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Brasil, meu Brasil brasileiro

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(1)

Bti/UFC

vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o

o

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAS S I Ê

"BRASIL, MEU BRASIL BRASILEIRO"

O

título deste trabalho toma de emprestado o verso que Ari Bar-roso usou para abrir sua música "Aquarela do Brasil" na qual faz uma es-pécie de declaração de princípios. Pretendo aqui, entretanto, traçar um per-curso de uma noção de "Brasil" e "Brasileiro" pre-sente no que se afirma ser este país e seus habitan-tes. Neste artigo vou utili-zar material empírico coletado em veículos de co-municação de massa tanto de circulação nacional, a

revista "ISTO É", quanto local, o jornal "O Povo". Também, usarei os resultados de um conjunto atual de pesquisas sobre migrações internacionais de brasileiros para os Estados Unidos, a partir da década de 80.

A revista "ISTOÉ " tem uma seção

de-nominada Gente que funciona como a coluna social da revista. Nessa sessão aparecem ba-sicamente registros sobre as celebridades da moda, da música, do cinema bem como refe-rências a algum acontecimento de destaque da semana. Na seção Gente do dia 08 de

se-tembro de 1999 há uma nota que dizZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA" A C a r a

d o B r a s i l ' e, ocupando toda a sua extensão,

está a fotografia da cantora EIsa Soares (62

anos, natural do Rio de Janeiro). Ao lado des-sa foto, há um texto que informa a participa-ção da cantora no projeto Milenium Concert, idealizado e produzido pela BBC de Londres, no qual foi eleita a artista do Milênio do Bra-sil. O texto prossegue esclarecendo que a

partir do dia 12 de setem-bro (999), a cada mês, a rede britânica de televisão transmitirá para todo o mundo dez artistase s c o l h i -d o s a -d e -d o p e l a e m i s s o r a

p a r a r e p r e s e n t a r s e u p a í s .

E termina com uma decla-ração de EIsa Soares na qual ela não apenas p r o

-m e t e incluir a música

A q u a r e l a d o B r a s i l no seu recital, como também, afir-ma que essa canção É a m i n h a c a r a . A c a r a d o

B r a s i l .

Além do curioso fato de se atribuir a um país 500 anos de existência e ele produzir, nes-se intervalo de tempo, alguém que repre-sente um milênio, três pontos se destacam. Primeiro, o método utilizado para selecio-nar os cantores que iriam compor a catego-ria artista do milênio: " e s c o l h i d o s a d e d o " .

Isto significa que os realizadores promove-ram uma seleção fina, rigorosa e criteriosa. O segundo ponto diz respeito aos objetivos de tal seleção: ela visa destacar alguém para

" r e p r e s e n t a r " seu país. Isto é, aparecer

como a imagem dos habitantes de um de-terminado território. O terceiro ponto é o fato de a cantora dizer que promete cantar uma determinada canção. Isto significa aten-der a uma expectativa em torno do repertó-rio musical que representará o Brasil. Com isso, ela remete para uma suposta unanimi-dade em torno de uma canção que seria percebida por todos os brasileiros como ex-pressão de sua brasilidade. Além disso, EIsa LúCIA ARRAIS MoRAlES*

RESUMO

o

a r tig o d is c u te q u e s tõ e s d a c u ltu r a b r a s ile ir a . T o m a c o m o p o n to d e p a r tid a a a n á lis e d e u m a n o tíc ia n a " R e v is ta Is to é " d a n d o c o n ta d e u m e v e n to p r o g r a m a d o p a r a fe s te ja r a c h e g a d a d o te r c e ir o m ilê n io . E x a m in a n d o a s n o ç õ e s d e B r a s il e B r a s ile ir o . E s te tr a b a lh o d e m o n s tr a c o m o e s ta s c a te g o r ia s e s tã o a tr a v e s s a d a s p o r u m a c o n c e p ç ã o r a c ia l.

• D o u to r a e m A n tr o p o lo g ia p e lo P r o g r a m a d e P ó s -q ra d u a ç ã o e m A n tr o p o lo g ia S o c ia l d o M u s e u N a c io n a l d a U n iv e r s id a d e F e d e r a l d o R io d e J a n e ir o e p r o fe s s o r a d o D e p a r ta m e n to d e C iê n c ia s S o c ia is e F ilo s o fia d a U n iv e r s id a d e F e d e r a l d o C e a r á .

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Soares se coloca e é colocada como a legí-tima representante desse país. Tanto sua pes-soa quanto a música escolhida são vistas como a cara, o rosto, a face dos indivíduos e grupos que habitam um território descrito como Brasil. Em outras palavras, elas funci-onam a semelhança de uma carteira de iden-tidade. Documento que, obrigatoriamente, exibe, uma fotografia do rosto, da cara de alguém. Portanto, com esses três pontos se vai construindo um discurso daquilo que é suposto crer ser a essência do povo brasi-leiro e, por causa disso, será apresentado para todo o mundo através da BBC.

Mas por que Rita Lee não é a cara do Brasil?Cássia Eller?Marina Lima?Zélia Duncan? Gal Costa? Maria Betânia? Antes de procurar essa resposta é melhor examinar os versos da "Aquarela do Brasil" que dizem o seguinte:

"Brasil/ meu Brasil brasileiro/ meu mulato inzoneiro/ vou cantar-te nos meus versos/ o Brasil, samba que cIáI bam-boleio que faz gingar/ o Brasil do meu amor/ terra de nosso Senhor/ Brasil, Brasil/ Pra mim, pra mim/ ôi !abre a cortina do passado/ tira a mãe preta do cerrado/ bota o rei-congo no congado/ Brasil,Brasil/ Deixa cantar de novo o trovador/ a merencória luz da lua/ toda a canção do meu amor/ Quero ver a Sá dona caminhando/ Pelos sa-lões arrastando/ o seu vestido rendado/ Brasil, Brasil/ Pra mim, pra mim/ Oh! ôi essas fontes murmurantes/ ôi onde eu mato minha sede/ e onde a lua vem brincar/ oh! esse Brasil lindo e trigueiro/ És meu Brasil, brasileiro/ Terra de samba e pandeiro/ Brasil, Brasil/ Pra mim, pra mim" .

Essa música inicia afirmando que há um Brasil brasileiro. Isto supõe a existência de um Brasil que não é brasileiro. Ou seja, está implícito de que há duas modalidades de Brasil. Mas é sobre a primeira que o au-tor se detém e, para tanto, indica o que pos-sibilita o Brasil ser brasileiro. Nesse sentido, não é apenas a condição de mulato, mas tam-bém, de inzoneiro. Inzoneiro no sentido de manha, de jogo de cintura, enfim, de flexibi-lidade adaptativa. Este atributo não se reduz

à conotação de "jeitinho", isto é, a noção de levar vantagem, ignorar de forma reativa as regras ou explorar o outro. Ao contrário, aponta para a habilidade de descortinar

saí-52

ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAR E V I S T A D E C I ~ N C I A S S O C I A I S V .3 1 N .2 2 0 0 1

das frente ao adverso, aos obstáculos e aos momentos difíceis. Nesse sentido, inzoneiro é aquele que não se deixa aprisionar na di-mensão da tragédia e prefere escapar para a

vida. Assim, ao falarZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA" B r a s i l b r a s i l e i r o " , ele

se dirige para as fontes de vitalidade exis-tentes nesse país. Ari Barroso firma nessa direção e conclui essa canção da forma como iniciou reafirmando que " e s s e b r a s i l l i n d o e t r i g u e i r o é m e u b r a s i l b r a s i l e i r o " . Portanto,

não é apenas uma exaltação da mestiçagem, mas de um tipo específico: o mulato. Nessa música o mestiço oriundo das relações entre brancos e índios não aparece. Ou seja, não se fala do caboclo, ou sertanejo ou caipira. Fala-se do começo ao fim em mulato. Além disso, elege-se o samba como o ritmo musi-cal por excelência. O que permite pergun-tar se outros ritmos como o forró e o carimbó, por exemplo, também não fariam gingar e bambolear o corpo?

Aquarela do Brasil foi escrita em 1939 por Ari Barroso. Nesse momento, o país atra-vessava o regime do Estado Novo no qual um vigoroso vetar nacionalista estava presente. É o momento em que se pretende forjar um novo país, um novo brasileiro para responder positivamente à direção que estava sendo imposta. O "trabalhador nacional", leia-se a massa de mestiços, antes considerado inapto para operar numa economia capitalista e in-dustrial é alçado, nos anos 30 deste século, a atributos para desfazer essa crença. Se no "Os Sertões", obra do início deste século e cir-cunscrita ao contexto da Primeira República, Euclides da Cunha relaciona a mestiçagem com uma visão sombria acerca das possibili-dade de o Brasil vir a se constituir como uma nação de envergadura, na década de 30, mas precisamente em 1933, Gilberto Freire em Casa Grande & Senzala vai na direção

contrá-ria. Freyre conduz seus argumentos para pro-duzir um efeito de positividade sobre o mestiço. É oportuno ressaltar que durante o

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ou seja, produzisse uma homogeneidade, uma

unidade. É de dentro desse contexto que

sur-ge a música Aquarela do Brasil. Além disso,

há outro elemento importante. Ela passa a ser

bastante executada no momento em que o

Brasil estabelece a aliança com os Estados

Unidos, em 1942. Nesse instante, o governo

americano instala umZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAb u r e a u de assuntos

cul-turais, dirigido por Nelson Rockfeller, e

in-veste massissamente num intercâmbio cultural.

Vinham para cá e iam para lá escritores,

artis-tas, professores universitários e estudantes.

Entre os que foram estão Érico Veríssimo e

Carmem Miranda. Entre os que vieram, está o

cineasta Orson Wells que faz, inclusive,

fil-magens no Ceará e cuja produção foi quase

toda vetada pelo governo americano. Além

dele, vem Walt Disney e desenha o

persona-gem Zé Carioca: um papagaio falante,

inzoneiro e natural do Rio de Janeiro. Assim,

para compor a sua galeria de personagens e

montar Histórias em Quadrinhos que

tives-sem ressonância com o que julgava ser o povo

brasileiro, Walt Disney escolhe o papagaio e

o associa ao exótico e ao Rio de Janeiro.

As-sim, no momento de efervescência do Estado

Novo exalta-se o mulato, elege-se um estilo

de música, o samba e reafirma-se um lugar

do Brasil, o Rio de Janeiro.

EIsa Soares é mulata, carioca e

sam-bista. Portanto, nela estão reunidos todos os

elementos básicos que fundam essa noção de

brasilidade. Além do que, e não menos

im-portante, ela tem 62 anos. Esta senhora, por

conseguinte, se desenvolveu no interior do

espírito dessa época. Foi socializada dentro

de suas estruturas, adquiriu um h a b i t u s , ou

seja, uma disposição permanente para sentir,

agir e pensar de uma determinada maneira.

Mas como explicar que migrantes

bra-sileiros nos Estados Unidos na faixa etária dos

30 anos também adotem o samba e o Rio de

Janeiro como os elementos que os

singulari-zam enquanto indivíduos portadores da

cida-dania brasileira? Em sua recente pesquisa

sobre brasileiros na cidade de São Francisco,

na Califórnia, Gustavo Lins Ribeiro (1996)

mostra como a identidade destes migrantes

está subordinada a um conjunto de

estereóti-pos sobre o Brasil. Ele analisa festas, s h o w s e

desfile de carnaval. Esse último é

denomina-do de "Carnaval Parade" e se encontra entre

um dos maiores festivais multiculturais dos

Estados Unidos. Faz, inclusive, parte do

ca-lendário cultural de São Francisco no qual

es-tão presentes uma diversidade de estilos

musicais. Nele se apresentam grupos da

Bolí-via, Bulgária, Cabo Verde, Cuba, Espanha,

Fi-lipinas, Jamaica, Japão, Haiti, Itália, México,

Panamá, Porto Rico e Trinidad Tobago.

Ribeiro chama atenção para o fato de

que os grupos brasileiros e os caribenhos são

os maiores, mais freqüentes e os que

produ-zem um maior clímax não apenas pelo o

rit-mo, pelas fantasias e pela coreografia, mas

também, pelo que o público considera como

"entusiasmo" e "sensualidade" das mulheres

brasileiras. Além disso, Ribeiro encontrou um

dado curioso. Em São Francisco, predominam

brasileiros oriundos do estado de Goiás e seus

modos de representar o Brasil não estão

liga-dos a um " e s t a d o r u r a l , d o c e n t r o - o e s t e , o n d e

g a d o , c e r r a d o , piqui, r i o Araguaia e m ú s i c a

c o u n t r y s u p o s t a m e n t e s e r i a mZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo s e l e m e n t o s

c o n s t r u t o r e s d e s u a i d e n t i d a d e '. Ao contrário,

eles lançam mão de elementos subordinados

basicamente a uma matriz carioca,

apontan-do, com isso, que o Rio de Janeiro funciona

como a fonte de representação que

prevale-ce nesse país. Sobre isso, é bom lembrar que,

a partir de 1763, o Rio de Janeiro passou a

ser a sede da administração colonial, e em

seguida, dos governos imperial e

republica-no. Foi, portanto, durante quase dois séculos

o centro do poder político e administrativo

desse país. Além disso, e tão importante

quan-to se constituiu como um ponto de

conver-gência e difusão da cultura brasileira. Daí a

importância do Rio de Janeiro como

emble-ma nacional. Se os promotores do Millenium

Concert escolheram a carioca e sexagenária

sambista EIsa Soares para representar o

Bra-sil, os migrantes brasileiros, em São

Francis-co, na faixa etária dos 30 anos também

escolhem o Rio de Janeiro para expressar sua

brasilidade.

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Além dos resultados dessa pesquisa

que, junto com a reportagem da "ISTOZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ " ,

apontam para elementos comuns, há um ou-tro dado que eu gostaria de apresentar. O Jornal O Povo trouxe uma matéria, no dia 30 de setembro de 1999, sobre o lançamento do livroZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA" B r a s i l , A E u r o p a d o s T r ó p i c o s ' do

Pro-fessor Caio Lóssio Botelho, proPro-fessor titular do Departamento de Geografia da Universi-dade Federal do Ceará. Nessa reportagem, o autor dá uma entrevista explicando que seu livro trata da colonização portuguesa no Bra-sil. Numa determinado ponto, ele faz a se-guinte comparação entre Brasil e Estados Unidos:

"Existe no Brasil algo inusitado que não aconteceu lá fora. O português incentivou o cruzamento de diversas raças. Não como nos EUA, onde o

cruza-mento só existiu entre um grupo racial: o

caucasóide. Entre alemães, ingleses, holandeses. A população branca marginalizou a população

ne-gra, destruiu a população indígena. No Brasil, o

português incentivou o cruzamento da população branca, negra e indígena. Daí por que somos a maior nação mestiça do planeta. O país se superpõe numa harmonia tão perfeita que foi incapaz de fragmentar a nossa unidade política".

Ao comparar Brasil e Estado Unidos, o Prof. Botelho o faz através da variável mestiçagem e coloca nela a razão de ser da unidade política brasileira. Além disso, a mestiçagem é um fator que singulariza o Bra-sil e o coloca na posição da " m a i o r n a ç ã o m e s t i ç a d o p l a n e t a " . Essa posição do profes-sor Caio Lóssio também está desenvolvida por Gilberto Freyre em "Casa Grande & Senzala".

No capítulo de abertura que tem por título

" C a r a c t e r í s t i c a s G e r a i s d a c o l o n i z a ç ã o p o r t u

-g u e s a d o B r a s i l : f o r m a ç ã o d e u m a S O C i e d a d e

a g r á r i a , e s c r a v o c r a t a e b i b r i d a " ,Freyre faz um elogio à colonização portuguesa no Brasil e procura introduzir no leitor o orgulho por ter como herança um povo cujo traço fundamen-tal é sua plasticidade. Em outras palavras, seus argumentos destacam a colonização portugue-sa por sua capacidade em criar formas de adaptação expressas através de uma

acentua-54

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da disposição para explorar novos espaços, uma contundente miscibilidade e um despren-dimento para viver em ambientes ecológicos distintos, diversos e até hostis. O que eu que-ro ressaltar aqui é o fato de que a obra de Gilberto Freyre é datada de 1933, justamente no período em que esforços se concentram para dar uma outra interpretação sobre o Bra-sil e onde a mestiçagem ocupa um lugar de positivo relevo. O curioso é observar a força dessa interpretação tanto na fala de um re-presentante do mundo acadêmico-científico quanto na de Eisa Soares que, ao montar o repertório do recital que fará como represen-tante do Brasil, incluiu de forma superdestacada a música A q u a r e l a d o B r a s i l .

Nesses três discursos há uma conver-gência: todos remetem a questão racial no Brasil. Nesse sentido, é oportuno lembrar que no início do século XX era intensa a discus-são sobre a constituição da nação brasileira nos meios político, científico e intelectual. Ressoava de forma bastante desconfortável nas elites brasileiras o parecer que estudiosos europeus e norte-americanos produziram so-bre o Brasil.Tanto Gobineau, na França, quan-to Louis Agassiz, nos Estados Unidos, teceram considerações sobre o Brasil nos seus livros. Ambos estiveram aqui, tendo Gobineau, in-clusive, exercido o cargo de embaixador. Para eles, o país era inviável porque os mestiços constituíam a grande parcela da população. Os cruzamentos entre branco, negro e índio eram vistos como altamente indesejáveis para a preservação, progresso e bem-estar de uma nação. O mestiço era considerado um ele-mento de degeneração, uma vez que se cons-tituía num tipo híbrido, indefinido, e, consequentemente, desprovido da vitalidade necessária para responder aos desafios da vida. Para estes estudiosos, o Brasil apresen-tava não apenas perspectivas sombrias, mas também, era o exemplo dos efeitos deletéri-os da mestiçagem: atraso, miséria, preguiça, ignorância e doença.

(5)

Procu-raram, então, um modelo explicativo que

per-mitisse a solução para o diagnóstico de

mestiçagem racial como causa do estado de

indigência do país. As concepções

deterministas de raça, em vigor na Europa,

são elaboradas aqui em torno da teoria do

branqueamento. Baseada na superioridade da

raça branca e na inferioridade das demais, tal

teoria supunha que o negro estava fadado a

extinção e o elemento branco predominaria

na "dosagem" dos mestiços. Isto ocorreria

atra-vés de dois mecanismos: a seleção natural e

a seleção sexual. Pela seleção natural se

ex-plicava a inexorável extinção do negro

su-pondo que ele era portador de baixa taxa de

natalidade, de propensão a doenças e da

in-capacidade de civilizar-se. Pela seleção

se-xual, se engendrava uma outra visão da

miscigenação. Esse mecanismo possibilitaria

a reprodução de indivíduos mais claros

por-que a preferência por um parceiro recairia

sobre o branco. Além disso, como a teoria do

branqueamento sustentava a idéia da

superi-oridade da raça branca e pretendia criar uma

positividade para o fato da miscigenação, ela

afirmava que mesmo na união com indivíduo

portador de uma herança negra o elemento

branco predominaria. Essa teoria não estava

apenas no plano do pensamento social

brasi-leiro. Ela se encontrava incorporada à visão

oficial e, portanto, servia como instrumento

para a formulação de políticas de migração e

colonização. Regulamentos e leis, que

deli-beravam sobre a entrada de trabalhadores

es-trangeiros no país, eram elaboradas a partir

dessas concepções. Através da teoria do

bran-queamento, a Primeira República procurava

produzir instrumentos de intervenção que

possibilitasse a homogeneização do povo

bra-sileiro: ele se tornaria basicamente branco.

Com isso, o Estado estaria dotado de uma

na-ção apta a participar dos benefícios do

pro-gresso junto as demais nações "civilizadas".

EmZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAú l t i m a i n s t â n c i a , o que e s t a v a em j o g o , ao

olhos da elite, era a possibilidade de o Brasil

vir a se transformar numa população de

infe-riores e incapazes de civilização. Dessa

ma-neira, o branqueamento era percebido como

o instrumento que viabilizaria a construção da

nação. Ela não apenas "melhoraria" a pele

dos indivíduos, mas também, os seus

cére-bros: melhor caráter, brilhante inteligência e

vigorosa capacidade empreendedora.

Seyferth (985) analisando esta teoria

trabalha com a tese de João Batista de Lacerda,

antropólogo e diretor do Museu Nacional, a

partir de dois textos. Um, apresentado no

"Pri-meiro Congresso Universal das Raças -

Lon-dres (911) e o outro (912) em resposta às

críticas que recebera quando da divulgação do

primeiro. Levando em conta o contexto

políti-co e científipolíti-co da época, o exame da autora se

detém basicamente, a apontar as contradições

e ambigüidades presentes na argumentação de

Lacerda. Ela afirma que Silvio Romero, em 1888,

foi um dos primeiros autores a tratar a teoria

do branqueamento de forma sistemática e que,

portanto, antes de Lacerda lhe conferir status

de ciência, estas idéias já circulavam no meio

do público. A questão em foco é o fato de

Lacerda ter ido ao congresso representando o

governo brasileiro e, por isso, investido na

con-dição de porta-voz do pensamento oficial.

Seyferth aponta que o desafio de tal teoria,

frente ao mito ariano prevalecente, era

de-monstrar como através da miscigenação se

al-cançaria uma nação constituída por uma raça

superior. Ou seja, como se alcançaria a

condi-ção de branco num país onde predominam o

negro e o mestiço. Seyferth mostra os artifícios

de raciocínio e o malabarismo lógico que o

autor produz para juntar proposições

mutua-mente excludentes, como por exemplo,

afir-mar que todas as raças são iguais e, ao mesmo

tempo, apresentar o negro como incapaz de

atingir o estágio da "civilização". Ao longo do

texto, Seyferth tem a preocupação de apontar

para a dimensão ideológica da teoria do

bran-queamento e seus objetivos políticos dentro

do contexto da Primeira República. Além de

dar sustentação a política imigracionista

brasi-l e i r a , d i r i g ida p a r a c o n t i n g e n t e s brancos, e l a

tinha no seu bojo uma justificativa para o

colonialismo: os brancos, por natureza, mais

evoluídos e superiores estavam habilitados a

conduzir negros e mestiços.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(6)

A partir dos dados coletados, ele dis-tribui a população brasileira em quatro clas-ses denominadas de Leucodermo (branco),

Phaiodermo (branco x negroZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA= mulato), Xanthodermo (branco x índio = caboclo),

Melanodermo (negro). Esta classificação se torna de ampla utilização não somente no campo da Antropologia Física, onde as pes-quisas passam a tomá-Ia como ponto de parti-da, mas também, na literatura nacional. Esta receptividade extensa se deve, entre outras razões, ao fato de Roquete Pinto ser a pessoa no Brasil a fazer este tipo de estudo e não ter formado ninguém com a sua envergadura in-telectual. Naquele momento, ele era a última palavra da ciência antropológica no Brasil. Seu trabalho marca o momento histórico em que a Antropologia se volta para estudar o homem miscigenado, com o objetivo de examinar se o atraso do país estava associado à composi-ção genética do seu povo, como sustentava a visão de fora.É interessante notar que Roquete

Pinto usava o termo "brasiliano", provavel-mente para distinguir a perspectiva de quem examina uma realidade de dentro e, por isto, acredita ter os requisitos para fornecer ele-mentos singulares para a sua compreensão.

A apresentação dos resultados de sua pesquisa, contidos no capítulo XV dos "Ensai-os de Antropologia Brasiliana", segue dois momentos distintos e pretende desfazer a co-nexão entre atraso e mestiçagem. Seu intento é provar que a causa da ineficiência brasilei-ra situa-se pabrasilei-ra fobrasilei-ra do corpo de sua gente.

Usando uma linguagem marcada pela simplicidade, trabalha com duas modalidades de dados: o histórico e o antropométrico. Nos momentos iniciais, quando está situando o problema e criando as condições necessárias para o surgimento da pergunta pertinente, ele trabalha com dados históricos. Estes são do conhecimento corrente e, portanto, de fácil assimilação pelo leitor, não exigindo esforço de raciocínio nem de concentração. Ele cita o movimento bandeirante, a ocupação da Ama-zônia e a conquista de Rondônia como exem-plos variantes de um único fenômeno: a capacidade do "mestiço" em trabalhar e se

É nesse ambiente político e

intelectu-al que Roquete Pinto inicia, em 1919, a pes-quisa para a determinação dos tipos antropológicos brasileiros, que pretendia ser uma contribuição do Museu Nacional às co-memorações do centenário da Independên-cia. O ano de 1822 marcara, com um ato de Dom Pedro I às margens do Ipiranga, a pretensa ascensão do Brasil à categoria de "nação livre e soberana". O ano de 1922, por seu turno, pretendia inaugurar, com a ajuda da ciência, a consciência do "brasileiro" so-bre si próprio. A pesquisa de Roquete Pinto vinha atender à pergunta sobre quem são os "brasileiros", respaldando-se nas técnicas antropométricas do alemão Rudolf Martin que, criando novas possibilidades de medir o cor-po humano, de forma minuciosa, tornara-se um autor de referência. Além dessa corrente, Roquete Pinto busca a vertente francesa lide-rada por Bertillon que, introduzindo outros cálculos estatísticos, ampliou as interpretações e o manejo dos dados.

Assim, munido de um arsenal teórico, metodológico e técnico, Roquete Pinto parte para produzir uma interpretação sobre a cons-tituição racial do Brasil. Naquelas circunstân-cias históricas, esta aspirava por ser a representação fiel do país, uma vez que, além de ser gerada com base na ciência da época, era feita por um nativo. Seria a fala da pró-pria nação frente às atribuições vinda de fora, notadamente da Europa e dos Estados Uni-dos. O nativo em questão era a voz da Antro-pologia Física da época e tinha o aval de ser o diretor de uma instituição do porte do Mu-seu Nacional.

Para determinar os tipos antropológi-cos brasileiros, Roquete Pinto faz o levanta-mento de medidas em cerca de 2.000 indivíduos nascidos em todos os estados do Brasil e na faixa etária entre 20 e 22 anos. A pesquisa é publicada na íntegra, pela primei-ra vez, em 1928, no volume XXX dos Arqui-vos do Museu Nacional. Posteriormente, em 1933, é incluída numa coletânea de textos do próprio autor com o título "Ensaios de Antro-pologia Brasiliana".

(7)

apropriar da riquezas do país. Posto isto, ele afirma:ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA" v i s t o q u e s e u m o d o d e a g i r n a l u t a p e l a c o n q u i s t a d a t e r r a n ã o p e r m i t e q u e s e

c o n s i d e r e mZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo s m e s t i ç o s d o B r a s i l c o m o g e n t e

m o r a l m e n t e d e g e n e r a d a , v e j a m o s s i a s s u a s

c a r a c t e r í s t i c a s a n t b r o p o l ô g i c a s m o s t r a m

s i g n a e s d e d e c a d ê n c i a a n a t ô m i c a o u

p b y s i o l õ g i c a . v e j a m o s s i ég e n t e p h y s i c a m e n t e

d e g e n e r a d a " 0933:125). Ele gera, assim, um

desafio e uma curiosidade. Isto lhe permite criar um terreno favorável para introduzir dados antropométricos (índices numéricos, gráficos, tabelas explicações sobre meto-dologia estatística), os quais exigem um ní-vel maior de abstração e interesse para seguir na leitura. Contudo, uma mesma linha de ra-ciocínio comparativo domina toda a análise destes dados. Roquete Pinto toma como parâmetro principal o tipo branco. Para tan-to, a primeira providência é provar, através da estatística, que esse é o tipo predominan-te na população brasileira. Isto lhe possibili-ta desmentir Gobineau e Agassiz, como também, apontar para a pretensão em forçar uma mudança da posição do Brasil no pano-rama internacional da época. O argumento embutido, neste momento da análise, é que a população brasileira é branca, portanto, o país é potencialmente viável. Nas demons-trações seguintes, as medidas de estatura, ín-dices nasal e cefálico de mulatos e caboclos aparecem com um afastamento pequeno quando comparados com as medidas encon-tradas para o tipo branco. Com isto, Roquete Pinto produz o argumento de que a miscige-nação não é biologicamente deletéria e, por-tanto, mulatos e caboclos não são a causa do atraso do país. Além disto, como as causas desta falta de progresso não residem na cons-tituição biológica do povo, é preciso identificá-Ia no ambiente e tratá-Ias através da educação.

Assim, por um lado, Roquete Pinto re-afirma a crença na existência de uma hierar-quia racial na qual a branca é superior às demais e, por outro, rompe o vínculo entre mestiçagem e atraso. Com isso, ele abre um veio para a construção de uma outra narrativa

sobre o país, de uma outra tradição na qual se faça o elogio à mestiçagem.

É com a Revolução de 30, abrindo ca-minho para a implantação do Estado Novo, que a mestiçagem, vista em sua positividade, vai encontrar abrigo. Nesse regime que se inicia em 1938 e vai até 1945 há o fortaleci-mento do executivo e a centralização político administrativa. Isto gerou medidas como o fe-chamento do Congresso e das Assembléias estaduais, a suspensão dos partidos políticos, das associações e dos direitos individuais. Enquanto isto, o aparato repressivo e as For-ças Armadas eram aperfeiçoadas. Além do autoritarismo, o Estado Novo combina fortes marcas de conservadorismo e nacionalismo como princípios que organizavam o pensa-mento político e a vida nacionais. Conservadorismo concebido dentro de uma visão de mundo que privilegia a tradição, a hierarquia e a ordem. Nacionalismo, por sua vez, engendrado na percepção de que a na-ção é um dado da natureza e, por conseguin-te, de existência e criação imemoriais precisando apenas ser reconhecida. Através do nacionalismo, o Estado Novo se empenha-va em indicar traços étnicos, culturais, geo-gráficos e históricos que pudessem definir noções como brasileiro e brasilidade (Lippi, 1982: 14-30). Uma das estratégias utilizadas para construir este nacionalismo é uma reto-mada do passado colonial português. Nele estaria contido as referências do verdadeiro Brasil. A larga influência européia durante a Primeira República era apontada como res-ponsável pelo abandono das tradições, da cultura e da história do país. Assim, volta-se para o passado e elege-se a colonização por-tuguesa. Ela é vista como dotada de peculia-res qualidades as quais possibilitariam a existência de um país de dimensões territorial, ética e cultural excepcionais. A plasticidade adaptativa do português, sobretudo sua tole-rância racial, era um dos pontos de ênfase. Com isso e os trabalhos de Roquete Pinto es-tava preparado o terreno para produzir uma positividade em torno da questão da mestiçagem. O negro, o índio e o branco são

(8)

)vutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

apresentados como os elementos constitutivos

de um povo exemplar. Instala-se, então, uma

louvação à mestiçagem.

. Dessa forma, o que está sendo

afirma-do, na segunda metade da década de 90

des-te século, pela cantora EIsa Soares, pelos

migrantes brasileiros na cidade de São

Fran-cisco e pelo professor Botelho tem um

traje-to. Ele pode ser localizado no início da década

de 20 com desdobramentos que ganham

con-tornos mais definidos na experiência do

Esta-do Novo. É neste instante, portanto, que esta

visão sobre o povo brasileiro ganha

magnitu-de. Sua presença, em 1999, aponta para uma

continuidade, uma permanência e significa

que algo se constituiu como tradição.

Hobsbawm (984) demonstra que,

freqüentemente, certas tradições consideradas

antigas são, na realidade, recentes.

Trabalhan-do com a noção deZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA" t r a d i ç ã o i n t e n t a d a ', este

autor faz a ressalva de que, apesar de ser um

termo amplo, não é indefinido pois nele se

"in c l u i t a n t o a s t r a d i ç õ e s r e a l m e n t e i n v e n t a

-d a s , c o n s t r u í d a s e f o r m a l m e n t e

i n s t i t u c i o n a l i z a d a s , q u a n t o a s q u e s u r g i r a m d e

m a n e i r a m a i s d i f í c i l d e l o c a l i z a r n u m p e r í o d o

l i m i t a d o e d e t e r m i n a d o d e t e m p o " . No caso

aqui exposto, não se trata de algo difícil de

localizar no tempo. A exaltação à mestiçagem,

enunciada nas formulações do professor da

Universidade Federal do Ceará, vem

acom-panhada de uma glorificação ao samba e ao

Rio de Janeiro nos discursos da cantora EIsa

Soares e dos migrantes brasileiros nos

Esta-dos Unidos. Todavia, todos esses casos

de-monstram que o Estado Novo ainda está

presente, balizando o olhar sobre os

indiví-duos e os grupos que habitam um território

-c:

Q

58 R E V IS T A D E C IÊ N C IA S S O C IA IS v . 3 1 N .2 2 0 0 1

chamado Brasil. Esses discursos parecem

ace-nar na direção do que diz Marx (984), ao

chamar atenção para a tradição que insiste

em perdurar: eles são " o s m o r t o s q u e m a r t e

-l a m o c é r e b r o d o s v i v o s '.

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Referências

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