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Bullying Homofóbico em Contexto Escolar

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Academic year: 2021

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ANA SOFIA DA SILVA QUEIRÓS

BULLYING HOMOFÓBICO EM CONTEXTO ESCOLAR

Dissertação de Candidatura ao grau de

Mestre em Medicina submetida ao Instituto

de Ciências Biomédicas de Abel Salazar da

Universidade do Porto.

Orientador – Professora Doutora Ana Sofia

Antunes das Neves

Categoria – Professora Auxiliar Convidada

Afiliação – Instituto Universitário da Maia

Co-orientador (es) – Professora Doutora

Cristina Maria Lopes Pereira Vieira

Categoria – Professora Auxiliar Convidada

Afiliação – Universidade Aberta

Co-orientador (es) – Professora Doutora

Janete da Silva Borges

Categoria – Professora Auxiliar Convidada

Afiliação – Instituto Universitário da Maia

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Dedicatória

Aos meus pais e aos meus avós, pilares da minha vida.

(4)

II

Agradecimentos

Primeiramente gostaria de agradecer aos meus queridos pais pelo apoio incondicional em todas as etapas da minha vida e por me terem proporcionado acesso a todas estas fantásticas oportunidades académicas.

Aos meus avós por toda a ajuda e apoio prestado em todas as minhas decisões.

À minha Orientadora, Professora Doutora Ana Sofia Neves e às minhas Co-orientadoras, Professora Doutora Cristina Pereira Vieira e Professora Doutora Janete Borges, pela orientação, compreensão, apoio e confiança constantes.

À Professora Doutora Joana Topa por todo o auxílio e disponibilidade ao longo desta experiência.

À Professora Doutora Estefânia Silva, pela colaboração e ajuda.

A todos/as os/as Professores/as que me acompanharam ao longo de todo o meu percurso académico, detentores/as de uma sabedoria enorme, pelos ensinamentos, pelo crescimento profissional mas também pessoal e por reforçarem a minha adoração pelo meu trabalho.

Agradeço ao Diretor do Agrupamento de Escolas onde ocorreu o estudo, pela oportunidade.

À Coordenação e a todos/as os/as docentes e não docentes da Instituição Escolar que me acolheram e integraram.

Aos/Às alunos/as da Escola e aos/às jovens que participaram neste estudo, que de forma direta, enriqueceram esta importante etapa.

Aos/às meus/minhas amigos/as, pelo carinho e amizade sincera. À Rita Sousa e Ana Luís pelo companheirismo e entreajuda.

E um obrigada às voluntárias do Programa Uni+ - Programa de Prevenção da Violência no Namoro em Contexto Universitário, pelo seu tempo e ajuda.

(5)

III

Resumo

O presente estudo definiu como objetivo central, a caraterização das práticas e significados do bullying homofóbico a partir dos discursos de jovens estudantes Portugueses/as e determinar os impactos na saúde das vítimas gays e lésbicas.

Na investigação quantitativa participaram 105 jovens de ambos os sexos (57 do sexo feminino e 48 do sexo masculino), com idades compreendidas entre os 10 e os 17 anos (M= 12.38; DP= 1.734) e que frequentavam o 2º e 3º ciclo de uma escola situada a norte do país. No estudo qualitativo, participaram 37 alunos/as (19 do sexo feminino e 18 do sexo masculino), dos 13 aos 16 anos de idade (M= 13.68; DP= 0.852) e que frequentavam do 6º ao 9º ano de escolaridade da mesma instituição escolar. Para a recolha de dados foi utilizada uma metodologia mista que consistia no preenchimento individual de um inquérito (uma Ficha Sociodemográfica, o Inventário sobre Crenças de Género, o Inventário sobre Crenças sobre Lésbicas e Gays e o Inventário sobre Práticas Violentas sobre Lésbicas e Gays) e na participação em cinco Focus Group.

Através da análise de resultados, verificamos a permanência de algumas crenças conservadoras (e.g., efeminação dos gays; masculinização das lésbicas; fazer impressão ver duas pessoas do mesmo sexo beijar-se e estar perto de um gay e/ou lésbica) sobre

gays e lésbicas, particularmente o sexo masculino que demonstrou menos tolerância face

à orientação sexual não heteronormativa. Foram também visíveis atitudes conservadoras relativamente às questões de género (e.g., sensibilidade do sexo feminino; culpabilização da mulher em alguns casos de violência doméstica). Relativamente às práticas de violência sobre gays e lésbicas, o sexo feminino destacou-se não só como agente agressor mas também como vítima. Por sua vez, no que se refere aos tipos de violência, a violência psicológica e social são as mais observadas e praticadas, segundo os/as participantes. Em relação ao impacto das violências sobre os indivíduos gays e lésbicas, verificamos uma consciencialização dos/as jovens, concretamente do sexo feminino, sobre o impacto que as violências exercem na saúde das vítimas com orientação sexual gay ou lésbica. As principais conclusões do presente estudo, recaem pela permanência de crenças associadas ao género, à orientação sexual gay e lésbica, assim como valores significativos, descritos pelos dados, na observação de comportamentos violentos, de cariz homofóbico. Porém, são também visíveis algumas atitudes positivas face à orientação sexual e/ou identidade de género não heteronormativa.

Palavras-chave: bullying homofóbico, violência, jovens estudantes, discursos, crenças

(6)

IV

Abstract

The present study defined as a central objective the characterization of the practices and meanings of homophobic bullying from the discourses of young Portuguese students and determine the health impacts of gay and lesbian victims.

In the quantitative research participated 105 young people of both sexes (57 females and 48 males), aged 10 to 17 years old (M = 12.38; SD = 1.734), who attended the 2nd and 3rd cycles of a school located in the north of the country. In the qualitative study, 37 students participated (19 females and 18 males), ranging from 13 to 16 years of age (M= 13.68; DP= 0.852) and attending the 6th to 9th grade of the same school. For the collection of data, a mixed methodology was used which consisted in the individual completion of an inquiry (a Sociodemographic Record, the Gender Belief Inventory, the Lesbian and Gay Belief Inventory and the Violent Lesbian and Gay Practices Inventory) and in five focus group participation.

Through the analysis of results, we verified the persistence of some conservative beliefs (e.g., gay effeminacy; masculinization of lesbians; make impression of seeing two same-sex people kiss and be close to a gay and / or lesbian) about gays and lesbians, particularly males who showed less tolerance to non-heteronormative sexual orientation. Conservative attitudes about gender issues were also visible (e.g., female sensitivity; woman blame in some cases of domestic violence). Concerning the practices of violence against gays and lesbians, the female sex was not only an aggressor but also a victim. In its turn, as regards types of violence, psychological and social violence are the most observed and practiced, according to the participants. Regarding to the impact of violence on gay and lesbian individuals, we see an awareness of young people, particularly women, about the impact of violence on the health of victims with gay or lesbian sexual orientation.

The main conclusions of the present study are the persistence of beliefs associated with gender, gay and lesbian sexual orientation, as well as significant values, described by the data, in the observation of violent behaviors, homophobic. However, some positive attitudes towards sexual orientation and / or non-heteronormative gender identity are also visible.

Keywords: homophobic bullying, violence, young students, speeches, gay and lesbian

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V ÍNDICE

Introdução ... 9

PARTE I: Enquadramento Teórico ... 11

CAPÍTULO 1 – Género e Sexualidades ... 11

1. Questões da Orientação Sexual ... 13

1.1. Diversidade Sexual ... 14

2. O significado de ser e não ser homossexual na sociedade atual ... 17

3. Homofobia ... 20

4. Teorias explicativas da discriminação em função da orientação sexual ... 26

CAPÍTULO 2 – Caracterização bullying ... 36

1. Conceito ... 36

2. Características das vítimas e dos ofensores ... 38

3. Consequências ... 39

4. Caracterização do bullying homofóbico em Portugal ... 42

CAPÍTULO 3 – Contexto legal do bullying homofóbico ... 48

1. Tipificação Penal ... 48

2. Importância do bullying homofóbico na Medicina Legal ... 51

3. As vítimas na perspetiva médico-legal ... 54

PARTE II: Método ... 56

CAPÍTULO 4 – Introdução ... 56

1. Objetivos gerais ... 61

2. Objetivos específicos ... 62

3. Questões de investigação e respetivas hipóteses ... 62

4. Perguntas de partida ... 65

5. Participantes ... 65

5.1. Inquiridos/as ... 65

5.2. Participantes dos Focus Group ... 68

6. Técnicas/Instrumentos de recolha de dados ... 69

6.1. Questionário ... 70

6.2. Focus Group ... 73

7. Procedimentos ... 74

8. Tratamento e análise dos dados ... 75

8.1. Análise Estatística ... 75

8.2. Análise Temática ... 76

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VI

1. Resultados descritivos sobre os inventários ... 77

1.1. Resultados descritivos sobre Crenças de Género ... 78

1.2. Resultados descritivos sobre Crenças Gays e Lésbicas ... 79

1.3. Resultados descritivos sobre violências praticadas contra Gays e Lésbicas 80 1.4. Impacto das práticas de violência na saúde das vítimas Gays e Lésbicas . 82 1.5. Testagem de hipóteses ... 83

2. Discursos, perceções e vivências dos/as jovens ... 84

2.1. Crenças de Género ... 85

2.1.1. (Re)inventar masculinidades ... 88

2.1.2. Continuidade dos estereótipos ... 91

2.2. Alterações à normalidade/Dispositivos de normalização da intimidade ... 94

2.2.1. Homonormatividade Lésbica ... 97

2.2.2. As tecnologias de informação e comunicação ... 98

2.2.3. O corpo como objeto social... 100

2.3. Continuidades ... 103

2.3.1. Heteronormatividade ... 104

2.3.2. Representações do corpo ... 107

2.3.3. A violência ... 109

2.3.3.1. Os impactos da violência ... 111

CAPÍTULO 6 – Discussão dos resultados ... 112

PARTE III: Reflexões finais ... 118

CAPÍTULO 7 – Conclusões ... 118

(9)

VII

Índice de Tabelas

Tabela 1 - Caracterização da amostra ... 66 Tabela 2- Caracterização dos/as participantes do Focus Group ... 68 Tabela 3 - Valores médios e respetivos desvios-padrão e p-valor dos problemas de investigação 1 e 3, respetivamente ... 83

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VIII

Lista de Abreviaturas:

AABCJ - Associação Anti-Bullying com Crianças e Jovens APAV - Associação Portuguesa de Apoio à Vítima

VIH – Vírus da Imunodeficiência Humana

IBM SPSS - IBM- Statistics Package for the Social Sciences

ILGA - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero LG – Lésbicas e Gays

LGBTI - Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero e Intersexo OMS – Organização Mundial de Saúde

PSP – Polícia de Segurança Pública

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9

Introdução

Nas últimas décadas, temos assistido a um interesse crescente pela temática LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero e Intersexo) (Jones & Hill, 2002). Em alguns países têm inclusivamente sido realizadas mudanças legais objetivando a diminuição da discriminação em função da orientação sexual e/ou da identidade de género (Nogueira et al., 2010).

O reconhecimento das implicações da violência praticada contra homossexuais, veio aumentar o interesse social e científico, o que promoveu a pesquisa e a dinamização de estudos sobre o fenómeno (Sebastião, 2009).

É visível a presença de um número significativo de estudos (Rede ex aqueo, 2008; Tudo irá melhorar, 2012 como citado por Projeto – Tudo irá melhorar, 2016; Associação ILGA Portugal, 2012; ILGA Portugal, 2016; AABCJ, 2015 como citado por Educare, 2015) sobre a área mas ainda é uma problemática que revela algum défice de informação. Todavia, apesar de haver uma maior visibilidade das suas práticas e consequências (Sebastião, 2009), os estudos concluem que este grupo continua a ser objeto de discriminação, preconceito e violência (Rede ex aqueo, 2008; Tudo irá melhorar, 2012 como citado por Projeto – Tudo irá melhorar, 2016; Associação ILGA Portugal, 2012; ILGA Portugal, 2016; AABCJ, 2015 como citado por Educare, 2015).

Neste trabalho, iremos focar-nos no bullying em contexto escolar, mais especificamente no

bullying homofóbico. Todavia, o facto de haver pouca informação no âmbito do bullying

homofóbico é o que nos motiva para o estudo desta temática. Achamos importante que qualquer indivíduo independentemente do seu género e/ou orientação sexual se sinta igualmente informado, apoiado e protegido.

O presente estudo encontra-se dividido em três partes que se subdividem em sete capítulos. A primeira parte, composta por três capítulos refere-se ao enquadramento teórico da problemática em análise. Assim, o primeiro capítulo pretende explicar as questões da sexualidade, abordando a orientação sexual e o género, a homossexualidade segundo a sociedade, a homofobia e as teorias explicativas da discriminação em função da orientação sexual. Por sua vez, o segundo capítulo objetiva conceptualizar o bullying e consequentemente o bullying homofóbico, através da sua definição, das características das vítimas e dos ofensores, dos seus impactos para a saúde dos seus intervenientes e da caracterização do fenómeno em Portugal. Por fim, o terceiro capítulo aborda o contexto legal e médico-legal do bullying homofóbico.

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10 A segunda parte da investigação, ocupa-se do método e finalmente da descrição do método utilizado, através da apresentação dos objetivos gerais e específicos do estudo, das questões de investigação e hipóteses, das perguntas de partida, da caracterização dos/as participantes, das técnicas/instrumentos de recolha de dados, dos procedimentos, do tratamento e análise de dados e finalmente da apresentação e discussão dos resultados.

A terceira e última parte, engloba as reflexões finais, nomeadamente, a conclusão da investigação.

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11 PARTE I: Enquadramento Teórico

CAPÍTULO 1 – Género e Sexualidades

Para compreender a orientação sexual e/ou identidade de género é necessário compreender-se o conceito de sexualidade. Comummente, a sexualidade encontra-se associada à genitalidade bem como à relação sexual (Bearzoti, 1994). Freud (1996, 2010) atribui um significado mais vasto ao conceito, definindo-a como psicossexualidade. A teoria psicanalítica perspetiva a sexualidade para além do ato sexual e do prazer associado aos órgãos genitais. Percebe-a como uma “forma normal de amor sexual” (de Gusmão, 1994), isto é, uma sucessão de exaltações e ações que ocorrem desde a infância e que oferecem um prazer irreduzível, como saciar uma necessidade fisiológica imprescindível, como por exemplo, respirar e ter fome (Laplanche & Pontalis, 1976).

Tomando em consideração a perspetiva de Freud, Bearzoti (1994) traduziu a sexualidade como a “energia vital instintiva direcionada para o prazer, passível de variações quantitativas e qualitativas, vinculada à homeostase, à afetividade, às relações sociais, às fases do desenvolvimento da libido infantil, ao erotismo, à genitalidade, à relação sexual, à procriação e à sublimação” (p. 5).

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002a,2002b) a sexualidade é uma forma vigorosa de agir que nos incita à busca do amor, da intimidade, do carinho e do toque, que se incorpora nos nossos sentimentos, movimentos e na forma como “tocamos e somos tocados”, ocorre uma sintonia entre a sensualidade e a sexualidade. A sexualidade exerce influência sobre as emoções, os pensamentos e os comportamentos e como tal, sobre a saúde mental e física do ser humano.

Em 2002, a OMS propôs-se a dar significação aos termos sexo, saúde mental, sexualidade e direitos mentais. Após este processo, a sexualidade ficou definida como um fator principal do ser humano que envolve “o sexo, género, identidades e papéis, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução”. A mesma é manifestada e vivenciada através de “pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas, papéis e relações”. Contudo, estas dimensões poderão nem sempre ser exprimidas ou experimentadas na sua totalidade. Ela é influenciada pela reciprocidade entre os “fatores biológicos, psicológicos, sociais, económicos, políticos, culturais, éticos, legais, históricos, religiosos e espirituais”.

Vance (1984 como citado por Weeks, 2003) entende que a sexualidade não pode ser vista como permanente. De uma forma pessoal, a sexualidade pode ser vivenciada de forma distinta dependentemente da idade, etnia, orientação sexual, religião, “capacidade física”,

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12 classe e região. Para além dos fatores de índole biológica ou fisiológica, envolve também dimensões sociais, emocionais e relacionais. Todavia, cada sociedade e cada cultura regula os comportamentos de índole sexual segundo a moral, os costumes e a lei civil (López & Fuertes, 1999). Por sua vez, Bantman (1997) de uma perspetiva histórica, entende a sexualidade para além do seu caráter de relação humana. Esta flui e progride mediante a cultura e as normas vigentes que se transparecem nas relações sexuais e nas suas práticas. Como por exemplo, a homossexualidade ter sido aceite e adorada antes de ser vista como torpe. Em suma, as alterações a que a sexualidade tem sido sujeita são evidentemente claras e inovadoras (Giddens, 1992).

Para Cortesão, Silva e Torres (1989) a educação sexual e a afetividade estão inquebravelmente unidas. Sampaio (1987) confirma esta ideia e acrescenta que estes dois fenómenos exercem influência na socialização, na construção da personalidade e na aquisição dos valores morais e pessoais. Para o autor, a educação sexual compreende quatro dimensões: a dimensão biológica, a psicológica, a sociológica e a ética. Assim, perspetivamos que a sexualidade mais do que uma condição biológica determinante da sexualidade do indivíduo, ela é social.

A dimensão psicológica, contribui para a educação afetiva e para a construção da sexualidade, facilita o desenvolvimento harmonioso do indivíduo e leva à felicidade pessoal. A dimensão sociológica, incorpora a sexualidade enquanto característica determinada e moldada pelo processo de socialização. Assim, o que pensamos, fantasiamos e fazemos a nível sexual, resulta das aprendizagens, interações e reflexões, sendo estas influenciadas pelos costumes, moral e leis. A dimensão ética, encontra-se por um lado relacionada com as decisões pessoais sobre as relações com os outros, e por outro, com a construção de um conjunto de valores pessoais e morais, na forma como o indivíduo vive e compreende a sua sexualidade (Sampaio, 1987 como citado por Nelas, 2010, p. 69).

O corpo humano é também significativo na busca incessante de prazer, romantismo e sensações quando nos referimos à sexualidade entre os/as jovens. O corpo é objeto de desejabilidade sexual e social. Estes tipos de desejo são representativos para as suas relações, pois frequentemente impulsionam e/ou justificam um primeiro contacto/interesse. Desta forma, o aparecimento deste desejo para além de se definir como biológico tem inclusive uma conotação social, fruto de uma interação do sujeito com a sociedade que cria e define padrões regidos pelos grupos socialmente dominantes. Segundo Le Breton (2006), o corpo é relevante na relação entre o indivíduo e a sociedade através do meio cultural e

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13 social que incorpora. Assim, desta união provêm sentimentos, construções de aparências, gestos e interações.

Durante a adolescência ocorre a maturidade física, hormonal e do raciocínio lógico (lógico-dedutivo) (Couto, 2012). A nível sócio emocional, nos primeiros anos da adolescência, o ser humano é sujeito a grandes alterações relacionadas com a puberdade (hormonas) que origina um aumento de busca de sensações, procura de recompensas e ativação emocional. Entre os sistemas emocional e cognitivo, existem diferentes ritmos de maturação biológica: há uma grande sensibilidade ao social e uma ativação do sistema emocional mas, contrariamente, uma imaturidade a nível cognitivo- diferenciar o bem e o mal (Steinberg, 2009).

Para Kohlberg (n.d., como citado por Papalia, Olds & Feldman, 2011), os jovens a partir dos dez anos de idade, posicionam-se segundo uma moralidade convencional, isto é, interiorizam padrões manifestados por uma figura de referência, nomeadamente, uma figura de autoridade, em que para si, o significado do conceito bom, manifesta-se através de tentativas de agrado para com o outro.

O período da adolescência é favorável a enganos a nível cognitivo que se podem refletir na exibição de comportamentos de risco. É, inclusive, um período em que procuram excessivamente sensações e novidades (Steinberg, 2009).

A nível cognitivo, os/as adolescentes estão, suficientemente, aptos para tomar decisões coerentes e lógicas, porém o seu sistema límbico está vocacionado para que as suas recompensas sejam quase imediatas, o que pode ocasionar decisões precipitadas (Steinberg, 2009).

Em suma, conseguimos compreender que, de forma global, o meio social que envolve o ser humano exerce influência sobre as suas construções sociais. É um facto, que a Lei Portuguesa tem vindo a reconhecer alguns direitos dos indivíduos homossexuais, nomeadamente, através do casamento civil (Lei n.º 9/2010 de 31 de Maio) e a adoção por casais do mesmo sexo (co-adoção) (Lei n.º 278/XII de 2013). Contudo, ainda são visíveis as vulnerabilidades associadas a este grupo, como iremos ver posteriormente.

1. Questões da Orientação Sexual

“O processo de construção da identidade é um processo de auto classificação no qual o indivíduo reconhece e aplica um rótulo” (Mondimore, 1998 como citado por Pereira & Leal,

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14 2005, p.315). Existem perspetivas distintas e diversas expectativas sobre a identificação dos indivíduos. Neste decurso, o coming out [diminutivo da expressão “coming out of the

closet”/“sair do armário”, que traduz o reconhecimento por parte de um gay ou uma lésbica

da sua identidade sexual (Frazão & Rosário, 2012)] é um fator fundamental porque incluí uma união de alterações a nível intra e interpessoal, que proporcionam a descoberta da identidade sexual (Davies, 1996). Shively & DeCecco (1977, 1993) compreendem que a identidade sexual deve abranger quatro diferentes elementos: o sexo (genético/biológico), a orientação sexual, a identidade de género, e os papéis sociais de género.

A orientação sexual diz respeito ao envolvimento emocional, amoroso e/ou atração sexual por homens, mulheres ou por ambos os sexos. Refere -se ao indivíduo como alguém que tem uma identidade pessoal e social com base nas suas atrações, manifestando determinados comportamentos e aderindo a uma comunidade de pessoas que compartilham da mesma orientação sexual (APA, 2008). Apesar de os indivíduos terem uma determinada orientação sexual, não quer dizer que a manifestem em atos (Nogueira et al., 2010).

Globalmente, a orientação sexual é categorizada em três dimensões: heterossexualidade, bissexualidade e homossexualidade. Por heterossexualidade entende -se a atração sexual e/ou envolvimento emocional ou amoroso de pessoas de sexos opostos. Já, a bissexualidade consiste na atracão sexual e/ou envolvimento emocional ou amoroso por pessoas de ambos os sexos. E por último, a homossexualidade é a atracão sexual e/ou envolvimento emocional ou amoroso por pessoas do mesmo sexo (APA, 2008).

Por identidade de género entende -se o “sentido subjetivo do self em indivíduos como sendo masculino ou feminino” (p.20), relacionando -se com os papéis de género, ou seja, todas as normas comportamentais e aparências adotadas pelo indivíduo e que lhe são atribuídas pelos demais, são estereotipadas segundo o género (Appleby & Anatas, 1998 como citado por Nogueira et al., 2010).

1.1. Diversidade Sexual

Nos anos 80, a perspetiva queer, com ligação direta ao pensamento foucaultiano (análise organizacional), ocorre nos Estados Unidos da América, proveniente de um contexto social marcado pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH).

Segundo a OMS (2003), o impacto do VIH na generalidade foi imenso. Com a exposição da homossexualidade, os comportamentos sexuais e as identidades homossexuais ganharam visibilidade. Neste momento dá-se o despoletar de publicações sobre os estudos

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15 LGBTI e do feminismo que começa novamente a manifestar interesse em pensar as sexualidades de outra forma (Cascais, 2004).

Inicialmente, o termo queer associava-se ao conceito de insulto, mas também se idealizava como estranho, esquisito (Butler, 1993). Houve necessidade de mudar esta perceção que ficava associada aos indivíduos a quem se dirigia. Este processo coloca em causa que o conceito queer passe a ser utilizado como designação, criticando as noções e as ideologias agregadas à identidade (Oliveira, Pinto, Pena & Costa, 2009). As propostas queer (Clarke & Peel, 2009) rejeitam a identidade como um termo fixo e resistem à imposição da heterossexualidade como norma social (Butler, 1993). Assim, a noção de queer move-se no sentido de se opor à normatividade, permitindo agrupar os indivíduos com orientações sexuais ou identidade de género não-normativas e os heterossexuais que contrariam as normas de género e sexualidade (Clarke & Peel, 2009).

Para Butler a performance do género como atos reiterados que permitem constituir um sujeito através das suas próprias atitudes de acordo com as normas de género e da heterossexualidade são uma das bases da teoria queer (Oliveira, Pinto, Pena & Costa, 2009).

A teoria queer contraria as normas de género e objetiva romper os limites impostos pelas identidades normativas e contrariar a ideologia da diferenciação sexual como forma de organização da sociedade. Para Preciado (2003 como citado por Nogueira et al., 2010), esta perspetiva tem como consequência a abolição do pensamento da diferença sexual como base para uma organização social. Desta forma, a autora manifesta uma atenção particular relativamente aos cidadãos que não são organizados a partir da identidade pré-existente mas segundo padrões de identidade diferentes.

O trabalho de Sedgwick (1990) foi da mesma forma importante para a teoria queer devido à sua proposta de leitura dos estudos gays e lésbicos. Assim, reconhece um eixo centrado no género, baseado numa perspetiva essencialista em que na diferenciação sexual dividem gays e lésbicas pelo género, aproximando-os de outros homens e outras mulheres, respetivamente. A inversão sexual é um outro componente destes eixos, que encontra características comuns entre gays e lésbicas ou entre gays e mulheres.

No eixo da sexualidade, agrupam-se os indivíduos por identidades sexuais, nomeadamente: lésbicas, gays, bissexuais, etc. Relativamente à sua integração, “a continuidade entre estes grupos é afirmada ou a bissexualidade psíquica universal é utilizada” (Nogueira et al., 2010, p.36).

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16 Assim, as perspetivas queer podem ser vistas como inversão sexual e como integradoras em termos de sexualidade (Sedgwick, 1990).

Já Connell (1987) descreveu o conceito de masculinidade hegemónica “que pode variar nas suas formas de expressão, com os contextos sociais e históricos, mas que se carateriza por ser construída em oposição à feminilidade e outras formas de masculinidade subordinada” (Connell, 1987 como citado por Saavedra, 2004, p.106). Este modelo de masculinidade traduz-se pelo caráter dominante em âmbito institucional dos homens relativamente às mulheres (Connell, 1987) e do sexo masculino em geral (Connell, 1995). Esta dominância pode ou não ser manifestada nos relacionamentos interpessoais, porém está certamente expressa na religião, no emprego e nos diferentes meios de comunicação. “A hegemonia masculina carateriza-se pelo repúdio e ridicularização da feminilidade, por uma emocionalidade restrita e/ou contida, pela procura de sucesso e estatuto, pela autoconfiança, agressividade e homofobia” (McLean, 1995, Gilbert & Gilbert, 1998 como citado por Saavedra, 2004, p. 107).

Para além da dominância exercida pelo sexo masculino sobre o sexo feminino o mesmo ocorre dentro das relações entre os homens. São assim criadas “identidades masculinas” (Saavedra, 2004) dentro do próprio grupo, a que Connell (1995) definiu como masculinidade subordinada, masculinidade cúmplice e masculinidade marginalizada. A masculinidade subordinada refere-se às relações criadas entre os vários indivíduos do sexo masculino face à orientação sexual, isto é, a dominância da heterossexualidade masculina relativamente à homossexualidade. Este fenómeno é expresso pelo estigma cultural subjacente mas também através de práticas de violência, discriminação e exclusão de forma legal, social, política e económica. Por sua vez, a masculinidade cúmplice é a que compreende um número superior de homens. Este tipo de masculinidade carateriza-se pela beneficiação retirada pelo sexo masculino da subjugação das mulheres. Por fim, a masculinidade marginalizada define-se pelo cruzamento da “categoria de género” com as “categorias de classe e etnicidade/raça” (Saavedra, 2004), ou seja, de forma geral, ao homem branco é atribuída uma posição hegemónica, contrariamente à posição subordinada ocupada por uma pessoa negra do sexo masculina.

Outro trabalho importante é de Halberstam (1998) sobre as propostas críticas relativamente ao estudo das masculinidades, evidenciando a sua heterossexualidade e a forma como avaliaram o sexo e o género, através de estudos da masculinidade em exclusivo no sexo masculino. A autora nesta obra irá analisar a masculinidade das mulheres através de uma perspetiva que possibilita o surgimento da teoria trans e em que a masculinidade coloca à

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17 margem os indivíduos do sexo feminino para manter a masculinidade como privilégio dos homens.

Estas conceções estão presentes na obra de Preciado (2008) e problematizam a perceção de género e a forma como este conceito se revela a partir das construções dos sujeitos inseridos num meio social que os vê como sujeitos sexuados. Esta problemática também foi abordada por Kessler (1998 como citado por Nogueira et al., 2010) através das alterações médicas em indivíduos intersexo, mais assentes em critérios estéticos e culturais. A teoria trans tem vido a questionar estes critérios médicos (Chase, 2006) mas também a argumentação sobre os indivíduos transsexuais como sujeitos num “corpo errado” (Stone, 2006).

A teoria queer e a teoria trans cruzam-se na produção de discursos contra a heterossexualidade como norma e o dimorfismo de género como forma única de integração (Butler, 2004).

Esta contrariedade movida pela teoria queer foi possível através de diversos enquadramentos e promoveu uma integração conveniente dos conceitos. Apesar destas vantagens, a teoria suporta alguns riscos (Clarke & Peel, 2009): falta de barreiras fixas para uma ideologia que ainda é partilhada por uma quantidade significativa de indivíduos e a associação do conceito queer à vivência por parte de um indivíduo branco, do sexo masculino, de classe média e homossexual, ignorando as restantes categorias. Ainda é fixada alguma discordância relativamente “às possibilidades de usos políticos da categoria

queer, que deixa de ter um sujeito identificável e uma agenda política como a que se ocupa

dos direitos LGBTI” (Nogueira et al., 2010, p.37).

Em suma, o facto de contrariarem a ideologia de uma identidade fixa, possibilitarem o conhecimento e realçarem as diversas identidades não normativas, tornam estas teorias pertinentes como forma de produzirem uma psicologia crítica que dá relevo a outros padrões que não apenas os normativos estipulados pela sociedade. Uma teoria feminista

queer poderá dar resposta a novos espaços de intervenção, para além dos já existentes,

em relação à comunidade LGBTI (Oliveira, Pinto, Pena & Costa, 2009).

2. O significado de ser e não ser homossexual na sociedade atual

A sexualidade heterossexual é determinada através de papéis de género, em que ao sexo masculino ocupa uma posição de desempenho e atividade e, por sua vez, ao sexo feminino lhe é atribuída uma atitude passiva e de não desempenho. Como tal, a homossexualidade masculina também tem um duplo significado, ou seja, entre os que desempenham um

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18 papel dominante na relação através da possessão do parceiro e do desempenho de uma posição ativa na relação e os que se deixam usar, isto é, que ocupam uma posição passiva na relação. Neste âmbito, os homossexuais que desempenham um papel passivo são designados, pelos/as jovens, de gays (Vieira,2009).

Os gays são caraterizados como efeminados, isto é, detentores de caraterísticas físicas ou sociais associados tradicionalmente ao sexo feminino, o que é observado de forma negativa pelos/as jovens e que revela o estigma que dá razão à rejeição face à homossexualidade masculina (Vieira, 2009).

É evidente uma repulsa relativamente às práticas homossexuais masculinas, manifestada por expressões como “nojo” (Vieira, 2009, p.242).

Segundo a perspetiva da heteronormatividade, a homossexualidade é representada como anormalidade (Weeks, 1989). Está aqui presente o conceito de desvio baseado nas conceções morais da sociedade e que reforçam a distinção entre normal e patológico. Biologicamente, os jovens através dos seus discursos demonstram que a homossexualidade é uma condição de nascença, “estabelecendo uma ligação com conceções tradicionais, assentes em teorias que no passado identificavam a existência de uma correlação entre as hormonas sexuais, a diferenciação sexual, as diferenças de personalidade entre os sexos e o comportamento sexual” (Vieira, 2009, p.244).

Relativamente à identidade sexual é mencionada a influência da socialização e dos seus condicionantes culturais que formam e modelam o indivíduo. Desta forma e segundo os discursos destes/as jovens, a sociedade cria limites e etiquetas sociais e determina percursos de forma a preservar a heterossexualidade.

Na sua argumentação, os/as jovens transmitem uma mistura de vivências em que por um lado transmitem conceções modernas relativamente à temática, mas por outro lado, persistem as representações e valores provenientes do passado (Vieira, 2009).

Uma constatação principal e significativa é a de que a heterossexualidade e a homossexualidade são demarcadas por um espaço definido entre o “nós” e o “eles”. Notoriamente, o indivíduo ou é hétero ou é homo, ou seja, para além de os homossexuais serem os “outros”, as pessoas que tiveram práticas homossexuais passam a ser caracterizadas igualmente como homossexuais. Nesta perceção está subentendida a rejeição a homossexualidade que é entendida como transgressão (Vieira, 2009).

Através da análise dos discursos dos/as jovens, no estudo de Vieira (2009) sobre Sexualidades Juvenis, é notória a influência da heteronormatividade nas suas atitudes e

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19 representações sociais relativamente à homossexualidade. Adotando uma perspetiva biológica, os géneros são diferentes e completam-se. Assim, a homossexualidade é contrária à norma, à natureza. Apesar de ser descrita como desviante, estes/as jovens justificam que na base da sua opinião relativamente às questões de orientação sexual estão características sociais e culturais. Uma vez mais citando o biológico, a homossexualidade é vista como algo que nasce com um indivíduo e não propriamente uma escolha. “Os discursos enredam-se, dando a ver a dificuldade de lidar com a novidade das imagens que a sociedade moderna vem expondo nesta matéria” (Vieira, 2009, p.273). O tabu e o estigma são claros nos seus discursos, mas é aos progenitores que atribuem as atitudes de exclusão. Consideram que aceitam a homossexualidade, como por exemplo, tendo amigos/as homossexuais e conversando com eles/as natural e publicamente. Mas esta aceitação parece ter um fundamento racional (a nível da razão) e teórico (a nível do conhecimento) e não a nível das suas atitudes. São tolerantes à homossexualidade, pois continuam a vê-los/as como “diferentes”. A tolerância contém na sua origem desigualdade, visto que compõe categorias de poder, em que é menos patente onde se localiza o preconceito (Moita, 2001)

O conceito de identidade homossexual é aceite, todavia não é aceite a sua prática ou a sua visibilidade. O indivíduo pode ser homossexual mas desde que não o demonstre publicamente. Na atualidade, a exposição da sexualidade em ambiente familiar ainda é ocultada (Vieira, 2009).

Relativamente ao estigma está sempre agregado o medo do contacto com a diferença (Devereux, 1977). Por um lado, é inaceitável o desejo de ter uma experiência homossexual. Caso esta experiência ocorra, é fixada a identidade homossexual como permanente. Por outro lado, é com o receio do “contágio” que se rejeita a experiência. “A relação homossexual é idealizada - dá mais prazer, contem mais fidelidade, envolve mais amor – no que parece representar uma fuga das dificuldades derivadas da obrigação social do relacionamento entre indivíduos/identidades individuais, substituindo-o pela identificação com um outro igual a mim” (Vieira, 2009, p.274).

Por fim, importa enfatizar que a homossexualidade mais significativa é a masculina, pois coloca em causa a masculinidade, o domínio e o vigor do homem segundo as normas heterossexuais. Por sua vez, a homossexualidade feminina é abordada mas os discursos apenas incidem sobre elas quando afirmam a aceitação das práticas homossexuais femininas.

Em suma, na sociedade atual, distingue significativamente a homo e a heterossexualidade. Um verdadeiro heterossexual é o indivíduo que vai de encontro às expectativas de género

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20 (masculinas e femininas) criadas pela sociedade que integra. Por sua vez, o homossexual é um indivíduo cujas escolhas sexuais são contrárias ao que é determinado pela natureza e por isso, vistas como erradas.

3. Homofobia

O termo homofobia foi utilizado pela primeira vez, em 1971, por Kenneth Smith, mas, habitualmente o termo é atribuído ao psicólogo clínico George Weinberg (Hegarty & Massey, 2007). Weinberg (1972 como citado por Hegarty & Massey, 2007) definia a homofobia como uma espécie de medo irracional ou receio de partilhar o mesmo espaço com homossexuais.

Gregory Lehne (como citado por Moita, 2006) e Morrow (2006) definem o conceito como medo irracional em relação à homossexualidade.

Para Carneiro (2009) define-se como uma atitude negativa face aos homossexuais. Alguns autores referem que o termo pode também indicar preconceitos anti homossexuais e caracterizar emoções, atitudes e comportamentos negativos em relação a pessoas LGBTI (Ritter & Terndrup, 2002).

O termo homofobia tem vindo a ser progressivamente substituído pela noção de heterossexismo (Fish, 2006).

Segundo Borrillo (2010) a homofobia pode ser descrita por ações discriminatórias perpetradas contra homossexuais. Contudo, o conceito é mais profundo e constituí uma violência que pode assumir dois sentidos: o sentido físico, que atinge diretamente a integridade física do indivíduo, que em casos mais graves pode originar o homicídio; e o não físico, que se configura como uma espécie de violência simbólica, composta por exemplo, por tratamento diferenciado e impedimento na participação em instituições. Desta forma, o termo homofobia poderá ser perspetivado a partir de duas dimensões: uma dimensão pessoal manifestada através da rejeição dos homossexuais; e uma dimensão cultural, na qual se repudia a homossexualidade como fenómeno social (Borrillo, 2010). Nos trabalhos dos autores Carrara & Vianna (2004, 2006), Ramos (2010), Carrara & Ramos (2005), Carrara, Ramos & Caetano (2003) e Carrara et al. (2006, como citados por Freire & Cardinali, 2012), é visível como a homofobia é um fenómeno amplo e presente, de diferentes formas, em esferas individuais e institucionais. Estes autores apontam inclusive a ligação da discriminação homofóbica com outros marcadores sociais, como o género, a identidade sexual, a geração, a classe e a raça/cor. Em específico, Ramos &

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21 Carrara (2006, como citado por Freire & Cardinali, 2012) verificam que a violência atinge de forma mais grave os indivíduos cuja homossexualidade é mais evidente e os que conjugam diversos estigmas, principalmente os travestis.

Para Rios (2007 como citado por Freire & Cardinali, 2012), a homofobia traduz-se por uma discriminação injusta, porque ofende constantemente os direitos dos indivíduos homossexuais. Segundo Vecchiatti (2011) e Rios (2007), o preconceito é um julgamento que acontece no interior do indivíduo e a discriminação é a sua manifestação através de comportamentos que repercutem um tratamento diferenciado (Freire & Cardinali, 2012) relativamente a outra pessoa. Por sua vez, Piovesan (2009) com base nas Convenções das Nações Unidas, definiu o conceito de discriminação como “toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e liberdades fundamentais, nos campos político, económico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo” (p.187). Assim sendo, a discriminação é sinónimo de desigualdade (Piovesan, 2009).

Por sua vez, para Pocahy (2007) a homofobia refere-se a todas as formas de desqualificação e violência dirigidas aos indivíduos que não correspondem ao ideal normativo de sexualidade, a heterossexualidade.

Segundo o estudo “Rompendo o Silêncio”, que teve como objetivo consolidar estudos e intervir no âmbito dos direitos humanos, sobretudo em relação às violações heterossexistas e homofóbicas, a homofobia é definida como um preconceito que pode originar discriminação (Rios, 2007b).

Dentro do mesmo estudo, Rios (2007) define a homofobia como modo de preconceito e de discriminação dirigida aos homossexuais.

Relativamente às atitudes anti homossexuais, o preconceito anti homossexual, é o que manifesta maior relevância. Este conceito já foi definido como ansiedade pessoal (Miham, San Miguel & Kellog, 1976), como culpa sexual (Dunbar, Brown & Amoroso, 1973) e como medo e recusa das tendências homossexuais individuais (Mosher & O’Grady, 1979). Hegarty & Massey (2007) questionam esta perspetiva, evidenciando que não apresenta uma definição única, servindo para medir coisas distintas, mas designadas pelo mesmo nome.

Outro conceito importante é a homofobia internalizada. Foi definido por Meyer e Dean (1998) como a interiorização das atitudes sociais e negativas levando à desvalorização de si mesmo, como por exemplo a sua autoimagem, originando conflitos internos. Pereira &

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22 Leal (2002) referem-se à homofobia internalizada como um fenómeno cultural, levando a que os sujeitos tenham receio da sua própria homossexualidade. Leva inclusive, este grupo de indivíduos a interiorizarem valores negativos face à sua homossexualidade, antes de percecionarem a sua própria orientação sexual.

Para Mondimore (1998) a consequência mais grave da interiorização de ideologias homofóbicas é o sentimento de vergonha por se ser identificado como homossexual. O modelo da homofobia tem vindo a ser criticado por autoras como Célia Kitzinger (1987), por diminuir um fenómeno discriminatório de âmbito social a um fenómeno individual. Pensar a homofobia como uma patologia implica concetualizar o preconceito como uma característica que poderá ser individualmente alterada e não como um fenómeno social que necessita de mudança social.

Da mesma forma, Kitzinger (1987) nota igualmente a importância da reflexão e análise de conceitos como a homofobia internalizada, no sentido em que há risco que o preconceito passe a constituir uma característica ou traço individual, ignorando atitudes homofóbicas como reflexo do preconceito das camadas sociais e culturais da sociedade (Clarke et al., 2010), vindo a reproduzir-se em discursos em que apenas a heterossexualidade é vista como expressão natural, normal e saudável da sexualidade humana.

“Esta linha de pesquisa desenvolveu igualmente conceitos como a bifobia, a lesbofobia e a transfobia, aplicados a grupos alvo que não apenas os homossexuais masculinos” (Clarke et al., 2010 como citado por Nogueira et al., 2010).

Homofobia em contexto escolar

Recentemente, um relatório relativo à homofobia e transfobia em ambiente escolar (Rede ex aequo, 2010), demonstra o ambiente hostil vivenciado pelos/as jovens nas escolas. Para o efeito, foi desenhado um formulário online que pretendia dar voz e sinalizar todas as situações de discriminação, independentemente do seu cariz referentes às temáticas da orientação sexual e identidade de género que tenham ocorrido em escolas portuguesas. O formulário incluía ainda ocorrências derivadas de informação preconceituosa, incorreta e que colocasse em causa os direitos e a dignidades das pessoas LGBTI em âmbito escolar. Os resultados alcançados eram de jovens, a partir dos 15 anos e adultos até aos 30/40 anos de idade, na sua maioria alunos/as, mas também funcionários/as e professores/as. A maioria dos/as participantes afirma já ter sofrido ou observado episódios homofóbicos, sendo a agressão algo presente no quotidiano de muitos/as jovens. Um grande número

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23 destes/as alunos/as é alvo de discriminação por parte dos/as seus/suas colegas heterossexuais, mas também homossexuais ou bissexuais que adotam posturas homofóbicas para esconder a sua orientação sexual. Importa também referir que quase a totalidade dos/as participantes, referiu a negação por parte do sistema de ensino português em incluir a orientação sexual e a identidade de género como conteúdos curriculares (Rede ex aequo, 2010).

Segundo os resultados obtidos através do relatório, os autores verificaram que a discriminação em função da orientação sexual e/ou identidade de género está patente nas escolas portuguesas. Ainda de acordo com os autores, a homofobia e a transfobia têm por base conteúdos que revelam uma ausência de rigor científico e objetividade (Carvalho, 2012) e refletem o silêncio e a falta de debates eficazes sobre o tema. Neste âmbito de negação e de silêncio relativamente às orientações sexuais, à dor e à conotação pecaminosa, perversa e criminosa, gerados pela homofobia, torna-se importante repensar o papel da escola enquanto instituição que se propõe a desenvolver uma consciência cívica no que se refere à temática dos direitos humanos (Carvalho, 2012).

Nos dias de hoje, a temática da orientação sexual e/ou identidade de género ainda é um tabu (Vieira, 2009). A sexualidade com os/as jovens surge frequentemente abordada de forma formal, seja através de ações em contexto escolar e/ou médico. Neste contexto, é dada uma conotação mais científica, através da advertência para uma relação sexual segura, com o uso de métodos contracetivos femininos e masculinos, ficando por refletir práticas de afetividade e todo um conjunto de outros significados que fazem parte da sexualidade, de uma maneira geral, e necessariamente dos e das jovens. Tal como sugere Vieira (2009) no seu estudo sobre Sexualidades Juvenis, temas como, por exemplo, o amor, os modelos relacionamento, o desejo, a primeira relação sexual e o prazer são frequentemente evitados ou pouco verbalizados, quer pelos pais e mães, quer pela comunidade escolar.

Para a escola, estas crianças e jovens não têm qualquer conhecimento na área da sexualidade e como tal reprime a sua vivência durante o percurso escolar. A sexualidade é abordada como algo que deve ser vivenciado na vida adulta, fazendo uma ligação direta com a família e a reprodução. As práticas sexuais que não visam a reprodução são vistas com receio e medo. Assim, a sexualidade associada ao prazer e ao desejo é substituída pela prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e pelos comportamentos de risco (Louro, 2000a).

Neste contexto, os indivíduos homossexuais ficam excluídos da temática. Não se considera a possibilidade de haver relações sexuais e de afeto entre jovens do mesmo sexo e, ainda

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24 menos, a existência de famílias constituídas por gays e/ou lésbicas. A homossexualidade é negada mas simultaneamente vigiada, pois a instituição escolar empenha-se na formação de homens e mulheres segundo os papéis e expectativas de género associadas (Louro, 2000a).

A comunidade jovem LGBTI sofre a cruel realidade da homofobia e da transfobia (Carvalho,

2012). Todavia, muitos/as outros/as jovens experienciam comportamentos

homofóbicos/transfóbicos, baseados em falsos estereótipos e preconceitos

infundamentados (Rede ex aequo, 2010; Rede ex aequo, 2009; Lionço & Diniz, 2009 como citados por Carvalho, 2012).

A homossexualidade em meio escolar continua a ser vista como um discurso médico e psicológico, em que é preciso reconduzir, curar ou reorientar estes indivíduos (Louro, 2000a). Aos indivíduos não heterossexuais restam como alternativas o silêncio, o fingimento ou o isolamento. Assim, a visibilidade que terão irá ser através de piadas, humilhação, insultos e violência (Nardi, 2008).

A religião tem um grande poder sobre o comportamento humano, nomeadamente, sobre a sexualidade. No discurso da igreja, embora se difunda a ideia de aceitação das pessoas homossexuais, as suas práticas são caraterizadas como pecaminosas e contrárias à ideologia divina defendida pela instituição (Giumbelli, 2005). Esta conceção de pecado teve influência na construção das normas relativas à conduta do comportamento do ser humano. Contudo, apesar das mudanças ao longo do tempo, ainda é uma temática em disputa (Torres, Beserra & Barroso, 2007).

O medo de serem “contagiados” torna difícil demonstrar simpatia para com os sujeitos homossexuais, originando a que uma aproximação possa ser vista como uma adesão às práticas (Louro, 2000b). O receio do contágio atribuído à homossexualidade, baseado numa proximidade relacional, possivelmente, interpretada como intimista, justifica que se crie um distanciamento com as pessoas homossexuais (Vieira, 2009). Este medo do convívio com a diferença, que estigmatiza a homossexualidade, tem uma interpretação ambígua (Devereux, 1977). Primeiramente, é perspetivado como inaceitável o desejo de um envolvimento/experiência de cariz homossexual. Uma vez vivenciada é atribuída, de forma permanente, uma “identidade homossexual” ao indivíduo. Por sua vez, surge também associado ao medo de contágio, o medo do desejo que justificam a “não-experiência”. Esta apreensão face a esta conjugação de medos, traduz-se pelo receio/crença de que é certo gostarem do envolvimento homossexual após experimentado. A relação homossexual é pensada como mais prazerosa, fiel, mais intensa e socialmente

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25 mais simplista e em termos relacionais por ser entre indivíduos do mesmo sexo (Vieira, 2009).

Assim, a escola caracteriza-se como um local de opressão, discriminação, preconceito e violência face aos indivíduos LGBTI que interiorizam de diferentes formas a homofobia como a negação, a auto culpabilização e a autoaversão (Junqueira, 2009). Por outro lado, a comunidade homossexual é perspetivada como uma minoria e como tal, as suas questões apenas são tratadas pela escola caso se tornem um problema visível (Felipe & Bello, 2009). Consequentemente, os/as jovens são afetados de forma negativa em relação à sua orientação sexual pois concluem que deve ser recusada pelos mesmos ou disfarçada (Carvalho, 2012).

A investigação de Walters e Hayes (1998) revela que são poucas as escolas que capacitam os seus profissionais para auxiliar nas necessidades sociais e intervir nas perseguições contra os estudantes LGBTI. A formação adequada dos profissionais que trabalham com indivíduos LGBTI, pode resultar num ambiente mais acolhedor e de apoio para estes/as jovens.

Estudos de Robinson e Ferfolja (2008) evidenciam o impacto significativo dos/as docentes, através das suas perceções e práticas, na perpetuação e na modificação da homofobia e do heterossexismo nas escolas. Na verdade, a escola pretende que os/as alunos/as reflitam e compreendam as implicações éticas, políticas e sociais agregadas aos processos discriminatórios e a construção da sua própria opinião. Estas questões não são apenas relevantes para uma minoria de alunos/as e professores/as não-heterossexuais. A heteronormatividade, imposta na aprendizagem, limita a forma como todos os indivíduos realizam as escolhas sexuais e de género (Sedgwick, 1990 como citado por Robinson & Ferfolja, 2008).

O uso de alcunhas, brincadeiras e o bullying baseado na não-aceitação de práticas sexuais e identidades por confrontarem as crenças de género, devem ser combatidas pelos diretores, professores, psicólogos escolares, associações de pais e de estudantes para promoverem um ambiente escolar positivo para todos os/as estudantes (Tharinger, 2008). As instituições escolares podem garantir ambientes seguros e saudáveis para todos os indivíduos que não correspondem aos padrões sexuais e de género impostos pela sociedade. Para tal, “a escola deve assumir como questões centrais, da sua prática social e pedagógica, o combate à homofobia, o respeito, o convívio com a diferença e a asserção da ideia de que todos/as temos direitos e que, como tal, precisamos de ser respeitados pela nossa individualidade, mas isto requer, primeiro que tudo, que na escola a diversidade

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26 seja considerada, além de um direito, um fator de estímulo e enriquecimento” (Carvalho, 2012, p.14).

4. Teorias explicativas da discriminação em função da orientação sexual

Apesar de parecer que existe uma maior tolerância da população heterossexual relativamente aos direitos da população LGBTI (Poeschl, Venâncio & Costa, 2012), as comunidades LGBTI continuam a ser discriminadas, sendo-lhes negado o acesso a direitos e instituições (

Nogueira et al., 2010

), sobretudo quando não assumem um comportamento correspondente ao papel social de género associado ao sexo biológico e não se encaixam em relações duráveis, estáveis, românticas e de, com um/a só parceiro/a e de envolvimento afetivo (Clarke, Ellis, Peel & Riggs, 2010 como citados por Melo & Pelixo, 2013).

Nas sociedades ocidentais contemporâneas, os preconceitos relativamente às pessoas LGBTI têm vindo a alterar-se, pois a discriminação é sancionada pela consciência e pelos valores sociopolíticos. No entanto, o preconceito em função dos indivíduos não heterossexuais não diminuiu (Massey, 2009; Sue, 2010).

Enquanto as manifestações mais tradicionais de preconceito são explícitas, moralistas e conceptualizam-no como um pecado ou perversão (Costa et al., 2010; Massey, 2009; Poeschl, Venâncio & Costa, 2012), as manifestações modernas são implícitas e caracterizam-se pela oposição a políticas sociais que promovem a igualdade intergrupal, através da negação do preconceito e da discriminação e pela atribuição de diferenças no tratamento. (Poeschl, Venâncio & Costa, 2012; Whitley & Kite, 2010).

Uma vez que nenhuma pessoa é imune a enviesamentos sociais, e que todos/as estão expostos/as a processos de condicionamento social, aos quais estão associados preconceitos, estereótipos e crenças que não são conscientes, estas pessoas podem defender valores relacionados com a igualdade, mas a nível inconsciente, podem apresentar valores pró-maioria ou anti-minoria (Massey, 2009, Sue, 2010, Whitley & Kite, 2010 como citados por Melo & Pelixo, 2013, p.194).

Segundo a literatura, estes indivíduos são designadas como opressores inconscientes não intencionais (Sue, 2010; Whitley & Kine, 2010).

Por sua vez e contrariamente à homofobia, o heterossexismo é o preconceito em relação a todas as pessoas não heterossexuais (Clarke, Ellis, Peel & Riggs, 2010; Morrow,

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27 2006). Este conceito, poderá ser entendido igualmente como uma teoria explicativa da discriminação em função da orientação sexual.

Contudo, apesar de existirem diversas teorias explicativas, iremos debruçar-nos sobre três teorias, a Teoria da Identidade Social e Categorização Social, a Teoria da Intersecionalidade e a Teoria da Aprendizagem Social, que revelaram ser cruciais na explicação do fenómeno através de uma compreensão dos constructos sociais, responsáveis pela discriminação em função da orientação sexual, tais como, os grupos sociais de pertença e a identidade do indivíduo, o binarismo de género e os fenómenos de opressão que resultam em discriminação e a influência dos meios sociais na conduta, como a família, a escola (grupo de pares) e os media.

Teoria da Identidade Social e Categorização Social

A identidade social pode ser desenvolvida através da resposta que os indivíduos dão à pergunta “quem sou eu?”. Visto que a realidade social é perspetivada através da organização dos sujeitos em grupos ou categorias, será provável que a sua resposta resulte da associação do eu com as várias categorias sociais. A esta associação dá-se o nome de auto categorização social. A identidade proveniente deste processo decorre em função de fatores sócio estruturais, fenómenos de aprendizagem, comunicação e reflexividade. Por sua vez, quando o eu se associa a um grupo ou categoria, é levantada uma nova questão, “o significado de pertencer a um grupo”. Dar resposta a esta pergunta envolve fenómenos de comunicação segundo normas, crenças, símbolos e valores que diferenciam os grupos a que o indivíduo associa ou dissocia à sua auto imagem. Estas normas e valores são fruto da comunicação entre os elementos integrantes de uma determinada categoria social, revelando uma reflexividade grupal (Bourhis & Leyens, 1994, Morales et al., 1994 como citado por Vala, 1997). As normas e os valores fazem parte da organização da auto imagem e das características que definem os membros do grupo endogrupo (grupo ao qual nos identificamos e com quem partilhamos objetivos e normas) e o exogrupo (grupos que se diferem da nossa perspetiva devido, por exemplo, a determinadas características ou ideias), na perceção do meio envolvente e das diferenças dos outros grupos (Bourhis & Leyens, 1994, Morales et al., 1994 como citado por Vala, 1997). Os elementos do grupo edificam e partilham representações socias (estereótipos) do seu grupo e dos outros grupos “mas também representações sociais de objetos ligados às atividades de «locomoção» dos grupos, de que os valores grupais são uma das expressões” (Vala, 1997, p.10).

Quando ocorre conflito intergrupal ou se procura uma diferenciação igualmente intergrupal, uma vez que ocorre uma controvérsia intergrupal relativamente aos valores e atributos do

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28 grupo, estas representações podem ser, particularmente, percecionadas como representações sociais polémicas. As representações emancipadas acontecem em caso de cooperação intergrupal, em que os grupos partilham as representações e significados que fazem sobre si e sobre os grupos que se relacionam (Vala, 1997).

Finalmente, como acontece com qualquer experiência humana, estas atividades de construção de um sentido partilhado ou diferenciado e a experiência de associação do eu a um grupo são acompanhadas de emoções. Conhecimentos e emoções são objeto de julgamentos avaliativos, o que significa que os conhecimentos e emoções construídos no seio dos grupos não são apenas descritivos, mas também avaliativos, ou seja, mobilizam atitudes (Vala, 1997, p.10).

É possível afirmar que existem duas tradições relativamente à concetualização do grupo em psicologia social. Primeiramente, num grupo supõe-se uma dependência mútua entre os seus elementos e estrutura interna através da diferenciação de papéis e estatutos (Deutch, 1949; Sherif, 1966). Na segunda tradição, mais atual, o conceito de grupo aparece agregado ao processo de categorização social (exposição da estrutura social em categorias e grupos) e de auto categorização (representação da localização do eu nas categorias e grupos) (Tajfel, 1972; Turner et al., 1987).

Segundo a perspetiva de Brown (1988), um grupo ocorre quando dois ou mais indivíduos se percecionam como elementos da mesma categoria social e quando é reconhecida a existência dessa categoria pelo menos por um outro elemento exterior à mesma.

Esta definição associa a criação de um grupo a processos sociocognitivos, nomeadamente ao processo de categorização, propõe que um grupo existe apenas em relação a outro grupo e permite abranger no conceito de grupo quer categorias sociais alargadas (categorias socioprofissionais, de género, etnia, nação, etc), quer pequenos grupos (família, grupos de trabalho, etc). A objetivação de um grupo no quadro desta definição é um processo que resulta simultaneamente de fatores internos ao grupo (auto categorização) e de fatores externos ao grupo (hétero categorização). As estruturas grupais, a coesão grupal, as normas e valores distintivos dos grupos, são, nesta perspetiva, consequências da categorização, mais do que antecedentes da categorização (Vala, 1997, p.11).

Foi neste contexto de grupo que se desenvolveram duas teorias sobre a ligação entre a atribuição grupal e as identidades socias: a teoria da identidade social (Tajfel & Turner, 1986) e a teoria da auto categorização (Turner et al., 1987).

Estas teorias apresentam algumas semelhanças. As categorias sociais a que cada indivíduo pensa fazer parte, originam informação sobre ele mesmo. Cada categoria de

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29 pertença equivale a uma proporção da identidade social que define e determina comportamentos, atitudes e características pessoais. As comparações entre o grupo são dirigidas por um fundamento motivacional que pretende afirmar positivamente a identidade social. Porém, um dos aspetos fomentados pela teoria da auto categorização prende-se pelo destaque do enquadramento de uma das diversas dimensões da identidade social. Segundo a teoria, esta saliência é dirigida por fundamentos cognitivos e um fundamento motivacional. Os princípios cognitivos baseiam-se na disponibilidade ou acessibilidade na cognição de uma determinada categoria mas também, o seu ajuste ao contexto. Já o princípio motivacional, acredita que a categoria mais evidente numa determinada circunstância será a que for mais oportuna na determinação do eu nessa situação (Vala, 1997).

Assim, a teoria da identidade social (Tajfel, 1981-83; Tajfel & Turner, 1979), surge da conexão de três conceções, acategorização social, a identidade social e a comparação social (Cabecinhas & Lázaro, 1997).

Para Tajfel (1972) a identidade social está associada ao conhecimento e ao sentimento de pertença a determinados grupos sociais. Neste sentido, o indivíduo determina-se a si e aos outros em função do lugar que ocupa socialmente.

A teoria estabelece ainda que os indivíduos procuram construir uma identidade social positiva através da comparação dos valores sociais dominantes entre o seu grupo e os outros grupos, conduzindo a um favoritismo, isto é, favorecendo o seu grupo de pertença relativamente aos restantes (Brewer, 1979; Tajfel & Turner, 1979).

Segundo esta teoria, quando as pessoas se percecionam como membros de um grupo, sendo este sentimento de pertença relevante no âmbito do relacionamento com outro grupo, são persuadidos a favorecer os elementos do seu grupo, com o intuito de preservar e enrijecer a sua identidade social positiva (Cabecinhas & Lázaro, 1997).

Por sua vez, a categorização social é percebida como um meio que divide em segmentos, atribui valores e estabelece o meio social (Cabecinhas & Lázaro, 1997) e que serve também como um sistema de orientação que auxilia na criação e definição do lugar do indivíduo na sociedade (Tajfel, 1981-83). Assim, os grupos sociais ajudam na construção da identidade social dos seus elementos. A identidade social envolve, maioritariamente, componentes relacionais e comparativas (Cabecinhas & Lázaro, 1997).

Para Bruner (1957), “a categorização constitui um dos processos básicos através dos quais se manifesta a atividade estruturante do participante na perceção” (como citado por Cabecinhas, 2002, p.139). Deste processo de categorização derivaram dois aspetos, o aspeto indutivo da categorização e o aspeto dedutivo da categorização, ou seja, quando

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30 um indivíduo é incentivado por um objeto externo, ocorre uma reação ao elemento, sendo-lhe atribuída uma categoria (aspeto indutivo) e em simultâneo, concedido ao objeto estimulante as características da categoria que lhe foi atribuída pelo organismo estimulado (aspeto dedutivo) (Bruner, 1957 como citado por Cabecinhas, 2002).

A categorização, como um ato, não implica que a cada indivíduo só possa ser atribuída uma categoria. Assim, a categoria a aplicar será a mais acessível, sendo esta última determinada pela aprendizagem e pela motivação do sujeito no momento. Quando mais acessível for a categoria menor será o estímulo necessário para a reproduzir e maior será a dispersão de características desse estímulo que tende a ser proporcionado pela categoria, enquanto que as características que não combinam com a categorização tendem a ser disfarçadas (Bruner, 1957). Para este autor, a categorização daria lugar à simplicidade, organização e previsão de uma sociedade que de outro modo seria complexa.

Segundo Tajfel, a categorização dos objetos, inclusive os grupos sociais, tem por base as semelhanças intracategoriais e as diferenças intercategoriais. A acentuação é um fenómeno que ocorre associado à categorização. Este consiste que o observador evidencie as semelhanças entre os objetos ou os indivíduos que fazem parte da mesma categoria -efeito de assimilação- e as diferenças entre os objetos e/ou os sujeitos que integram categorias diferentes – efeito de contraste. Os efeitos aconteceriam ao mesmo tempo e de forma proporcional sendo intrínsecos a este processo (Cabecinhas, 2002).

Para Tajfel, o efeito da acentuação é visível sempre que a dimensão em causa esteja associada a uma dimensão valorativa. A categorização é um processo cognitivo universal necessário para selecionar e organizar a informação. Por sua vez, aplica-se igualmente a estímulos físicos e sociais e não depende da personalidade nem do grau de informação do indivíduo. Na sua linha de pensamento, existiria uma correlação entre a perceção dos estímulos físicos e os estímulos sociais (Cabecinhas, 2002).

Tajfel (1969) propôs uma nova conceção de diferenciação entre grupos socias, em que a categorização fazia parte de um processo de organização e simplificação da sociedade, sendo mais efetiva quando envolvesse dimensões avaliativas, nomeadamente ao nível classificativo e ao nível descritivo.

Amâncio (1993-2000) refere que a continuidade da categorização e das atribuições valorativas associadas, que são transmitidas pelos valores e pela cultura do grupo de pertença, é possível através do uso de critérios de classificação fixados em pressupostos binários, tais como homem-mulher, branco-negro e pela instrumentalidade dos conteúdos, isto é, através de estereótipos, visto que a identificação da categoria a que o indivíduo

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Tabela 1 - Caracterização da amostra

Referências

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