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Manifestações populares no Brasil contemporâneo: diálogos sobre cultura política, mobilizações sociais e novas formas de participação política. Entrevista com Aldo Fornazieri

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Realizada por Rafael Balseiro Zin1 Thiago Henrique Desenzi2 Lívia de Souza Lima3

política, mobilizações sociais e novas

formas de participação política.

Entrevista com o Aldo Fornazieri

1 Mestrando em Ciências Sociais, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). 2 Mestrando em Ciências Humanas e Sociais, pela Universidade Federal do ABC (UFABC).

Nos meses de junho e julho de 2013, milhões de jovens brasileiros foram às ruas para reivindicar melhores condições de vida, inicialmente, motivados pelo aumento nas tarifas do transporte público, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, entre outras capitais. Foram as maiores mobilizações no país, desde as manifestações pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de

Mello, em 1992, e tiveram aprovação de pelo menos 84% da população. Nos cartazes, faixas e rostos pintados, a mensagem era bastante clara: os jovens diziam que a forma como as decisões têm sido conduzidas no país já não mais os representa, evidenciando, dessa maneira, a necessidade de se haver mudanças profundas no que diz respeito ao fazer político brasileiro. Levando em consideração a necessidade de se refletir os novos fenômenos e agentes que permearam esse cenário mais recente, convidamos o cientista político e professor Aldo Fornazieri para nos auxiliar a discorrer essa problemática.

Nascido no município de Erechim, no estado do Rio Grande do Sul, Aldo é considerado como um dos maiores expoentes dos estudos republicanos, à luz da teoria política de Nicolau Maquiavel. Licenciado em Física (1979), pela Universidade Federal de Santa Maria, mestre (2000) e doutor (2007) em Ciência Política, pela Universidade de São Paulo, atualmente, é Diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde exerce, ao mesmo tempo, a função de professor. Nesta entrevista, além dos aspectos biográficos que configuraram a trajetória intelectual de Fornazieri, o que se busca é melhor compreender as feições da cultura política no Brasil contemporâneo, as recentes mobilizações sociais, bem como as novas formas de participação política.

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Rafael Balseiro Zin: Para iniciarmos esta conversa, gostaria que o senhor apresentasse, brevemente, o seu percurso como professor e pesquisador, assim como um pouco do contexto em que viveu e como sua trajetória pessoal e social influenciou na escolha da carreira em ciências sociais.

Aldo Fornazieri: Penso que foi a militância

política que me levou para as ciências sociais, já que fiz graduação em Física, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). No final dos anos de 1970, o ambiente estudantil estava bastante tenso por lá... Conquistamos a direção do Diretório Central dos Estudantes (DCE), que vinha sendo dirigido por agrupamentos de direita. Na ocasião, o Rio Grande do Sul foi o único Estado onde se viabilizou o Diretório Estadual dos Estudantes (DEE), imposto pelo regime militar, em substituição às Uniões Estaduais dos Estudantes (UEEs). O DEE dominava todo o interior do Estado. A esquerda só existia em Porto Alegre, no movimento estudantil. A conquista do DCE da UFSM foi decisiva para alastrar a militância de esquerda para o interior do Estado. A partir dessa conquista, fomos tomando os Centros e Diretórios Acadêmicos de todo o interior. Esse processo me levou a atuar na União Estadual dos Estudantes (UEE), que reconstruímos; primeiro como vice-presidente e depois como vice-presidente.

Em Santa Maria éramos um grupo organizado, semiclandestino, que mais tarde se uniu a outros grupos, para formar o Partido Revolucionário Comunista (PRC). Dessa organização, faziam parte o Tarso Genro, o José Genoíno, a Marina Silva, o Chico Mendes, os irmãos Viana do Acre, o Ozeas Duarte, apenas para ficar nos nomes mais conhecidos. O PRC trabalhava em várias frentes: estudantil, sindical,

política e, também, tinha algum trabalho na área rural. Com o surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT), o PRC decidiu atuar dentro dessa organização, e terminou se dissolvendo por volta de 1990. Em 1986 vim para São Paulo por conta da militância política e passei a editar uma revista da nossa organização, que se chamava Teoria & Politica. Creio que foi toda essa

militância que me levou a uma aproximação com as ciências sociais. Na época do movimento Estudantil, tínhamos uma forte formação teórica e política. A formação teórica era um item obrigatório da militância, com muita leitura de autores como Marx, Lênin e os demais pensadores marxistas.

Thiago Desenzi: Antes de realizar o mestrado e o doutorado em Ciência Política na Universidade de São Paulo, o senhor disse que cursou a licenciatura em Física, na Universidade Federal de Santa Maria. Como se deu esse processo de transição entre cursos tão distintos?

Aldo Fornazieri: Quando estudava Física

na Universidade Federal de Santa Maria cheguei a ingressar no curso de graduação em Filosofia. Ao me mudar para Porto Alegre, por conta das atividades na UEE, ingressei na pós-graduação em Filosofia, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Quer dizer, a militância política me levou para o caminho natural das Humanidades. Já em São Paulo decidi fazer Mestrado e Doutorado em Ciência Política na USP. Penso que existe muita proximidade entre Física e Filosofia. Não chega a ser raro que estudantes de Física terminem por migrar para a Filosofia. A Física teórica tem bastante proximidade com a Filosofia. Ademais, muitos físicos têm profundas preocupações sociais, ao menos aqui no Brasil. Não sei bem qual a razão disso. Talvez essa inspiração venha do Mário Schenberg, de origem judaica, que foi físico, político

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e crítico de arte. O Schenberg é considerado o maior físico teórico do Brasil. Seu engajamento político e social deve ter inspirado muita gente.

Rafael Balseiro Zin: Após a graduação em Física, já no mestrado, o senhor fez uma análise política sobre a República e o republicanismo. Como se deu a escolha desse objeto de estudos?

Aldo Fornazieri: Na verdade, a minha ideia

inicial era estudar o republicanismo brasileiro, a partir da teoria republicana clássica. No entanto, houve uma troca e o meu novo orientador me chamou a atenção sobre o afastamento do republicanismo brasileiro em relação ao republicanismo clássico. Fiz um enorme estudo sobre os autores republicanos brasileiros, que, até hoje, se encontra engavetado. Com o impasse, terminei fazendo a dissertação sobre a transição do republicanismo clássico para o republicanismo liberal no processo da independência e de aprovação da Constituição dos Estados Unidos. O fato é que fui me aproximando da teoria republicana na medida em que fui me afastando do marxismo.

Rafael Balseiro Zin: Mais adiante, durante o doutorado, o senhor faz uma análise crítica acerca das teorias políticas de Maquiavel, problematizando a ideia de “bom governo”. Fale um pouco sobre essa experiência.

Aldo Fornazieri: A minha adesão ao

republicanismo foi antes de ordem política do que de ordem acadêmica. O texto do Maquiavel, Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio, foi a minha

grande inspiração. Já conhecia bem O Príncipe. O

problema é que a teoria de Maquiavel tem muitas interpretações e muitos intérpretes. Eu sempre vislumbrei uma intencionalidade de Maquiavel nesses dois textos principais: a de apresentar uma teoria do bom governo, conforme as circunstâncias da forma

de governo – república ou principado. Melhorar a atuação dos governos com vistas a realizar o bem comum e com vistas a reduzir as interferências da fortuna, do imprevisto, do contingente e do acaso, e conter os potenciais destrutivos inerentes à natureza humana, são preocupações centrais na teoria de Maquiavel. Por isso, decidi fazer a tese com este foco: a teoria do bom governo em Maquiavel.

Lívia Lima: Ao longo do mestrado e do doutorado, na Universidade de São Paulo, o senhor foi orientado por renomados pensadores, como Fernando Limongi e Claudio Vouga. Como foi essa experiência e quais foram as principais lições apreendidas dos ensinamentos dos mestres?

Aldo Fornazieri: O meu primeiro orientador

no mestrado foi o professor Boris Fausto, justamente quando pretendia fazer a dissertação sobre o republicanismo brasileiro. Então veio a aposentadoria dele e foi decidido que os orientandos dele deveriam procurar outros orientadores. Foi nesse contexto que ocorreu uma mudança de foco, o que resultou num problema em termos de otimização do tempo. Mas, por outro lado, penso que ganhei bastante em termos de amplitude de estudos. Hoje posso dizer que conheço razoavelmente bem o republicanismo brasileiro. No primeiro período que ministrei aulas no curso de Sociologia e Política da FESPSP, tratava da temática do pensamento político brasileiro, no quarto ano da graduação. Servi-me bastante dos estudos dos republicanos. E foi o professor Fernando Limongi quem me aconselhou a mudança de foco, pois ele conhece muito bem todo o contexto teórico e histórico implicado no republicanismo norte-americano. Apesar da premência do tempo decorrente da mudança do tema, o resultado da

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dissertação foi minimamente satisfatório. O Limongi teve também uma enorme boa vontade, coisa que agradeço muito, pois nem sempre é fácil “pegar o bonde andando”. Já a minha relação com o professor Claudio Vouga foi diferente. Na época ele ministrava aulas acerca do pensamento político clássico em dobradinha com o saudoso Gildo Marçal Brandão. As aulas em dupla eram muito divertidas e com debates muito acalorados. Foi uma experiência singular ter dois professores numa sala de aula. E a partir dessas aulas é que nos aproximamos e conversamos sobre a orientação. O Vouga tem um conhecimento muito abrangente sobre os clássicos da política. Com isso, a sua orientação foi bastante tranquila.

Rafael Balseiro Zin: O nosso tempo tem sido marcado pela velocidade da informação e pelo avanço da tecnologia. Mediante esse contexto, de quais estratégias o cientista social pode se cercar para contribuir com a construção do pensamento crítico da sociedade?

Aldo Fornazieri: As estratégias não são

unívocas. Do meu ponto de vista, a única coisa certa é que o cientista social deve ser muito bem preparado teoricamente. O uso das tecnologias você aprende na vida; já o conhecimento das teorias, você aprende na Escola. Grosso modo, entendo que existem duas tipologias de cientista social: o que produz pesquisa e conhecimento científico a partir da presunção da neutralidade da Ciência e aquele que produz teoria e pesquisa com um engajamento político e social. As duas formas são válidas. Talvez, o primeiro tipo lance mão, com maior frequência, de dados matemáticos e quantitativos, e o segundo tipo faça um uso mais extenso da produção analítica e teórica. Vale frisar que as duas formas não são excludentes. O risco está nas posturas extremas. Com o advento das

tecnologias de informação, o cientista social tem, hoje, uma disponibilidade de meios muito maior em relação aos cientistas do passado recente. A quantidade de conhecimento e de informação que ele tem a seu dispor é enorme. Mas há que se ter cuidado com a qualidade e com o problema do tempo. O uso intensivo da tecnologia pode acarretar um problema de ordem temporal, ou, para ser mais específico, pode acarretar uma crise na capacidade de administração do tempo. Há o risco de o tempo escorrer entre os dedos quando somos absorvidos de forma excessiva pela tecnologia. Corremos o risco de nos tornarmos improdutivos.

Rafael Balseiro Zin: E como o senhor avalia a presença do cientista social, no que diz respeito aos desafios da contemporaneidade?

Aldo Fornazieri: Os desafios são enormes.

Em tese, o cientista social apresenta compreensões e soluções para os problemas sociais. O fato é que os problemas se desenvolvem num volume muito superior e muito mais dramático do que a capacidade de compreendê-los e de apresentar soluções. Há, também, o problema da fragmentação e da superespecialização das ciências. Esta é uma dimensão natural do desenvolvimento científico, dada a complexificação crescente da sociedade, da produção e do mundo do trabalho. A especialização do trabalho científico é inevitável. Mas os problemas globais, que exigem soluções integradas e integradoras, soluções universalizantes, também crescem. As ciências, em geral, e a ciência social, em particular, têm apresentado baixa capacidade de desenvolver visões universalizantes. As grandes totalizações parecem ser coisa do passado. Parece-me que seria necessário que elas voltassem, pois o planeta e a humanidade apresentam cada vez mais problemas comuns, que

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exigem soluções globais.

Thiago Desenzi: É possível que o senhor tenha vivido as a conjuntura política brasileira em três grandes momentos da História mais recente do Brasil: a ditadura militar, o período de redemocratização e o atual período de consolidação da democracia. Como o senhor analisa os processos de transformação social e a participação política nestes três contextos, a partir da experiência que teve?

Aldo Fornazieri: Enquanto militante, de

fato, peguei o final do regime militar. Participei da reconstrução do movimento estudantil, da campanha das diretas, da constituinte e do impeachment. Em termos políticos, ocorreram avanços muito importantes para a consolidação da democracia. A Constituição de 1988, com todos os seus problemas, é o marco fundamental desse processo. Ocorreram, também, conquistas no plano social. Mas diria que essas são menores e estão bem aquém da configuração do Brasil, como um país justo e equitativo. A inclusão social avançou principalmente a partir do governo Lula, mas, mesmo assim, o Brasil mantém um contingente enorme de trabalhadores de baixa renda. As periferias têm muita pobreza e, consequentemente, muitos problemas. Direitos foram inscritos na Constituição e nas leis, mas são negados na prática. Os serviços públicos são de qualidade muito ruim e este é um dos focos da crise atual. Parece que o governo Dilma sentou em cima das conquistas da inclusão e da recuperação da renda. O fato é que os governos do PT não removeram as condições estruturais, que articulam a profunda desigualdade na sociedade brasileira. Os mais pobres continuam pagando mais impostos do que os mais ricos. Na educação, temos os conhecidos problemas

de qualidade e, na saúde, temos os terríveis problemas de acesso e também de qualidade. No plano político, por conseguinte, passamos por uma grave crise de representação. As instituições públicas e, inclusive, as instituições da sociedade civil, estão deslegitimadas. Isso propende a um crescente esgarçamento social, com o aumento das tensões, da violência e da proposição por saídas autoritárias. Os próprios governos, no atual momento em que vivemos, buscam saídas repressivas para conter os movimentos sociais, seja pela via da ação policial, com a compra de equipamentos antiprotestos, por exemplo, seja pela via de leis mais duras contra manifestantes. A crise de representação se expressa, também, pela via de uma crise de lideranças. As nossas lideranças políticas são fracas e incompetentes.

Thiago Desenzi: Existe uma crescente critica voltada à atuação da academia brasileira, no que diz respeito aos processos de produção do conhecimento nas Universidades mais voltadas à pesquisa, centralmente às Universidades Federais. Apesar de algumas experiências positivas, a crítica considera que estes espaços não dialogam com a realidade social, concentrando-se, com maior intensidade, na produção de um saber restrito a discussão junto a seus pares. Sabendo disso, qual é a sua opinião acerca desta crítica?

Aldo Fornazieri: De fato, as universidades

parecem estar afastadas da realidade social do país. No campo das ciências sociais e das Humanidades, se formaram dois blocos relativamente estanques: de um lado, temos os porta-vozes do liberalismo conservador aferrado a soluções de mercado; de outro, temos o adesismo acrítico aos governos do PT. Entendo que isto é ruim para o mundo acadêmico.

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Produzem-se brigas para conquista de departamentos e direções de curso, a partir dessa polarização. Enquanto isto, a realidade social se movimenta e requer compreensões e soluções urgentes, pois os problemas se agravam. Os professores deveriam estimular os estudantes a analisar e compreender o processo em curso, a partir das capacidades teóricas que adquirem. Há, nas Universidades, hoje, um excesso de academicismo e escassez de senso de realidade. É preciso ter consciência de que o Brasil está longe de ter seus problemas resolvidos. Os grupos tradicionais das Universidades dominam os esquemas de financiamento das pesquisas. Penso que é preciso democratizar as verbas da pesquisa científica, abrindo mais espaços para novos pesquisadores, pesquisadores iniciantes. Os critérios de financiamento também deveriam ser revistos.

Thiago Desenzi: Em sua trajetória profissional, o senhor priorizou mais a ação política do que a atuação acadêmica, inicialmente como militante do Partido dos Trabalhadores, e, mais recentemente, se fazendo reverberar através de canais de comunicação que dialogam mais diretamente com a sociedade em geral, como jornais e revistas de ampla circulação, ao invés de espaços acadêmicos, como os periódicos científicos e congressos. Gostaria de perguntar se existe uma motivação ideológica neste processo e quais foram as razões que o levaram a tal escolha?

Aldo Fornazieri: Na minha história de vida,

em termos cronológicos, a atividade política foi anterior à atividade acadêmica. E foi pela atividade política que cheguei ao mundo acadêmico. Ademais, sempre trabalhei muito para sobreviver e para criar meu filho, o Federico Fornazieri. Por vários

momentos, cheguei a ter três empregos. O trabalho em outras atividades prejudica muito a atividade de pesquisa e elaboração acadêmica. Fui, por cerca de vinte anos, analista de conjuntura. Isto me manteve sempre mais próximo da atividade política. E uma coisa é inegável: as nossas escolhas pessoais dependem muito das nossas condições e circunstâncias de vida.

Lívia Lima: Em seus artigos e publicações mais recentes, o senhor tem afirmado que a política, bem como as suas instituições, vivem um dos seus piores momentos, sem direcionamento estratégico e tampouco moral. Em sua opinião, essa crise pode ser caracterizada como global ou possui focos mais específicos?

Aldo Fornazieri: No Brasil existe uma

evidente crise de lideranças. Nos últimos anos, a política brasileira caminhou para a mediocridade. A crise de representação que se evidenciou, com mais intensidade, a partir de 2013, é expressão da mediocridade e da incapacidade dos políticos de apresentarem soluções para os problemas que a sociedade enfrenta, principalmente os setores mais pobres, como os trabalhadores de baixa renda e os moradores das periferias. As grandes cidades se transformaram em zonas de tumultos urbanos permanentes. As pautas dos conflitos são específicas, mas estes se generalizaram. Eu sempre ensino aos alunos que um Estado bem constituído – “uma polis bem formada”, como diziam os gregos – é aquele que consegue agregar, ao mesmo tempo, bens materiais e bens morais. O fato é que a crise de representação vem gerando a perda de capacidade das instituições de estabelecerem compreensões e sentidos comuns à sociedade. A sociedade brasileira carece de direção política e moral. Disso emerge o esgarçamento das relações, as tensões, a exasperação do conflito e a

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violência. A sociedade tem se transformado num campo aberto de guerra social: morrem, de forma violenta, cinquenta mil pessoas por ano, e ninguém se importa muito com isto. Naturalizamos a guerra e a tragédia. Cresce a violência nas manifestações e crescem apelos à intervenção militar. O capitalismo brasileiro exerce uma relação predadora, com a ajuda dos governos, contra o poder público, contra o bem público e contra a natureza. Os próprios governos são agentes da degradação ambiental.

Mas esta crise não é somente brasileira. Vivemos num tempo maléfico e iníquo. Apenas 1% da humanidade concentra 41% da riqueza global. Isto é inaceitável, sob qualquer ponto de vista. A riqueza se concentrou terrivelmente e bilhões de pessoas vivem na pobreza. O valor da igualdade se perdeu pelos caminhos da história. O que se vê hoje é que as democracias foram capturadas pelo capital financeiro. E as dívidas públicas são o instrumento perverso dessa captura. A rigor, os partidos políticos de centro-direita e de centro-esquerda se tornaram sócios e agentes do capital financeiro e do grande capital. As necessidades sociais crescem à medida que se espalha a corrupção política. Os povos vão às ruas e não conseguem arrancar concessões dos governos e dos parlamentos. Nos regimes autocráticos, os governos são derrubados nas ruas pelas revoltas populares e logo se instituem novos governos não democráticos.

Diante desse quadro, que, repito, é maléfico e iníquo, não vejo outra saída a não ser a radicalização da luta política e social. Penso que será nas ruas e nas praças o lugar onde se deve decidir um novo equilíbrio de poder. Com a crise de representação, os parlamentos perderam a capacidade de mediar corretamente os conflitos sociais. A batalha das ruas e das praças deve ser uma batalha por mais justiça

e igualdade e uma batalha pela democratização da própria democracia.

Lívia Lima: O senhor acredita que exista uma identificação dessa crise pelos diversos segmentos da sociedade civil? Se sim, quais seriam as conexões possíveis entre a atual crise política brasileira e as diversas manifestações populares recentes?

Aldo Fornazieri: Julgo que apenas alguns

setores percebem a crise. O que há é um enorme mal-estar geral, uma crise de perspectivas. Os governantes não conseguem apontar um caminho para o Brasil e isto se reflete no dia-a-dia das pessoas em termos de perspectivas. As pessoas estão com perspectivas reduzidas em relação ao futuro. Agora, tem setores que percebem a crise: os novos movimentos sociais, os movimentos de luta por moradia, os usuários de transporte público e de saúde pública, os trabalhadores sem-terra e os índios, os moradores das periferias, que enfrentam uma violência cotidiana, e setores da classe média, que propõem saídas autoritárias. No mundo do trabalho, existem categorias que começam a perceber o limite da renda, atacada por um lado pela inflação e, por outro, pelo baixo crescimento. Por enquanto as pautas de lutas são específicas. Cada movimento faz sua luta. Mas isto tende a se encaminhar para um movimento mais geral. É preciso dar tempo ao tempo. Os processos de luta começam sempre de forma mais ou menos espontânea e evoluem para movimentos mais organizados.

Rafael Balseiro Zin: Desde dezembro de 2010, aproximadamente, uma onda de manifestações e protestos vem ocorrendo no Oriente Médio e no Norte da África, fenômeno que ficou conhecido internacionalmente como

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Primavera Árabe. Mais recentemente, países como a Ucrânia e Venezuela também vêm assistindo uma série de revoltas populares. O senhor acredita que essas manifestações ao redor do mundo influenciaram o atual contexto político brasileiro?

Aldo Fornazieri: Em alguma medida sim.

As causas são diferentes. De modo geral, as lutas a que você se referiu tiveram ou têm como foco a bandeira do fim de regimes ditatoriais ou corruptos. Além da natureza dos regimes, havia, ou há crises econômicas, carência de empregos, baixos salários e pobreza. Na medida em que hoje a informação se dissemina com facilidade e amplitude, setores sociais brasileiros também ficam estimulados a lutar. As lutas tendem a se acirrar quando não há mais crença de que as instituições possam resolver os problemas das pessoas. Veja o caso da queima de ônibus. Esses incêndios têm vários motivos e, em alguns casos, há o crime organizado agindo. Mas, em vários outros casos, são iniciativas de grupos espontâneos revoltados em face de situações específicas. Esses grupos avaliam que não vale mais a pena procurar o vereador, a associação de bairro, a subprefeitura, a polícia, o padre ou pastor. Percebem que as instituições não funcionam. No desespero, queimam os ônibus, bloqueiam as ruas, protestam.

Lívia Lima: O senhor vê diferenças pontuais entre as grandes manifestações de junho e julho no Brasil e as demonstrações mais recentes de insatisfação popular, que eclodiram em diversas cidades neste início de 2014? Ainda nesse sentido, como o senhor vê os rumos das manifestações populares no Brasil de agora em diante, principalmente com a aproximação dos megaeventos, como a Copa do mundo de futebol

e as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016? Aldo Fornazieri: Em junho de 2013, o que

tivemos foi uma explosão de descontentamentos represados. A repressão contra os protestos acirrou os ânimos, principalmente aquela feita pela Polícia Militar paulista, no dia 13 de junho. De lá para cá, temos protestos contínuos. O segundo semestre de 2013 foi marcado por lutas, tumultos e confrontos semanais, quando não diários. Eles não têm a envergadura dos protestos de junho, porque as pautas se especificaram. Nesse momento, os protestos são mais localizados e em menor escala. Mas o fato é que se multiplicaram. Ocorreram vários protestos do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) com dez mil, quinze mil pessoas. Os confrontos em desocupações envolveram milhares de pessoas. Diante desse cenário, acredito que a aproximação dos grandes eventos vai acirrar o processo de lutas. Os governos estaduais estão comprando armas e equipamentos antiprotestos e o governo federal está tomado por uma fúria legiferante antimanifestações. Serão gastos cerca de R$ 2 bilhões apenas em segurança – um absurdo. E não se trata de garantir a segurança da população, pois ela continuará sendo a principal vítima da violência. Estamos falando da segurança do Estado, segurança dos eventos, segurança dos estrangeiros, segurança da Fifa, segurança do capital e do patrimônio etc. Nesse processo, portanto, o grande desafio dos movimentos sociais é o de tornar os protestos massivos. Mas a violência e a repressão intimidam. Então, mesmo que os protestos sejam pequenos ou médios, penso que são válidos.

Lívia Lima: Qual a sua avaliação diante da resposta do Estado mediante as manifestações de insatisfação popular de junho, tanto com

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relação à truculência policial quanto com relação às reações mais imediatas em forma de discurso político?

Aldo Fornazieri: Quanto à repressão,

fez-se a coisa de fez-sempre: os movimentos sociais devem ser vistos como caso de política. E o problema aqui não está na polícia. Está em quem comanda a polícia, que é o poder político. Agora, a tendência é a de uma radicalização da repressão. Em relação ao discurso político, as promessas de mudança se perderam. Alguma coisa foi conquistada pelos movimentos, principalmente pelo Movimento Passe Livre (MPL): a redução das passagens, a derrubada da PEC 374 etc.

Nas questões essenciais, ocorreram poucos avanços. O programa Mais Médicos, por exemplo, melhorou

um pouco a situação, mas não houve uma virada em relação às demandas da população por saúde mais ampla e de melhor qualidade. As estruturas hospitalares públicas continuam uma lástima. Há falta de vagas e as filas para atendimento em várias especialidades continuam longas. Ao mesmo tempo, em São Paulo, houve melhora no transporte público municipal, mas incidentes no Metrô e nos trens da CPTM são frequentes. Mesmo no transporte de ônibus, as melhorias precisam continuar. O fato é que o transporte público continua ruim de modo geral. As respostas ficaram muito aquém em relação à magnitude dos problemas da sociedade.

Lívia Lima: Sabendo disso, o que podemos esperar daqui para frente acerca da relação entre o Estado e a sociedade civil no Brasil?

Aldo Fornazieri: Vislumbro uma relação

tensa. Os governos petistas foram importantes na viabilização de políticas de inclusão social e de recuperação da renda. Mas, com o baixo crescimento que vem ocorrendo sob o governo Dilma, esses pontos programáticos mostraram seus limites. É preciso continuar com os programas de inclusão, mas é necessário, também, construir portas de saída. E isto não está se vendo. Cria-se, assim, uma dependência de milhões de pessoas ao auxilio do Estado. Isto não é liberdade. Liberdade, no seu sentido aristotélico, significa autonomia. Se o indivíduo depende do Estado, então, não é livre. Ele precisa ter uma atividade, um emprego, que lhe garanta autonomia e capacidade de realizar escolhas. Como houve um despertar da sociedade acerca de um Estado caro e ineficiente e acerca da inoperância do sistema político, as pessoas estão dispostas a ir para a rua para protestar, reivindicar. Isso, inequivocamente, gerará tensões entre a sociedade civil (ao menos parte dela) e o Estado.

Lívia Lima: Levando em consideração a necessidade de se haver uma reforma substancial nas instituições políticas brasileiras, qual é o papel da sociedade civil nesse processo? De que forma a luta coletiva pode ter um papel mais decisivo para uma possível mudança no cenário político contemporâneo?

Aldo Fornazieri: O Congresso Nacional,

pelos interesses que agrega, pela sua composição e pela inconsequência dos partidos políticos, se inabilitou para fazer uma reforma política e institucional. Mesmo na questão eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se tornou um ente

4 A Proposta de Emenda Constitucional 37/2011, abreviada como PEC 37, foi um projeto legislativo brasileiro, que, se aprovado,

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legislativo em face da paralisia do Congresso. Não há consensos entre os partidos e nem mesmo dentro de cada partido acerca da reforma política a ser feita. O particularismo de interesses prevalece no Congresso. Ali é a casa do jogo dos interesses fragmentários. Não há uma preocupação com os rumos universalizantes e estratégicos do país. Dessa maneira, a reforma política e institucional avançará somente se houver pressão das ruas. O sistema político brasileiro está cheio de impasses, cheio de nós, que não se desatarão sem a força protestante da sociedade. Na medida em que as instituições perderam a capacidade de mediar conflitos e interesses, é preciso deslocar o centro de gravidade da política dos parlamentos para as ruas. As lutas parciais e específicas, os vários movimentos sociais, devem ser capazes de construir uma plataforma política, sem abrir mão de suas lutas particulares, evidentemente. Mas somente a união dos movimentos sociais em torno de uma agenda política poderá produzir avanços mais gerais no Brasil.

Rafael Balseiro Zin: Como o senhor avalia a repulsa que uma parte da população brasileira, mais especificamente uma parcela crescente da juventude, nutre pelos partidos e demais instituições políticas?

Aldo Fornazieri: Como me referi

anteriormente, estamos vivendo uma crise de representatividade. Tem muito cientista social criticando as perspectivas autonomistas e anarquistas dos jovens. Eu penso que, antes de tudo, o papel da ciência social é compreender o fenômeno, seja ele político ou social. O comportamento dos jovens é compreensível: os partidos são máquinas de poder com comandos oligárquicos. De modo geral, o discurso dos líderes partidários é manipulador. Temos aí dois problemas que afastam os jovens dos

partidos tornando-os críticos e descrentes em relação às agremiações partidárias. O comando oligárquico abre pouco espaço à participação da juventude. Os jovens se sentem incomodados com o mandonismo dos chefes. Por outro lado, na era da informação, o discurso manipulatório, o discurso que visa à busca do poder em primeiro lugar, o discurso calculista, o discurso sem conteúdo político e moral, tem voo curto. É um discurso que sofre contestação de imediato e vai perdendo sua legitimidade. Portanto, é justamente a falta de legitimidade que gera essa crise de representação.

Thiago Desenzi: Em outubro de 2011, o filósofo e teórico crítico esloveno Slavoj Žižek, em seu discurso aos manifestantes do

movimento Occupy Wall Street, afirmou que se

a democracia não acontece de fato, é porque ela se constitui como a principal ilusão sustentadora do sistema político e ideológico vigente. Como o senhor avalia essa questão?

Aldo Fornazieri: Como observei antes,

entendo que as democracias foram capturadas pelo capital financeiro e pelo grande capital transnacional. A rigor, hoje existe uma nova classe dirigente tripartite e internacionalizada: os executivos das instituições financeiras internacionais, os executivos das transnacionais e as altas burocracias dos Estados-nacionais. Esses setores, não raro, transitam de um lugar para outro. São eles que dão as cartas das políticas econômicas. E, se a política econômica não dançar conforme a música dos interesses desses setores, ocorrem problemas nas bolsas de valores, fugas de capitais, recuos nos investimentos, etc. Os governos precisam se comportar conforme o modelo hegemônico. Os setores do capital hegemônico impõem os padrões da economia, que, também,

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são os padrões de seus lucros. De modo geral, os governos democráticos, inclusive os governos de esquerda, obedecem a esses padrões. Os governos que não se enquadram precisam se preparar para crises econômicas e de credibilidade. É esse processo de padronização hegemônica que tornou as democracias endividadas e capturadas pelo grande capital. É preciso que os movimentos políticos e sociais, que não fazem parte desse bolo hegemônico, construam uma agenda internacional de lutas. É uma pena que o Fórum Social Mundial (FSM) tenha se mostrado incompetente na construção de uma agenda anti-hegemônica.

Rafael Balseiro Zin: Nas manifestações de junho, e também nos protestos mais recentes, um segmento bastante reduzido de populares se aproveitou do momento para colocar em prática a tática conhecida como black bloc, que consiste em atacar símbolos do poder e do capitalismo. Como o senhor avalia o uso desse tipo de estratégia em manifestações populares?

Aldo Fornazieri: Aqui, mais uma vez, entra

o dilema: compreendemos ou julgamos? A primeira atitude generalizada foi a de julgar. Penso que o melhor caminho é compreender. Os praticantes da tática black bloc têm suas justificativas. Os movimentos

sociais que vão para as ruas não podem fazer uma guerra entre si. Cada um deve respeitar os outros e as iniciativas dos outros. Entendo que o movimento social, que tem a iniciativa de convocação, tem primazia de ditar a tática da manifestação. Então, os adeptos do black bloc não devem ditar a tática de

uma manifestação convocada pelo movimento de moradia, por exemplo, assim como o MPL não deve ditar a tática de uma manifestação convocada pelos

black bloc. O que deve haver é diálogo e respeito

entre os vários grupos. Claro que isto é um processo que precisa ser construído. Mas se todos querem mudanças, a primeira mudança que deve ocorrer é a abertura para o diálogo e o respeito entre os diversos grupos e movimentos sociais.

Rafael Balseiro Zin: Após as primeiras manifestações ocorridas um junho, a reação inicial da grande mídia, bem como das autoridades públicas, foi de condenação pura e simples dos protestos, que, segundo eles, deveriam ser reprimidos com maior rigor ainda. No entanto, à medida que o fenômeno se alastrou, autoridades e mídia alteraram a avaliação inicial. O que vemos, hoje, é um discurso vazio, que defende a liberdade de manifestação, ao mesmo tempo em que manipula a informação, proferindo, a todo instante, palavras de ordem e de críticas ao que se convencionou chamar de “vandalismo”. Como o senhor avalia o papel da grande mídia, bem como das autoridades públicas, no que diz respeito à cobertura das manifestações populares?

Aldo Fornazieri: Algumas condutas

chegam a ser ridículas, a exemplo daquelas de alguns partidos políticos, que tentam capitalizar as manifestações. As manifestações foram uma contundente crítica aos partidos e aos políticos. Alguns cientistas sociais, equivocadamente, viram nessa crítica um antipoliticismo, um antipartidarismo e supostas expressões de neofascismo. Entendo que a crítica é merecida. A imagem que os partidos e os políticos têm hoje foi construída por eles mesmos, pela sua ineficiência e pelo discurso oportunista e manipulador que eles vêm tendo ao longo dos anos. Se eles não mudarem, cairão num descrédito ainda maior e desacreditarão ainda mais as instituições

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públicas e sociais que representam. As manifestações são políticas e precisam ser mais politizadas. O espontaneismo que elas expressam é natural. Na medida em que não existem partidos políticos ou movimentos sociais, que exerçam uma liderança e uma capacidade de condução dos protestos, é natural que o caráter espontâneo prevaleça. Mas as próprias lutas construirão as suas direções. Se as manifestações continuarem, os novos movimentos perceberão a necessidade de mais organização e mais articulação.

Agora, a grande mídia, tal como os políticos, tem um discurso manipulador e de conveniência em relação aos protestos. Se as manifestações são relativamente pequenas, trata-se de “vândalos”, mesmo que a violência seja iniciada pela polícia. Se as manifestações são grandes e têm visível repercussão social, políticos e mídia tentam surfar na tese do “direito e legitimidade das manifestações”. Esta conduta é passível de forte crítica por parte de analistas, cientistas sociais e movimentos. Penso que a carga crítica deveria crescer mais do que a que vem sendo feita. E é preciso se considerar, também, que há setores de mídia, evidentemente, que se preocupam com a correção e a isenção da cobertura. Não dá para colocar toda a mídia num mesmo saco.

Thiago Desenzi: Com relação às novas tecnologias da informação e da comunicação, as chamadas TICs, o senhor acredita que elas tenham sido cruciais, no que se refere à organização das mobilizações sociais?

Aldo Fornazieri: Nesse terreno se produzem

muitas confusões. Alguns sociólogos chegam a afirmar que as redes sociais são os novos sujeitos. Nada mais equivocado. É preciso distinguir, aqui, os sujeitos e as motivações reais dos protestos em relação aos meios de articulação e mobilização. A

internet e as redes sociais se situam na esfera dos meios. Trata-se de meios muito eficazes e que estão ao dispor da militância de forma tão acessível como nenhum outro meio esteve no passado. Esta condição barateou e democratizou o custo da convocação. No passado recente, somente quem tinha aparatos e estruturas, a exemplo de sindicatos, partidos e movimentos estruturados, podia convocar. Agora, grupos menores podem convocar. Mas, para que a convocação se traduza em mobilização, devem existir motivações reais e causas mobilizadoras efetivas. Se não existirem essas motivações reais, a internet e as redes sociais não terão força de produzir um protesto nas ruas. As redes sociais podem também induzir a erros. Veja, por exemplo, as últimas manifestações contra a Copa: quinze mil a vinte mil pessoas confirmavam a participação e, no entanto, duas a três mil efetivamente participaram dos protestos. Ser militante na internet é fácil. Difícil é ir para as ruas, participar de movimentos, ser um transformador social efetivo.

Rafael Balseiro Zin: Os novos movimentos de protesto não estão somente ligados ao mesmo tipo de carência do passado, mas existem muitos outros fatores como identidade, autonomia e emancipação, que os unem, dando mais força a suas lutas. Pode até ser que esses jovens indignados não saibam ainda para onde vão e nem qual será a forma de organização e articulação, mas sabem, sim, o que não querem: um sistema político-partidário enrijecido e antidemocrático, a banalização e a insuficiência prática dos dispositivos de representação, a corrupção interna nas e das instituições político-representativas, entre outras repulsas. Para finalizar, professor, levando em consideração

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a atual conjuntura política brasileira, qual é o recado que o senhor tem para dar a juventude indignada?

Aldo Fornazieri: Eu diria que esses jovens

buscam também reconhecimento numa sociedade que gera indiferença e exclusão. Os jovens da periferia enfrentam cidades hostis a um modo de vida digno. Enfrentam exclusão de espaços, de cultura, de lazer, de esportes, de participação política e social e de fruição da vida. São massacrados pela correria da casa para o trabalho, do trabalho para a escola e da escola para casa. Têm horas e horas de vida sequestradas no trânsito. E têm baixa renda para satisfazer suas necessidades. Percebem todas as mazelas da política atual e não se reconhecem nas instituições e nos políticos que por aí estão. Tendo em vista a análise pregressa que fiz, o que se pode dizer, honestamente, para esses jovens, é que eles devem conquistar seus direitos e melhores níveis de bem-estar nas ruas, lutando. O sistema político e o grande capital precisam ser constrangidos e contidos pela força das ruas. Os parlamentos estão corrompidos em seu caráter, pois servem aos senhores do capital e aos senhores do poder Executivo, e não ao único senhor que deveriam seguir: o povo representado. Hoje o divórcio entre representante e representado é quase que absoluto. Muitos deputados chegam e fazem um tipo de discurso para as suas bases, prometendo empenho e combatividade, e agem de forma completamente diferente no Congresso, no jogo político junto aos financiadores de campanhas. Diante dessa captura da democracia pelo grande capital, não há outra saída: é preciso ir para as ruas para conquistar direitos e estabelecer um novo jogo de equilíbrio de poder, no qual o povo, a sociedade, tenha algum poder de determinação dos rumos da

política em geral e nos rumos da política econômica. O jogo está terrivelmente desequilibrado. É preciso produzir um novo equilíbrio, com uma reforma radical das instituições.

Professor Aldo, foi um prazer ouvi-lo. Agradecemos, em nome da equipe editorial e dos leitores da Revista Alabastro, pela rica entrevista.

Referências

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