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CONTEMPORANEIDADE DA LEI MARIA DA PENHA

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Revista do Curso de Direito da Universidade Braz Cubas V1 N1: Maio de 2017

CONTEMPORANEIDADE DA LEI MARIA DA PENHA

Cleide Rodrigues Araujo Kezia Alves de Oliveira Thaís Cristina de Carvalho Vanessa Aparecida de Souza1 Carlos Barbará2

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar a evolução da Lei Maria da Penha e as novas formas de aplicabilidade da referida lei, em virtude do novo entendimento de violência de gênero no ordenamento pátrio vigente.

Palavras – chave: aplicação; gênero; lei; homossexuais; violência.

Abstract: The present work has the objective of analyzing the evolution of the Maria da Penha Law and the new forms of applicability of said law, due to the new understanding of gender violence in the current country. Key-words:application; genre; law; homosexuals; violence.

Sumário: 1. Introdução – 2. Origem da lei Maria da Penha; 2.1. Violência doméstica e familiar; 2.2.Formas de violência; 2.3. Sujeito ativo e passivo 3. Princípios norteadores do ordenamento jurídico; 3.1. Princípio da isonomia; 3.1.1. Igualdade sem distinção entre os sexos; 3.2. Princípio da dignidade da pessoa humana; 3.3. Princípio da liberdade sexual; 4. Violência de gênero; 5. Da contemporaneidade da aplicação da lei Maria da Penha nos casos de violência contra transexuais; 6. Conclusão; Referências.

1 Introdução

Este artigo cientifico tem por finalidade mostrar a mudança na aplicação da Lei nº 11. 340 de 2006, conhecida mundialmente através da denúncia feita para EOA (Organização das Nações Unidas), como a Lei Maria da Penha.

Ela foi criada com a finalidade de coibir qualquer pratica de violência física e psicológica contra as mulheres dentro do âmbito familiar, dando às mulheres vítimas de tais práticas a proteção efetiva do Estado Democrático de Direito.

Com o passar dos anos, a violência de gênero passou a ser entendida como agressões não meramente praticadas por homens em desfavor das mulheres, mas também entre pessoas do mesmo sexo, que, inclusive, vivem em ambiente doméstico.

Abordaremos neste trabalhoas formas das práticas da violência expressas na lei, mostrando o sujeito passivo e ativo da violência, expondo também os princípios norteadores do ordenamento jurídico brasileiro, como o princípio da dignidade da pessoa humana expresso na Constituição Federal de 1988 e por fim a aplicação da Lei Maria da Penha nos casos de transexuais. Posteriormente,na conclusão do trabalho, destacaremos a mudança das formas de 1 Graduandas em Direito pela Universidade Braz Cubas

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família e a pratica da violência de gênero à referida lei, onde passa a ser abrangida de uma forma contemporânea e aplicada à outros casos peculiares.

2 Origem da Lei Maria da Penha

A Lei 11.340 reconhecida legalmente como Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto 2006, entrou em vigor na data de 22 de setembro de 2006 com a finalidade de prevenir, punir e erradicar toda e qualquer violência contra a mulher, seja ela física, psicológica, sexual, moral ou patrimonial.

A Lei Maria da Penha surge em homenagem a Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica, cearense que sofreu violência doméstica por parte de seu marido o professor universitário Marco Antônio Herredia Viverosdurante seis anos, que tentou matá-la por duas vezes sendo a primeira com um disparo de arma de fogo, onde simulando uma tentativa de roubo, Marcos deferiu disparo de arma de fogo contra Maria enquanto ela dormia deixando-a paraplégica e a segunda tentativa foi por eletrocussão e afogamento enquanto no momento do banho.

A Sra Maria da Penha cansada de sofrer com os descasos do Estado e de seu companheiro, contou com o apoio de organizações não governamental (ONGs) e propôs denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) onde em petição alegou tolerância por parte do Estado por (15) quinze anos sem efetivação de medidas que processassem ou punissem seu agressor mesmo diante de tantas reais denúncias.

A OEA acolheu o pedido de Maria da Penha e passou a pressionar o Estado para fazer cumprir as leis vigentes no país e ainda o tribunal internacional condenou o Estado por omissão e desrespeito aos direitos da mulher. Sendo uma das punições a recomendação para que o Estado criasse mecanismo para prevenir os crimes cometidos contra a mulher e punir os seus agressores.

Começou desde então a dedicação e comprometimento de um grupo de ONGs para definir um anti-projeto de lei que trazia quais as formas de violência doméstica e quais os mecanismos para prevenir e reduzir este tipo de violência, como também prestar assistência às vítimas que, tal qual Maria da Penha busca maior rigor legal em defendê-las das violências domésticas sofridas e em punir seus agressores, uma lei que faça com que a violência contra a mulher deixe de ser tratada como um crime de menos potencial ofensivo e que acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas.

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Cabe salientar que em 2002, ou seja, depois de 19 (dezenove) anos de espera por justiça, o cônjuge de Maria da Penha o professor universitário Marco Antonio Herredia Viveros enfim foi condenado há dois anos de prisão pelos crimes de violência contra a mulher.

2.1 Violência Doméstica e Familiar

A violência doméstica e familiar é um assunto que persiste por gerações no Brasil e em muitos outros países. O sentimento de posse que muitos parceiros têm sobre a sua companheira acaba por levá-los a cometerem diversos abusos contra ela que acaba se submetendo aos atos de seus agressores.

Com o advento da Lei Maria da Penha, mais especificamente no seu artigo 5o houve a conceituação do que seria a violência doméstica e familiar sendo“qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” a mulher.

Portanto, qualquer tipo de violência domestica aqui entendido como o local onde a mulher estabelece seu convívio para a sua sobrevivência estando no âmbito familiar ou não, será reprimida pela lei nº 11.340/06, ainda que não haja entre a mulher e seu agressor qualquer relação íntima de afeto.

Segundo Marlise Vinagre Silva, a violência doméstica muita das vezesestá relacionada ao consumo de álcool e drogas e, também, por motivos de ciúmes. Grande parte dos casos é deviolência doméstica e familiar contra a mulher, mas há casos de violência doméstica também contra o homem.

Contudo, a lei nº 11.340/06, é específica e protege a mulher vítima de violência domestica e familiar, ou seja, a violência doméstica e familiar sofrida deve estar relacionada à questão de gênero.

Nesse ponto em específico há discussão se a lei nº 11.340/06 seria inconstitucional por afrontar o princípio da igualdade em dar especial tratamento à mulher e desamparar o homem que foi vitima de violência domestica e familiar, uma vez que ideia central é a igualdade entre homem e mulher.

Para BITENCOURT, a não aplicação da analogia da Lei Maria da Penha, ao caso concreto de

violência doméstica contra homens fere sim o Princípio da Igualdade, doutra parte, o entendimento do Excelentíssimo Sr Desembargador Nereu José Giacomolli é de que a lei é taxativa e deve necessariamente ser aplicada a mulher vítima e, nos casos em que homens sejam vítimas eles devem buscar amparo no código penal.

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Contudo, o principio da igualdade traz que todos devem ser tratados na medida da sua igualdade, ou seja, os iguais devem de ser tratados como iguais e em contra partida os desiguais por sua vez devem ser tratados na exata medida de sua desigualdade.

Essa conceituação explica a aplicação da lei Maria da Penha especificamente à mulher vitima de violência domestica uma vez que na relação entre homens e mulher, ela é a mais frágil e por essa razão merece a proteção da lei.

2.2 Formas de Violência

Para o ProfºEduardo Luiz Santos Cabette, a Lei 11.340/2006 é a mecanismo mais eficaz para coibir a violência contra a mulher e esta legislação esta entre as três melhores legislações do mundo no combate à violência de gênero.

O surgimento da Lei Maria da Penha deu um enfoque maior no combate a violência sofrida pelas mulheres ao longo dos anos ela deu origem a outras leis, tal qual a Lei do Feminicídio (Lei 13.104), sancionada em 2015, acrescentando o inciso VI no artigo 121 do CP, colocando a morte da mulher no rol de crimes hediondos.

Cuidou a Lei Maria da Penha em abarcar todas as formas de violência possíveis a saber: a violência física, ou seja, qualquer ação que agrida sua saúde corporal; a violência psicológica, ou seja, qualquer conduta que lhe cause a abale emocionalmente e diminua sua auto-estima; a violência sexual, ou seja, qualquer conduta que a obriga a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada; a violência patrimonial, ou seja, reter, subtrair, destruir parcial ou total seus pertences ou recursos econômicos; a violência moral, aqui entendida como sendo qualquer forma que denigra a moral da mulher seja pela calúnia, difamação ou injúria. Muito embora exista uma proteção legal à pessoa vitima de ação caluniosa, difamatória ou injuriosa, transcrita nos artigos 138, 139 e 140 respectivamente do Código Penal a lei Maria da Penha direcionou as condutas delituosas contra a mulher proibindo nesses casos a substituição para medidas menos gravosas.

2.3. Sujeito ativo e passivo

A ofensa a mulher é uma clara violação dos direitos humanos, pois ela é notadamente o sexo frágil e, portanto, deverá ser protegida pela lei. Assim, para a lei Maria da Penha pouco importa qual a orientação sexual da vítima se heterossexual ou homossexual desde que seja comprovadamente mulher e a ação ou omissão seja baseada no gênero, estará protegida por ela.

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A lei protege a mulher vítima de agressão independentemente da pessoa do seu agressor bastando apenas que seja em razão do gênero ou que tenha relação íntima de afeto, como regra disposta no art. 5º do parágrafo único da lei nº 11.340/06, ou seja, numa relação homoafetiva entre duas mulheres se qualquer uma delas for agredida, a agressora sofrerá com as penas da lei Maria da Penha, se na relação parental houver uma agressão em razão do gênero e entre o agressor e a agredida houver a coabitação a lei amparará a mulher agredida punindo o agressor com as penas da lei.

Assim, como sujeito ativo do crime de violência domestica a lei abre um leque muito grande, pois ela abarca qualquer pessoa independente do sexo ou da orientação sexual. Em se tratando da pessoa do agressor, a lei põe em pé de igualdade homens e mulheres, porém, a pessoa do agressor dever ter uma relação atual ou não com a vítima, ou seja, o agressor deve ser uma pessoa comum ao convívio da vítima.

No entanto, o sujeito passivo necessariamente deve ser uma mulher e a agressão sofrida deve estar relacionada ao gênero e ter sido praticado por pessoa comum ao seu convívio.

3 Princípios norteadores do ordenamento jurídico

Os princípios jurídicos são um conjunto de padrões de condutas presentes de forma explícita ou implícita no ordenamento jurídico. Eles servem para nortear a aplicabilidade da lei ao caso concreto.

No entanto, não cumpre este artigo analisar o processo cognitivo que envolveu os princípios ao longo do curso histórico, mas sim verificar se a lei Maria Penha esta adequada aos padrões estabelecidos pelos princípios.

Assim, passaremos a discorrer sobre os princípios que norteiam o ordenamento jurídico pátrio.

3.1 Princípio da isonomia

O Princípio da isonomia ou da igualdade é citado inúmeras vezes na Constituição Federal, sendo ele indispensável, assegurando a igualdade e a justiça, o primeiro dos direitos e garantias fundamentais que vigoram em nossa Constituição.

A isonomia pode ser vista sob dois aspectos, sendo o primeiro a isonomia formal identificada no art. 5º, inciso I, afirmando que homens e mulheres sãoiguais perante a lei, sem distinção do sexo, idade, cor ou estado civil, que diz respeito aos direitos sociais. 3

3Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta

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Em segundo, a isonomia material, no que tange juridicamente aos direitos e obrigações, conforme o art. 7º incisos XXX e XXXI da Constituição4, que se equipara como um dos

direitos sociais aos trabalhadores, proibindo as diferenças salariais sem qualquer distinção entre homens e mulheres.

Entretanto na prática, ainda existe uma debilidade no tratamento da isonomia material. Surge então a necessidade do legislador intervir com as conhecidas ações afirmativas ou discriminações positivas que segundo Davi Araújo e Nunes Junior definem que “...o constituinte tratou de proteger certos grupos que, a seu entender, mereciam tratamento diverso. Enfocando-os a partir de uma realidade histórica de marginalização social ou de hipossuficiência decorrente de outros fatores, cuidou de estabelecer medidas de compensação buscando concretizar, ao menos em parte, uma igualdade com os demais indivíduos, que não sofreram as mesmas espécies de restrições. ”5

Desse modo contemplam-se a leis de cotas, quer para garantir o ingresso de negros no ensino superior, bem como levar proteção ao consumidor, ao idoso, à criança e ao adolescente, a fim de resguardar a determinação constitucional da igualdade.

3.1.1 Igualdade sem distinção entre os sexos

A distinção entre sexos sempre sofreu discriminação. Em relação ao sexo feminino, que historicamente sempre esteve inferiorizado, ganhou com a Lei Maria da penha a proteção jurídica frente ao homem. Lei Maria da Penha, que fora criada para coibir a violência doméstica, não permite o questionamento da quebra da igualdade constitucional e sim questiona sua indispensável criação em proteção à mulher.

Na sua defesa a autora Maria Berenice Dias, diz que “O modelo conservador da sociedade coloca a mulher em situação de inferioridade e submissão, tornando-a vítima da violência masculina. Ainda que os homens também possam ser vítimas da violência doméstica, tais fatos não decorrem de razões de ordem social e cultural. ”6

Constituição.

4Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência.

5ARAUJO,Luiz Alberto David; NUNES JUNIOR, Vidigal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 14ª São Paulo: Saraiva, 2010, p. 87

6DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.56

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Com a constante evolução das relações pessoais cresceram as atenções relativas aos homossexuais, o legislador não encontrou uma expressão nítida que não gerasse inconveniências, mas encontramos uma abrangência suficiente de igualdade, sem discriminação de orientação sexual, já assegurada em nossa Constituição como no art. 3º, inciso IV7, que visa um dos objetivos fundamentais de promover o bem de todos sem preconceitos ou discriminação.Reconhecendo assim, na verdade, não apenas a igualdade, mas a liberdade de as pessoas de ambos os sexos adotarem a orientação sexual que quisessem.

3.2 Princípio da dignidade da pessoa humana

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana encontra-se previsto no artigo 1°, inciso III da Constituição Federal de 1988, está expresso também no âmbito internacional na Declaração das Nações Unidas dos Direitos do Homem de 1948 pela Organização das Nações Unidas. A Declaração dos Direitos Humanos em seu artigo 2° proíbe qualquer forma discriminação no âmbito social, consolidando que todo ser humano tem capacidade para usufruir dos seus direitos e liberdade independente da sua cor, raça, sexo, nacionalidade, religião ou outras formas de discriminação.

A finalidade da Declaração como prevê o seu preâmbulo, é a transmissão do reconhecimento universal entre cada indivíduo e o órgão da sociedade, apresentando os direitos e garantias fundamentais e promovendo o respeito entre todos os povos dos Estados-membros. O referido princípio é considerado também como o pilar da Constituição Federal e a maior de todas as garantias fundamentais a pessoa humana, sendo fundado o seu valor a partir do caso concreto. Dessa forma, vale salientar que independente da orientação sexual, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana vem com o nascimento de cada um, devendo ser respeitado como o maior direito durante a vida em sociedade.

3.3 Princípio da liberdade sexual

O princípio supracitado encontra-se expresso no “caput” do artigo 5° da Constituição Federal, no qual pressupõe a inviolabilidade do direito à liberdade, a vida, igualdade entre os sexos, mencionando ainda a liberdade de manifestação do pensamento, segurança, dentre outros. O direito à liberdade dá a cada indivíduo o direito de escolher como agir e pensar dentro de uma sociedade, foi consagrado no ordenamento pátrio como uma garantia fundamental em suas variadas modalidades. O termo sexualidade é algo peculiar de cada pessoa, não podendo

7Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

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existir nenhuma discriminação e preconceito com relação a escolha realizada, sendo a sua liberdade sexual e orientação, o ponto mais importante para a configuração da Dignidade da Pessoa Humana.

Dentro do Princípio da Liberdade encontramos o direito à liberdade sexual, que deve ser compreendido como uma garantia do indivíduo escolher a sua opção sexual e a forma de família que pretende constituir, sem a discriminação da sociedade e imposição da maioria, devendo o Estado assegurar a sua proteção.

4 Violência de gênero

No caso em tela, analisar-se á a violência sob o aspecto de gênero, ou seja, atos violentos praticados em desfavor da mulher, onde se nota que a violência contra pessoas do sexo feminino consiste no próprio despotismo, posicionando a mulher em condições de dependência do agressor.

A palavra violência é oriunda do latim “violentĭa”, associada à ação consumada com hostilidade e agressividade em desfavor do ofendido. A violência consiste num comportamento intencional e consciente, capaz de causar prejuízos corporais ou psicológicos à vítima, podendo ocasionar à morte.Nos anos 80, a palavra Gênero impulsionou os estudos feministas para a busca da legitimidade, onde acreditavam que a pesquisa modificaria a estrutura cultural da mulher.

Com isso, Gênero passou a representar a relação socialmente elaborada entre homens e mulheres, servindo como categoria de análise para se investigar a construção social do feminino e do masculino, cuja denominação é fruto do estudo estudiosa e feminista americana Joan Scott, a qual apresenta o Gênero sob duas perspectivas, sendo uma das vertentes definidas como um elemento constitutivo das relações sociais, baseado em diferenças percebidas entre os sexos, e a outra vertente destaca gênero como uma forma primária de significação das relações de poder

.

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Sob essa nova perspectiva de Gênero, os trabalhos que buscavam analisar a violência contra o sexo feminino passaram a utilizar a expressão violência de Gênero para abordar todo ato hostil em desfavor da mulher, tanto no âmbito doméstico quanto familiar, questionando a diferença dos sexos, a ideologia de que mulheres são passivas, emotivas e indefesas; e, em contrapartida, que os homens são ativos, racionais e fortes. Sob a visão do gênero, essas

8SCOTT, Joan Wallach. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação & Realidade. Disponível em http://www.direito.mppr.mp.br/arquivos/File/SCOTTJoanGenero.pdf. Acessado em 24/09/2016

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características são frutos de uma situação histórico-cultural, e as diferenças são oriundas de uma construção social.

A expressão gênero vem, gradativamente, se incorporando no ordenamento jurídico nos países, cuja introdução no Brasil se deu na Convenção de Belém do Pará (Decreto n. 1.973, de 01/08/1996), com a finalidade de explicar o conceito de violência contra a mulher como qualquer ato ou conduta baseada no gênero.

Ainda que a Constituição aborde e proteja a desigualdade de poder relacionada nas diferenças de gênero, é possível observar que ainda há inúmeras resistências nas práticas e aplicação efetiva das leis, vez que, segundo pesquisas acerca da violência contra as mulheres no Brasil, mapeamentos de reclamações e denúncias apontam que as agressões em desfavor do sexo feminino é alarmante e a cada dia mais reincidente, devendo ser mais atendido pelas políticas sociais e públicas, a fim de inibir a reincidência da conduta.

Observa-se que a violência de gênero é típica do homem contra a mulher, mas também pode ocorrer por um homem contra outro homem entre mulheres, envolvendo familiares consanguíneos ou afetivo, conviventes sob o mesmo domicílio ou por terceiros em lugares alheios ao seio familiar ou domiciliar, onde a relação é resultante de uma estrutura de dominação.

Vale ressaltar, que tanto ocorrência de violência conjugal ou violência em desfavor de prostitutas, mulheres negras e lésbicas, as práticas de violência estão relacionadas além da questão de gênero, como também de classe social, etnia e orientação sexual.

De acordo com HeleiethSaffioti9, a violência inserida no contexto conjugal, acontece dentro

de uma relação de poder e, na maioria dos casos, dependência financeira, dado a desigualdade social entre homens e mulheres.

Nota-se que as queixas de violência conjugal que afetam essas mulheres são diariamente ameaçadas pela possibilidade de dissolução da denúncia, vez que os parceiros se equivalem dessa prerrogativa para negociarem a manutenção do relacionamento, extinção de agressões e melhoria no relacionamento conjugal, e nessa perspectiva, o Estado acaba sendo conivente com essa obstrução da justiça, pois ajuda a reforçar que violência contra mulher não é crime, uma vez que se a queixa é retirada, traz-se a sensação de que nada ocorrera.

Prosperado a fase da queixa, frente ao acesso à justiça em caso de violência doméstica e familiar, conforme IZZUMINO10, Seguindo da ótica do gênero como relação de poder, a

9SCOTT, Joan Wallach. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação &Realidade. Disponível em http://www.direito.mppr.mp.br/arquivos/File/SCOTTJoanGenero.pdf.

10 IZZUMINO, WâniaPasinato. Acesso à justiça e violência domestica e familiar contra as mulheres. Disponível

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queixa, em suas variadas apresentações, é responsável pelo andamento do processo, e, em muitos casos, influenciam nas decisões pelo poder judiciário, pois, em dada instancia, o anseio por justiça e aplicação à sanções aosagressor se confunde a falsa ilusão de que tudo já está superado, sendo desnecessária a aplicação de punição ao agressor. Conforme estudos, não há probabilidade que a violência conjugal tenha sido sanada, mas circunstâncias alheias ao ideal caminhar do processo motivam a vítima a mudar a situação.

Nota-se que ainda há uma resistência por conta da influência sociocultural que a vítima está inserida, envolvendo questões sociais, educacionais e, em certos casos, religiosos; com isso, ainda que haja respaldo legal, não há a possibilidade de garantir a efetivação do acesso a justiça à todas as vítimas, pois ainda existem obstáculos que impossibilitam a atuação do poder judicial.

Destarte, frente a tantas peculiaridades, entende-se que é necessário haver uma reestruturação na política de proteção à vítima de violência doméstica, sob um olhar transversal de gênero. 5 Da contemporaneidade da aplicação da Lei Maria da Penha nos casos de violência contra transexuais

Desde a criação da lei Maria da penha, nota-se que a referida lei teve algumas mudanças significativas, a qual passou a contemplar também homens que vivem em união homoafetiva. Antes de iniciarmos observações acerca da aplicação da Lei Maria da Penha em casos de violência sexual contra transexuais, torna-se mais que oportuno distinguir o indivíduo homossexual, transexual, travesti e transgênero.

Conforme Karl-Maria Kertbeny11, homossexualidade à característica atribuída a uma pessoa

que sente atração física por outra pessoa do mesmo sexo, e, conforme o estudioso, desde a antiguidade já existiam pessoas com tais características.

A travestilidade é a característica de pessoas que utiliza vestimentas do sexo oposto, a fim de satisfazer-se ao pertencer, ainda que temporariamente, a aquele gênero que se traveste, sem, contudo, alterar o sexo.Outra peculiaridade é quanto ao transgênero, a qual difere do transexualíssimo, pois a pessoa que possui características transgenero, os quais não se consideram como homens ou mulheres.

Quanto ao “Transexualismo, é a característica de um indivíduo que não se adequa ao seu sexo anatômico (masculino ou feminino), e procura adequar o seu corpo físico com o seu gênero psíquico, ou seja, é a vivencia do transexualismo.

11BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: Lei n.11.340/2006: Aspectos assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero. São Paulo: Saraiva, 2013, p.54.

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Dessa forma, a transexual feminina pertence ao gênero feminino e busca adequar-se a esse gênero, tanto fisicamente, através de cirurgia de transgenitalização como socialmente, ou seja, através de adoção de some social. Torna-se importante salientar que a transexual sempre pertenceu ao gênero feminino, sendo considerada mulher, motivo pelo qual se aplica integralmente a Lei n.11.340/2006.

A transexual pertence ao gênero feminino, vez que psicologicamente sempre foi podendo adequar-se fisicamente à essa característica. Com isso, em consonância à sua identidade de gênero, é cabível a aplicação da Lei Maria da Penha às vítimas de violência doméstica. Tal ato vai de encontro ao preconizado no artigo 2º e 5º da referida lei, que veda a discriminação em virtude da opção sexual.

Logo, a pessoa protegida pela Lei n.11.340/2006 deve ser mulher, ainda que lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros, que tenham identidade social com o sexo feminino. Nesse tocante, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina se manifesta:

Conflito negativo de competência. Violência doméstica e familiar. Homologação de auto de prisão em flagrante. Agressões praticadas pelo companheiro contra pessoa civilmente identificada como sendo do sexo masculino. Vitima submetida à cirurgia de adequação do sexo por ser hermafrodita. Adoção do sexo feminino. Presença de órgãos reprodutores femininos que lhe conferem a condição de mulher. Retificação do registro civil já requerida judicialmente. Possibilidade de aplicação, no caso concreto, da Lei n.11.340/06. Competência do juízo suscitante. Conflito improcedente.” (TJSC, CJ 2009.006461-6, j.14.08.2009, 3ª Câmara Criminal,rel.Des.Roberto Lucas Pacheco).12

Insta evidenciar que o entendimento é quanto ao sexo jurídico, ou seja, não é preciso que a pessoa necessariamente realize a cirurgia para desfazer-se das características que fisicamente não a torna homem, basta que tenha nascido( no seu interior) mulher, e o seupsicológico aceite só essa verdade. Logo, se é mulher e sempre foi mulher, será amparada, incondicionalmente pela Lei Maria da Penha.

Nesse diapasão, Bianchini, defende a desnecessidade em mudar o nome com alteração de registro de identidade, bem como a realização da cirurgia de transgenitalização.Destarte, identifica-se que o intuito da Lei Maria da Penha é proteger também as transexuais femininas, buscando protege-las das diárias agressões e espezinhamentos sofridos por elas

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6 CONCLUSÃO

Observa-se que graças à iniciação cientifica dos estudos sobre a questão de gênero, foi possível identificar que as agressões físicas de homens em desfavor de pessoas do sexo 12 Conflito de Jurisdição. Disponível em

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feminino podem ser justificadas pela construção social do sexo feminino e masculino, onde a fragilidade feminina é escopo para o domínio do homem sobre a mulher.

A perspectiva de gênero passou a explicar a violência de gênero experimentada pelas mulheres, e sob um aspecto mais contemporâneo, passou a considerar a violência de gênero não apenas em casos de agressões de homens contra mulheres, mas também em casos de violências entre pessoas do mesmo sexo que vivem em ambiente familiar ou domiciliar. Sob essa nova perspectiva, entende-se que os transexuais também gozam das prerrogativas presentes na Lei Maria da Penha, pois elas também são mulheres, e uma vez considerada essa verdade, é indiscutível o amparo à estas, ainda que não passem por procedimentos cirúrgicos para a descaracterização física do sexo masculino.

Observa-se que, atualmente,há muitas conquistas graças aos novos entendimentos da Jurisprudência dos Tribunais Pátrios, onde a tendência dos tribunais é aprimorar a lei para inibir as agressões contra indefesos e alcançar a segurança jurídica.

Referências

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Constitucional. 14ª São Paulo: Saraiva, 2010

BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: Lei n.11.340/2006: Aspectos assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero. São Paulo: Saraiva, 2013, p.54.

CAMPOS, Carmen Hein de. Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminina. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Abrangência da Definição de Violência Doméstica. Boletim IBCCRIM, Ano XVII, n° 198. Maio de 2009.

Código Civil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm.Acessado em 20/10/2016.

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http://www.cidh.org/annualrep/2000port/12051.htm. Acessado em 15/10/2016.

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Referências

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