A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE CIÊNCIA EM HISTÓRIA: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DE EDITORIAIS DA REVISTA VARIA HISTORIA (2007-2016)
Letícia Alve Vieira (Univer idade Federal de Mina Gerai - UFMG) Maria Aparecida Moura (Univer idade Federal de Mina Gerai - UFMG)
THE CONSTRUCTION OF THE CONCEPT OF SCIENCE IN HISTORY: A DISCOURSE ANALYSIS OF THE EDITORIALS IN VARIA HISTORIA (2007-2016)
Modalidade da Apre entação: Comunicação Oral
Re umo: O editorial como um paratexto, ou seja, um texto que acompanha e guia a leitura, foi objeto de estudo desse artgo. O objetio foi o de apresentá-lo como um espaço de produção e interpretação de um discurso cientíco, geralmente, reseriado aos artgos cientícos, resenhas, comunicação de pesquisa em andamento, entre outros materiais. Dessa forma, escolheu-se a área de História, dentro do campo das Humanidades, representada pelo periódico Varia Historia do Departamento de História da Faculdade de Filosoía e Ciências Humanas da Uniiersidade Federal de Minas Gerais, atraiés do recorte temporal de 2007 a 2016. Utliiou-se como caminhos teórico-metodológicos a Análise de Conteúdo e a Análise de Discurso, tendo como escopo, a Teoria Semiolinguístca de Patrick Charaudeau. Foram analisados 23 editoriais que nos proporcionou extrair diiersos resultados, do ponto de iista enunciatio, argumentatio e também da construção do conceito de ciência para a disciplina História no decorrer desse período. Para esse artgo, escolhemos a face da construção do conceito de ciência e, portanto, da construção da narratia cientíca para apresentação e discussão. Em síntese, com a análise dos editoriais, foi possíiel compreender o potencial desse noio objeto como instância polítco-cientíca e o faier cientíco de um domínio de conhecimento. O modelo de combinação teórico-metodológica, entre Análise de Conteúdo e a Análise de Discurso, e um noio objeto - o editorial cientíco – mostrou-se profcuo para a compreensão dos elementos discursiios presentes nos editoriais, desielando o conceito de ciência construído segundo as discussões acerca da neutralidade da própria ciência, a construção do saber acadêmico e suas relações com os saberes leigos, a polítca como assunto histórico, e, por ím, a preocupação com a internacionaliiação do periódico, e a circulação do conhecimento cientíco em História.
Palavra -Chave: Análise do discurso; Comunicação cientíca; Editorial; Narratia cientíca; Periódico cientíco.
research report, among others. For this purpose, the area of History as part of the Humanites íeld was chosen with focus on the journal Varia Historia published by the Department of History at the Faculty of Philosophy and Human Sciences of the Uniiersidade Federal de Minas Gerais , between 2007 and 2016. In theoretcal and methodological terms, a Content Analysis was performed in order to organiie the corpus which was studied through Discourse Analysis in the scope of Patrick Charaudeau’s Semiolinguistcs theory. This research seeks to analyie the main discursiie and argumentatie strategies in the editorials of Varia Historia, a journal of natonal and internatonal releiance. The analysis of twenty-three editorials led to a diiersity of results from the points of iiew of enunciaton and argumentaton as well as the constructon of the concept of science in History during this period. This artcle focus on the constructon of the concept of science and, therefore, on the constructon of scientíc narratie for presentaton and discussion. In sum, by the analysis of the editorials it was possible to understand the object’s potental as a politcal-scientíc instance and a scientíc practce inside a speciíc íeld of knowledge. A fruitul theoretcal and methodological combinaton between Discourse Analysis, Content Analysis and a new object-the scientíc editorial -enabled the comprehension of discursiie elements in the editorials. They unieil the establishment of the concept of science in accordance with discussions concerning scientíc neutrality, constructon of academic knowledge and its relatons to lay knowledge, politcs as a historical subject and, at last, the disseminaton of knowledge in History.
1 INTRODUÇÃO
A história da comunicação cientíca se confunde com o início do periodismo. Se o
começo da diiulgação dos feitos cientícos se daia atraiés de coniersas informais, de cartas
escritas e endereçadas aos interessados, passando pela leitura de relatórios de iiagens nas
sociedades cientícas do século XVII, as mesmas que lado a lado estieram presentes na
criação do periódico cientíco, traiem possibilidade iariadas de pesquisas.
Dessa forma, trataremos nesse artgo, de um dos elementos consttuintes do
periódico cientíco - o editorial. Esse texto ou paratexto é aquele que acompanha o texto
principal e tem como ínalidade, a orientação do leitor, é o nosso objeto de estudo.
O objetio do presente artgo é apresentar o editorial como um espaço de produção
e interpretação de um discurso cientíco, que se pensaia estar somente nos artgos de
periódico, resenhas de liiros, reiisões de literatura, pesquisas concluídas, além de outros
textos, como os de pesquisas em andamento, e ainda aqueles que discutem teorias e/ou
metodologias. Para alcançar esse objetio, utliiou-se um corpus, composto de 23 editoriais
de um periódico da área de História.
O artgo encontra-se estruturado da seguinte forma:t Editorial como gênero di cur ivo, apresenta o editorial como um gênero do discurso e como é tratado dentro da Análise do Discurso; Organização do di cur o trai a teoria utliiada na discussão dos modos de organiiação do discurso propostas por Charaudeau (2009) que é a base de nosso estudo;
em seguida, O Editorial, o Di cur o e a Con trução do conceito de ciência em Hi tória, trai o editorial como o objeto de análise, e o entrelaçamento com o discurso e
consequentemente a construção do conceito de ciência em História, apresentando o corpus
e a discussão dos resultados, e, por ím, as Con ideraçõe fnai , onde são destacados os resultados encontrados.
2 O EDITORIAL COMO GÊNERO DISCURSIVO
Se o editorial em sua forma geral se apresenta como um texto de abertura, no qual
há uma opinião do editor que representa a insttuição que o abriga, o editorial cientíco se
difere dos demais. O editorial de um periódico cientíco além de ser um texto de abertura,
trai como ío condutor, a exposição do conteúdo do fascículo com pequenos resumos das
principais ideias ali ieiculadas, iisto que mesmo que um número tenha artgos liires, eles
editorial pode ser compreendido como um gênero discursiio, pois o mesmo pode abrigar
em seu bojo questões de fundo epistemológico, ideológico e em nosso caso, discussões e/ou
refexões cientícas.
Em contnuidade às refexões e deínições acerca do gênero, deiemos nos lembrar
que para a área de Análise do Discurso, o estudo dos gêneros não é algo recente. Segundo
Marscuschi (2008), os estudos sobre gêneros textuais não são noios, e datam de mais de 25
anos. Em Aristóteles (2015), gênero se deíne mediante sua ínalidade e compreende três
elementos importantes:t o orador, o assunto de que se fala e o ouiinte.
Segundo Bakthin (1997), os gêneros do discurso deiem ser iistos de forma
composicional, conforme constata-se a seguir:t
A utliiação da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atiidade humana. O enunciado refete as condições especíícas e a ínalidade de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temátco) e por seu estlo ierbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramatcais –, mas também, e, sobretudo, por sua construção composicional. Estes três elementos (conteúdo temátco, estlo e construção composicional) fundem-se indissoluielmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especiícidade de uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, indiiidual, mas cada esfera de utliiação da língua elabora seus tpos relatiamente estáieis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 1997, p. 279).
De acordo com Bakthin (1997), que fala a respeito da estabilidade dos enunciados,
temos no texto escrito, e, no caso deste artgo, os editoriais, uma forma estáiel e, por
conseguinte, não estão sujeitos a interienções externas de caráter interacional como no
caso dos textos orais.
Por outro lado, Maingueneau (2004) situa a sua deínição de gênero discursiio
segundo iários de seus estudos. O autor classiícados gêneros discursiios em três grandes
Quadro 1 - Sínte e do gênero di cur ivo egundo Maingueneau (2004) Gênero
Autorai
Gênero Rotneiro Gênero Conver acionai
Conceituação Determinados pelo próprio
autor ou editor.
Os papéis dos parceiros da ação comunicatia são geralmente imutáieis.
Como o próprio nome dii, é coniersacional. Não tem um
discurso pré-estabelecido.
Exemplo Peças publicitárias Jornalismo Editoriais Reiistas Literatura Jornais Coniersas Informais
Fonte: elaborado pela autora , 2017.
O que nos interessa, neste trabalho, está situado no regime de gêneros insttuídos, o
qual Maingueneau (2004) subdiiide em quatro modos, conforme o quadro a seguir:t
Quadro 2 - Sínte e do gênero in ttuído conforme Maingueneau (2004) GÊNEROS INSTITUÍDOS
Modo I Modo II Modo III Modo IV
Conceituaçã o
Não estão sujeitos a iariações.
Produto de textos indiiidualiiados. Seguem normas de
comunicação.
Não existe uma cenograía preferencial. Os propriamente autorais. Autor indiiidualiiado construído atraiés de uma enunciação.
Exemplo Correspondências comerciais Registros de
cartórios
Jornais teleiisiios Guias de iiagem
Publicidade Programas de
teleiisão
Biograías Editoriais
Fonte: elaborado pela autora , 2017.
No modo IV se situa o gênero insttuído ao qual se dedicou especial atenção no
âmbito deste trabalho, que, em no nosso caso, é o discurso cientíco presente no gênero
discursiio editorial.
Percebe -se, por analogia, que entre esses autores indiiidualiiados pode ígurar o
editor do periódico - o que escreie o editorial.
Com esse propósito, tomou-se por referência as noções de gênero discursiio
presentes na obra de Maingueneau, precisamente o do ano de 2004 e Charaudeau (2009),
iisto que essas duas correntes se complementam.
Charaudeau (2001) iê, no conceito de ancoragem social, a questão fundante dos
gêneros discursiios. Esses gêneros estão iinculados a diferentes prátcas sociais instauradas
na sociedade. Por meio desse ponto de apoio, ieriícam-se as ligações entre os atores
linguageiros, que promoiem a troca ierbal. Sem essa ancoragem seria impossíiel. E é
baseando-se nesse contexto que temos uma problemátca instaurada, a dos campos de
sentdo de Bourdieu (2003)1, mas Charaudeau (2001) prefere denominar de “domínios de
prátcas linguageiras.. No interior dessas prátcas inserem-se as relações simbólicas entre os
atores enioliidos na situação de comunicação. Aqui, constata-se a importância do contexto
social e da carga socioideológica como importante elemento na instauração de um processo
discursiio, segundo a ideia de gênero discursiio para o autor.
E, para acrescentar, incorporou-se Marcuschi (2008), que alarga as dimensões sobre
gêneros ao ampliar a noção discursiia. O autor sintetia sua ideia em um quadro
denominado “Gêneros textuais por domínios discursiios e modalidades.. Para efeito desse
artgo pesquisa, sintetiou-se esse quadro com a conceituação e qualiícação dos domínios
discursiios gêneros textuais por domínios discursiios e modalidades que necessários à
análise.
QUADRO 3 - Gênero textuai por domínio di cur ivo e modalidade
Domínio Di cur ivo
Modalidade de u o da língua
Escrita Oralidade
In trucional (científco, acadêmico e educacional)
Artgos cientícos; ierbetes de enciclopédias;
relatórios cientícos; notas de aula; nota de
rodapé; diários de campo; teses; dissertações;
monograías; glossário; artgos de diiulgação
cientíca; tabelas; mapas; gráícos; resumos de
conferência; resenhas; epígrafe.
Conferências; debates; discussões; exposições; comunicações; aulas
partcipatias; aulas expositias.
Jornalí tco
Editoriais; artgos de opinião; carta ao leitor; notcias.
Entreiistas; discussões; debates; notcias.
Fonte: adaptado de Marcu chi, 2008, p.195-196.
Apresentado o editorial como um noio gênero discursiio no âmbito da Análise de
Discurso, se fai necessário elencar o modo como Charaudeau (2009) organiia o discurso,
atraiés da Teoria Semiolinguístca. Todaiia, deiido ao escopo do artgo, será apresentada
uma síntese desses quatro modos - Enunciatio, Narratio, Descritio e Argumentatio - com
ênfase nos modos Enunciatio e Argumentatio.
Charaudeau (2009) apresenta em seu estudo, questões referentes à problemátca
semiolinguístca do discurso. Para alcançar esse objetio, o autor elenca os problemas que
são ligados à abordagem na análise do discurso. Para tanto, enfatia e que não fará uma
história das teorias linguístcas, mas tratará do discurso com base no campo da linguagem.
Para tanto, refere-se à questão do ato de linguagem como encenação e, em seguida, trata
dos modos de organiiação do discurso. O autor trabalha com quatro modos de organiiação,
organiiação narratio e o modo de organiiação argumentatio. Cada um deles possui uma
função de base e um princípio de organiiação.
Para a função de base, a correspondência dii respeito à ínalidade do projeto de fala
do locutor, a saber:t “O que é enunciar? O que é descreier? O que é contar? O que é
argumentar?. (CHARAUDEAU, 2009, p.74).
O princípio de organiiação é duplo para os modos de organiiação descritio,
narratio e argumentatio e, ao mesmo tempo, propõe uma disposição do mundo
referencial, resultando em lógicas de construção (descritia, narratia, argumentatia) e uma
organiiação da encenação (descritia, narratia, argumentatia). É importante ressaltar que
o modo de organiiação enunciatio possui uma função bem partcular na organiiação do
discurso, uma iei que ele comanda os demais - a iocação dele é dar conta da posição do
locutor com relação ao seu interlocutor, segundo Charaudeau (2009).
Charaudeau (2009, p.75 e 79) aírma que os modos de discurso que têm
predominância nos editoriais são o descritio e o argumentatio. A seguir, apresentamos
sucintas considerações acerca dos modos de organiiação do discurso.
3.1 Modo de organização de critvo
Os componentes do modo de organiiação descritio são três, autônomos e
indissociáieis:t nomear, localiiar-situar e qualiícar. Quanto a elementos cientícos, a
organiiação de um discurso, com base no modo descritio, trai-nos alguns pontos a serem
pensados. O primeiro é que esse modo se mistura entre descreier e narrar. Em um texto
cientíco, o elemento descritio, por exemplo, é localiiado no tópico de descrição da
pesquisa, ao passo, que o narratio, estaria relacionado a contar como a pesquisa foi
realiiada.
Mesmo com a imbricação desses dois pontos, nada impede considerarmos, no
descritio e no narratio, suas respectias especiícidades. Nesse caso, o modo descritio se
refere a um procedimento discursiio, e a descrição como um resultado deste. O Descritio
detém, segundo Charaudeau (2009), o mesmo estatuto do Narratio e do Argumentatio. É
importante salientar que o modo descritio pode interiir tanto em textos literários quanto
3.1.2 Modo de organização narratvo
O modo de organiiação narratio se difere do descritio pelo fato de este ser mais
dinâmico que aquele. É híbrido, porque utliia tanto um quanto o outro para formular o
discurso.
Esse modo de organiiação nos leia ao conhecimento de um mundo que é construído
e baliiado pelo desenrolar de ações que se coordenam umas às outras, formando um
encadeamento progressiio, que possui dupla artculação:t i) a organiiação da lógica; ii) a
encenação narratia. Essa artculação permite a construção da organiiação de um discurso
do tpo narratio. Na organiiação da encenação narratia, por exemplo, o enunciador trata
da forma como o narrador e o leitor serão compreendidos durante a narratia. A
organiiação da lógica narratia, por meio dos seus actantes, processos e sequências é
responsáiel pela construção da trama de uma história. Nesse caso, supõe-se que haja o
despojamento das partcularidades semântcas que o enredo carrega.
Por essa perspectia, Charaudeau (2009) nos esclarece que o narrador não é uma
questão interna do texto e, sim, uma parte de algo mais complexo, o processo de encenação
da linguagem, que se dá por meio da troca entre o sujeito comunicante e o sujeito
interpretante.
3.1.3 Modo de organização enunciatvo
O modo de organiiação enunciatio está conectado e focado nos protagonistas, que
são os seres de fala internos à linguagem, diferentemente da situação de comunicação, na
qual há os parceiros da linguagem (seres externos à linguagem).
Charaudeau (2009) também ressalta que não podemos confundir esse modo com a
modaliiação do discurso, que é uma categoria da língua que reúne todos os procedimentos
no sentdo estrito linguístco e que irá permitr a explicitação do ponto de iista do locutor.
Assim, o enunciatio é “uma categoria de discurso que aponta para a maneira pela qual o
sujeito falante age na encenação do ato de comunicação. (p.81).
Além disso, esse modo possui como função de base a relação de infuência (Eu – Tu);
Ponto de iista do sujeito (Eu – Ele) e a Retomada do que já foi dito – Ele. No princípio de
organiiação refete a posição em relação ao interlocutor, em relação ao mundo e em relação
a outros discursos. Portanto, enunciar “se refere ao fenômeno que consiste em organiiar as
falante ocupa em relação ao interlocutor, em relação ao que ele dii e em relação ao que o
outro dii.. (CHARAUDEAU, 2009, p.82).
Distnguimos, assim, três funções do Modo Enunciatio:t (a) estabelecer uma relação
de infuência entre locutor e interlocutor - comportamento Alocutio; (b) reielar o ponto de
iista do locutor – comportamento Elocutio e (c) retomar a fala de um terceiro –
comportamento Delocutio.
Passamos agora à especiícação de cada ato locutio a ím de compreendermos
melhor a função desse modo de organiiação do discurso na cena enunciatia. No ato
alocutio, o locutor enuncia sua posição em relação ao seu interlocutor. Nesse ato, o sujeito
falante atribui papéis linguageiros tanto para si quanto para seu interlocutor. Geralmente,
essa enunciação do locutor o coloca em posição de superioridade em relação ao seu
interlocutor. É o caso da Interrogação e da Petção, por exemplo.
O ato elocutio é marcado pela relação do locutor consigo mesmo. Nesse ato, o
sujeito falante enuncia o seu ponto de iista sobre o mundo, sem que necessariamente o
interlocutor esteja enioliido nessa tomada de posição.
Finalmente, no ato delocutio o locutor desaparece no ato de enunciação e não
implica nesse momento o seu interlocutor. Assim, temos a impessoalidade:t o locutor relata
o que o outro dii e como o outro dii. Apresenta-se o que seria o discurso relatado.
Para Charaudeau (2009), no discurso relatado tudo depende da posição dos
interlocutores, das maneiras de se relatar esse discurso já enunciado e também da descrição
dos modos de enunciação de origem. O discurso relatado pode ser citado, integrado,
narratiiiado e eiocado. Nos dois primeiros tpos, tem-se o que a gramátca denomina como
discurso direto e indireto. No narratiiiado, há o desaparecimento por completo do discurso
de origem ou a sua total integração ao noio discurso. Por ím, no eiocado ou alusiio, há a
referência ao retorno de algum dado do discurso de origem:t a maneira de falar do locutor
3.1.4 Modo de organização argumentatvo
O modo de organiiação argumentatio é o mais complexo de ser tratado se compararmos ao modo narratio. Em sua proposta crítca do modo argumentatio,
Charaudeau (2009, p.201) aírma que “o argumentatio, ao contrário, está em contato
apenas com um saber que tenta leiar em conta a experiência humana, atraiés de certas
operações do pensamento.. O autor explica-nos que, o modo narratio leia em conta as
ações humanas e as confronta com uma forma de realidade que é iisíiel e tangíiel,
diferindo-se do argumentatio.
Ainda segundo o autor, a argumentação não deie ser limitada a uma sequência de
frases ou, ainda, de proposições ligadas por conectores lógicos, mas deie expressar no
discurso, o que esteja implícito ou explícito. Para que haja a argumentação, é preciso existr
uma proposta com relação a determinado tema e também uma proiocação, que gerará um
questonamento, somando-se a um sujeito que se engajará em uma proposição, e também a
outro sujeito que esteja relacionado com a mesma proposta inicial, mas também com o
questonamento e ierdade, sendo assim o alio da argumentação.
Nesse sentdo, na argumentação ocorre, se houier:t (a) uma proposta sobre o mundo
que proioque um questonamento quanto à sua legitmidade; (b) um sujeito que se engajará
em nesse questonamento (daí deriia-se a coniicção), e, com isso, deseniolia um raciocínio
com o objetio de estabelecer uma ierdade quanto a essa proposta e (c) outro sujeito que,
ao ser relacionado com a mesma proposta, questonamento e ierdade, consttui o alio da
argumentação. A argumentação se deíne em uma relação triangular entre um sujeito
argumentante, uma proposta sobre o mundo e um sujeito-alio. Nesse cenário, o sujeito
argumentante se dirigirá ao sujeito alio e, em tese, o induiirá a compartlhar do mesmo
pensamento (persuasão), sabendo, portanto, que esse sujeito alio poderá ou não aceitar a
argumentação que foi construída (CHARAUDEAU, 2009, p.205-206).
O modo de organiiação argumentatio “tem por função permitr a construção de
explicações sobre asserções feitas acerca do mundo numa dupla perspectia de razão: i) a
razão demonstratiaa ii) a razão persuasiia. (p.207).
A raião demonstratia se baseia no mecanismo que busca estabelecer relações de
causalidade diiersas. As relações entre essas asserções consttuem a organiiação da lógica
proia com a ajuda de argumentos que justíquem as propostas a respeito do mundo. As
relações de causalidade unirão as asserções umas às outras.
Conforme preconiia Charaudeau (2009), argumentar é uma atiidade discursiia e, do
ponto de iista do sujeito argumentante, há uma dupla busca:t i) a busca pela racionalidade
pela qual se objetia um ideal de ierdade na explicação de fenômenos do uniierso; ii) a
busca pela infuência, que se refere a um ideal de persuasão que, nesse caso, consiste em
compartlhar com outrem certo uniierso de discurso, até que o seu interlocutor tenha as
mesmas propostas (sujeito argumentante).
Após conhecermos os modos de organiiação do discurso, salientamos, deiido às suas
conígurações e característcas próprias, que nos interessa para esta pesquisa, os modos
enunciatio e argumentatio do discurso.
Essa distnção e escolha estão pautadas na composição desses dois modos de
organiiação. No modo enunciatio tempos componentes e procedimentos da construção
enunciatia e, também os procedimentos linguístcos, os quais estão presentes nessa
construção, representada pelas categorias modais.
Já no modo de organiiação argumentatio, há uma composição da lógica
argumentatia e sua encenação. Para isso, temos de considerar que o modo argumentatio
se deíne por meio de uma relação triangular entre sujeito argumentante, uma proposta
sobre o mundo e um sujeito-alio (CHARAUDEAU, 2009, p.205).
4 O Editorial, o Di cur o e a Con trução do conceito de ciência em Hi tória
Não há uma data precisa para o surgimento do editorial como elemento consttuinte
dos fascículos de periódico. Obseria-se a partr dos dois periódicos históricos - Journal des
saiants e Philosophical Transactons - que esse elemento não estaia presente em seus
primeiros números, mas alguns textos iniciais cumpriam uma das funções desse texto
inaugural. Os textos inaugurais eram cartas aos leitores e apresentações em geral acerca do
conteúdo daquele fascículo. Nas publicações brasileiras, podemos inferir que o editorial
começa a compor os periódicos cientícos a partr do século 20, pois anteriormente, como
no caso de um dos periódicos mais antgos do Brasil, o Sciencia para o poio (1881) traiia em
suas páginas preliminares um texto denominado Prospecto, proiaielmente o embrião dos
O editorial como espaço de produção e também de interpretação do discurso,
tornou-se, portanto, uma seara fecunda para identícação das formações discursiias
expostas pela fala do editor, bem como a análise da construção da narratia cientíca, e
compreensão da construção do conceito de ciência nas narratias presentes nesses
editoriais. Em nossa pesquisa, a área de História, representada pelo periódico Varia Historia
nos permitu analisar as principais estratégias discursiias e argumentatias ieiculadas pelos
discursos contdos nos editoriais publicados no recorte temporal, que compreende o período
de 2007 a 20162.
Para a realiiação da pesquisa, os caminhos metodológicos, compreenderam os
seguintes passos:t escolhemos a área de conhecimento - a disciplina História. A escolha se
baseou em dois pilares:t por ser uma disciplina do campo das Humanidades, já que o
primeiro periódico surge nessa área, e por ser uma área correlata à Ciência da Informação.
Quanto à escolha do periódico, após um leiantamento no Qualis Capes de Periódicos, data
base de aialiação 2015 e extratos A1 e A2, somente de reiistas brasileiras, em um uniierso
de aproximadamente 62 reiistas, a Varia Historia foi selecionada por estar no extrato A1, e
ser aialiada na área de História, apesar de contemplar publicações tanto da História quanto
da Filosoía. Está indexada nos seguintes indexadores:t Latndex, DOAJ, LiVre!, Redalyc,
SciELO, Web of Science (SciELOCitaton Index), Historical Abstracts with Full Text, Fonte
Acadêmica (EBSCOhost) e Scopus. O corpus foi numerado sequencialmente, do 1 ao 23,
seguindo os anos de 2007 a 2016, conforme apresentado no APÊNDICE A.
O referido material foi analisado com base na Análise de Conteúdo (AC),
posteriormente pela Análise de Discurso (AD) com base na Teoria Semiolinguistca de Patrick
Charaudeau, que nos proporcionou extrair diiersos resultados, do ponto de iista
enunciatio, argumentatio e também da construção do conceito de ciência para a disciplina
História no decorrer desse período. Para esse artgo, escolhemos a face da construção do
conceito de ciência e, portanto, da construção da narratia cientíca para apresentação e
discussão.
4.1 Con trução do conceito de ciência por meio da narratva no editoriai de 2007 a 2016
Existem diiersos conceitos para ciência, mas nos ateremos aqui, ao extraído do
Dicionário de Conceitos Históricos, que descreie, textualmente, o que os autores da área de
História, consideram por ierbete ciência.
Para Silia e Silia (2010, p.55), ciência:t
[...] pode ser entendida tanto como processo de iniestgação para se chegar ao conhecimento quanto como o conjunto de conhecimentos construído com base na obseriação empírica do meio natural e social, que tem como ínalidade fornecer fundamentos que permitam à humanidade iiier mais e melhor no mundo que a cerca.
Diante dessa aírmação, sistematiamos a construção do conceito de ciência na área
de História, no decorrer dos editoriais selecionados no período de 2007 a 2016. Mediante a
percepção do que é ciência para o campo histórico, como surge e se consolida ao longo do
tempo, nesse recorte.
Con trução do conceito de ciência no editoriai de Varia Historia – 2007 a 2016
Ano Trecho Editoriai Verifcação
2007 16 e 17 01 e 02 Neutralidade da ciência, uso da técnica, objetiidade, fortalecimento
da área de estudos da História das Américas no Brasil, colaboração dos
pesquisadores para o tema em questão.
2008 18 e 19 03 e 04 Estudo da diiersidade social-histórica, refexão e construção do
diálogo entre iárias disciplinas, relações entre história e natureia,
aspectos iisíieis e iniisíieis da arte e história.
2009 20 e 21 05 e 06 Construção do saber acadêmico e suas relações com os saberes leigos,
artculação entre medicina-Estado-sociedade, proíssionaliiação no
campo da saúde, construção do saber cientíco.
2010 22 e 23 07 e 08 Noias perspectias para o estudo da história medieial (noias fontes),
saúde e história, estabelecimento de um iínculo entre conhecimentos
cientícos e ideologias polítcas.
2011 24 e 25 09 e 10 Estudos dos temas polítca, república, cultura e patrimônio atraiés da
história.
2012 26 e 27 11 e 12 Inteligência e história como pesquisa acadêmica
2013 28 e 29 13 e 14 O periódico como instância de produção cientíca e discursiia, a
reestruturação do periódico Varia Historia, a História como ciência,
colaboração internacional. 2014 30 e 31 15, 16 e
17
A polítca como assunto histórico (o estudo da direita), os intelectuais
e a história na América Latna como campo de iniestgação. 2015 1 a 8 18, 19 e
20
Resgate da trajetória do periódico, o papel da escrita na história, a
história como ciência, construção das narratias históricas, o papel dos
periódicos na consolidação e aianço cientícos. 2016 9 a 15 21, 22 e
23
Preocupação com a internacionaliiação do periódico, circulação do
conhecimento cientíco em história e melhoria na qualidade dos
resumos/abstracts.
Fonte: dado da pe qui a, 2017.
A construção do conceito de ciência, pelas narratias presentes nos editoriais,
perpassou pela refexão acerca da técnica, da neutralidade da própria ciência e do
como por exemplo, o estudo da direita polítca, das Américas e da América Latna, e
também, da inteligência como campo de estudo.
Tem-se, também, abertura a noias técnicas e a noios olhares para objetos de
pesquisa já conhecidos como a História e a escraiidão. Porém, o que mais se destaca e
aparece em maior número e em sua maioria nos editoriais mais recentes é a questão
centrada no periódico, tanto no aspecto de formatação de uma reiista cientíca quanto em
sua função como instância de produção e circulação do conhecimento produiido em
História. Temos pontos importantes de preocupação demonstrada pela editoria no que se
refere à qualidade dos resumos, da escrita em História e da circulação desse conhecimento
produiido, estabelecendo, assim, diretriies importantes na aceitação dos artgos submetdos
ao periódico.
Essas ações impactam diretamente na condução de pesquisas da área e em sua
posterior diiulgação, iisto que, mediante a padroniiação desses elementos, um pesquisador
não teria estranhamento ao ier um periódico nacional e um periódico internacional. Desse
modo, o modus operandi cientíco torna-se normatiado e abrangente.
A utliiação do espaço do editorial, que geralmente é um acordo tácito entre editor e
leitor, foi um espaço de refexão e discussão para além da formalidade de apresentação do
fascículo publicado. Segundo os argumentos utliiados de qualidade, internacionaliiação,
ciência, dentre outros a editoria, ao longo dos anos, conseguiu sensibiliiar tanto os leitores
quanto os autores e pareceristas para a importância desse ieículo de comunicação cientíca,
colocando Varia Historia em um importante patamar de disseminação do conhecimento
histórico produiido no Brasil, na Uniiersidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e no
Departamento de História da Faculdade de Filosoía e Ciências Humanas (FAFICH), como
uma importante referência para a área.
O periódico cientíco é um elemento central na comunicação da ciência e espaço
priiilegiado de refexões compostas pelos argumentos e discursos cruciais para o faier
cientíco, por meio de seus artgos, e outros documentos ali expressos. Ele fai parte das
diiersas instâncias de emergências discursiias no âmbito cientíco, representadas por
reiistas cientícas, eientos acadêmicos, associações cientícas, dentre outros espaços que
compõem um domínio de conhecimento.
Podemos considerar que o editorial é um objeto de instância polítca, que nos
permitu compreender o faier cientíco em um domínio de conhecimento. Nesse espaço, a
fala do editor não se resumiu à apresentação do fascículo e de seus artgos publicados. Essa
instância discursiia foi utliiada com o objetio de legitmar o campo da História como
ciência, orientar a respeito da étca em publicações e coordenar as publicações com base na
área de pesquisa na qual o editor tnha experiência, desenhando, assim, uma linha editorial
para aquele período.
No que se refere ao papel do editor no processo da editoria, foi possíiel constatar
que a linha editorial do periódico se mantnha conexa às áreas de pesquisa dos editores
daquele período, o que demonstra uma inclinação dos temas publicados, dossiês temátcos
relacionados à área de atuação do editor.
Inferem-se, dessa questão, duas raiões:t a primeira se deie à familiaridade com o
tema e com isso a escolha de pareceristas para aquele fascículo seria mais exata; e a
segunda poderia residir no fato de a demarcação de pesquisas se inserir na comunidade
cientíca daquele campo. Essas marcações só puderam ser iislumbradas, primeiramente,
após a realiiação de uma Análise de Conteúdo, com a organiiação do corpus e a análise
categorial temátca dos editoriais. E em seguida, com a Análise de Discurso utliiando a
Teoria Semiolinguístca de Charaudeau (2009), focando nos modos de organiiação
argumentatio e enunciatio.
Os caminhos metodológicos escolhidos nos possibilitaram compreender a dinâmica
das narratias empreendidas nos editoriais, bem como a organiiação argumentatia do
discurso cientíco.
No campo da comunicação cientíca, a possibilidade de identícar formações
discursiias em editoriais, ao analisar a construção da narratia cientíca para uma área de
ieiculação dos discursos oriundos dos resultados de pesquisa, das resenhas dos liiros
recém-publicados, e de outros documentos; mas também como um conjunto de narratias
delimitadoras de um domínio cientíco por um caráter polítco-cientíco, que auxilia na
construção de um conceito de ciência para aquele campo do saber.
Esse modelo de combinação teórico-metodológica, entre AC e AD, e um noio objeto
- o editorial cientíco - mostrou-se profcuo para a compreensão dos elementos discursiios
presentes nos editoriais. Desielou o conceito de ciência construído com base nas discussões
acerca da neutralidade da própria ciência, da construção do saber acadêmico e suas relações
com os saberes leigos, a polítca como assunto histórico, culminando na preocupação com a
internacionaliiação do periódico, e a circulação do conhecimento cientíco em História.
Diante dessas constatações, o presente estudo contribui signiícatiamente para a
compreensão do faier cientíco baseando-se nas refexões contdas em editoriais de
periódicos, podendo ser replicada para quaisquer áreas de conhecimento com o objetio de
conhecer e compreender a estruturação do discurso cientíco da área estudada, como
também da construção dessa narratia.
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SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceito Hi tórico . 3.ed. São Paulo:t Contexto, 2010.
NÚMERO DO
EDITORIAL ANO VOLUME NÚMERO TITULO DO FASCÍCULO/DOSSIÊ TEMÁTICO
01 2007 23 37 Dossiê:t A história dos ielhos mapas
02 2007 23 38 Dossiê:t História das Américas
03 2008 24 39 Dossiê:t História Ambiental e Cultura da
Natureia
04 2008 24 40 Dossiê:t História da Arte
05 2009 25 41 Dossiê:t Imagens:t escraiidão, mestçagens
06 2009 25 42 Dossiê:t Infuenia Espanhola
07 2010 26 43 Dossiê:t História Medieial:t fontes e
historiograía
08 2010 26 44 Dossiê:t História, ciência e saúde
09 2011 27 45 Dossiê:t Republicanismo no Brasil do século XIX
10 2011 27 46 Dossiê:t Elementos materiais da cultura e
patrimônio
11 2012 28 47 Dossiê:t História e Inteligência
12 2012 28 48 Dossiê:t Relações ciiis militares e Segurança Nacional
13 2013 29 49 Multtemátco
14 2013 29 51 Dossiê:t Nações, Comércio e Trabalho na
África Atlântda
15 2014 30 52 Dossiê:t As Direitas na História
16 2014 30 53 Dossiê:t Educação e História
17 2014 30 54 Dossiê:t Intelectuais e circulação de ideias na América Latna
18 2015 31 55 Dossiê:t Por uma noia história da Igreja
Medieial
19 2015 31 56 Dossiê:t Historiograía e História Intelectual
20 2015 31 57 Multtemátco
21 2016 32 58 Dossiê:t Culturas alimentares, prátcas e
artefatos
22 2016 32 59 Dossiê:t História e teatro no Brasil pós-64
23 2016 32 60 Dossiê:t Arte e ciência, um processo