanas e 2 dias» em que vemos um casal num aeroporto, um deles perto de partir.Supomos um dado momento e um «estado/cariz» da relação, que se fortalece com o texto «7 semanas e 2 dias». Tal indica-nos uma relação temporária, talvez de verão/viagem, ou uma ausência de 7 semanas e 2 dias. A compreensão poderia ser diferente se o texto fosse «2 anos e 1000km» ou até «15 minutos».

Estes dois elementos, a palavra e a imagem, funcionam em equipa, sem determinar quem ordena e quem obedece, mas também sem ser uma parceria perfeita, inseparável e de única leitura. O que, aqui, decorre é um ganho entre os dois elementos, pois a relação entre os dois funciona como pacto.

Explorando as possibilidades das relações amorosas, na combinação entre texto e imagem, podemos compreender o tipo de relação graças à substância temporal que impregna a imagem. Na compreensão de um momento temporal de união estável ou de errância, a imagem guia-nos, dando um momento crucial/chave, por vezes num polo

Fig. 32. Catarina Sobral. «3 meses e 2

dias» (2013). Dama Aflita.

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da linha temporal, que nos permite indagar. Por sua vez, a palavra ordenante, neste caso em frase, informativa e sem quaisquer detalhes para além de determinar um tempo específico em numeração, estará no seu total quando acompanhada da ilustração, que, para além de especificar um momento numa relação amorosa, permite uma abertura interpretativa, pois não desvenda o tipo/natureza da relação.

Em 10 horas, vemos duas pessoas à beira da cama, com ar pensativo, distante ou silencioso. Sem as palavras, não saberíamos se foi uma relação curta – de uma noite – ou longa – um «já gastámos as palavras» como diria Eugénio de Andrade, um presságio de divórcio ou uma manhã rotineira. A imagem dá-nos pistas, mas o tempo/duração, excetuando quando acompanhados do oposto temporal – o início dessa noite ou o dia do casamento – não temos a certeza. A imagem serve-se da palavra, e a palavra ordena como ver a imagem.

O mesmo acontece com «5 anos», «9 meses», onde o tempo é essencial na compreensão da multiplicidade de sentidos da imagem: poderemos falar de um término e consequente momento de mudança, ou um recomeço num novo espaço/contexto/habitação.

Igualmente, com «34 Anos», poderemos pensar num término de relação longa e consequente burocracia associada, como poderemos falar de um estabelecimento de contrato ou mesmo uma análise conjunta das finanças.

O projeto «3 meses e 2 dias» (2013) promove um enquadramento da imagem, contudo, não a aprisiona num único sentido. Deste modo, e pensando em três posições possíveis para a compreensão: as compreensões e as interpretações são infinitas (Jacques Derrida), só há uma interpretação (Arthur Danto) e há várias interpretações, mas estas não são infinitas (Umberto Eco), talvez esta série de Catarina Sobral, nos transporte para a conceção de Umberto Eco[7].

Tal proximidade com Eco relativamente à compreensão, deve-se ao facto de Catarina Sobral, introduzindo – com os elementos textuais –, um enquadramento temporal, cria um sistema no qual a palavra ordena um modo de olhar ao mesmo tempo que a imagem, ordenante, consegue, também, construir uma abertura interpretativa na qual nem todas as interpretações seriam válidas em consequência desse elemento textual, dessa ordem.

Estas ilustrações promovem uma certa empatia ou «simpatia» [1], uma possibilidade de sentir com o outro, de compreender o sentimento do outro. Tal se considera pertinente pensando em Wilhelm Dilthey [6] no sentido em que não podemos ultrapassar a experiência do viver e que a nossa experiência tem uma história que se enquadra na historicidade (na História Humana). A Hermenêutica (ciência da compreensão e da interpretação) talvez seja pertinente neste campo de relação texto-imagem. De facto, para «aceder» a algo, é necessário

«compreender». Esta compreensão está em contante movimento, é, portanto, « ativa » ,

(37)

cumulativa e a ser permanentemente reconstruída. Enquanto leitor, o texto-imagem restará inacessível caso o sujeito permaneça passivo. Segundo Hans-Georg Gadamer [10] não compreendemos sozinhos, pois há, de facto, uma relação que se estabelece entre sujeito e o livro/ilustrações. A obra/ilustração/livro/texto-imagem coloca-nos uma questão e nós respondemos-lhe (resposta que não necessita de ser verbalizável). Neste sentido, falamos de compreensão na qual se estabelece um diálogo não entre sujeitos, mas entre sujeito-objeto.

Este diálogo não é puro ou autónomo, é um diálogo que se alicerça numa história. O sujeito insere-se num determinado contexto histórico-social que tem impacto na sua compreensão.

Queremos dizer com isto que a compreensão também é histórica, pois não descarta a história humana.

Fig. 33. John Klassen. «This Is Not My Hat» (2012). Candlewick Press.

Apesar de pactuarem, a imagem interpretável e a palavra ordenante não necessitam de estar de

acordo. Em «Este Chapéu Não É Meu», o texto-monólogo e a imagem-cena não coincidem,

mas, sim, contrariam-se. O discurso do peixe ladrão quase aparenta narrar o resultado oposto

do que discursa: Quando, na página em que diz «ele provavelmente não vai acordar tão cedo»,

podemos ver que o peixe grande acabou de acordar num sobressalto; e, quando logo depois

lemos «ele provavelmente não vai reparar», na ilustração notamos, pela expressão do peixe

grande, que ele acabou de reparar na ausência do seu chapéu. A palavra ordena/mente como

ver a imagem, e a imagem acusa a mentira/desculpa da palavra. No entanto, este encontro

funciona apesar da oposição e do desentendimento, como se concordassem em discordar.

(38)

5 O PACTO ENTRE AS PALAVRAS E AS IMAGENS - CONCLUSÃO

Apesar de não haver uma resposta final quanto à relação palavra-imagem, pretendeu-se

analisar um conjunto de ilustrações nas quais determinados fenómenos e pactos ocorriam. Um

pacto não é, como se viu ao longo do presente projeto, um acordo em que ambos afirmam

com o mesmo, mas que concordam em algo em comum, mesmo que seja apenas em como

discordam. O seu propósito é o benefício das partes, independentemente da natureza positiva

ou negativa dessa relação. Com isto, um pacto entre palavra e ilustração pressupõe o

benefício/ganho de cada parte com a presença da outra.

(39)

PARTE III

PALAVRAS GRANDES

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1 PALAVRAS GRANDES - DESCRIÇÃO DO PROJETO PALAVRAS GRANDES - IDEIA

o Palavras e conceitos que não possuem uma ilustração / imagem mental direta;

o Ilustrações desses conceitos;

o Produto final: um livro ilustrado original, que instiga o pensamento e promo- ve a criatividade, tanto na ilustração como em qualquer outro meio de comu- nicação, seja ele visual ou textual, desde o uso pessoal ao comercial.

o Procurando promover pactos apelativos, e inspirando o público geral, propõe ferramentas de inovação e de reflexão: os pactos como comunicação criativa, eficaz e cativante do que nem sempre é direto ou imediato.

DESCRIÇÃO TÉCNICA DO PROJETO:

o 210mm x 297mm.

o 30 páginas (guardas incluídas) em papel Munken 150gr.

o Impressão a cores, encadernação mate.

MERCADO

o É um livro pensado para um público infantojuvenil; mas, também, para ilus-

tradores, animadores, designers, artistas e/ou para críticos de arte, poetas, co-

lecionadores, cenógrafos, estudantes, curiosos, entre outros.

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2 PALAVRAS GRANDES: PALAVRA-IMAGEM

Fig. 34. Esquema auxiliar para compreensão das possibilidades de movimentação entre palavra-imagem.

A combinação imagem-palavra em cada dupla-página tem a capacidade de se alternar. O sentido, construído pela coexistência de duas palavras de ordem e de duas imagens, não varia no seu todo. Porém, caso ocorresse uma alternação das palavras na dupla-página («Palavra A»

com «Imagem B» e, consequentemente, «Palavra B» com «Imagem A»), uma transformação na perceção, na composição teria lugar. Seria, então uma questão de perspetiva (como se do Perspetivismo de Nietzsche, a que, anteriormente, se fez referência, se tratasse).

Em «Palavras Grandes» as palavras não procuram ser literal nem metaforicamente opos- tas. Contudo, as palavras, em cada dupla-página, possuem uma relação, o que permite que troquem de posição sem contrariar o sentido da composição. Caso esta relação entre «Palavra A» e «Palavra B» não se verificasse, cada uma ordenaria um universo distinto, o que fecharia essa característica de alternável. Deste modo, na sua formulação, cada dupla-página tem vida própria, não propõe um único modelo para a relação Palavra-Imagem e é uma «construção frásica particular».

A coexistência no mesmo espaço (dupla-página) implica que a relação entre imagens não se manifeste somente através das «Palavras Grandes», mas, também, através de elementos formais, cromáticos, texturais e compositivos. Cada forma, após o desenho estar definido, é construída em separado e é na montagem digital que as diferentes camadas formais e cromáti- cas se compõem. Quer isto dizer que o modo de construção deste projeto se assemelha for- temente ao processo serigráfico de produção de imagens.

Fig. 35. Sandra Cardoso. Elementos formais utilizados na construção das imagens «Amor» e «Lealdade» respetivamente.

PALAVRA A

IMAGEM A

PALAVRA B

IMAGEM B

PALAVRA B

IMAGEM A

PALAVRA A

IMAGEM B

Referências

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