• Nenhum resultado encontrado

Fundamentos, desafios e alternativas para a salvaguarda e difusão de patrimônio documental fotográfico, audiovisual e sonoro

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Fundamentos, desafios e alternativas para a salvaguarda e difusão de patrimônio documental fotográfico, audiovisual e sonoro"

Copied!
18
0
0

Texto

(1)

INTRODUÇÃO

Geralmente a importância, a função, o papel do patrimônio documental cultural constituído pelos documentos históricos fotográficos, audiovisuais e sonoros que compõem os acervos das instituições não são devidamente reconhecidos, tendo invariavelmente uma posição secundária de visibilidade pelos órgãos públicos em especial. A relevância do tema para a contemporaneidade é reconhecida. O assunto está presente nas preocupações de gestores e usuários de documentos e conteúdos informacionais que caracterizam esses acervos. Procedimentos, políticas e ações de preservação têm motivado encontros, reuniões, eventos em diversos países. No Brasil, esse esforço

Fundamentos, desafios e alternativas para a

salvaguarda e difusão de patrimônio documental

fotográfico, audiovisual e sonoro

Rubens Ribeiro Gonçalves da Silva

Doutor em ciência da informação pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em convênio com a Coordenação de Ensino e Pesquisa do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), Rio de Janeiro, RJ – Brasil. Professor titular e diretor do Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia - Salvador, BA - Brasil

E-mail: rubensri@ufba.br

Resumo

Artigo resultante de conferência proferida no âmbito de concurso público, realizado em maio de 2012, para o cargo de professor titular do Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia (ICI-UFBA). Apresenta conceitos fundamentais relativos à temática do patrimônio documental fotográfico, audiovisual e sonoro, com ênfase para os conceitos de salvaguarda, conservação preventiva, preservação, acesso, gerenciamento de riscos, patrimônio cultural, com destaque para os acervos audiovisuais. Reúne elementos básicos históricos, políticos e legais, e tece considerações sobre conscientização e ações correlatas aos acervos audiovisuais, bem como sobre desafios das políticas públicas. Apresenta alternativas e propostas de ação para a continuidade da pesquisa sobre o tema.

Palavras-chave

Salvaguarda de patrimônio documental. Documento fotográfico. Documento audiovisual. Documento sonoro.

Bases, challenges and alternatives for the safeguard and dissemination of the documental, photographic, audiovisual and sound patrimony

Abstract

This paper is based on a lecture delivered at a symposium held in May of 2012 for the post of Information Science Professor at the Institute of Federal University of Bahia (ICI-UFBA).The fundamental Concepts are presented with

reference to the theme of documental, photographic, audiovisual and sound patrimony, emphasizing the concepts of safeguard, preventive conservation, access, management of risks, cultural patrimony, especially audiovisual collection. The basic, historical, political and legal elements are set up. Awareness and actions related to audiovisual collection are also taken into consideration, as well as the challenges of public policies. As a conclusion, alternatives and proposals for actions are presented for continuing research about this theme.

Keywords

(2)

de reflexão técnica, gerencial e científica está cada vez mais presente, principalmente no debate em torno da imagem em movimento. Destaque deve ser dado à Biblioteca Nacional pelo belo trabalho que vem historicamente desenvolvendo, a duras custas, é verdade, para a organização e preservação de seu acervo fotográfico. Mas mesmo o Ministério da Cultura não tem uma interface adequada com o Ministério da Justiça, no caso do Arquivo Nacional no Brasil, para a salvaguarda de fato e para lidar com o patrimônio cultural representado no que os documentos audiovisuais, fotográficos e sonoros comportam. No Poder Legislativo, também, a atenção reservada à questão é de somenos importância, ao que parece, pois a legislação correlata não é adequada à salvaguarda de nosso patrimônio documental fotográfico, audiovisual e sonoro. Toda essa documentação histórica e cultural, sem os devidos cuidados de salvaguarda, pode desaparecer para sempre.

Este trabalho é uma adaptação da conferência de mesmo título apresentada em concurso para o cargo de professor titular do Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia (ICI-UFBA).1 Considerando-se a adaptação de

uma conferência, a temática será aprofundada nos próximos três anos, no âmbito do projeto Desafios e alternativas digitais para salvaguarda e difusão do patrimônio público documental arquivístico audiovisual, contemplado com bolsa produtividade CNPq para o período de 2013-2016, quando a pesquisa certamente destacará trabalhos mais recentes, teses, dissertações, relatórios de pesquisas desenvolvidos em programas de pós-graduação em ciência da informação de instituições como Unesp, Unicamp, UFMG, entre outras. No momento, entendemos ser importante fazer prevalecer as características textuais originais

1 Em 2012 o autor candidatou-se a dois concursos para professor titular no ICI-UFBA, obtendo o terceiro lugar em um dos concursos e o primeiro lugar no outro. O texto aqui publicado se refere à conferência em que obteve o primeiro lugar. A conferência na qual obteve o terceiro lugar, intitulada Fotografia e identidade: representação da informação na constituição da memória, será publicada em breve.

da conferência proferida, adaptada para o formato de artigo. Pelo motivo, eventuais destaques e descrições detalhadas de propostas e ações de conscientização, bem como discussões relativas a políticas públicas e sua eficácia, ficarão para o futuro próximo do compartilhamento em periódicos e eventos extensionistas, lastreadas pela atualização dos resultados da pesquisa em desenvolvimento apoiada pelo CNPq.

A técnica adotada para a construção do artigo foi a da pesquisa bibliográfica sobre o tema, naturalmente visando à apresentação de um estudo, uma forma descritiva de apresentar os resultados daquela pesquisa bibliográfica, mas a abordagem e os procedimentos metodológicos, de episteme dialético materialista e visão científica materialista histórica, resultam fundamentalmente do trabalho acadêmico de ensino, pesquisa e extensão realizados nos últimos sete anos sobre o tema.

Inicialmente abordamos aspectos conceituais relativos à questão do patrimônio documental e a outros conceitos básicos para a reflexão sobre a temática. Em seguida, tecemos considerações acerca da conscientização sobre este tipo de patrimônio e de ações correlatas aos acervos audiovisuais, para então passarmos ao desafio das políticas públicas e podermos apresentar alternativas e propostas de ação. Prosseguindo, à guisa de uma conclusão que represente possibilidades de reinícios, são compartilhadas algumas digressões que nos levem à reflexão sobre o tamanho de nossa ignorância, hoje, acerca dos possíveis usos e das ações concretas de salvaguarda desse patrimônio e desses meios de representação e comunicação audiovisual, fotográfica e sonora, que nos levem à continuidade da pesquisa sobre o tema.

FUNDAMENTOS SOBRE PATRIMÔNIO DOCUMENTAL

(3)

e os monumentos. “O que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores” (p.535). Fustel de Coulange, historiador positivista francês, disse em 1888: A “única habilidade [do historiador], consiste em tirar dos documentos tudo o que eles contêm e em não lhes acrescentar nada do que eles não contêm” (COULANGE, apud LE GOFF, 1996, p.536). A utilização crítica do documento ainda estava em gestação, mas já havia mais de dois séculos que isso acontecia, lentamente, desde a publicação do De re diplomática, de Jean Mabillon, em 1681, ainda como monumento, no entanto. O termo documento coloca-se em primeiro plano apenas no século XIX. O documento é o triunfo da escola positivista. É triunfo do texto. Henri Lefebvre afirma em meados do século XX que “não há notícia histórica sem documentos... pois se dos fatos históricos não foram registrados documentos, gravados ou escritos, aqueles fatos perderam-se” (LEFEBVRE, apud LE GOFF, 1996, p.539). Mas o próprio Fustel de Coulange observa em 1862: “Onde faltam os documentos escritos, deve a história demandar às línguas mortas por seus segredos...deve estudar as fábulas, os mitos, os sonhos da imaginação...onde o homem passou, onde deixou qualquer marca da sua vida e da sua inteligência, aí está a história” (COULANGE, apud LE GOFF, idem).

Em 1939 é fundada a revista Annales d’histoire economique et sociale, pelos pioneiros da história nova, que ampliaram a noção de documento. Lucien Febvre escreve em 1949:

Só nos anos 1960 chegaremos de fato à revolução documental, quantitativa e qualitativa, quando agora a todos os humanos interessam, não apenas aos grandes homens, os acontecimentos, a política. “O registro paroquial... inaugura a era da documentação de massa” (LE GOFF, 1996, p.541). Sem o computador, sem a revolução tecnológica, essa dilatação da memória histórica teria ficado apenas na intenção... Trata-se, então, de uma “revolução da consciência historiográfica”: não mais o documento no princípio, mas o problema. A memória coletiva institui-se, então, como patrimônio cultural. Uma nova erudição nos é exigida. Marc Bloch comenta:

As relações entre documento e monumento avançariam ainda mais. Os monumentos linguísticos passariam a responder a uma intenção de edificação, “no duplo significado de elevação moral e de construção de um edifício”, enquanto os documentos responderiam “apenas às necessidades da intercomunicação corrente”, dirá, em 1960, Paul Zumthor. “O que distingue a língua monumental da língua documental é ‘esta elevação, esta verticalidade’”, conferida a um documento, transformando-o em m onumento. Zumthor

A história se faz com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode-se fazer, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem...com palavras. Signos. Paisagens e telhas. C o m a s f o r m a s d o c a m p o e a s e r v a s daninhas...Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem, demonstra a presença, a

atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem (FEBVRE, apud LE GOFF, 1996, p.540).

(4)

descobriu, assim, o que transforma o documento em monumento: a sua utilização pelo poder (ZUMTHOR, apud LE GOFF, 1996, p.544-545)

Poderíamos pensar, então, que a atual situação em que se encontram os acervos fotográficos, audiovisuais e sonoros no Brasil, e em grande parte do mundo, seja uma estratégia infeliz do poder de não transformar tais documentos em monumentos, pois sua utilização iria além da linguagem do poder instituído, invadiria as consciências, sua linguagem sígnica, a imagem, a linguagem de todos, colocaria em risco o poder do texto. Foucault diz:

O documento passa a ser pensado como um composto de elementos que “funcionam como um ‘inconsciente cultural’ que assume papel decisivo e intervém para orientar uma apreensão, um conhecimento” (CLAVEL-LEVEQUE, apud LE GOFF, 1996, p. 547). Para retomar sua origem etimológica, docere, o documento é o ensinamento que ele traz.

Também a riqueza etnográfica que as imagens em movimento comportam fez com que a introdução de instrumentos fotográficos, cinematográficos e videográficos fosse impulsionada nas pesquisas sociais, abrindo espaço para a reflexão e para a ampliação das proposições para seu ingresso nas ciências sociais. (PEIXOTO, 2011). As muitas aproximações metodológicas entre fotografia, cinema, vídeo, ao longo da história destas linguagens, “expressaram formas de olhar e de construir

problemas (...) construções culturais” que nos permitiram e nos têm permitido “compartilhar o desafio de entender e significar o mundo e sua diversidade” (BARBOSA; CUNHA, 2006, p.8). A possibilidade de contato visual com hábitos, valores e comportamentos torna possível também a observação, o registro, a catalogação e a classificação. Toda uma série de questões de uma nova ordem epistemológica passa a influenciar profundamente os fundamentos de muitas disciplinas científicas. A “ordenação epistemológica das informações” pelas possibilidades das “formas visuais do conhecer” torna-se mais complexa, bem como a própria produção do conhecimento (BARBOSA; CUNHA, 2006, p. 33-45).

Um importante antropólogo francês, atuante no Brasil hoje, Ettiene Samain, destaca as formas específicas para a apreensão do mundo, os estilos cognitivos, os modos de apreensão, de interpretação próprios das linguagens audiovisuais, que nos trazem novas alternativas para construirmos novos modos de ver, de elaborar e de construir o conhecimento, promovendo “matrizes gerativas de uma outra maneira de pensar novos e velhos campos”, mostrando-nos novas direções para compreendermos o imaginário humano, individual e coletivo (SAMAIN, apud BARBOSA e CUNHA, 2006, p.53).

A documentação fotográfica, audiovisual e sonora, nesse sentido, é monumento e documento. Monumento porque é um legado à memória coletiva; documento porque é a prova, o fundamento do fato histórico. Sua objetividade opõe-se à intencionalidade do monumento. Mas, como já disse, a fotografia, o filme, os registros sonoros, esses documentos são o conhecimento que podem nos trazer. Salvaguardá-los significa dar a eles o papel que devem desempenhar para que possamos, de fato, formatar as políticas públicas com relação à memória coletiva. A proteção do patrimônio documental fotográfico, audiovisual e sonoro é uma questão cultural que nos afeta a todos, “para que

... a história é uma certa maneira de uma sociedade dar estatuto e elaboração a uma massa documental de que se não separa (...) a história é o que transforma os

(5)

nossa imagem não se apague”, como disse Boris Kossoy, “para que não nos esqueçamos” (KOSSOY, 2002, p.130). Extintos esses documentos, está extinta a memória visual e sonora de nossa história e de nossa cultura, está destruído o monumento.

CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Salvaguardar significa garantir, proteger, assegurar, estando também associado à ação de copiar a informação, para protegê-la. O conceito de salvaguarda encontra amparo no art.23, III, da Constituição Federal: É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: III- proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural .... (BRASIL, 1988). Encontra amparo, também, na recente Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), em seu Art. 6º, inciso II, quando determina que cabe aos órgãos e entidades do poder público, observadas as normas e procedimentos específicos aplicáveis, assegurar a (...) II - proteção da informação, garantindo-se sua disponibilidade, autenticidade e integridade...(BRASIL, 2011)

Desde 1992, com a criação do Projeto Memória do Mundo, a Unesco reúne esforços para estimular a preservação, a difusão de acervos e a consciência coletiva acerca do Patrimônio Documental da Humanidade. “Uma vez nomeado patrimônio, o acervo ou coleção documental não pode sofrer avarias ou ser desmembrado – o que contribui para um esforço maior de preservação por parte da instituição que o mantém.” (MEMÓRIA do mundo.)

Nesse sentido, há que nos preocuparmos com os processos que levam à deterioração dos acervos. Muitos são os agentes de deterioração, dentre eles os decorrentes do clima. Sabemos que em climas quentes e úmidos, como o nosso, dois fatores são de grande risco para os acervos documentais, de todos os tipos de suportes, devendo ser considerados quando do desenvolvimento de políticas de preservação: a deterioração química e a deterioração biológica,

sendo a segunda a que mais provoca prejuízos aos acervos. A biodeterioração pode ser minimizada consideravelmente “por meio da redução e do controle da umidade relativa do ar, deixando-se a temperatura variar. Estudos recentes mostram que é mais fácil e barato remover a umidade do que baixar a temperatura do ar”. Mostram também que “quando o invólucro é bem concebido, as chances de biodeterioração por microorganismos são mínimas” (TOLEDO, 2010, p.73-74). Naturalmente que os controles ambientais dependem das características e necessidades físicas do acervo documental; da idade, do material de construção e do tipo de uso para o qual foi construído o edifício onde está guardada a documentação; do clima local, mas também do acesso aos documentos pelo usuário, pelo visitante, a quantidade de pessoas e a frequência de consultas.

O conceito fundamental para a salvaguarda de acervos históricos é o de conservação preventiva, que é também “um marco ético na preservação do patrimônio cultural”. (GÜTHS; CARVALHO, 2007, p. 42). Conservação preventiva pode ser definida como:

Pensar os acervos fotográficos, audiovisuais e sonoros como monumento-documento requer que identifiquemos, ainda, como patrimônio audiovisual,

(6)

gerenciamento de riscos, acesso e preservação, incluindo aí o que adjetivamos como preservação digital. Daremos um enfoque maior ao universo dos acervos audiovisuais, pois além de incluírem o sonoro, podem incluir fotografias de cena e outros documentos em outros suportes.

Registros sonoros, filmes, programas de rádio de televisão são documentos audiovisuais, que por sua vez são parte de amplo conceito que pode ser definido como patrimônio audiovisual . A conotação e o escopo desse conceito variam entre culturas, países e instituições, mas sua essência é a de que arquivos audiovisuais precisam contextualizar seus registros, programas e filmes, coletando e alimentando uma gama de itens, informações e habilidades associadas. O patrimônio audiovisual inclui, portanto, o som registrado no rádio, o cinema, a televisão, o vídeo ou outras produções que incluem imagens em movimento e sons, sejam eles diretamente destinados ao público ou não; inclui também objetos, materiais, obras e bens intangíveis relativos aos documentos audiovisuais, de diferentes pontos de vista (técnico, industrial, cultural, histórico), além de outros materiais relacionados às indústrias de filme, radiodifusão e gravação, tais como literatura, roteiros, manuscritos, fotografias em diferentes suportes e tecnologias, cartazes, material de publicidade e outros artefatos, como equipamento técnico ou figurinos (EDMONDSON, 2004).

No conceito adotado pela International Federation of Library Associations and Institutions, a preservação é definida pela inclusão de “todos os aspectos gerenciais, financeiros e humanos, para prover acondicionamento e guarda adequadas, além de políticas, atividades técnicas e procedimentos envolvidos na preservação, não apenas nos próprios documentos, mas também das informações contidas neles” (ADCOCK, 1998, p. 5).

O acesso pode ser entendido como parte integrante da preservação. O termo tem amplo escopo;

refere-se a qualquer forma de uso do acervo, dos refere-serviços ou do conhecimento de uma instituição, incluindo a apresentação e visualização de um filme ou sonorização e referências a fontes de informação sobre fotografia, som ou filmes e sobre os assuntos que eles representam (EDMONDSON, 2004, p. 20).

A preservação , na verdade, envolve a quase totalidade das funções curatoriais de um arquivo; a totalidade das coisas necessárias para assegurar permanente acessibilidade de um documento com o máximo de integridade. Envolve muitos processos, princípios, atitudes, instalações e atividades. Pode incluir conservação e restauração do suporte, reconstrução de uma versão definitiva de um filme, copiagem e processamento de um conteúdo visual ou sonoro, manutenção dos suportes em ambientes de armazenamento adequados, recriação ou emulação de processos técnicos, equipamentos e ambientes de apresentação obsoletos, pesquisa, política para dar suporte às atividades. Por razões históricas, o termo é amplamente utilizado – mesmo por arquivistas e bibliotecários – simplesmente como um sinônimo para cópia ou duplicação, e isso infelizmente tende a reforçar a ideia equivocada de que ao gerar-se uma nova versão do suporte ameaçado se estaria encerrando o procedimento, quando, na verdade, é apenas o seu começo. A preservação não é empreendimento finalístico, mas uma tarefa de gerenciamento sem fim. Não se pode dizer que algo foi preservado, mas que está sendo preservado (EDMONDSON, 2004, p.20).

(7)

finalidade de impedir uma posterior deterioração ou de renovar a possibilidade de utilização do material. No universo do papel e do filme, preservar e acessar eram entendidos como atividades relacionadas, mas distintas. Hoje, talvez como uma consequência da linguagem digital, é descartada toda e qualquer noção que entenda a preservação e o acesso como atividades absolutamente distintas. O conceito de preservação assume três significados diferentes: primeiro, possibilitar o uso, já que “para uma pequena série de documentos valiosos, mas deteriorados, a tecnologia da imagem digital é possivelmente o único mecanismo de custo compatível capaz de viabilizar a disponibilização para consulta”; segundo, proteger o item original, entendendo-se a imagem digital como elemento de preservação via limitação do acesso direto (e talvez esta seja a força motivadora mais sugestiva das bibliotecas e arquivos); e terceiro, manter os objetos digitais, sendo este o novo foco do trabalho de preservação, cuja abordagem, [comumente] denominada ‘preservação digital’, “centraliza-se tipicamente na escolha da forma de armazenamento, na expectativa de vida dos sistemas de formação de imagens digitais e na preocupação com a migração dos arquivos digitais para futuros sistemas, de modo a garantir o acesso” (CONWAY, 2001, p.14). Assim, gerenciar a preservação passa a implicar gerar, organizar e indexar, armazenar, transmitir e garantir a contínua manutenção da integridade intelectual.2

De acordo com a Comission on Preservation and Access e o Research Library Group (TASK Force on Archiving of Digital Information, 1996), desde os anos 1970, com a preocupação da comunidade arquivística relativa à preservação da informação eletrônica, houve grandes avanços técnicos, científicos e tecnológicos na área da arquivologia, particularmente no que se refere à garantia da integridade e da autenticidade de patrimônio documental arquivístico em formato digital, levando

os profissionais desse campo do conhecimento a

2 Ver tb. Silva, 2002.

superar o suposto antagonismo entre a preservação e o acesso. No caso da biblioteconomia, somente com surgimento das bibliotecas digitais surge e das responsabilidades inerentes ao campo profissional nesse âmbito, é que a área passa a incorporar metodologias de preservação digital aos seus procedimentos, já que anteriormente concentrava seus esforços no padrão de sistemas de bases de dados referenciais e catalográficas. De acordo com Sayão:

Isso vale, naturalmente, para os documentos originalmente digitais e para as versões digitais geradas a partir do acervo analógico existente, mas também para os próprios documentos analógicos, em si, já existentes: preservar para acessar. E não somente pensando na preservação física dos artefatos físicos, propriamente ditos, mas

(8)

considerando também outras dimensões associadas à questão, como a preservação lógica, a preservação intelectual, a preservação dos metadados e o monitoramento e a instrumentalização da audiência a que predominantemente se dirige a informação (THOMAZ, 2004). Como diz Sayão, “Até o presente momento - e provavelmente até um futuro indefinido - não teremos disponível uma estratégia única capaz de dar conta de todo o espectro de problemas relacionados à preservação digital.” (SAYÃO, 2007, p.193).

E aqui outro conceito fundamental é o de gerenciamento de riscos, cuja principal ação técnico-científica nesse campo, no Brasil, vem sendo realizada por José Luiz Pedersoli, conforme podemos constatar na entrevista publicada pelo Arquivo Nacional. O risco é “a chance de algo acontecer causando perda de valor para o patrimônio cultural” (ENTREVISTA, 2010, p. 10). O gerenciamento de riscos, então, passa a ser, de acordo com Pedersoli,

Vimos, até aqui, conceitos fundamentais de salvaguarda, preservação, agentes de deterioração, acesso, preservação digital e gerenciamento de riscos, básicos para se refletir sobre patrimônio fotográfico, audiovisual e sonoro. Importa reunir

alguns elementos de informação sobre o contexto da conscientização acerca da preservação de acervos audiovisuais.

C O N S C I E N T I Z A Ç Ã O E A Ç Õ E S C O R R E L A T A S A O S A C E R V O S AUDIOVISUAIS

... uma ferramenta de gestão eficaz para otimizar a tomada de decisões dirigidas à conservação e uso do patrimônio cultural. Sua utilização fornece uma visão abrangente e simultânea dos diversos tipos de risco para o patrimônio, desde eventos emergenciais e catastróficos ... até os diferentes processos de degradação que ocorrem de forma mais lenta e contínua ... A partir da identificação e análise desses riscos, é possível estabelecer prioridades de ação e alocação de recursos para mitigá-los. Estratégias sustentáveis podem então ser estabelecidas para minimizar impactos negativos sobre o nosso objetivo comum de transmitir o patrimônio cultural para as gerações futuras com a menor perda de valor possível. (ENTREVISTA, 2010, p. 8).

Nas primeiras décadas da conscientização acerca da necessidade de preservação dos filmes, o desafio de atender à prioridade de então, de salvar versões comerciais que se encontravam abandonadas desde os primeiros anos da produção cinematográfica, foi encampado por pequeno grupo de instituições públicas e sem fins lucrativos. Elas desenvolveram técnicas para duplicar, em películas de segurança, os filmes de nitrato em processo de deterioração, que armazenados inadequadamente tornam-se autoinflamáveis. Os resultados desse trabalho eram, então, mostrados em projeções em museus e festivais especializados.

(9)

Em 1993, a Library of Congress constatou o crescimento do número de organizações públicas e sem fins lucrativos coletando imagens em movimento relativas a diferentes regiões, temas e grupos étnicos, e desde 1991 a Association of Moving Image Archivists (AMIA) vem colaborando com quadro profissional, treinamentos, conferências, entre outras oportunidades, em que especialistas regionais podem encontrar-se com seus pares da FIAF e da indústria de filmes, para o compartilhamento de informações. No Brasil, só em 2008 foi criada a Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), enquanto quadruplicou, entre 1993 e 2003, o número de membros da AMIA (NFPF, 2004).

Nos países desenvolvidos, hoje, quando uma organização pública ou sem fins lucrativos auxilia na restauração de filmes cinematográficos sonoros privados, frequentemente o faz em parceria com a entidade que detém a propriedade do filme, e o projeto normalmente tem importância imediata para a história do cinema. Muitos filmes, no entanto, ficam de fora desses programas comerciais de preservação. Trata-se dos chamados “filmes órfãos”, que não estão associados a detentores de direito autoral nem a potenciais empresas que viessem a arcar com as contínuas despesas de conservação deles, geralmente noticiários, documentários regionais, filmes avant-garde, produções independentes, filmes-mudos, obras amadoras e filmagens antropológicas e científicas em geral. Na maior parte, a preservação de filmes órfãos tem sido realizada por organizações públicas e sem fins lucrativos, e provavelmente esses filmes não sobreviveriam sem o suporte de verbas públicas (THE FILM preservation guide, 2004).

Ainda que os primeiros arquivos audiovisuais tenham começado a surgir há um século, a Recomendação para a Salvaguarda e Preservação de Imagens em Movimento só foi adotada pelaConferência Geral da Unesco a partir de outubro de 1980, e o desenvolvimento de bases teóricas para a profissão só ocorreu, concretamente, a partir dos anos 1990. A primeira publicação de

uma filosofia acerca do arquivamento audiovisual só vem à tona em 2004, em publicação da Unesco, denominada Audiovisual Archiving: Philosophy and Principles (EDMONDSON, 2004). E hoje, no entanto, já na segunda década do século XXI, o pioneirismo ainda caracteriza as ações nesse campo, particularmente se levarmos em consideração as profundas transformações que o movimento em direção à tecnologia digital vem trazendo. A digitalização, a produção original no formato digital e a obsolescência dos formatos anteriores analógicos de filmes, vídeos, som e imagens fotográficas vêm transformando as percepções e as práticas de arquivamento, os padrões, as competências e habilidades, o provimento de acesso e os planejamentos estratégicos.

Nesse sentido, é fundamental pensar as políticas públicas, tendo como leit motiv o pensamento de Edmondson (2004, p.5): “não há poder político sem o controle dos arquivos, senão da própria memória. A efetiva democratização sempre poderá ser mensurada por este essencial critério: a participação nos arquivos e o acesso a eles, sua constituição e sua interpretação.”

O DESAFIO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Os desafios para a formação superior e de capacitação técnica são enormes, assim como para a elaboração e desenvolvimento de políticas públicas.

(10)

Uma das dimensões das políticas públicas informacionais está nas políticas relativas ao patrimônio documental arquivístico. Entendemos por políticas públicas arquivísticas, em acordo com Jardim (2003, p.38-39),

Aqui abordamos o caso de uma documentação setorial (pelas suas características de produção, guarda, tipologia, utilização etc), de configuração nacional, que apresenta alto grau de transversalidade, de interseção com outras políticas públicas. Por exemplo, uma política pública na área da documentação fotográfica, audiovisual e sonora deve contar “como um dos fatores a influenciar ... resultados” (JARDIM, 2003,p.39). Não se trata de ações de caráter técnico-científico exclusivamente, mas de ações que visem à solução de problemas políticos da área dos arquivos. Mas ambos os tipos de ação estão imbricados, pois um plano de conservação preventiva, preservação e salvaguarda do patrimônio documental audiovisual, fotográfico e sonoro exigirá conhecimentos técnico-científicos para a decisão acerca de uma política, desde a sua concepção.

A legislação brasileira relativa à salvaguarda e proteção do patrimônio cultural tem-se desenvolvido desde, pelo menos, a primeira metade do século XX. Para usar a expressão de Vianna (s/d, s.p.), essa legislação “nasceu quando a melancolia perante a ameaça de desaparecimento das tradições e identidades culturais frente à cultura de massa ... foi sendo substituída pela pragmática moderna de criação de jurisprudência e políticas com o objetivo de desenvolver meios de controlar e encaminhar solução para as questões, tensões e conflitos de interesses na área.”

No Brasil, conforme nos ensina Eliana Mattar (2203, p. 16-17),

Mas foi somente com a chamada Lei de Arquivos, em 1991, que se garantiu ao documento sua autonomia como bem tutelado.

Hoje, com a já citada lei 12.527 de acesso à informação, que entrou em vigor em 16 de maio de 2012, fomos além, num avanço da legislação brasileira, ao determinar aos órgãos e entidades do poder público a proteção da informação (Art.6º, I), mas o regimento do Arquivo Nacional, aprovado em 1975 por Portaria do Ministro da Justiça, já utilizava a expressão patrimônio documental, que vai se consolidar no Art. 216 da Constituição de 1988, como espécie do gênero patrimônio cultural (MATTAR, 2003).

“o conjunto de premissas, decisões e ações – produzidas pelo Estado e inseridas nas agendas governamentais em nome do interesse social – que contemplam os diversos aspectos (administrativos, legal, científico, cultural, tecnológico etc) relativos à produção, uso e preservação da informação arquivística de natureza pública e privada”.

(11)

A Constituição Brasileira de 1988, no Art. 216, estabelece um conceito de patrimônio cultural, e é notável, no teor dos incisos do artigo, o quanto os acervos fotográficos, audiovisuais e sonoros se inserem, a saber:

Constata-se, com Silva (2011, p. 34), que o conceito de patrimônio cultural, “deixando de lado a antiga divisão entre Patrimônio Histórico e Artístico, passou a incluir o documental, o arqueológico, o bibliográfico, e o etnográfico”.

A política nacional de arquivos públicos e privados começa, portanto, com a Carta de 1988. A gestão adquire papel fundamental, assim como a aplicação de técnicas arquivísticas, a seleção, a eliminação, a guarda dos documentos considerados de valor permanente, evitando-se a preservação indiscriminada e altamente custosa. Sua implantação ocorre na década de 1990, com a Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991, a lei de arquivos, e o Conarq (criado pela própria Lei). Bem... determina a Lei que todos os documentos permanentes produzidos e recebidos pelo Poder Executivo federal devem ser guardados no Arquivo Nacional ... um descompasso com o cotidiano por nós conhecido...comprometendo a eficácia da Lei.

Ainda de acordo com a Constituição Federal, “cabe a todos os entes administrativos o dever de preservação dos bens de valor histórico e cultural, ... indicando que o inciso III do Art 23 determina ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a proteção aos documentos, às obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural...” (SCHIMIT, s/d, s.p.).

Concordo com Eliane Mattar quando considera que “o direito à cultura permanece mais obscuro que o direito à informação” (2003, p. 28). De fato, a cultura revela-se

O senso de missão e de urgência e o confronto cotidiano com as implicações de suas próprias ações, inações e limitações impõem aos arquivos

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – formas de expressão; II- Os modos de criar, fazer e viver; III – As criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – As obras, objetos, documentos, ... destinados às manifestações artístico-culturais.

Bem... determina a lei que todos os documentos permanentes produzidos e recebidos pelo Poder Executivo federal devem ser guardados no Arquivo Nacional ... um descompasso com o cotidiano por nós conhecido...comprometendo a eficácia da lei. Ainda que com esse tipo de problemas, os documentos agora passam a viver sob uma “nova

ordem no cenário arquivístico, a da proteção especial aos documentos de arquivos”: é dever do poder público protegê-los. Se a proteção especial aos documentos passa a ser uma obrigação estatal, daí advirão direitos individuais “como apoio à informação, à prova, ao desenvolvimento científico e à cultura”.

O ordenamento jurídico nacional determina, na seção relativa à cultura, do título VIII – Da Ordem Social, da Constituição Federal, que é dever da Administração Pública gerir a documentação governamental e facilitar sua consulta a todos, aproximando os arquivos da cultura, tipificando-se, inclusive, desde 1998, com a Lei 9605, de 12 de fevereiro de 1998, e o Decreto 3179, de 21 de setembro de 1999, o crime contra o patrimônio cultural causado pela sua destruição, inutilização ou (e aqui é importante frisar) deterioração. (MATTAR, 2003, p.22-27).

(12)

a preservação documental a necessidade constante de convencer, de mudar atitudes e moldar seus ambientes. Isso se dá em função de diferentes fatores associados aos suportes audiovisuais, entre eles sua fragilidade, natureza fugidia e o rápido desenvolvimento da paisagem tecnológica e organizacional, o pioneirismo desse tipo de arquivamento, a falta de recursos e o pequeno número de instituições para realizar uma tarefa gigantesca (EDMONDSON, 2004).

Como exemplo, podemos lembrar os filmes de nitrato de celulose. A ideia geral de fabricantes de filmes de nitrato de abandonar a produção nos anos 1950, por questões práticas e econômicas, resultou na percepção desses filmes como “coisas perigosas”, gerando ampla síndrome de reações institucionais e oficiais, quase beirando o pânico, que acabou por favorecer a destruição dos estoques de nitrato. Entendia-se que todos os filmes de nitrato iriam estar destruídos por volta do ano 2000 e, portanto, dever-se-ia investir na sua migração como uma espécie de cruzada para a sobrevivência desse patrimônio. As práticas e as políticas encorajaram tanto os arquivos quanto as companhias de filmes a destruírem seus acervos de nitrato após fazerem cópias em acetato, evitando assim custos de armazenamento. Agora sabemos que essa destruição foi um erro.

Nesse sentido, de acordo com Edmondson (2004), para que possamos reunir os elementos típicos para uma política bem articulada, precisaremos referir a missão do arquivo, invocar autoridades externas relevantes ou pontos de referência (como a Unesco ou federações de arquivos AV), explanar sobre os princípios relevantes e, baseados nesses fundamentos, explanar também sobre as intenções do arquivo, suas posições e escolhas. Os detalhamentos são necessários, mas evitando-se as ambiguidades, sendo simples e breves o suficiente para permitir o desenvolvimento de linhas gerais, em separado, para as diversas ações da equipe.

Nesse ponto, é preciso retomar a questão do gerenciamento de riscos, como elemento inovador em políticas públicas:

Diante de tantos desafios aqui expostos, algumas alternativas podem ser consideradas...

audiovisuais e aos profissionais que trabalham com

Por volta dos anos 1980, os filmes de triacetato começaram a revelar sua própria forma de autodestruição, a chamada síndrome do vinagre, e isso tornou aparente que o filme de nitrato, bem armazenado e gerenciado, durava muito mais tempo do que o de acetato (ainda há rolos com mais de 100 anos em boas condições). (...) A percepção pública sobre a viabilidade do filme de nitrato – a mensagem, de boa fé, de que 'o nitrato não pode esperar', até recentemente utilizada por arquivistas – precisa ser modificada (...) a questão corrente hoje para muitos arquivistas é: 'você ainda não digitalizou seu acervo?' ... a migração de grandes volumes em acervos não apenas se torna uma impossibilidade física: ela não

f a z s e n t i d o n e m c u r a t o r i a l m e n t e n e m economicamente. Ao invés disso, os arquivos devem gerenciar uma crescente e complexa equação que permita prover a viabilidade física de seu acervo em balanço com suas habilidades de manter as tecnologias e o legado tecnológico e as competências associadas que permitam o acesso e a manutenção. Criar cópias em formatos digitais, enquanto se mantêm cópias de preservação em formatos mais antigos, é parte dessa equação. (EDMONDSON, 2004, p.46).

(13)

ALTERNATIVAS E PROPOSTAS DE AÇÃO São fundamentais investimentos e iniciativas dirigidas à capacitação de profissionais de arquivos, bibliotecas e museus para a adoção da metodologia de gerenciamento de riscos. De acordo com José Luiz Pedersoli (ENTREVISTA, 2010, p.11-12), mesmo com toda a complexidade e dificuldades que surgirão, podemos concentrar esforços e melhorar a situação “através da divulgação mais ampla possível do assunto, compartindo exemplos de sucesso e por meio de publicações, palestras e encontros; do alinhamento e colaboração com organizações de outros setores ... no tocante ao tema do gerenciamento de riscos para fortalecer a comunidade profissional de e, portanto, sua voz junto aos dirigentes.”

Outra alternativa a ser estudada seria a criação de um arquivo nacional da imagem em movimento e, como também já sugeriu Nuno (2012), para Portugal, de um arquivo nacional do som. No caso brasileiro poderia ser pensada uma gestão coparticipativa entre o Ministério da Justiça (ao qual atualmente está vinculado o Arquivo Nacional) e o Ministério da Cultura (ao qual a Biblioteca Nacional se vincula).

Com relação aos agentes de deterioração,

É preciso constituir equipes de trabalho interinstitucional para desenvolver programa de formação em nível de graduação e de pós-graduação, e de conscientização em conservação preventiva, incorporando, inclusive, o que já foi proposto por Jambeiro (2003) com relação à formação dos novos profissionais de informação aos quais sugere a denominação de infogestores, e que eu sugeriria denominar analistas de informação.

A pesquisa deve procurar desenvolver novos conceitos, de maior abrangência, para bens culturais, patrimônio documental arquivístico e patrimônio cultural, e passar dos conceitos para a ação.

As universidades devem ampliar a qualidade da formação dos recursos humanos em arquivologia, biblioteconomia e museologia, procurando desenvolver abordagens transepistêmicas e, conforme sugere Jardim (2003), o Estado deve ampliar a disponibilidade de recursos financeiros imprescindíveis à aplicação da legislação. E é imprescindível que os currículos de arquivologia, biblioteconomia, museologia ofereçam componentes sobre gerenciamento de riscos.

Urge a elaboração de planos contra desastres e catástrofes, para que não sejamos pegos de surpresa pelas intempéries da natureza, semelhantes ao tsunami em 2004 no Oceano Índico, que demoliu instituições na Índia, Indonésia, Sri Lanka; o furacão Katrina, em 2005, no Golfo do México e o rompimento de barragens em New Orleans, inundando 80% da cidade; o terremoto Kashmir, que demoliu parte do Himalaia paquistanês e partes da Índia, destruindo templos e objetos de arte tibetana. Todas essas tragédias naturais aconteceram na primeira década do século XX.3 Acreditar que estamos livres de algo

semelhante é acreditar que Deus é brasileiro, e esquecer as enchentes dramáticas e as consequentes inúmeras mortes de que temos sido vítimas constantemente, em todas as regiões do país.

3 Cf. Malssen, [2007?]. ... nos trópicos quentes e úmidos, é difícil reduzir os

(14)

Uma alternativa muito básica, ainda, está no cumprimento da Lei de Arquivos, como bem lembra Eliane Mattar (2010, p.32), criando-se as Unidades Regionais do Arquivo Nacional, já que hoje só existe a do DF.

Seria também fundamental, ainda com base nos estudos de Eliane Mattar, conceder poder fiscalizador ao Arquivo Nacional (como os inspetores de arquivos na França e o inspetor geral nos EUA), através de arquivistas especializados nas diversas espécies de documentos, incluídos os digitais (MATTAR, 2010, p. 32).

Talvez seja oportuno, também, pensar sobre a viabilidade de se criar uma fonte de recursos para os arquivos, bibliotecas, museus e outros centros de documentação e informação, que seria advinda de algo em torno de 10% do preço do ingresso de cinema, destinada à salvaguarda dos acervos sonoros, fotográficos e audiovisuais do país, algo parecido como a “taxa especial adicional”, a TSA adotada pela administração André Maulraux no Ministério da Cultura francês, no final de década de 1950, destinada ao Centro Nacional de Cinematografia (ROME, 2010, p.127-128).

Com base em Sayão (2007, p.200-201), destacamos também alternativas para o patrimônio digital fotográfico, audiovisual e sonoro. Faz-se necessário:

a) “promover o uso de padrões e protocolos abertos, estáveis e de uso amplo”;

b) “aplicar procedimentos e estratégias de gestão documental quando da criação, tratamento, transmissão e preservação de documentos em formatos digitais”;

c) “adotar o uso de estruturas padronizadas de metadados orientadas para a gestão da preservação digital”;

d) “desenvolver uma agenda nacional de pesquisa, envolvendo governo, universidade e empresas

interessadas, orientada para os problemas da preservação do acesso e da longevidade digital, alinhada com as principais iniciativas internacionais”.

Como diz Sayão,

D I G R E S S Õ E S À G U I S A D E U M A C O N C L U S Ã O Q U E C O N D U Z A À CONTINUIDADE DA PESQUISA SOBRE O TEMA...

São muitos os desafios, de fato, mas aqui foi apresentado um conjunto de alternativas que, transformadas em ação pela universidade, pela sociedade, pelas instituições arquivísticas, biblioteconômicas e museológicas, e pelo Estado, certamente nos colocarão em melhor posição para a salvaguarda de nossos acervos fotográficos, audiovisuais e sonoros. Certamente nos tornaremos melhores homens e mulheres, melhores cidadãos e cidadãs.

Norbert Wiener (1894-1964), criador da teoria da cibernética,

É preciso lembrar que garantir o acesso à informação digital é um compromisso profundo e duradouro, cujo prazo é indefinido, e no qual tomam parte muitos atores. É fundamental, portanto, estabelecer pactos de cooperação entre governo, editores, indústria de TI, bibliotecas, arquivos, museus, universidades, institutos de pesquisa, dentre outros. Sem alianças e cooperação os programas mais amplos não serão absolutamente possíveis. (SAYÃO, 2007, p.201).

(15)

Gödel (1906-1978), em seu teorema da incompletude, ou teoremas da indecidibilidade (publicado em 1931, quando tinha 25 anos) expressou a impossibilidade das possibilidades ilimitadas. Nessa expressão já clássica da matemática e da filosofia, uma das implicações está a de que “não é possível construir uma máquina que resolva todos os problemas” ... Está em Gödel a exclusão da possibilidade da matemática como sistema único e total (ABAGNANO, 1998, p.645). O Teorema de Gödel insiste na “diferença entre o homem e a máquina, em vista da presença, no homem, do fator consciência” (apud ABAGNANO, 1998, p.135).

O filósofo francês Raymond Ruyer (1902-1987), que, entre outras filosofias, escreveu uma filosofia da informática e uma teoria da consciência – tendo influenciado pensadores como Deleuze e Guattari –, afirmou que “‘sem consciência não há informação’ e que, por isso, se o mundo físico e o mundo das máquinas ficassem entregues a si mesmos” – conforme registrou em seu livro La cybernetique et l’origine de l’information, de 1954 – “‘espontaneamente tudo se tornaria desordem e essa seria a prova de que nunca houve ordem verdadeira, ordem consistente, ou em outros termos, que nunca houve informação’” (apud ABAGNANO, 1998, p.135).

Aloísio Magalhães (1927-1982), ex-secretário geral do MEC, ex-diretor do Iphan, em discurso de abertura do Encontro de Documentaristas

Cinematográficos, em Brasília, em 1981, afirmou: “Numa sociedade em transformação, num país que já nesse momento tem responsabilidade de uso de tecnologia, na medida em que já adotamos tecnologias, já não podemos recuar, nem querer ficar na posição de ignorar o uso dessas formas de representação e comunicação. Qual o tamanho dessa posição e onde ficar?” (MAGALHÃES, 1985, p.169).

Bem ... passaram-se já mais de 60 anos da obra que citei de Wiener, mais de 80 anos do teorema de Gödel, e mais de 50 anos da obra de Ruyer. Nos processos que tipificam as sociedades que se caracterizam por fazer uso cotidiano do universo digital, conceitos como os de tempo, espaço, causalidade tornam-se peculiares precisamente porque implicados nos processos de interação mediados pelas tecnologias de informação e comunicação. “A concepção de tempo, a vivência do espaço, a percepção da causalidade, são modalidades do ser que se viram modificadas, em suas bases mesmas, na raiz das transformações incorporadas [por estas] tecnologias...” (SCHULTZ, 2006, p.63).

O fundamento, então, deste artigo, só pode estar no que Aristóteles chamou de causa essencial, “aquilo que um ser não pode não ser” (ABAGNANO, 1998, p.663). O fundamento deste artigo está na razão de ser da salvaguarda do patrimônio documental fotográfico, audiovisual e sonoro: salvaguardar, mais que preservar, é manter a memória viva, a consciência ativa, é manter a informação em processo para a ampliação da consciência.

Nos campos de ações culturais, acadêmicas, científicas e técnicas caracterizadoras da área da ciência da informação, e nos campos tangenciais a essa área, ainda cabem perguntas advindas da reflexão de Aloísio Magalhães, mais de 30 anos passados de seu discurso, especialmente se levarmos em conta novas formas de imagens, fixas e em movimento, sendo produzidas originalmente digitais, como as linguagens de modelagem de realidade virtual: Qual

(16)

o tamanho de nossa ignorância, hoje, acerca dos possíveis usos e das ações concretas de salvaguarda desse patrimônio e dessas formas de representação e comunicação audiovisual, fotográfica e sonora? Onde estamos? Qual nossa posição? Onde queremos ficar com relação à salvaguarda desse patrimônio documental?

REFERÊNCIAS

ABAGNANO, Nicolas. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

ADCOCK, Edward P. IFLA principles for the care and handling of library material. Washington, D.C. : International Federation of Library Associations and Institutions, Core Programme on Preservation and Conservation, 1998.

BARBOSA, Andréa; CUNHA, Edgar T. Antropologia e imagem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

CALLOL, Milagros Vaillant. Conservação preventiva para instituições cariocas que custodiam bens culturais. Revista Acervo, v.23, n.2, jul/dez.2010, p.77-88.

CONWAY, Paul. Preservação no universo digital. Rio de Janeiro: Projeto Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos, 2001. 34p.

EDMONDSON, Ray. Audiovisual archiving: philosophy and principles. Paris: UNESCO, 2004.

ENTREVISTA com José Luiz Pedersoli. Acervo: revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v.23, n.2, jul/dez.2010, p.7-12

GÜTHS, Saulo; CARVALHO, Cláudia S.R. Conservação preventiva: ambientes próprios para coleções In: MUSEU DE ASTRONOMIA E CIÊNCIAS AFINS. Conservação de Acervos. Rio de Janeiro: MAST, 2007. p.25-43. (Mast Colloquia, v. 9)

JAMBEIRO, Othon. Informatas ou infogestores? Nova ordem mundial, novas tecnologias e novos profissionais da informação. In: JAMBEIRO, O.; GOMES, H.F.; LUBISCO, N;M;L. (Orgs). Informação: contextos e desafios. Salvador: ICI-POSICI, 2003, p.173-183.

JARDIM, José M. O inferno das boas intenções: legislação e políticas arquivísticas. In: MATTAR, Eliana (Org.). Acesso à informação e política de arquivos. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p.37-45.

KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002.

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: UNICAMP, 1996.

MAGALHÃES, Aloísio. E Triunfo? A questão dos bens Culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Fundação Nacional Pró-Memória, 1985.

MALSSEN, Kara van. Disaster Planning and Recovery : Post-Katrina Lessons for Mixed Media Collections. [2007?] Masters Thesis - Moving Image Archiving and Preservation Program, New York University.

MATTAR, Eliana (Org.). Acesso à informação e política de arquivos. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.

Data de submissão: 01-07-2012 Data de aceite: 17-04-2013

(17)

MEMÓRIA do Mundo. Revista de História da Biblioteca Nacional. Disponível em: < http://www. revistadehistoria.com.br/secao/nota/memoria-do-mundo-do-brasil>. Acesso em: 5 abr. 2012.

NUNO, Fontes Ferreira. Evolução legal dos arquivos audiovisuais e sonoros em Portugal. Revista Ponto de Acesso, v.6, n.1, 2012, p.156-171

PEIXOTO, Clarice Ehlers. Antropologia e imagem: os bastidores do filme etnográfico. Rio de Janeiro: Garamond, 2011, v.2

ROME, Marianne Kalili. Política cultural e transmissão do cinema na França. In: SERAFIM et al. Perspectivas em informação visual: cultura, percepção e representação. Salvador: EDUFBA, 2010, p.123-129.

SAYÃO, Luiz F. A ameaça da amnésia digital. In: MUSEU DE ASTRONOMIA E CIÊNCIAS AFINS. Conservação de Acervos. Rio de Janeiro: MAST, 2007. p. 181-204. (Mast Colloquia, v. 9)

SCHMITI, Fernanda. Tombamento: Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional à Luz da Constituição Federal, Dec.-Lei n. 25 de 30/11/37 e Lei n. 3.924 de 20/07/61. Disponível em: http:// www.ufsm.br/direito/artigos/administrativo/ tombamento.htm. Acesso em : 01.04.2012

SCHMITI, Fernanda. Tombamento: proteção do patrimônio histórico e artístico nacional à luz da Constituição Federal, Dec.-Lei n. 25 de 30/11/37 e Lei n. 3.924 de 20/07/61. Disponível em: http:// www.sedep.com.br/?idcanal=24376. Acesso em : 18 abr. 2013.

SCHULTZ, Margarita. Filosofía y producciones digitales. Buenos Aires: Alfagrama, 2006.

SILVA, Jaime Antunes. Apresentação. In: MATTAR, Eliana (Org.). Acesso à informação e política de arquivos. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003, p.9-10.

SILVA, Leuda R. O centro histórico de Fortaleza e seu patrimônio cultural arquitetônico. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Curso de Turismo, Faculdade Evolutivo (FACE). Fortaleza, 2011. Disponível em:< http://pt.scribd.com/ doc/60450040/MONOGRAFIA-LEUDA-REINALDO>. Acesso em: 1 abr. 2012

SILVA, Rubens R.G. Digitalização de acervos fotográficos públicos e seus reflexos institucionais e sociais: tecnologia e consciência no universo digital. 2002, 269 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Comunicação; Instituo Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia , Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Rio de janeiro, 2002. Disponível em: <http://tede-dep.ibict.br/tde busca/arquivo.php?codArquivo=15>. Acesso em: 24 jun. 2012.

TASK Force on Archiving of Digital Information. Preserving digital information : report of the Task Force on Archiving of Digital Information commissioned by the Commission on Preservation and Access and the Research Libraries Group. Washington, D.C. : Commission on Preservation and Access, [c1996]. Disponível em: <http://www.oclc.org/research/ activities/past/rlg/digpresstudy/final-report.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2012

THE FILM preservation guide: the basics for archives, libraries, and museums. San Francisco, California: National Film Preservation Foundation, 2004.

THOMAZ, Kátia. A preservação de documentos eletrônicos de caráter arquivístico: novos desafios, velhos problemas. 2004. Tese (Doutorado) – Escola de Ciência da Informação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004.

(18)

TOLEDO, Franciza Lima. Controle Ambiental e Preservação de Acervos Documentais nos Trópicos Úmidos. Acervo: revista do Arquivo Nacional, v.23, n.2, jul./dez.2010, p.71-76.

Referências

Documentos relacionados

É importante observar a construção que esses adolescentes elaboram do fato de ter dinheiro para pagar suas despesas e também algumas despesas da família e o que isso representa

A atribuição de incentivos financeiros à equipa multiprofissional depende da concretização dos critérios para atribuição das unidades contratualizadas (UC) referentes às

A  Loja  deve  ter,  no  mínimo,  três  reuniões  mensais:  1  (uma)  de  Loja  Aberta  ‐  ritualística;  1  (uma)  de  Administração  ‐  para  assuntos 

Biólogo, mestre em ciências (Biologia celular e molecular) pelo instituto oswaldo cruz (ioc/Fiocruz) e egresso do curso técnico de Pesquisa em Biologia Parasitária do mesmo

Para diminuir ao máximo a interferência das proteínas que ainda podem estar presentes na amostra, deve-se fazer uma leitura a 280 nm – comprimento de onda em que as

(2011) em estudo que avaliou a qualidade da dieta em indivíduos exposto e não exposto a um programa de reeducação alimentar mostrou que pessoas com

PROCESSO SELETIVO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM PSICOLOGIA, NÍVEIS DE MESTRADO E DE DOUTORADO, DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS (PUC MINAS)

emitida pela senhora vereadora, Dr.ª Maria José Coelho, a câmara municipal deliberou, por unanimidade, revogar a deliberação tomada na reunião de 27 de novembro de