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O direito de pensão por morte no regime geral da previdência social nas relações de concubinato

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

LARA DE AZEVEDO PINHEIRO

O DIREITO DE PENSÃO POR MORTE NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA

SOCIAL NAS RELAÇÕES DE CONCUBINATO

FORTALEZA

(2)

LARA DE AZEVEDO PINHEIRO

O DIREITO DE PENSÃO POR MORTE NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA

SOCIAL NAS RELAÇÕES DE CONCUBINATO

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito

Orientador: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.

FORTALEZA

(3)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

P654d Pinheiro, Lara de Azevedo.

O direito de pensão por morte no regime geral da previdência social nas relações de concubinato / Lara de Azevedo Pinheiro. – 2014.

53 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Direito das Famílias.

Orientação: Prof. Me. William Paiva Marques Júnior.

1. Previdência social - Brasil. 2. Pensões. 3. Concubinato - Brasil. I. Marques Júnior, William Paiva (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

(4)

LARA DE AZEVEDO PINHEIRO

O DIREITO DE PENSÃO POR MORTE NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA

SOCIAL NAS RELAÇÕES DE CONCUBINATO

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito à obtenção do título de bacharel em Direito.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Prof. Me. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________

Mestranda Camila Barbosa Siqueira

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________

Mestrando Duílio Lima Rocha

(5)

Ao Senhor Jesus que faz maravilhas em minha

vida.

Aos meus irmãos e verdadeiros ídolos, Diego e

(6)

AGRADECIMENTO

A Deus que, em toda sua generosidade e misericórdia, tornou possível a

realização deste sonho de cursar Direito na Universidade Federal do Ceará.

À minha família, em especial minha mãe, pelo amor incondicional e pelas lições

acerca dos verdadeiros valores que devem permear a minha vida; ao meu pai por me ensinar a

enfrentar os desafios com leveza e, sobretudo, ao meus queridos irmãos “Dego” e “Mi Kiko”

pela amizade e apoio permanentes e por terem sido os meus tutores, através de seus exemplos

de perseverança na busca de realização de suas próprias vitóras.

Aos meus amigos do curso, Acácia, Amélia, Judith, Marquinhos, Mayara,

Samantha, Tayana e Thiago pelas melhores memórias construídas ao longo desses 05 anos.

Aos amigos, em especial, Hernandes, desde os tempos em que sonhávamos no

colégio com a aprovação na UFC; e Kamylle, minha para sempre sócia, por se fazerem

sempre presentes nos momentos em que suas companhias eram tão imprescindíveis.

Aproveitando o ensejo para agradecer velhos amigos, recordo os do meu querido

Colégio Christus Anexo, de onde ainda hoje sinto saudades dos melhores anos que vivi; bem

como os do Anual Olímpico do Farias Brito, Lu, Jáder, Marlon, Robério e Walessa por me

agraciarem com suas amizades sinceras até o presente. Também a todos os meus professores

que, vocacionados a transmitir o melhor de si, contribuíram para a realização deste momento.

Às amigas Ryna e Lilinha pela paciência com minhas lamentações diárias nesse

período tumultuado de conclusão de curso.

Ao Dr. Nathaniel Silveira pelo ensinamentos jurídicos diários, também pela

amizade e apoio material e emocional na elaboração deste trabalho.

Ao meu orientador, Prof. Mestre William Paiva Marques Júnior, pela dedicação e

presteza incomparáveis na consecução deste desafio, além da paciência e bom humor tão

essenciais para suavizar os meus momentos de tensão.

Aos mestrandos Camila Siqueira e Duílio Rocha, que pronta e gentilmente

aceitaram compor a banca examinadora.

À querida Faculdade de Direito que, para além das lições acadêmicas,

concedeu-me inestimáveis lições de vida, especialconcedeu-mente no que toca o aprimoraconcedeu-mento na consideração

(7)

“O Direito não regula sentimentos, mas define as relações com base nele geradas.”

(8)

RESUMO

A possibilidade de rateio de benefício de pensão por morte no Regime Geral da Previdência

Social entre o(a) concubino (a) e o (a) esposo(a) enseja profícua discussão na doutrina e

jurisprudência em razão de, embora de comezinha apuração factual desde os tempos de

Brasil-colônia, persiste o entendimento conservador no âmbito jurídico, em que se assume a

concepção de família restrita aos modelos elencados pelo texto constitucional. A celeuma

ganha relevância no campo do Direito Previdenciário quando da morte do(a) segurado(a) que

mantinha relação paralela ao casamento, inquirindo-se o direito do(a) concubino (a) de

pleitear o benefício de pensão por morte, sendo relevante a análise da finalidade da

Previdência Social, bem como do alcance de suas normas à luz dos princípios constitucionais,

abordando-se, ainda, as transformações ocorridas na evolução do conceito de família.

Palavras-chave: Pensão por morte. Direito de Família. Relação de Concubinato.

(9)

ABSTRACT

The possibility of sharing of benefit of pension due to death in the Social Security System

between concubine and wife or husband gives rise to large discussion in doctrine and

jurisprudence, though well knowing factual verification since the times of colonial Brazil,

persists conservative understanding the legal context in which it takes the concept of restricted

models listed by the constitutional text family. The stir gains relevance in the field of Social

Security Law on the death of the insured who kept another relationship besides marriage,

inquiring the right of concubine to claim the benefit of survivorship, and relevant analysis of

the purpose of Social Security, and the scope of its provisions in the light of constitutional

principles, even if accosting the changes occurring in the evolution of the concept of family.

(10)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 11

2. DELINEAMENTO HISTÓRICO DAS FAMÍLIAS ... 13

2.1 O conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro e a sua tutela: modelos constituem numerus clausus? ... 15

2.2 Princípios constitucionais do direito das famílias ... 19

2.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ... 21

2.2.2 Princípio da afetividade ... 22

2.2.3 Princípios da liberdade e da igualdade ... 24

2.2.4 Princípio da solidariedade ... 25

2.3 Monogamia: princípio do direito das famílias? ... 26

3 AS RELAÇÕES DE CONCUBINATO NA HISTÓRIA ECONÔMICO-SOCIAL DO BRASIL ... 28

3.1 O concubinato no ordenamento jurídico brasileiro ... 31

4. O DIREITO DE PENSÃO POR MORTE NAS RELAÇÕES DE CONCUBINATO NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL ... 36

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 49

(11)

1. INTRODUÇÃO

As mudanças compreendidas, desde a Revolução Industrial até a atualidade, na

concepção de família geram, nos mais conservadores, a ideia de crise nessa instituição.

Entretanto, a essência da família permanece intacta, haja vista que ainda é concebida como

lugar ideal do ser humano, onde se desenvolvem sentimentos de afeto, solidariedade,

confiança e respeito mútuo entre seus componentes. Busca-se na construção da família a

formação de um lar em que se respeita e estimula o desenvolvimento da personalidade de

cada um.

Dada a sua importância como unidade social, procura o Estado publicizar essas

relações de cunho estritamente privado, questionando-se, em certas oportunidades, a posição

estatal na transposição do tênue limite entre o interesse supraindividual, consubstanciado na

proteção da base do Estado, para o intervencionismo desnecessário na seara privada.

Nesse contexto, as normas pertinentes à regulamentação desses agrupamentos de

pessoas fundados nos laços de afetividade não são acompanhadas pela legislação que tende ao

conservadorismo.

Tal engessamento se dá em razão de a formação da família preceder ao próprio

Estado, e, assim, sendo ela um fato natural e espontâneo, suas modificações, influenciadas por

mudança econômicas, sociais e políticas, não se dão na mesma velocidade da produção

legislativa.

Desse modo, o artigo 226 da Constituição Federal e seus parágrafos refletem essa

realidade, devendo, por isso, serem compreendidos como rol exemplificativo os tipos de

famílias ali descritos, de modo que, a preservação do lar, entendido como lugar de afeto e

respeito deverá ser o propósitodo intérprete.

Nesta jaez, a melhor compreensão dessa entidade exige sua referência no plural –

famílias, dado que qualquer adjetivação aprisiona a compreensão das famílias àquela

qualificação, obstando a devida a proteção, ao passo que seu o uso no plural recapitula suas

diversas configurações multifacetadas.

O ser humano, no gozo de sua liberdade, constrói seus relacionamentos mediante

o pleno exercício deste direito fundamental, pautando-se apenas em suas próprias escolhas, de

modo que estas não devem se submeter ao crivo do Estado, na medida em que constituem

(12)

Nessa toada, tem-se que os relacionamentos interpessoais são acontecimentos

espontâneos, impulsionados por preferências de cunho pessoal, sendo estas, por sua vez,

influenciáveis pela conjuntura social e econômica.

Constata-se que as relações de concubinato, sejam as consideradas puras ou

impuras, foram sempre uma realidade na história do país, na medida em que existem relatos

desse tipo de relacionamento que remontam aos tempos de Brasil colônia de Portugal.

Ocorre que, embora de comezinha apuração factual, o ordenamento jurídico

brasileiro, bem como a jurisprudência pátria tem se mostrado relutantes em conferir a melhor

medida de justiça às relações extramatrimonais, uma vez que tratam relações pautadas no

afeto como mera sociedades de fato, sem aplicação de critérios segundos os quais, a partir de

uma análise do caso in examen, possa autorizar o reconhecimento dessas relações como

entidade familiares, portanto, merecedora de tutela constitucional.

O debate acerca do reconhecimento das uniões paralelas ao matrimônio tem

relevância especial no campo do Direito Previdenciário quando da morte do(a) segurado(a)

que mantinha relação extraconjugal, dando ensejo ao direito do(a) concubino(a) de pleitear o

benefício de pensão por morte.

Dada a relevância do tema, foi reconhecida a repercussão geral pelo Supremo

Tribunal Federal em março de 2012, em recurso extraordinário tombado sob o número

669.465/ES, em que se analisará a possibilidade de reconhecimento de direitos

previdenciários a quem manteve relação duradoura e com aparência familiar com pessoa

casada.

O desafio da matéria exsurge na medida em que os julgadores devem respeitar a

coesão e unicidade do ordenamento jurídico, haja vista que se confrontam a finalidade

precípua do Direito Previdenciário, consubstanciado na cobertura de um infortúnio que leve a

pessoa a um estado de necessidade, garantia do superprincípio da dignidade da pessoa

humana; com o Código Civil que não confere direitos a relações de concubinato.

Assim, este trabalho tem por escopo defender a possibilidade de reconhecimento

das relações extraconjugais serem albergadas pelo manto protetor do Direito Previdenciário,

estabelecendo-se critérios para tal, a partir de uma análise das mudanças estruturais da família

moderna, bem como expor a origem e os contornos do concubinato no Brasil, para,

posteriormente, examinar os princípios e a finalidade da Previdência Social, à luz do direito à

(13)

2. DELINEAMENTO HISTÓRICO DAS FAMÍLIAS

Envolver-se com o semelhante não constitui prerrogativa exclusiva do ser humano

(DIAS, 2011, p.27). Por instinto da própria perpetuação da espécie, relacionar-se com o

congênere é o traço marcante de todas as espécies do reino animal.

Entretanto, a capacidade de efetuar escolha deliberada, impulsionada por

sentimentos de afeto e de amor para com o seu par é exclusivamente humana. Embora

atualmente a concepção das famílias esteja relacionada a tais sentimentos, a História revela

que, em diferentes civilizações, a formação da família esteve, por muito tempo, mais dirigida

a formação de um grupo, cujos membros viviam para preservação deste, com funções

procracionais, econômicas, religiosas e políticas. (LOBO, 2002, p.06), de modo que o

interesse particular ou a proteção de seus membros, individualmente considerados, não

constituíam sua finalidade.

Em povos de civilizações da Antiguidade, tais como assíria, hindu, egípcia, grega

e romana, a família possuía características extensiva, hierarquizada, patriarcal, com fator

econômico de produção em seu interior (VENOSA, 2003, p.17), cedendo espaço,

paulatinamente, no decorrer dos séculos, a um modelo democrático e nuclear, compelido pela

Revolução Industrial. (DIAS, 2011, p. 28)

Em Roma, a família apresentava forte cunho religioso, destacado na figura do

pater, que tinha como uma de suas funções, liderar o culto aos antepassados.

Ensina Silvo de Salvo Venosa (2003, p.18):

No Direito Romano, assim como no grego, o afeto natural, embora pudesse exisitir, não era o elo de ligação entre os membros da família romana. (...) A instituição funda-se no poder paterno ou poder matriarcal. Essa situação deriva do culto familiar. Os membros da família antiga eram unidos por vínculo mais poderoso que o nascimento: a religião doméstica e o culto dos antepassados. Esse culto era dirigido pelo pater.

Ainda no que concerne à tradição românica, destaca-se o traço de proteção ao

patrimônio da família, na medida em que, embora pudesse o pater nutrir fortes laços de

afetividade em relação a sua filha, não lhe era possível doar-lhe qualquer bem, uma vez que

esta, ao casar-se, passaria a pertencer a família de seu marido, tendo, inclusive, o dever de

cultuar os antepassados deste. (VENOSA, 2003, p. 18)

A expansão do cristianismo e sua posterior adoção como religião oficial do

(14)

comunhão espiritual, condenando por completo as uniões livres, embora fossem reconhecido

efeitos jurídicos. (VENOSA, 2003, p.19)

A família da Idade Média, em termos gerais, afigurou-se com os mesmos traços

da romana, sendo também o traço da afetividade mera questão secundária.

Ainda nas lições de Silvio de Salvo Venosa (2003, p. 19)

Por muito tempo na história, inclusive durante a Idade Média, nas classes nobres, o casamento esteve longe de qualquer conotação afetiva. A instituição do casamento sagrado era um dogma da religião doméstica. Várias civilizações do passado incentivavam o casamento da viúva, sem filhos, com o parente mais próximo de seu marido, e o filho dessa união era considerado filho do falecido. O nascimento de uma filha não preenchia a necessidade, pois ela não poderia ser continuadora do culto de seu pai, quando contraísse núpcias. Reside nesse aspecto a origem história dos direitos mais amplos, inclusive em legislações mais modernas, atribuídos ao filho e em especial ao primogênito, a quem incubiria manter unido o patrimônio em prol da unidade relioso-familiar.

No entanto, transformações econômicas, notadamente, ocasionadas pela

Revolução Industrial que, por sua vez, impulsionaram mudanças sociais e políticas,

promoveram, em conjunto, verdadeira reconfiguração da família ao longo dos séculos XIX,

XX e mais consolidadamente no século XXI.

Referida passagem de economia agrária para industrial operou modificações na

família, na medida em que sua formação predominantemente extensa e concebida como

unidade produtora foi cedendo espaço a uma formação de família urbana, nuclear,

prestigiando a aproximação de seus membros e o fortalecimento do vínculo afetivo. (DIAS,

2011, p. 28)

Nesse contexto, com a Revolução Industrial, as famílias migraram para as

cidades, passando a viver em espaços menores e suficientes apenas para o casal e sua prole.

(DIAS, 2011, p. 28) Ademais, fez surgir a necessidade de mão de obra numerosa, de modo

que a mulher também passou a integrar o mercado de trabalho, atendendo ainda à necessidade

de complementação de renda familiar. Assim, os papéis outrora bem definidos como sendo o

do homem de provedor do lar, e da mulher como de administradora deste, além dos cuidados

com seus rebentos, sucumbiu a uma reorganização em que não só o sustento, como também as

tarefas pertinentes ao lar passaram a ser divididas entre o casal.

A maneira de educar os filhos também sofreu impactos com as transformações

promovidas a partir da Revolução Industrial. Nesse diapasão, ensina Silvio de Salvo Venosa

(2003, p. 20) que:

(15)

corporações de ofício. A educação cabe ao Estado ou a instituições privadas por ele supervisionadas. A religião não mais é ministrada em casa e a multiplicidade de seitas e credos cristãos, desvinculados da fé originais, por vezes opotunistas, não mais permite uma definição homogênea.

Tem-se, portanto, que as famílias modernas passaram a estruturar-se e a

identificar-se sob o elo de afetividade recíproco e proximidade para com seus membros em

detrimento de valores religioso e patrimonial marcados noutro tempo.

No entanto, cumpre salientar que transformações políticas manejaram seus efeitos

também no arranjo familiar. O fortalecimento da experiência democrática conduziu

alterações na entidade familiar, haja vista que a vivência de liberdade de decidir sobre decidir

o curso da própria vida e o direito de protagonizar um papel ao forjar o destino comum

BODIN (2005, p. 3-4) contribuiu com a desqualificação da figura patriarcal dotada de poder

hierárquico para erigir um modelo familiar sobrelevada em valores de liberdade, igualdade e

fraternidade.

Nesse aspecto, importa destacar que se transmuda a finalidade das famílias, no

sentido de que passa a prevalecer o interesse da pessoa que a compõe, com adargo no pleno

desenvolvimento de sua personalidade, em detrimento da família considerada em si mesma.

Da mesma forma, a partir da disseminação de ideais democráticos, a sociedade

passou a aceitar a formação de vínculos constituídos com base em relação afetiva não

associado, necessariamente, ao matrimônio. Com isso, conclui Venosa (2003, p. 20) que a

unidade familiar, sob o prisma social e jurídico, não mais tem como baluarte exclusivo o

matrimônio. A nova família estrutura-se independente de núpcias.

Nessa toada, a sociedade contemporânea demonstra aceitação aos novos tipos de

entidade familiares, ainda que desconstituídas de chancela estatal ou religiosa, sendo relevante

considerar tais entidades como gênero dos diversos tipos de grupos de pessoas que,

coabitando ou não, possuem como unidade identificadora os sentimentos de afeto e respeito

recíproco, bem como o elemento psicológico de pertença àquele grupo.

2.1 O conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro e a sua tutela: modelos

constituem numerus clausus?

Sendo a família o primeiro espaço em que o indivíduo receberá lições de valores

morais, além da vivência em coletividade, a importância deste núcleo para o Estado se

(16)

O ordenamento jurídico brasileiro garante a proteção ao núcleo familiar sob

diferentes tutelas, podendo-se dizer que a compreensão e a extensão dela variam nos diversos

ramos do direito positivo. (VENOSA, 2003, p. 15)

No campo internacional, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948)

estabelece em seu artigo XVI 3 que a família é o elemento natural e fundamental da

sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado.

No âmbito infraconstitucional, é o que ocorre, por exemplo, na Lei do Inquilinato

(Lei N0 8.245/91) em que ora entende como pessoas da família, com o escopo de garantir a permanência no imóvel dos sucessores do locatário, entendidos como aqueles que viviam com

o mesmo e dele dependiam economicamente (artigo 11, I), ora restringe o núcleo ao cônjuge e

aos filhos do locatário.

Também a Lei Maria da Penha (Lei N0 11.340/06), com o fito de coibir a violência doméstica e familiar amplia em seu artigo 50 a concepção de família como qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida,

independentemente de coabitação.

Semelhantemente, a respeito da Lei N0 8.090/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, o Superior Tribunal de Justiça já consolidou

entendimento segundo o qual constitui bem de família, ainda que o devedor resida só e seja

solitário, tendo prevalecido, na análise dos casos concretos, a tutela das pessoas, cuja

moradia é imprescindível para realização da dignidade humana. .

Por seu turno, a Constituição Federal aborda a proteção à família, à criança, ao

adolescente, ao jovem e ao idoso, localizada sob o título Da Ordem Social, sem prejuízo dos

demais dispositivos esparsos nela contidos, porém, também, sem estabelecer um conceito

legal de família.

Dispõe o artigo 226 da Carta Magna que a família, base da sociedade, tem

especial proteção do Estado.

A bem da verdade, não há conceito expresso de família, em razão de ser esta,

segundo as lições de DIAS (2011, p. 27) um agrupamento informal, de formação espontânea,

preexistente ao Estado, sendo certo que a regulamentação legislativa nunca é multifacetada

como a família natural. (DIAS, 2011, p.37)

Entretanto, resta esclarecer se, inobstante a Constituição Federal não ter definido

expressamente em seu artigo 226, caput, o conceito de família, seus parágrafos elencam

(17)

estável e família monoparental constituem modelos numerus clausus que gozam de proteção

estatal?

O supracitado artigo, ao enunciar a proteção à família, o faz de forma irrestrita e

geral, na medida em que não traz em seu conteúdo qualquer adjetivo ao substantivo família,

que permita interpretação restritiva ao comando.

Sendo assim, o fato de os parágrafos do artigo 226 da Constituição apontarem

modelos de família não autoriza conclusão no sentido de que o legislador estabeleceu cláusula

de exclusão com a previsão de efeitos jurídicos à família matrimonial, monoparental e à união

estável. (LOBO, 2002, p. 05)

Ainda no pertinente às lições de LOBO (2002, p. 07) tem-se que a discriminação

é apenas admitida quando expressamente prevista na Constituição. Se ela não discrimina, o

intérprete ou legislador infraconstitucional não o podem fazer.

Destarte, a designação de tais modelos ocorreu pelo simples fatos destes serem os

mais corriqueiros, constituindo, portanto, tipos meramente exemplificativos.

A Lei Fundamental estabelece a pessoa humana como fundamento da República e

sustentáculo dos direitos fundamentais e, assim sendo, a família encerra a função de promover

o desenvolvimento da personalidade do ser que a integra, de modo que a tutela constitucional

não se refere a família per se, mas o locus indispensável de realização e desenvolvimento da

pessoa humana. (LOBO, 2002, p. 06)

Ademais, a liberdade, também constituída como direito fundamental do ser

humano e, portanto, realização do macroprincípio da dignidade humana, refere-se à ampla

escolha do indivíduo para construir seus relacionamentos de modo que melhor corresponda a

sua realização existencial. Em razão disso, é consagrado pela Carta Magna o livre

planejamento familiar pelo cidadão, conforme estabelece o artigo 227, § 7º da Lei Maior.

Deste modo, o papel do Estado, na efetivação do direito de liberdade do

indivíduo, se configura com o seu absenteísmo no que se refere à imposição de modelos de

família ou em restringir tutela jurídica a determinadas entidades familiares, pois, ainda que a

família apresente conotação pública, na medida em que é do interesse do Estado a sua

proteção, e, em razão disso, suas normas concernentes às famílias sejam de ordem pública;

deve-se compreender a natureza estritamente privada da entidade familiar, pois é neste espaço

que o individuo vivenciará todo o ciclo natural da vida compreendido em nascer, crescer,

sofrer e morrer.

(18)

... Sendo o Brasil um estado laico, que consagra o pluralismo, o respeito à diversidade e a autonomia da pessoa, não é coerente que a ordem infraconstitucional estabeleça modelos ideais de família, excluindo outros já existentes no cenário social. Uma vez reconhecida a autonomia da pessoa na formação da sua família e a natureza sócio-cultural desta, o ordenamento jurídico terá de reconhecer-lhes os efeitos apesar dos matizes com as quais se apresentar. Importa destacar o vínculo afetivo e o reconhecimento de pertença dos membros ao grupo por eles designado como família. (grifo nosso)

Nesta toada, cumpre salientar que o parágrafo 80 do artigo 226 da Carta Magna assegura a proteção à família na pessoa de cada um dos que a integram, sendo certo,

conforme Joyceane Bezerra de Menezes (2008, p. 120), que a família é instituição a serviço

da formação e bem-estar da pessoa, e não contrário, dado que o objeto da norma é a própria

pessoa que integra a família.

Nessa perspectiva acerca do melhor interesse da pessoa, não é admissível a

proteção de certos tipos familiares em detrimento de outros que palpitam na realidade fática,

na medida em que, segundo LOBO (2002, p. 06), a exclusão refletiria nas pessoas que as

integram por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a realização do princípio

da dignidade da pessoa humana.

Isto posto, infere-se que o comando constitucional garantiu a proteção à família,

sem qualificá-la, tendo atendido a uma realidade social em que confere proteção aos tipos

variados que não se encerram na família matrimonial ou em outras indicadas no texto da

Constituição, mas ao grupo fundado essencialmente nos laços de afetividade. (LOBO, 2002,

p. 06)

Trata o caput do artigo 226 da Constituição Federal de norma de conceito

indeterminado e, como tal, segundo os ensinamentos de LOBO (2002, p.05) depende de

concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo a tipicidade aberta, dotada de

ductilidade e adaptabilidade.

Com isso, hodiernamente, malgrado persista a resistência na aceitação da

superação do modelo familiar concebido segundo a tradição matrimonial, tem-se admitido

como elemento de identificação de entidade familiar a afetividade, sendo esta compreendida

como construção cultural, causa final e originária de toda entidade familiar. (LOBO, 2002, p.

07)

Revela-se, portanto, imperioso destacar que a conceituação da família deve

albergar uma visão pluralista, de tal sorte a se buscar na afetividade o elemento que interliga

seus componentes e os identifica como tais, independentemente de conformações sociais.

(19)

À vista de todo o exposto, conclui-se que a Constituição Federal não contempla

modelos preferenciais ou, menos ainda, exclusivos de família, sendo estas concebidas como

entidades que apresentem em sua essência afetividade, estabilidade e ostentabilidade, de

modo que onde houver família, haverá proteção constitucional.

Em decorrência, relacionamentos concubinários que ostentem os requisitos de

identificação de família supracitados merecem guarida constitucional por tratar-se de

corolário da aplicação da isonomia.

2.2 Princípios constitucionais do direito das famílias

A descoberta das atrocidades cometidas nos campos de concentração da

Alemanha desencadeou uma crise jurídica nos países ocidentais, em especial, naquele país

(MARMELSTEIN, 2009, p. 10), em razão de o positivismo kelseniano, corrente teórica,

segundo a qual, apregoava que dada a pureza do Direito, não cabia ao intérprete formular

qualquer juízo de valor à norma, partindo-se da premissa de que, sendo a norma válida,

dever-se-ia aplicá-la sem questionamento. (MARMELSTEIN, 2009, p.11)

A partir dessa concepção, referida tese jurídica acabou por servir de fundamento a

leis nazistas e, por sua vez, a sentenças que tinham por fim o confisco de bens, esterilização,

tortura, experimentos médicos em seres humanos, penas de morte, deportação

(MARMELSTEIN, 2009, p. 05), dentre outras desumanidades decorrentes do holocausto.

É nesse contexto de pós II Guerra Mundial que surge a necessidade de

reformulação do pensamento jurídico, influenciando boa parte dos países ocidentais, em que

se buscou, prioritariamente, conceber o direito sob uma perspectiva humanitária e dotada de

valores éticos, fundamental para a proteção da dignidade humana.

É também nessa conjuntura que emerge o neoconstitucionalismo, em que se

trouxe a positivação do valor da dignidade da pessoa humana, colocando-o no topo da

hierarquia normativa, protegido de maiorias eventuais. (MARMELSTEIN, 2009, p. 12).

A particularidade do neoconstitucionalismo refere-se à garantia de normatividade

à Constituição, considerando-a como instrumento de efetivação dos direitos fundamentais, ou

seja, é o reconhecimento da normatividade da Constituição, a qual possui significado próprio

e a pretensão de sua eficácia apresenta-se como elemento autônomo no campo de forças do

qual resulta a realidade do Estado. (HESSE, 1991, p. 16-17)

(20)

Assim, a realidade implementada pelo neoconstitucionalismo traz a eficácia da

Lei Maior, abandonando-se a ideia de texto meramente retórico para a de concretização dos

direitos fundamentais.

É nesse âmbito que os princípios constitucionais são concebidos na nova ordem

jurídica como normas mais fundamentais do sistema (SILVA, 2003, p.612) e, assim, dotados

de imperatividade.

Ainda no pertinente à nova perspectiva assumida pelos princípios constitucionais,

complementa Maria Berenice Dias (2011, p. 57) que se tornaram imprescindíveis para a

aproximação do ideal de justiça, não dispondo exclusivamente de força supletiva.

Assim, em razão da força normativa da Constituição citada alhures, os princípios

enunciados explícito ou implicitamente pelo texto constitucional apresentam eficácia

imediata, além de cumprirem significativo papel na harmonização do sistema jurídico, na

medida em que a operação hermenêutica deve sempre iniciar-se pelo princípio que melhor

alcance a dignidade da pessoa humana, fundamento da República.

Destarte, é no direito das famílias que os princípios constitucionais encontram

maior campo para sua aplicabilidade, em razão de, conforme explicitado, estar a família à

serviço do desenvolvimento da pessoa que a integra.

Contudo, não há entendimento pacífico na doutrina sobre quais ou quantos são os

princípios constitucionais do direito de família.

À vista disso, serão elencados princípios aplicáveis ao direito das famílias, sendo

alguns deles extensíveis aos demais ramos do direito, como o princípio da dignidade da

pessoa humana, da igualdade, da liberdade. Os demais princípios possuem conotação mais

específica, próprios de relações familiares, tais como o princípio da afetividade, da

solidariedade familiar e do pluralismo das entidades familiares.

Cumpre, no entanto, esclarecer que a exposição, a seguir, dos princípios

concernentes ao direito das famílias não possuem o escopo de esgotar o tema, senão a de

fundamentar a perspectiva central deste trabalho, qual seja, reconhecimento de uniões

(21)

2.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

Como aludido, a ordem constitucional implementada em 1988 consagrou a pessoa

humana como centro e fundamento de todo o ordenamento jurídico pátrio. É dizer, a

dignidade da pessoa humana constitui base axiológica dos direitos fundamentais.

Registre-se que a dignidade constitui característica inerente ao ser humano, e uma

vez que a Constituição Federal resgatou a pessoa humana como centro e fundamento da

ordem jurídica, o princípio da dignidade humana arvora-se como macroprincípio, sendo lastro

dos demais princípios e direitos fundamentais, destacando-se o princípio da liberdade e da

igualdade.

Ocorre que, sendo a dignidade um vocábulo que exprime valor, e como tal, dotado

de relativa abstratividade, a compreensão de seu significado reporta-se a sua contraposição a

tudo aquilo que possui um preço, de acordo com as lições de Immanuel Kant (1986, p. 77),

que ensina:

No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr outra em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalente, então ela tem dignidade. (grifos nosso)

A partir dessa concepção, entende-se que a dignidade da pessoa humana distingue

o ser humano de objeto, pois que objetos e coisas que são passíveis de preço; para referir-se

ao humano como sujeito único.

Assim, oportuna a lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery

(2009, p. 151)

Os valores fundamentais, encartados na estrutura político-jurídica da Carta Magna, refletem-se em princípios gerais de direito quando informam seus elementos e privilegiam a realidade fundamental do fenômeno jurídico, que é a consideração primordial e fundamental de que o homem é sujeito de direito e, nunca, objeto de direito.

A Carta Magna vincula o Estado, a família e a sociedade como sujeitos de

deveres responsáveis pela efetivação do supracitado princípio.

Sem prejuízo das demais previsões implícitas ou explícitas em seu texto, é em seu

título VIII, no capítulo dedicado à família, que a Constituição Federal demanda atenção com a

dignidade da pessoa humana, como no artigo 226, § 80, em que o texto constitucional assegura assistência à família na pessoa que a integra; bem como nos artigos 227 e 230, onde

(22)

dentre outros direitos fundamentais, à criança, ao adolescente, ao jovem e ao idoso, além do

reconhecimento por estes entes da natureza de família a todas as entidades com fins afetivos,

sem restrição ou discriminação (LOBO, 2002, p. 10), como expressão da plena efetivação do

princípio em comento..

Nessa toada, o direito das famílias encontra-se arraigado com os direitos

humanos, que tem por princípio a dignidade da pessoa humana (BERENICE, 2011, p. 62), de

modo que qualquer ato referente à suposta proteção de patrimônio em detrimento da pessoa

ou qualquer tratamento diferenciado às diversas configurações familiares constitui violação

direta ao princípio da dignidade da pessoa humana.

2.2.2 Princípio da afetividade

A afetividade não se encontra expressamente no texto constitucional ou nas

demais legislações infraconstitucionais.

Como anteriormente demonstrado, a família contemporânea prestigia os vínculos

afetivos, concebendo-os como elemento fomentador na solidificação de um lar para melhor

desenvolvimento da personalidade da pessoa (DIAS, 2011, p. 54), em detrimento de

interesses exclusivamente patrimoniais de outrora.

Assim, embora o texto constitucional não apresente o léxico afetividade em seu

conteúdo, é possível inferir sua prevalência no ordenamento por meio da interpretação do

artigos 226, § § 30 e 60 e do artigo 227, § 60, da Carta Magna.

Reza o artigo 226, § 30 que para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua

conversão em casamento, concluindo-se que o Estado garante proteção a escolha livre e

deliberada do casal que deseje comunhão plena de vida, sem, no entanto, constituí-la por meio

do matrimônio. A interpretação do dispositivo quer dizer nada mais que o reconhecimento da

afetividade como elemento constitutivo dos vínculos interpessoais. (DIAS, 2011, p. 55)

Por sua vez, o artigo 226 § 60, através da Emenda Constitucional de Nº66 de 2010, simplifica a dissolução do matrimônio, expurgando do ordenamento a separação

judicial e, com ela, prazos desproporcionais, além da identificação de culpa, bastando tão

(23)

não mais manter a entidade formada, de modo a não mais se justificar a ingerência do Estado

em âmbito estritamente privado.

Por conseguinte, consagra o artigo 227, § 60, a prevalência da afetividade ao proibir qualquer tratamento discriminatórios aos filhos, independentemente que sejam

provenientes do casamento ou fora dele, ou, ainda filho adotivo.

Quanto ao ponto, refere Paulo Lobo (2002, p. 7):

Se todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem, é porque a

Constituição afastou qualquer interesse ou valor que não seja o da comunhão de amor ou do interesse afetivo como fundamento da relação entre pai e filho. A fortiori, se não há qualquer espécie de distinção entre filhos biológicos e filhos adotivos, é porque a Constituição os concebe como filhos do amor, do afeto construído no dia a dia, seja os que a natureza deu seja os que foram livremente escolhidos. (grifo nosso)

Ainda no que se refere ao estado de filiação, cite-se, por oportuno, que a

legislação infraconstitucional reconhece a valoração do afeto em tal relação filial, como se

deduz dos artigos 1.583 § 20, I, e 1.584, § 50 do Código Civil, ao estabelecer a guarda unilateral ao genitor ou a terceiro levando-se em consideração aquele que melhor propicie

afeto ao infante; no artigo 1.593 do mesmo diploma, que estabelece que o parentesco é

natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. Ao acrescentar outras

possibilidades de reconhecimento de parentesco para além da consanguinidade, o legislador

reconhece a afetividade como elemento integrador e capaz de traduzir o sentimento de

pertença do individuo à entidade familiar estabelecida.

Tamanha é a importância da afetividade, haja vista que também está associada ao

desenvolvimento pleno da personalidade da pessoa, que se tem verificado julgamento, em

instâncias superiores, considerável prestígio à relação socioafetiva em detrimento do vínculo

biológico.

Por oportuno, colaciona-se trecho do entendimento do Superior Tribunal de

Justiça em recente julgado de Recurso Especial1, nas considerações do Ministro Luis Felipe Salomão:

... não é possível a anulação de registro civil para a construção de outro em que figurem os pais biológicos, no caso de a autora, adotada à brasileira, saber, desde os 14 anos de idade, que os pais registrais não eram os de sangue, tendo somente movido a ação aludida após mais de quarenta anos de convivência, depois da morte deles, visto que cancelar o registro significaria apagar todo o histórico de vida e a condição social da postulante, resultando em insegurança social e jurídica, já que o vínculo afetivo formado entre a requerente e os pais registrais espelha o real

1

STJ – RESP 1167993/RS

(24)

estado de filiação da impugnante, devendo-se, assim, privilegiar a verdade sócio-afetiva frente a biológica. (grifou-se)

Tem-se, com isso, que, embora de maneira tímida, o legislador consagrou o

princípio da afetividade nas relações pertinentes ao Direito das famílias.

2.2.3 Princípios da liberdade e da igualdade

A ideia que concebe a liberdade como princípio do ordenamento e como direito

fundamental é a de impor limites a atividade do Estado em relação a automia privada do

indíviduo, ou seja, é o dever de abstenção estatal na tomada de decisões que apenas lhes diz

respeito.

Ocorre que princípio da liberdade guarda considerável relação de mutualidade

com o princípio da igualdade, na medida em que, para a concretização do enunciado contido

no inciso IV do artigo 3º da Constituição Federal, qual seja, promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação, é

necessário que ambos os princípios estejam em mesmo grau, visto que maior liberdade para

um implica dominação de outro que não a detém em igual proporção. (DIAS, 2011, p. 64)

Assim, liberdade e igualdade são valores que se complementam, na medida em

que a observância de um princípio garante a concretização do outro.

A aplicação do princípio da liberdade no âmbito do Direito das famílias refere-se

à liberdade do ser em escolher seu próprio par, devendo o Estado garantir a tutela da entidade

familiar que melhor aprouver ao indivíduo; em ter ou não filhos, sendo decisão exclusiva do

casal o planejamento familiar, conforme artigo 226, § 7º.

Ao mesmo passo, a aplicação do princípio da igualdade na esfera familiar

relaciona-se com o tratamento isonômico entre homem e mulher contido no artigo 50, I, da Carta Magna, ressaltado no artigo 226, § 5º, desdobrando-se, portanto, no exercício conjunto

do poder familiar entre os cônjuges, conforme artigo 1.630 do Código Civil.

No atinente ao direito dos infantes, lhes é, expressamente, assegurado a liberdade

e a proibição de qualquer discriminação e, assim, mais uma vez, garantia de igualdade,

consoante enunciado contido no artigo 227.

Que não se olvide mencionar que aludidos princípios realizam em primeira

(25)

igualdade são valores protagonistas das grandes revoluções sociais, tendo por consequência

serem compreendidos como valores inerentes ao próprio homem.

Com isso, desconsiderar sem qualquer critério que as relações de concubinato

constituem mera sociedade de fato viola os princípios ora expostos e, por via indireta, a

própria dignidade da pessoa humana, na medida em que o pleno exercício da autonomia

privada em assunto de denotada realização existencial, qual seja, a escolha de formar família

na maneira que melhor satisfaça o indivíduo, consulta a concretização da liberdade. Como

resultado, tem-se a discriminação de entidade familiar e, portanto, transgressão ao princípio

da igualdade.

2.2.4 Princípio da solidariedade

A ideia de solidariedade está atrelada também às ideias de fraternidade e

reciprocidade, em outro termos, como refere Maria Berenice Dias (2011, p. 66) é o que cada

um deve ao outro.

Nesse sentido, a ordem constitucional erigiu a construção de uma sociedade

calcada nos valores de liberdade, justiça e solidariedade conforme artigo 3o da Carta Magna. Assim, a solidariedade no âmbito familiar é o fundamento do dever de mútua

assistência entre pais e filhos, contidos no artigo 229 da Constituição Federal, segundo o qual

os pais tem o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores tem o

dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

O dever de assistência a pessoa idosa contido no artigo 230 do referido Diploma

legal também possui o mesmo conteúdo solidário.

Em decorrência deste princípio, o Código Civil estabelece o dever de alimentos

com fundamento no princípio da solidariedade, conforme se depreende de seu artigo 1.694,

segundo o qual podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros

alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social,

inclusive para atender às necessidades de sua educação.

Com isso, o Estado atribui, prioritariamente, à família a responsabilidade de

cuidado e assistência ao indivíduo, como forma de proteção social, pois que ao gerar

(26)

bem de todos os seus governados, objetivo da República Federativa do Brasil, torna-se

supletivo à obrigação familiar.

2.3 Monogamia: princípio do direito das famílias?

Para que as relações concubinárias sejam reconhecidas como entidade familiar,

resta investigar se o ordenamento jurídico concebeu a monogamia como princípio do

ordenamento jurídico.

Considerar a monogamia como princípio significa assumir que o próprio

ordenamento jurídico possui normas a contrario sensu, na medida em que a Constituição

Federal e o Código Civil, como exemplos, disciplinam efeitos quando da ocorrência da

infidelidade.

Cite-se o artigo 227 da Carta Magna que proíbe qualquer forma de discriminação

entre os filhos, ainda que havidos por relações adulterinas, podendo-se concluir que a Lei

Maior tolera o dever de infidelidade. (DIAS, 2011, p. 60)

A lei civil, por seu turno, prevê a possibilidade de anulação de doação de bens do

adúltero ao cúmplice, conforme artigo 550 do Código; a ocorrência do adultério como

impossibilidade de comunhão de vida, segundo prenuncia o artigo 1.573, I, do mesmo

diploma; estabelece o casamento como fato impeditivo de novo matrimônio, consoante artigo

1.521, VI; além de prever expressamente o concubinato em seu artigo 1.727, ao defini-lo

como relação não eventual entre homem e mulher impedidos de casar.

A lei penal, por seu lado, durante a vigência do artigo 240, tratava do crime de

adultério e tinha como bem jurídico a proteção à fidelidade, condicionando a ação à

representação do ofendido. No entanto, consoante o inciso segundo do parágrafo terceiro do

supracitado artigo, a ação penal não poder ser intentada caso o cônjuge houvesse consentido

no adultério ou perdoado o infiel expressa ou tacitamente. Reconhecida a ausência de

efetividade de tal norma, o legislador, em obediência ao princípio de intervenção mínima do

Direito Penal, tornou atípica tal conduta ao revogar o dispositivo mediante a Lei Nº

11.106/2005.

A previsão de crime de bigamia no artigo 235 do sobredito Diploma não apresenta

(27)

comento é de ação penal pública incondicionada, mas visa à proteção de uma dada forma de

entidade familiar, porém não exclusiva, qual seja, a matrimonial.

Urge esclarecer, a partir do exposto, que o reconhecimento de uniões simultâneas

com configuração de família não significa incorrer em crime de bigamia, pois palpitam no

campo dos fatos situações em que o sujeito é casado e mantém relação adulterina por anos

sem, no entanto, contrair matrimônio.

Em tal hipótese, não se configura o crime de adultério em razão do abolitio

criminis, tampouco o de bigamia, já que ausente na conduta o elemento do tipo, qual seja,

contrair alguém, sendo casado, novo casamento.

Isto posto, destoa da razoabilidade conceber que a monogamia constitui princípio

do Direito das Famílias, haja vista a extensa disciplina normativa conferida aos casos de

infidelidade, não obstante se denote que o Código Civil confere tratamento sobejamente

punitivo às relações adulterinas, no sentido em que o concubinato somente é levado a efeito

para declaração de nulidade de negócios jurídicos.

Nesta toada, ensina Maria Berenice Dias que a monogamia assume apenas função

ordenadora da família e que a uniconjugalidade não passa de um sistema de regras morais,

de interesses antropológicos e psicológicos, embora disponha de valor jurídico. (2011, p. 60

Importa esclarecer que a aparente proteção à monogamia do Código Civil

ampara-se sob uma perspectiva econômica, na medida em que busca proteger, ampara-seguindo a ideologia

obsoleta do Código de 1916, o patrimônio que seria da família oficial.

Destaca-se como retrógrado o entendimento supracitado, visto que, o

neoconstitucionalismo validado pela Constituição Federal humaniza o Direito Civil,

porquanto verificados seus influxos sob o prisma da mutação paradigmática, consoante a

qual o ser humano torna-se o centro protetivo da ordem descodificada e micronormatizada

tomando-se as lições de William Paiva Marques Júnior ( 2013, p. 322).

E assim, como demonstrado, a família do século XXI transformou-se de um

modelo econômico-patrimonial para um modelo ético-existencial, (MENEZES, 2008, p. 120),

sendo certo que os princípios do direito das famílias não devem apartarem-se de sua

concepção atual, considerando a pluralidade dos arranjos familiares a partir do elo de

afetividade entre seus membros, albergando, assim, famílias nominadas de adulterinas.

(28)

3 AS RELAÇÕES DE CONCUBINATO NA HISTÓRIA ECONÔMICO-SOCIAL DO

BRASIL

As relações de concubinato remontam à época do Brasil ainda colônia de

Portugal, tendo recebido, desde seu prelúdio, tratamento discriminatório por ser o casamento

única acepção de modelo familiar.

Estudo recente demonstra que a relação de concubinato no Brasil guarda estreita

relação de poder e, portanto, de dominação, de modo que, segundo aponta Marcos Alves da

Silva (2013, p. 139) o concubinato se consagra como um dos privilégios sexuais dos

lusitanos, primeiramente em relação às índias, depois em relação às negras, mulatas,

mamelucas e brancas pobres. Nesse sentido, tem-se que o concubinato, na época colonial,

não se resultava como uma alternativa ao matrimônio ou como preferência do casal a

informalidade, pois tal relação era marginalizada.

Como derivado de uma relação de poder em um período de dominação masculina,

costumava-se denominar a mulher não casada, que mantinha relacionamento sem o selo do

matrimônio, de concubina, signo que, etimologicamente, provém do verbo latim concuborae

ou concubo-ere que significa deitar-se, encostar-se ou ao pé de, atrelando uma conotação

sexual ao termo. (COL, 2002, p. 44)

E assim, ao tempo do Brasil-colônia, o concubinato não se diferenciava em muito

da prostituição, gravando no termo, portanto, carga preconceituosa e estigmatizante.

Importa ressaltar o papel da Igreja Católica no Brasil na influência da

marginalização do concubinato que, por meio de sua pregação jesuítica, estruturava o

casamento em valores de permanência e indissolubilidade. Naquele tempo, à mulher somente

era possível ascender socialmente por meio do casamento.

Segundo Mary Del Priore (2005, p. 26) havia nessa época empenho do Estado e

da Igreja em domar os sentimentos do amor e da sexualidade, em especial da mulher, com o

escopo de se construir uma sociedade nos moldes católicos, espelhando a ideologia do Estado

Moderno.

Documentos da cidade de São Paulo contemporâneos à época colonial assinalam,

consoante Mary Del Priore (2005, p. 19), que influenciados pela tradição portuguesa, havia no

Brasil a concepção de dois amores: o do casamento, casto e continente e o que se estabelecia

fora dele, com o amor-paixão em que se buscavam os prazeres da carne. Nesse sentido,

(29)

reservando-se, assim, exclusivamente aos homens a prerrogativa de buscar nas relações

extramatrimonais a satisfação de seus desejos lascivos.

Convém, ainda, frisar que até o advento da República, o ordenamento jurídico era

mesclado de regras e valores católicos, de modo que, conforme destacou Keith Rosenn (1998,

p. 23) por força do Decreto de 3 de novembro de 1827, todas as questões relativas ao

casamento deveriam ser resolvidas em conformidade com o direito canônico, nos termos do

Conselho de Trento e da Constituição do Arcebispado da Bahia. Patente, portanto, a

influência da religião católica na formação dos vínculos familiares.

Ocorre que, a despeito da pregação cristã, o concubinato foi expressão mais

comum da vida familiar desde os primeiros anos de dominação portuguesa em terras

brasileiras.

Nesta alheta, aponta-se como razão para tanto o próprio modelo de colonização

implantado no Brasil, visto que os colonos europeus que vieram tentar a vida nas terras do

novo continente eram providos de espírito aventureiro, inebriados com a possibilidade de

fazer riqueza, e não de constituir laços duradouros de afeto. (SILVA, 2013, p. 143). Ademais,

o período colonial, como se sabe, foi marcado pela relação de exploração e dominação,

causando precariedade de condições nas camadas sociais mais exploradas. Ao mesmo tempo,

casar aos moldes da Igreja católica demandava altos custos, além da burocracia para

realização da celebração. (SILVA, 2013, p. 140)

E assim, conforme mencionado, as relações de concubinato no Brasil nascem sob

o estigma de desqualificação, marcado pela dominação masculina sobre mulheres índias,

escravas ou alforriadas e brancas pobres. Como destaca Marcos Alves da Silva (2013, p. 144),

o que justifica a proliferação do concubinato entre desiguais é exatamente a possibilidade do

estabelecimento de vínculos sem eliminação da desigualdade.

Por essa razão, as relações de concubinato não constituíam exceções ou fenômeno

episódico, havendo considerável tolerância da sociedade da época aos considerados amores

irregulares.

Mencione-se que ainda no atinente aos fatores determinantes para a difusão do

concubinato, as bandeiras e entradas, também à época colonial, contribuíram com a

propagação de tais relacionamentos, na medida em que referidas expedições exigiam que o

homem permanecesse longe de suas famílias por tempo inderminado.

A descoberta do ouro, hoje no estado de Minas Gerais, a partir das primeiras

(30)

região atraiu indívíduos de diversas origens e condições, dando ensejo a coexistência de

tradições diversificadas impulsionando, segundo Rangel Cerceau Netto2 (2008, p. 02):

... a coexistência de várias formas de organização familiar nesse mesmo espaço fomentou naquela sociedade práticas religiosas e morais bastante distintas, sobretudo em relação ao comportamento sexual e familiar pregado pela Igreja católica pós-tridentina e pelo Estado moderno português.(...) Pode-se dizer que essa amálgama de tradições comportamentais possibilitou o surgimento de relações familiares flexíveis, formando uma sociedade plural, heterogênea, diversificada social e culturalmente, o que ensejava a constituição de distintos e complexos arranjos sociais e familiares.

Segundo levantamentos historiográficos apontados pelo autor supracitado (2008,

p. 05), documentos eclesiásticos revelam que 91,1% dos delitos apurados nas devassas

eclesiásticas, eram relativos à concubinagem.

Insta ressalvar que, embora houvesse relativa tolerância, o concubinato não se

assemelhava ao casamento, pois que apenas o segundo garantia prestígio social e tratamento

jurídico, sendo certo que o concubinato somente era levado a efeito quando tendia a promover

a igualdade entre concubina e esposa (SILVA, 2013, p. 144), oportunidade em que a Igreja,

autorizada pelo Estado, cuidava das sanções.

Outrossim, além das relações de concubinato, também foi traço marcante, no

pertinente à formação da família do Brasil-colônia, a prática da bigamia como delito

corriqueiro.

Semelhantemente ao concubinato, a conjuntura econômica, implementada pela

colonização de exploração favoreceu a bigamia, na medida em que as longas viagens entre

metrópole e colônia, ou mesmo viagens entre as províncias por artesãos, mascates, letrados

dentre outros, forneciam condições para a multiplicidade de casamentos. (SILVA, 2013, p.

145-146)

Ressalve-se que a bigamia não constituiu crime exclusivo de homens, visto que há

relatos de mulheres que contraíam novas núpcias (SILVA, 2013, p. 146), provavelmente em

razão da descrença de que seus maridos retornariam aos seus lares após período de ausência

prolongada.

Em que pese a legislação vigente à época do domínio português ou mesmo

durante a época imperial fosse demasiadamente severa, pois previa como violação ao

matrimônio pena de morte, na vigência das Ordenações Filipinas ou execução de trabalhos

2

Disponível em:

(31)

forçados previsto no Código Penal de 1839, a razão da ocorrência de considerável número de

bígamos se dá, como mencionado, pelo fato de o casamento estabelecer prestígio e ascensão

social e, assim, os colonos terminavam por optar pelo risco de novo casamento e incorrer no

crime de bigamia especialmente quando o noivo ou a noiva era pessoa de posses, confiantes

na benevolência do Estado, inobstante punições severas. (SILVA, 2013, p. 146)

Assim, a família brasileira desenvolve-se nesse contexto de ambiguidade, visto

que, embora haja denotada moralidade permissiva acerca das relações paralelas ao modelo

matrimonial-cristão, oficialmente, o casamento jamais deixou de ser garantia de

respeitabilidade e acessibilidade aos estratos sociais mais elevados.

3.1 O concubinato no ordenamento jurídico brasileiro

Importa ressaltar que até a advento da Constituição Federal de 1988, as relações

que não se edificavam sob a bênção do padre, anteriormente à laicização do Estado, ou sob a

égide da lei civil, eram denominadas de concubinato.

No entanto, posteriormente, passou-se a diferenciar as formas de concubinato,

tomando-se por paradigma o impedimento de contrair matrimônio. Assim, qualificava-se

como concubinato puro, a relação em que os indivíduos não contraíam matrimônio, mas não

possuíam impedimento para casar. A Carta Magna consagrou tais uniões como união estável

em seu artigo 226, § 30, conforme explicitado. Após a promulgação das Leis n0 8.971/94 e 9.278/96 passou-se a utilizar os termos de companheiro e convivente, restringindo a carga

discriminatória do termo concubino(a) somente a quem mantenha o concubinato qualificado

como impuro ou adulterino, assim considerado em razão do impedimento de um ou ambos os

indivíduos em contrair matrimônio, notadamente em razão de ser(em) casado(s).

Conforme demonstrado, o concubinato, embora tamanha fosse sua apuração

factual e considerada tolerância social, no âmbito do discurso jurídico, não encontrava

qualquer menção, a não ser para desfazimento de negócio jurídico.

As Ordenações Filipinas, vigente no Brasil até a promulgação do Código Civil de

1916, em seu Livro IV, Título LXVI3 consta a possibilidade da esposa revogar a doação ou

3 Estabelecia o Livro IV, Título LXVI das Ordenações Filipinas: “Se algum homem casado der à sua barre

(32)

venda feita por seu marido à, segundo a nomenclatura utilizada pelas Ordenações, sua

barregã.

O Código Civil de 19164 também não reconhece direitos ao que considera família ilegítima, de modo a impedir doações e disposição de última vontade de homem casado à

concubina (SILVA, 2013, p. 150), como se pode inferir a partir dos artigos 248, IV; 1.177 e

1.719, III, dentre outros.

Nesses casos, nota-se o propósito do legislador em proteger apenas as famílias

constituídas sob a égide do matrimônio. Em decorrência disso, tanto a doutrina quanto os

tribunais de instâncias superiores, ao perceberem a família somente a partir do casamento,

quedaram-se inertes também a respeito das relações de concubinagem.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, na década de 1960, editou súmulas que

deram início à discreta mudança no que toca o reconhecimento de efeitos jurídicos às relações

extramatrimoniais, a despeito das críticas quanto à violação de princípios constitucionais.

A Súmula 380 da Suprema Corte, editada em 1964, estabelece que comprovada a

sociedade de fato entre os concubinos, é cabível sua dissolução judicial com a partilha do

patrimônio adquirido pelo esforço comum. Percebe-se que são reconhecidos direitos

patrimoniais em considerável esforço para se realizar a justiça ao se afastar a hipótese de

enriquecimento ilícito de um dos indivíduos. No entanto, não há reconhecimento de uma

entidade familiar, mas tão somente de uma sociedade de fato. Segundo Marcos Alves da Silva

(2013, p. 152), o que o Direito entrevê é, no máximo, o esforço comum entre duas pessoas,

sob o nomem iuris de sociedade de fato, desprezando totalmente a razão de ser da relação

estabelecida entre elas.

Paulo Luiz Netto Lobo (2002, p. 09) reconhece o avanço da supracitada súmula

apenas quando de sua edição, visto que atualmente seu texto refere-se às relações afetivas

como se se tratasse de sociedade mercantil ou civil.

Neste sentido, a aplicação da súmula em comento viola não só o princípio da

afetividade, como também o princípio da dignidade humana, ao julgar demandas concernentes

a assuntos de família em varas cíveis, dispensando-lhes tratamento jurídico como se tratassem

haver em ella parte, e que possa fazer della tudo o que lhe aprouver, assi e tão perfeitamente como se não fosse casada. (...) Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l4p870.htm. Acesso em 05/05/2014

4

(33)

os demandantes de sócios de empresa a partilhar lucros, em clara conotação de objetificação

dos indivíduos e de sua relação amorosa.

Assim, a utilização da Súmula 380 renega a importância da família considerada

como ambiente propício ao desenvolvimento da personalidade e autonomia do ser humano,

em um cenário em que se tem a dignidade da pessoa humana como base axiológica dos

direitos fundamentais.

No mesmo ano de 1964, o Supremo Tribunal Federal publicou a Súmula 382 que

tem por conteúdo: a vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à

caracterização do concubinato.

Nesse contexto, importa trazer à baila precedente do Superior Tribunal de Justiça

de elevado teor vanguardista ainda nos anos 2000, em que se reconhece a concomitância de

famílias, a matrimonial e a extramatrimonial, ensejando a divisão do seguro de vida entre

esposa e concubina. Em seu voto, o Ministro relator Aldir Passarinho Junior decidiu5:

... inobstante a não convivência more uxorio, Iracilda Rosaria Nascimento teve com o extinto três filhos, mostrando que a relação entre ambos era estável e duradoura. (...) Mas, de outra parte, inegável que ele mantinha-se também vinculado ao lar conjugal, permanecendo na convivência de sua esposa, Noélia, e seus outros cinco filhos. Importante ressaltar que não se cuidava de mera união de aparências. (...) Impossível, assim, tanto ignorar as normas legais acima reproduzidas, fortes na proteção dos direitos da esposa, como também desconhecer-se, em face da situação específica dos autos, a relação concubinária estável, geradora de prole comum, que merece algum amparo, dentro da compreensão mais atual sobre a matéria, inclusive, agora, em face do disposto no artigo 226, parágrafo 30, da Constituição de 1988. (grifos no original)

Com a devida ressalva no que diz respeito à discordância quanto ao ponto de

equiparação das relações de concubinato à união estável, pois que dois institutos diferentes,

enaltece-se a decisão que, calcada no critério de equidade, atingiu o maior grau de justiça.

O Código Civil de 19166 estabelecia em seu artigo 363, I o direito de filhos, à época designados como ilegítimos, demandarem contra seus pais ou herdeiros o

reconhecimento de filiação, se ao tempo da concepção, a mãe vivia em concubinato com o

pretenso pai. Nesse diapasão, percebe-se que o efeito jurídico do concubinato não vislumbra o

reconhecimento de uma entidade familiar, mas se efetua por via indireta, na medida em que a

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