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A (ir)real efetividade do Direito de Laje após a Lei nº 13.465/2017

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Academic year: 2020

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285 A (ir)real efetividade do Direito de Laje após a Lei nº 13.465/2017

DOI: 10.31994/rvs.v11i1.619

Luana Castellane Silva1

RESUMO

O presente artigo trata do estudo do Direito de Laje, analisando sua aplicação ao tutelar os direitos propostos pelo novel dispositivo legal. O estudo demonstra que a questão sobrepõe-se a um problema de caráter registral e de regularização fundiária, antes, questões como saúde, educação e segurança pública precisariam ser tratadas. O objetivo geral desse estudo é analisar a tutela do direito Constitucional à moradia e ao Princípio da dignidade da pessoa humana. Para que tal objetivo seja atingido, buscaram-se referências doutrinárias, além da análise do texto legal, correlacionado com a realidade social do Brasil. Concluiu-se, que o Direito de Laje não atende os fins que se pretende a norma, porém, é inegável o avanço da legislação, normatizando uma dinâmica habitacional largamente utilizada no Brasil, até então sem viabilização legal.

PALAVRAS-CHAVE: DIREITO REAL DE LAJE. DINÂMICA HABITACIONAL. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. REGULARIZAÇÃO REGISTRAL.

1 Mestranda em Teoria do Estado e Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do

Rio de Janeiro/Instituto Doctum – Juiz de Fora – MG. E-mail: luanacastellanes@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4416-6104

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286 The (ir) real effectiveness of the Slab Law after Law no. 13,465 / 2017

ABSTRACT

This article deals with the study of the Law of Slab, analyzing its application to protect the rights proposed by the novel legal device. The paper demonstrates that the issue overlaps with a problem of land registry and land regularization, but issues such as health, education and public safety would need to be addressed. The general objective of this study is to analyze the protection of the Constitutional right to housing and the Principle of human dignity. In order to achieve this goal, doctrinal references were sought, besides the analysis of the legal text, correlated with the social reality of Brazil. It was concluded that the Law of Slab does not meet the intended purposes of the standard, however, the advancement of legislation is undeniable, standardizing a housing dynamic widely used in Brazil, until then without legal feasibility.

KEYWORDS: ROYAL SITE LAW. HOUSING DYNAMICS. LAND

REGULARIZATION. REGULAR REGULARIZATION.

INTRODUÇÃO

O direito de laje, positivado pela Lei nº 13.465/17, supera o conteúdo trazido pelo texto legal. Trata-se da legitimação de uma marcante dinâmica

urbana brasileira, os famosos “puxadinhos” presentes nas favelas e

comunidades, até então sem amparo legislativo.

O novo direito real foi incluído ao rol taxativo do artigo 1225 do código civil pela Lei nº 13.465/17 e, conforme explica o artigo 1510-A do mesmo código,

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287 trata-se a laje de unidade imobiliária autônoma, distinta da construção-base, possuindo matrícula própria. O direito de laje confere ao proprietário a possibilidade de ceder à superfície inferior ou superior de seu imóvel, para que o titular da laje mantenha unidade independente daquela originalmente construída sob o solo.

Entretanto, as pretensões legais podem vir a se frustrar, pois, como se sabe, o direito de laje não se trata de uma criação legal. O novo direito real surgiu de maneira informal no Brasil, através de ocupações irregulares, em que grande parte das vezes a própria construção-base não é regularizada no cartório de registro de imóveis. Desse modo, nota-se a primeira contradição entre a Lei e a realidade urbanística brasileira, uma vez que a mesma não enfrenta o problema fundiário de ocupações irregulares de forma eficaz.

Sendo assim, este artigo tem como objetivo principal examinar a inclusão do direito de laje ao ordenamento jurídico brasileiro, questionando o atendimento da lei à população que necessita regularizar suas moradias, diante dos desafios concretos do contexto social brasileiro. Para tal, a metodologia utilizada foi pesquisa bibliográfica, documental e legislativa.

Além dos parâmetros legais, pretende-se frisar neste estudo as razões sociais que levaram à criação da lei. Sendo assim, o presente estudo tratará das principais questões relacionadas ao novo direito real, como a função social da

propriedade, aregularização fundiária e registral no país. Desse modo,

pretende-se discutir e estudar o novo direito real, amplo e de prepretende-sença marcante, através de diferentes óticas.

1 ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DE LAJE

Antes da instituição do Direito Real de Laje pela Lei nº 13.465/17, estudos apontavam a necessidade do reconhecimento da “superfície em sobrelevação” ou do Direito de Laje, conforme ensinam Cristiano Chaves de Farias, Martha El

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288 Debs e Wagner Inácio Dias (2018). Nota-se que, embora trate de comum fenômeno social, o tema permanecia sem a devida normatização.

Devem ser citadas duas legislações que mais se aproximaram na abordagem sobre o tema, a Medida Provisória nº 759/16 e o Estatuto da Cidade. O Estatuto da Cidade, em seu art. 21, §1º, diz que, o direito de superfície abrange o direito de usar o solo, o subsolo, ou o espaço aéreo relacionado ao terreno, desde que observada à lei urbanística.

Resta evidente que o artigo não viabiliza a cessão da laje, portanto, caso o proprietário do imóvel tivesse o interesse em ceder o espaço aéreo de sua construção, deveria estabelecer relação contratual com terceira pessoa que viesse a construir ou habitar a superfície inferior ou superior do imóvel, visando garantir segurança jurídica à relação.

Já a Medida Provisória nº 759/16, instituiu o Direito de Laje como adequação legislativa à realidade brasileira inaugurando o termo “laje” à legislação pátria, porém, tratou do tema de maneira superficial. Sendo assim, fez-se necessário que a Lei nº 13.465/17 detalhasfez-se melhor o novo Direito Real. Paulo Afonso Cavichioli Carmona e Fernanda Lourdes de Oliveira (2017) também entendem que a Medida Provisória nº 759/16 foi sucinta ao tratar do Direito Real de Laje, o que gerava dúvidas nos intérpretes e aplicadores do direito.

A Medida Provisória nº 759/16 trouxe importantes diretrizes que foram mantidas pela Lei nº 13.465/17, como a não atribuição de frações ideais do terreno e a responsabilização pelos encargos tributários ao titular da laje. Entretanto, uma das principais diferenças entre os diplomas legais era a vedação de sobrelevações sucessivas, bem como a possibilidade de lajes inferiores, prerrogativas abarcadas pela legislação vigente.

Conforme os autores Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018), a Lei nº 13.265/17 não faz menção aos requisitos de isolamento funcional e acesso independente, sendo assim, prevalece o entendimento da não exigência dos mesmos, uma vez que, principalmente nas áreas economicamente desfavorecidas, a via de acesso às moradias, em

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289 inúmeros casos, é compartilhada.

Cristiano Chaves de Farias (2018) defende o instituto do Direito Real de Laje em seu livro “Direito de Laje: do puxadinho à digna moradia”, por entender que tal direito possui potencial para auxiliar a população a regularizar suas moradias. Porém, segundo o autor, a Medida Provisória nº 759/16 deveria ter estabelecido o direito de preferência entre os proprietários da construção-base e da laje, questão abordada e sanada pela Lei nº 13.465/17.

Roberto Paulino de Albuquerque Junior (2017) discordava da criação de tal direito, uma vez que, segundo ele, tratava-se de uma modalidade do Direito de Superfície, o qual já possuía previsão legal. Pablo Stolze (2017) defendeu também que o legislador deveria ter incluído tais regras ao Direito de Superfície e não criado o novo Direito Real, embora em seu artigo “Direito de Laje: primeiras impressões” tenha defendido que o novo instituto proporcionou maior visibilidade para um fenômeno social marcante nos centros urbanos do Brasil.

Conclui-se, de modo geral que, embora alguns autores discordem sobre a necessidade da criação de uma nova categoria de direito real, há uma predominância da doutrina em entender que as regras trazidas pela Lei nº 13.465/17 são de grande relevância. Regras as quais tratam de um modo de ocupação urbana presente no território brasileiro, até o momento não legislado de maneira devida.

Ademais, acerca da nomenclatura adotada, o legislador optou por manter a mesma da Medida Provisória nº 759/16, Direito Real de Laje. Em que pese, recorrentemente, o texto legal brasileiro se revista de uma linguagem tanto quanto rebuscada e, em algumas vezes, de nebulosa interpretação. Nesse caso, optou o legislador por intitular o direito de maneira simples, para fácil entendimento da população em geral.

Nelson Rosenvald (2017) diz que o nome direito de laje é ótimo, pois faz com que os destinatários entendam facilmente ao que ele se destina. Nesse compasso, Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018) afirmam que o legislador avançou ao adotar tal nomenclatura devido a sua

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290 simplicidade e clareza, gerando melhor operabilidade a tal direito. Ainda afirmam que não pode ser negado o uso do termo “laje” ao referir-se sobre tal fenômeno por trazer consigo importante significativo histórico-social.

Contrapondo as opiniões positivas, Roberto Paulino de Albuquerque Junior (2017) defende que, embora sejam regras importantes e úteis, não justificam a autonomia e a nomenclatura própria para tal direito. Em seu artigo para o Conjur, o autor escreveu que não há razão para o uso de uma terminologia atécnica, bem como discorda da pulsante necessidade de se regular a matéria através de Medida Provisória como foi feita pela MP 759/2016.

Acerca dos aspectos legais do direito incluído pela Lei nº 13.465/17 ao rol taxativo do artigo 1225 do Código Civil, considerações devem ser feitas. Resumidamente, o direito de laje trata-se da possibilidade do proprietário da construção-base ceder sua superfície superior ou inferior a fim de que o titular da laje m3antenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo, conforme explica o artigo 1510-A do Código Civil.

A laje é unidade imobiliária autônoma, considerada isoladamente em relação à construção-base, uma vez que deve possuir matrícula própria e entrada independente. O objetivo do legislador foi regulamentar uma realidade social de famílias brasileiras, tutelando o princípio da dignidade da pessoa humana e o Direito Fundamental à moradia, previsto no artigo 6º da Constituição Federal.

Foram adicionados ao Código Civil pela Lei nº 13.465/17, os artigos 1510-A até o 1510-E, além do inciso XIII do artigo 1225. 1510-Ao tratar sobre o tema é essencial discorrer os parâmetros legais estabelecidos pela norma. O parágrafo 1º do artigo 1510-A, diz que o novo Direito Real abarca o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos tanto públicos, quanto privados, de modo vertical, não contemplando as demais áreas já edificadas pelo proprietário da construção-base.

Desse modo, pode-se extrair que o direito real de laje se aplica às construções nas superfícies superior e inferior da construção-base, não abarcando as realizadas ao lado ou nos fundos do imóvel. O parágrafo 2º do

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291 citado artigo, diz que o titular do direito real responderá pelos encargos e tributos de sua unidade imobiliária, ou seja, deve o titular da laje zelar pela manutenção do bem, para que não haja prejuízo na construção-base ou em outro pavimento, devendo arcar com os débitos do imóvel em relação ao fisco Estatal.

Em seguida, o parágrafo 3º do referenciado artigo, traz que os titulares da laje poderão dela usar, gozar e dispor, uma vez que se trata de unidade imobiliária autônoma com matrícula própria.

O direito de laje não engloba a fração ideal do terreno ou a participação proporcional das áreas edificadas. Faz-se ressaltar que o direito real de laje não pode ser confundido em nenhuma hipótese com a figura jurídica do condomínio edilício, devendo restar claro que se trata de situações jurídicas distintas.

Com fulcro, no §4º do artigo 1510-A do Código Civil, no caput e §3º do artigo 1331 do referido Código, bem como no artigo 19 da Lei nº 4.591/64, resta evidente a distinção entre os dois institutos legais.

Acerca das posturas edilícias e urbanísticas em relação ao direito real de laje, poderão dispor os municípios e o Distrito Federal, conforme dispõe o artigo 1510-A parágrafo 5º.

O artigo 1510-A, §6º trata de uma distinção entre a Lei nº 13.465/17 e a Medida Provisória nº 759/16, uma vez que, anteriormente, não era autorizada a instituição de lajes sucessivas, ato agora permitido, desde que respeitadas às posturas edilícias e urbanísticas e autorizada pelos titulares das outras lajes.

Posteriormente, o artigo 1510-B veda o titular da laje de prejudicar a linha arquitetônica ou o arranjo estético do edifício com obras novas ou com falta de reparação à segurança, observando a legislação local.

No artigo 1510-C preocupou-se o legislador em sanar eventuais lacunas aplicando subsidiariamente as normas atinentes aos condomínios edilícios. No que concerne à conservação e utilização das partes que sirvam a todo edifício, devem os gastos ser partilhados entre o proprietário da construção-base e o titular da laje.

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292 §2º faz referência ao artigo 249 do Código Civil, permitindo, em caso de urgência, promover reparos na construção e posteriormente cobrá-los do devedor, que ainda é incumbido de pagar indenização cabível.

O artigo 1510-D e seus parágrafos tratam sobre o direito de preferência do proprietário da construção-base e dos titulares das demais lajes em caso de alienação.

Por fim, o artigo 1510-E trata da extinção da laje que ocorrerá caso a construção-base não seja reconstruída após cinco anos de sua ruína e se a laje se der em sua superfície superior, devido a sua dependência estrutural.

De modo geral, a Lei nº 13.465/17 ampliou a proteção legislativa diante dos fatos concretos ao criar duas espécies de formação do Direito de Laje. Sendo abarcadas pela lei tanto as moradias realizadas na superfície inferior da construção- base, na modalidade descendente, quanto nas construídas na superfície superior, na modalidade ascendente. Restando evidente que somente se constitui o direito de laje a partir de construções verticais.

Acerca da laje em sobrelevação, cabe explicar sua dependência da construção-base. Segundo Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018, p. 48):

A existência da laje em sobrelevação está ligada à da construção- base, tanto física, quanto juridicamente. Não apenas na instituição da laje, mas durante toda a existência desta, estará ligada à construção inicial (ou à que lhe antecede) – sem que isto implique acessoriedade quando da transmissão da construção que lhe subjaz, em face da autonomia jurídica do direito de laje.

Portanto, embora haja uma relação de interdependência entre a laje e a construção-base ou a laje qual a antecede, tal relação jurídica não caracteriza acessoriedade, ou seja, não é constituída por bem principal e bem acessório, uma vez que, a laje possui autonomia jurídica própria.

Neste ponto, cabe relembrar o texto legal sobre a extinção da laje no artigo 1510-E do Código Civil, que frisa a dependência física da laje em sobrelevação à construção-base. De outro modo, a laje em infrapartição não terá sua existência

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293 afetada pela ruína do imóvel, inclusive, podendo ser construída independente da construção-base estar finalizada ou não.

Não obstante, faz-se necessário esclarecer que o Direito de Laje não se relaciona com o Direito de superfície e que o uso do termo no texto legal trata-se apenas de uma escolha do legislador, sem a intenção de gerar nenhuma conexão entre os dois direitos. É o que explica Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018) em relação ao texto do artigo 1510-A.

Desse modo, é oportuno destacar as principais diferenças entre os supracitados direitos. O Direito de Laje é perpétuo, possui matrícula autônoma à construção-base no cartório de registro de imóveis e o Direito de Superfície é constituído em lapso temporal determinado ou determinável.

Acerca dos polos que compõem tal relação jurídica, cabe identificar como lajeado o titular do imóvel principal, ou seja, a construção-base e lajeário como o titular da laje. É direito de o lajeado manter a integral propriedade do terreno ao qual se deu a construção-base, fato que reforça a distinção entre o Direito Real de Laje e o Condomínio Edilício, nesse caso, a inexistência de áreas comuns.

Portanto, não há o que se falar em multipropriedade no direito de laje, uma vez que, nos edifícios em que tal direito é observado, somente há propriedades individuais e autônomas. Entretanto, embora inexista a figura das áreas comuns com frações ideais, no direito de laje devem ser observados alguns deveres para a devida manutenção e segurança dos bens, tanto do lajeado quanto do lajeário, é o que explica o artigo 1510-C do Código Civil, anteriormente tratado no presente artigo.

Possuem o direito de realizar reparações urgentes tanto o lajeado quanto o lajeário que visam à manutenção e a segurança do bem e, por conseguinte, cobrá- las a quem as deveria ter feito, de acordo com o artigo 249 do Código Civil. Entretanto, vale dizer que o entendimento é de que somente poderá ser realizada a obra para depois cobrar a quem lhe deve, em caso de urgência, pois, não sendo urgente, deve o interessado buscar a tutela judicial para que seja ordenado ao responsável cumprir com suas devidas atribuições.

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294 Explicam Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018) que sobre a urgência, deve ser seguida uma ordem lógica em relação às benfeitorias, que podem ser voluptuárias, para embelezamento e lazer, úteis, para aumentar a utilidade do bem e necessárias, para a manutenção do bem. Sendo assim, somente podem ser considerados reparos urgentes, os que, na ordem das benfeitorias, podemos assemelhar com os necessários, para que seja possível a posterior cobrança indenizatória da mesma, que deverá ocorrer por via judicial, se não solucionada de maneira amigável.

Outro ponto abordado pelos citados autores é o de que não se deve aumentar a carga tributária da construção-base em razão da construção na laje, uma vez que se trata de imóveis autônomos e independentes, devendo incidir a cada um deles sua respectiva tributação. É o que se observa abaixo:

a cada nova laje cedida, será criada uma nova unidade de tributação, não havendo alteração na área tributada do lajeado (construção-base + terreno). Nesse sentido, entende-se esteja vedado aos municípios valerem-se de eventual progressividade no imposto sobre a propriedade territorial urbana (IPTU) para majorar a alíquota do mesmo, sob a justificativa de que a laje realiza incremento de valor na construção-base. A autonomia tributária deve ser reconhecida como absoluta, não se podendo interferir, sob pena de bis in idem (tributadas seriam as duas construções), qualquer espécie de melhoria para a construção-base decorrente da edificação da laje (FARIAS; DEBS; DIAS, 2018, p. 81)

Ainda acerca da relação do Direito de Laje com o Direito Tributário, não poderá o ente público cobrar do lajeário pendências tributárias referentes à construção-base. Nesse compasso, no momento da cessão da laje não é possível exigência de regularidade tributária da construção-base, mesmo que a laje seja previamente existente. É o que explicam Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018).

Embora tal desvinculação entre a laje e a construção-base não encontre nenhum impedimento legal, caso reste comprovado que a criação da laje teve como seu único objetivo a redução da alíquota tributária, tal prerrogativa em favor

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295 do contribuinte não deverá ser observada.

Outra garantia do lajeado é poder se opor diante da constituição de novas lajes no edifício ao qual sua construção-base deu origem às demais. Cada lajeário pode constituir nova laje a partir de sua superfície, lembrando que essa pode ser tanto inferior quanto superior. Entretanto, para que seja possível o surgimento de novas lajes, devem os titulares dos pavimentos já existentes consentirem com a instituição do mesmo, além de serem respeitadas as posturas edilícias e urbanísticas vigentes que, em regra, são fiscalizadas pelo município.

Por fim, também é prerrogativa do lajeado a preferência da aquisição da laje que venha a ser colocada à venda, de acordo com o artigo 1510-D do Código Civil, já citado no presente artigo. Em que pese os direitos do lajeado já mencionados, esse também possui deveres. Podemos citar como um dos principais deveres do lajeado a manutenção da construção-base, cabendo relembrar que sua ruína pode gerar a extinção da laje em sobrelevação.

Ressalta-se que a construção-base está intimamente ligada com a maioria das áreas que servem para todo o edifício que utiliza o direito de laje, por uma questão estrutural. Entretanto, conforme Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018), tal fato não quer dizer que o lajeado deva arcar com a manutenção das áreas citadas no artigo 1510-C, ou que o lajeado terá que pagar a maior parte na divisão. Ao dividir o custo dos serviços de manutenção, deve ser mensurado o benefício e a função que essa desempenha para os titulares de cada pavimento. É o que se observa em:

enfim, o melhor caminha em relação ao custeio proporcional, será a especificação no contrato de cessão (e em cada um dos demais) da forma como tais valores serão divididos. Não é demais reconhecer que, apesar de não haver exigência legal, que as partes podem optar por estabelecer uma convenção geral do edifício em lajes, estabelecendo critérios de convivência e formas de rateios de despesas comuns. Vive-se a era do diálogo, da necessária interpelação entre as pessoas para que se desenhe uma sociedade com menos conflitos e com mais acertamentos e, neste admirável novo mundo, não veio a laje se estabelecer como uma mais nova fonte de discórdia, mas sim como instrumento de regularização da paz (FARIAS; DEBS;

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296 DIAS, 2018, p. 85-86).

Outro ponto a ser abordado sobre a relação lajeado e lajeário, é o acesso independente à laje, tema também abordado na obra de Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018), vez que a redação da Lei nº 13.465/17 não trouxe como obrigatória a necessidade de um acesso independente à laje para que essa seja caracterizada. Explicam os autores que a titularidade de tais acessos edificados no terreno do lajeado deve, além de observar os critérios de razoabilidade, economicidade e proporcionalidade, também seguir a regra da acessão. Porém, uma vez utilizadas em favor de todo o edifício, o custeio de sua manutenção deverá ser repartido entre os respectivos titulares das unidades.

Vale salientar que o Direito de Laje tem normatização recente, sendo assim, ainda não se possui muitos exemplos de sua aplicação na realidade urbanística brasileira, podendo ocorrer situações não previstas pelo legislador. De acordo com o artigo 1510-A, §3º do Código Civil, já citado nesse artigo, os titulares da laje possuem o direito dela usar, gozar e dispor.

Compõem o espectro econômico do Direito do Lajeário o direito de usar e gozar, de forma material ou econômica indireta e o direito de dispor, de forma material ou econômica direta. É o que explicam Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018), uma vez que, a partir desses direitos, podemos extrair as formas possíveis de proveito do bem. É tido como proveito direto o ganho que decorre da transmissão do bem e indireto aquele que, embora o bem permaneça sob a titularidade do lajeário, gera proveito econômico através da colheita de frutos naturais ou a percepção de juros.

Resumidamente, o direito de usar conferido ao lajeário confere a ele a possibilidade de servir-se do bem da forma que quiser, dentro dos limites legais. O direito de gozar trata-se da possibilidade de colher os frutos naturais ou civis gerados pelo bem.

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297 tutela jurisdicional que, nesse compasso, é resguardada pelo artigo 1210, §1º do Código Civil, pois o possuidor será mantido em sua posse em caso de turbação, esbulho e em caso de ameaça iminente.

Portanto, o §1º do referido artigo confere ao lajeário o direito de autotutela para poder proteger seu bem de qualquer ameaça vinda de terceiros. Por outro lado, o direito de dispor se trata do direito de vender o bem ou permitir que sobre ele incida qualquer ônus. Contudo, tal direito encontra restrição, pois não pode o lajeário destruir o bem como quiser, o que explicam Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018, p. 90):

a outro giro, o direito de dispor (jus abutendi) compreende a prerrogativa de alienar a coisa a qualquer título ou permitir que sobre ela incidam quaisquer ônus. Não significa, contudo, que o lajeário tem o direito de destruir a coisa como bem quiser. Nota-se que quando da alienação da laje deve o Nota-seu titular respeitar o direito de preferência dos demais lajeários e do proprietário da construção- base, já que o desrespeito implicará direito de o lesado, depositando o preço, haver pra si a coisa, desde que assim proceda no prazo de 180 dias a contar da data da alienação.

Embora o texto legal não tenha mencionado o direito de reaver, ou seja, o direito de buscar a coisa nas mãos de quem injustamente a possua ou detenha, denominado direito de sequela, o lajeário o possui. Tal direito pode ser buscado tanto pelo proprietário da laje quanto pelo seu possuidor legítimo, através de ação reivindicatória. Tendo em vista que o Direito de Laje trata-se de Direito Real sobre coisa própria, pode o lajeário utilizar a tutela petitória.

O Direito de Laje trata-se de Direito Real, sendo assim, é possível encontrar a figura da posse dentro dos limites da laje podendo essa ser tutelada a partir de ações possessórias. Conforme explicam Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018), a posse está no plano dos fatos e deve ser mantida até que se demonstre melhor direito. Reconhece o legislador a importância da proteção da posse ao conferir ao possuidor o poder de autotutela sobre o bem que possui em relação à turbação ou esbulho de terceiros. Conforme

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298 traz o artigo 1210 do Código Civil, já citado no presente artigo.

Desse modo, deve o possuidor agir somente com a força necessária e proporcional para garantir sua posse. Caso sofra algum abalo a essa, poderá recorrer aos interditos possessórios, não discutindo a respeito da titularidade da laje e podendo, até mesmo, ser ingressada face ao proprietário do bem, disposição que se estende aos imóveis de modo geral, não somente aos atinentes ao Direito de Laje.

Como é tratada a posse injusta de modo geral, será tratada no Direito de Laje, ou seja, quando exercida por mais de um ano e um dia, será protegido o direito do possuidor, mesmo em face ao proprietário. As ações possessórias, sendo assim, não têm como objeto a discussão do domínio.

A normatização brasileira acerca do Direito de Laje é considerada tardia, tendo em vista a volumosa demanda social que necessitava da lei para tutelar seu direito à moradia digna. Entretanto, comparado ao cenário global, após a vigência da Lei nº 13.465/17, o Brasil se destacou pela forma aprofundada que tratou o tema.

2 A FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO DE LAJE

Embora recentemente legislado, o Direito Real de Laje já era observado nos assentamentos urbanos informais, as favelas. Suas construções são realizadas nas partes inferiores ou superiores dos imóveis, os chamados “puxadinhos”, que de acordo com Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018), viabilizam o exercício do direito à moradia, previsto no artigo 6º da Constituição Federal. Sendo assim, Direito de Laje já ocorria de maneira informal, havendo incongruência entre o direito no meio social e o legislado.

Devido ao descaso estatal, há uma anomia nas favelas que, predominantemente têm como representante um morador eleito, quando não são

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299 dominadas por organizações criminosas. Nesses casos, há um ordenamento interno próprio como norte para as relações jurídicas entre os moradores, por exemplo, na locação ou cessão de lajes a terceiros.

Para que fosse possível uma efetiva regularização fundiária das favelas e aplicação do Direito Real de Laje como um instrumento de integração social, o estado precisaria ter sob controle a segurança pública, fato distante da realidade, o que torna mais difícil o uso da Lei nº 13.465/17.

Em sua tese de doutorado, Claudia Franco Correa (2011) afirma que desde o século XIX, as favelas começaram a surgir a partir de dois acontecimentos: a introdução do comércio e da exportação agrícola e a abolição da escravatura. O primeiro, que gerou a fixação das moradias dos senhores de terra nos centros urbanos, principalmente as zonas portuárias, e o segundo, com os escravos que anteriormente estavam nas propriedades de seus senhores e após tal fato, ocuparam as zonas periféricas das cidades, próximas de onde estavam seus trabalhos.

Com o passar do tempo, a situação se manteve do mesmo modo diante da ineficiência das ações do estado. Nesse sentido, fundamenta:

também a República não se preocupou em realizar qualquer política que mitigasse a pressão pela busca de moradia dos menos favorecidos economicamente, posição do Estado que permanece até nossos dias, embora programas com financiamentos a longo prazo tenham, de tempos em tempos, favorecido a aquisição de casa própria para a classe média urbana. Entretanto, políticas voltadas para moradia de pobres têm sido raras, mal sucedidas e desprezadas pelo Estado brasileiro (CORREA, 2011, p. 3).

Conclui-se que a necessidade dos trabalhadores de estabelecer suas residências o mais próximo de seus empregos faz com que ocupem locais irregulares. Entretanto, o crescimento desordenado das cidades, a desigualdade social e a falta de segurança pública, tornam ainda mais distante a possibilidade de regularização da moradia de tantas famílias.

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300 Segundo Nelson Rosenvald (2017), atualmente a propriedade não se limita apenas ao bem imóvel fisicamente ligado ao solo, ou que a ele se conecte por uma fração ideal, no caso dos condomínios edilícios. Sendo assim, o Direito de Laje trata- se de uma nova manifestação da propriedade. Além disso, de acordo com as palavras do autor em seu artigo Jurídico “O direito Real de laje como nova manifestação da propriedade”, a Lei nº 13.465/17 abriu novo capítulo na constante ressignificação do direito de propriedade brasileiro.

O conceito de propriedade correlacionado apenas com o direito patrimonial é ultrapassado. Atualmente, a propriedade vai além de uma simples aquisição de um bem. O Estado Democrático de direito está em transformação social e busca que os indivíduos alcancem seus direitos fundamentais. A propriedade deixa de ter fim em si mesma e passa a ser instrumento de acesso de tais garantias. A ideia não é assegurar a propriedade para aqueles que já a tem, mas proporcionar à população um mínimo existencial, ou seja, prover condições para que todos vivam com dignidade.

Deve à propriedade ser vista como uma extensão dos direitos da personalidade. Tal direito real é previsto não só pelo Código Civil, mas também pela Constituição Federal em seu artigo 170. Desse modo, o presente estudo não poderia perpassar pelo Direito Real de Laje sem ressaltar sua estreita ligação com o direito à propriedade, tendo em vista que o Direito de Laje busca promover a efetiva função social da propriedade.

Nelson Rosenvald (2017) fez acertada afirmação em sua palestra “As dimensões da propriedade e o direito de laje”, ao dizer que, embora seja ensinado que a propriedade não se sobrepõe a posse por tratar-se de institutos diversos, sabe-se que na realidade jurídica brasileira, há sobreposição da propriedade relacionada à posse, em razão da segurança jurídica que o título do bem representa.

O argumento apresentado pelo autor se conecta com a legitimação do Direito Real de Laje, pois esse possibilita a mudança da realidade daqueles que diante da lei eram meros possuidores e agora podem registrar seus bens e ter o

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301 devido título de seus imóveis.

Embora haja teorias que defendam uma interferência mínima do legislador na propriedade, devem ser estabelecidos meios legais que auxiliem a aquisição de uma moradia digna a todos. Contrapondo tais teorias, a Lei nº 13.465/17 se mostra como exemplo da interferência estatal visando à aquisição da propriedade para uma maior parcela da população.

Nelson Rosenvald (2017) analisa a propriedade de forma tridimensional, dividida em garantia, acesso e função social. A garantia tutela as liberdades dos cidadãos diante do Estado democrático de direito. O acesso seria a igualdade material, ou seja, tratar os iguais com igualdade e os desiguais na medida de suas desigualdades. Já a função social está ligada a solidariedade, porém, para o autor, é cláusula geral, norma vaga e imprecisa, o que demanda responsabilidade da doutrina ao classificá-la.

Conclui-se, então, que as três dimensões da propriedade visam resguardar a liberdade, a igualdade e a solidariedade e o Direito de Laje, como instrumento de implementação da função social da propriedade, preenche todas essas três dimensões.

3 REFLEXOS PRÁTICOS

Diante do conteúdo exposto no presente artigo, é inegável que o legislador avançou ao criar o novo Direito Real, por normatizar uma dinâmica habitacional largamente utilizada em todo o país e, até então, sem o devido reconhecimento e viabilização legal. Entretanto, na prática, para que o novo Direito Real seja aplicado, existem dificuldades a serem superadas.

De acordo com o Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Marco Aurélio Bezerra de Melo (2017), o Direito de Laje pode não atingir com a eficiência esperada os fins da demanda por regularização fundiária das habitações construídas sobre imóveis alheios nas favelas. Para ele, essa

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302 frustração pode ser verificada pelo fato de o direito de laje surgir de maneira informal, a partir de ocupações irregulares, que não possuem registro imobiliário, o que não configura, portanto, a construção-base formal prevista pela Lei nº 13.465/17.

Além disso, para Marco Aurélio Bezerra de Melo (2017), a segurança dos habitantes desses assentamentos é um problema grave, uma vez que acidentes como desabamentos podem vir a ocorrer devido à inobservância das leis edilícias municipais, bem como a falta de fiscalização estatal nesses locais. Para ele, exemplo disso se dá através do crescimento desordenado e a verticalização das favelas, que são reflexos, também, da falta de comprometimento público.

Ademais, além das irregularidades físicas de tais moradias, também devem ser ressaltadas as problemáticas sociais que influenciam a não aplicação plena da lei. Devido à falta de assistência do poder público, houve um maior distanciamento do acesso à norma e aos órgãos estatais pela população das favelas, razão pela qual ainda não se aplica o novo Direito Real, como objetivado pelo legislador.

3.1 Regularização fundiária

A regularização fundiária traduz o conjunto de medidas sociais, urbanas e jurídicas, visando fazer com que propriedades irregulares se enquadrem à legislação pátria. Sendo assim, busca-se a regularização de assentamentos irregulares, de modo a garantir o direito social à moradia e a função social da propriedade.

Entretanto, a regularização fundiária em todo território nacional carece de profundos avanços para conseguir atender a população de maneira eficaz. O direito real de laje deve ser encarado como incentivo de regularização fundiária diante a realidade brasileira, sendo instrumento para promoção da cidadania.

Uma das principais causas da falta de uma devida regularização fundiária no Brasil é o crescimento desordenado das cidades, acarretado pela ineficiência

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303 da administração pública ante ao vasto território nacional. Segundo Janaína Rigo Santin e Rafaela Comiran (2018, p. 1596):

percebe-se que, historicamente, uma das grandes causas de todo este entrave social foi o acelerado e descontrolado processo de urbanização no território brasileiro, o qual se deu com o êxodo de grande parte da população rural, que deslocou sua moradia aos centros urbanos com o objetivo de melhores condições de vida e de trabalho, sem que houvesse, por parte dos governos local, regional e também nacional, planejamento para enfrentar essa realidade.

Desse modo, devem ser implementadas políticas públicas para auxiliar na regularização das moradias em situação irregular que, via de regra, pertencem à camada da população com menor poder aquisitivo. Nesse sentido, atuou o direito real de laje, pois tal instituto é exemplo de ferramenta utilizada pelo legislador com o objetivo de promover avanços na regularização fundiária em todo território nacional.

Entretanto, após o conteúdo analisado, extrai-se que, embora o direito de laje seja inquestionável avanço legal, por legitimar as habitações sobrepostas largamente observadas no país, ainda não consegue sanar a demanda de regularização fundiária e registral brasileira. Necessita-se, então, de um olhar público mais voltado a real condição da população a fim de garantir seus direitos fundamentais, principalmente o direito constitucional à moradia e o da dignidade da pessoa humana.

3.2 O registro público imobiliário

Apesar da Lei nº 13.465/17 prever que a laje deve possuir matrícula própria, sabe-se que há uma incongruência entre a realidade fática e os registros públicos imobiliários nos cartórios. Fato que se dá em razão do alto custo para averbação em registros e a falta de regularização fundiária nas áreas construídas.

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304 parte significativa das construções-base sequer possui registro próprio, fato que também é reflexo das problemáticas citadas e dificulta ainda mais a instituição da matrícula própria da laje.

Não obstante as dificuldades na aplicação da lei, devem ser observadas a forma como se dá o registro público imobiliário da laje, os critérios para que o Direito real seja instituído e também os requisitos necessários para que seja autorizada a construção, seja ela na superfície inferior ou na superfície superior. O direito de laje se constitui independentemente da autorização do município, por se tratar de direito real, amparado pelo Código Civil brasileiro. Porém, para que se construa na laje, há que se atentar para as leis edilícias municipais. Em síntese, o município pode vetar futuras construções feitas pelo titular, limitando seu uso, entretanto, não possui o poder de impedir a constituição do direito real de laje.

Conforme explicam Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018), a edificação que sustentará a laje deve ter o Habite-se, certidão expedida pela prefeitura atestando que o imóvel pode ser habitado e foi construído de acordo com as exigências legais do município.

Diante do questionamento sobre a possibilidade dos cartórios registrarem a instituição de direito de laje sem prévia autorização do município, prevalece o entendimento de que tal ato é possível, pois instituir um direito real não significa autorizar seu titular de realizar construções futuras. Trata-se de prerrogativas distintas, uma sobre Direito Real e outra sobre a autorização do município para construir em determinado imóvel, é o que se extrai da obra dos autores supracitados.

Sendo assim, explicam que se o titular realizar construção na laje, sem a devida autorização do município, o cartório de registro de imóveis não poderá averbar esse fato a matrícula, salvo se for apresentado beneplácito municipal através do Habite-se ou outro documento emitido pelo município que ateste a compatibilidade da construção com as normas urbanísticas municipais.

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1510-305 C somente faça referência a negócio jurídico entre vivos, complementam Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018, p. 202): o direito de laje também pode ser adquirido pela usucapião, em suas diversas modalidades; por sentença judicial ou até pelo negócio jurídico causa mortis, mediante testamento. Todas as formas de aquisição do direito real de laje devem ser levadas a registro imobiliário. Assim, a aquisição pode ser constituída de forma onerosa ou gratuita. O contrato poderá ser típico ou atípico.

Explicam os autores que, por não haver previsão expressa sobre o instrumento adequado a ser adotado para a instituição do direito real de laje, deverão ser observados os termos do artigo 108 do Código Civil, uma vez que, nos casos em que a lei não dispõe em contrário, a forma de escritura pública se faz necessária nos negócios jurídicos que versem sobre direito real de bem imóvel, com valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. No que concerne à questão registral, a Lei nº 13.465/17 incluiu o §9º ao artigo 176 da Lei nº 6.015/73, dispondo que o direito real de laje será instituído através de abertura de uma matrícula própria e por meio da averbação desse na matrícula da construção-base, bem como das lajes anteriores com remissão recíproca. :

O direito de laje dá origem a unidade imobiliária autônoma, o que confere ao titular da laje os poderes dos proprietários de bens imóveis em geral, salvo os limites legais específicos, devido à força jurídica que o registro o confere.

Entretanto, um impasse a tal autonomia dada ao titular da laje pela Lei nº 13.465/17 é que para que se realize o registro da laje, pressupõe-se a existência do registro da construção-base. É sabido do déficit que há entre a quantidade de construções realizadas e a quantidade de registros dos cartórios imobiliários, o que é reflexo da falta de uma política efetiva de regularização fundiária em todo território nacional.

Ademais, conforme afirmam Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018), acerca do registro imobiliário é necessário que

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306 todas as alterações existentes na propriedade sejam averbadas nas respectivas matrículas. Uma vez constituída a laje, será aberta matrícula própria para essa, a qual deverá ser averbada na matrícula do terreno sede do edifício.

Os autores ainda explanam que poderia o Oficial de Registro inclusive, sugerir aos moradores do edifício com direito de laje, que esses realizassem uma Convenção de Uso que, por vontade das partes, poderia ser registrada no Cartório de Títulos e Documentos. Entretanto, tal instituto, não pode ser confundido com uma convenção de condomínio, uma vez que se tratam de institutos distintos com prerrogativas disformes.

Elencam Cristiano Chaves de Farias, Martha El Debs e Wagner Inácio Dias (2018) que o direito real de laje trata-se de instituto recente e com reflexos em diversos ramos do direito. Evidencia-se, neste ponto que, inclusive, na atividade notarial e registral, desse modo, questões irão advir de sua prática nos cartórios e também nos tribunais. Logo, caberá ao poder público, em especial os magistrados, notários e registradores, suprir possíveis lacunas legais, visando tutelar os direitos das partes.

3.3 A ineficiência da lei diante aos problemas sociais do país

Diante do exposto, conclui-se que o Brasil vive uma realidade única, devido a sua larga extensão territorial, seu alto índice populacional e o grande número de favelas espalhadas pelo país. Sendo assim, os reflexos advindos da instituição do Direito Real de Laje, pela lei, serão inéditos, uma vez que diante à unicidade da realidade brasileira, será inviável comparar qualquer reflexo prático com outro país.

Apesar de se tratar de importante conquista, a lei se depara com questões anteriores. Além das acima citadas, que versam sobre o registro público imobiliário e a regularização fundiária no território nacional, também devem ser expostos os problemas sociais que distanciam a lei de sua aplicação prática.

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307 distribuição de renda e moradia entre toda a população brasileira. Há no país significativa desigualdade social, em que poucos detêm grande concentração de renda e outros sequer possuem o necessário para cobrir suas necessidades básicas.

Sendo assim, o Estado necessita reformular seu modo de atuação e buscar trazer à tona a igualdade material, tutelada pela Constituição Federal de 1988. Além de uma reformulação no sistema de segurança pública, educacional e de saúde, também deve ser resguardado o direito à moradia digna, dando à população a devida acessibilidade para que essa consiga exercer, de fato, seu direito constitucional.

Para que se tornem possíveis os objetivos elencados pela Lei nº 13.465/17, além de um programa de regularização fundiária em todo território nacional e política estatal que diminua o custo do registro público imobiliário, também clama-se para um novo olhar do Estado diante dos cidadãos que vivem sem o devido resguardo de seus direitos fundamentais.

O presente estudo buscou tratar não somente das questões teóricas que englobam a legislação, mas aproximá-las da realidade e delimitar sua real efetividade, apontando a necessidade da criação de medidas que visem à diminuição dos danos causados pelo histórico desinteresse governamental em relação à população vulnerável.

Claramente, o legislador não englobou a raiz do problema ao criar o Direito Real de Laje. Como já explicado, predominantemente, as construções-base que originam direito de laje não possuem, em sua maioria, a devida regularização e registro. Sendo assim, a lei parece ignorar o contexto problemático que se encontra o país e trata de modo específico a instituição de um direito real que, embora tardio e necessário, não consegue ser aplicado justamente para aqueles que mais necessitam do amparo legal.

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308 CONCLUSÃO

Conforme apresentado no presente artigo, conclui-se que o Direito real de laje é um direito real autônomo sobre coisa própria com o objetivo de regularizar a situação jurídica das construções sobrepostas, dinâmica urbana comum no Brasil, até então sem legislação específica. A Medida Provisória nº 759/2016 inaugurou o novo direito real e posteriormente foi convertida na Lei nº 13.465/2017, o que trouxe melhor fundamentação legal ao direito de laje.

Demonstrou-se que o novo direito real foi incluído ao rol taxativo do artigo 1225 do código civil pela Lei nº 13.465/17 e, conforme explica o artigo 1510-A do mesmo código, trata a laje de unidade imobiliária autônoma, distinta da construção- base, com matrícula própria, o que confere ao proprietário a possibilidade de ceder à superfície inferior ou superior de seu imóvel, para que se mantenha unidade independente.

Outro ponto notável foi a distinção entre a o Direito de Laje e o Direito de Superfície, devido a discussão doutrinária acerca das semelhanças entre tais direitos. Porém, concluiu-se, por se tratar de institutos distintos, uma vez que o Direito de Laje constitui propriedade plena e perpétua, que enseja abertura de matrícula autônoma, ao contrário do que se mostra no Direito de Superfície, que constitui propriedade resolúvel e temporária, que somente é registrada na matrícula do imóvel que lhe originou.

Além do Direito de Superfície, também foi feita comparação doutrinária do Direito de Laje com o instituto do condomínio edilício, levantando as principais diferenças entre eles, como a inexistência de áreas comuns e fração ideal no Direito Real de Laje.

Foram observados os parâmetros legais, porém, frisaram-se, também, as razões sociais que levaram à criação da lei, como a função social da propriedade, a regularização fundiária e registral. Desse modo, é inegável que o legislador tratou de um direito que necessitava de tutela jurídica, entretanto, devido a problemas de maior complexidade, não consegue atender aos objetivos legais.

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309 A questão principal do presente estudo foi analisar se o Direito Real de Laje realmente tutela o direito constitucional à moradia, previsto no artigo 6º da Constituição Federal e o princípio da dignidade da pessoa humana, pois, embora se aproxime da realidade social em um primeiro olhar, ao ser tratado de modo mais profundo, percebe-se sua inaplicabilidade devido às dificuldades que este encontra, como o alto custo de registro imobiliário e a falta de regularização fundiária em todo o território nacional.

Por fim, salientou-se que além das questões registrais e fundiárias que precisam ser sanadas, deve também o poder público vislumbrar novas formas de efetivo exercício de seu poder, uma vez que resta clara sua ineficiência e os reflexos negativos de sua má administração ao longo dos anos. Portanto, o modo como o Estado trabalha para resguardar a saúde, a educação e a segurança pública dos brasileiros, deve ser reanalisado para que direitos como o Direito Real de Laje sejam estendidos à população de modo geral, desde os mais abastados, aos mais vulneráveis.

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Recebido em 28/11/2019 Publicado em 12/05/2020

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