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Ano 4 (2018), nº 3, 505-557

CONVENIENS. APLICAÇÃO NO PROCESSO DO

TRABALHO BRASILEIRO: UMA VISÃO GERAL

DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Iurii Ricardo Guimarães de Souza

Resumo: Trata-se de trabalho no qual se analisa a aplicação do forum shopping e forum non-conveniens no processo do trabalho brasileiro. Traz-se uma noção da jurisdição e suas características (secundária, instrumental, desinteressada, provocada, inevitável, inafastável e definitiva), além dos fundamentos legais e consti-tucionais do instituto (princípios do juiz natural, devido processo legal, territorialidade, isonomia ou paridade de armas, proteção, contraditório, ampla defesa, imparcialidade, inércia e submissão à coisa julgada). Passa-se pela análise da competência internaci-onal exclusiva e concorrente. Adentra-se ao tema do forum shop-ping e conceitua-se o instituto como a escolha da jurisdição, pelo demandante, dentre diversas competentes. No que tange ao fo-rum non-conveniens traz-se a conceituação como sendo o não conhecimento pelo julgador da ação, ainda que naturalmente competente, sob o fundamento de haver um foro mais conveni-ente para a instrução processual que não aquele. Outrossim, ex-põe-se o Regulamento 1215/12 do Conselho Europeu, Código de Bustamante, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasi-leiro, Código de Processo Civil e as normas processuais existen-tes na Consolidação das Leis do Trabalho. Por fim busca-se o posicionamento do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho e do Superior Tribunal de Justiça. E clausura-se com a conclusão da não aplicação do forum non-conveniens e aplicação do forum shopping no processo do trabalho brasileiro.

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shopping. Forum non-conveniens. Direito processual internac-ional do trabalho brasileiro.

Abstract: This monograph analyzes the application of forum shopping and forum non-conveniens in the procedure of brazil-ian labor law. There is a notion of jurisdiction and its character-istics (secondary, instrumental, disinterested, provoked, inevita-ble, unavoidable and definitive), as well as the legal and consti-tutional foundations of the institute (principles of the natural judge, due process of law, territoriality, isonomy or parity of arms, protection, contradictory, ample defense, impartiality, in-ertia and submission to the res judicata). The analysis of exclu-sive and competing international competence. The topic of fo-rum shopping is introduced and the institute is conceptualized as the choice of the jurisdiction, by the plaintiff, among several competent ones. Regarding forum non-conveniens, the concep-tualization is referred to as not knowing by the judge of the ac-tion, although of course competent, on the grounds that there is a forum more convenient for procedural instruction than that one. In addition, Regulation 1215/12 of the European Council, Code of Bustamante, Law of Introduction to the Norms of the Brazilian Law, Code of Civil Procedure and the procedural norms existent in the Consolidation of Labor Laws are exposed. Finally, the position of the Higher Labor Court (Tribunal Supe-rior do Trabalho – TST) and the SupeSupe-rior Court of Justice (Su-perior Tribunal de Justiça - STJ) is sought. It closes with the conclusion of the non-application of forum non-conveniens and application of forum shopping in the Brazilian labor procedure. Keywords: Jurisdiction. International jurisdiction. Forum shop-ping. Forum non-conveniens. International procedure of brazil-ian labor law.

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INTRODUÇÃO

presente ensaio tem por escopo trazer ao leitor uma noção básica, sem esgotá-la, sobre a aplica-ção do forum shopping e forum non-conveniens no processo do trabalho pelo Poder Judiciário brasi-leiro.

Primeiramente analisa-se o que vem a ser o instituto ju-rídico da jurisdição, etimologia, conceitos de diversos doutrina-dores e conceituação existente em dicionário jurídico. Leva-se em consideração para a conceituação peculiaridades culturais, sociais e econômicas, fatores que influenciam diretamente no modo de intervenção estatal.

Adiciona-se o escopo processual, sociológico, da segu-rança jurídica ou político da jurisdição, não sendo tratada como mera aplicação da lei. Demonstra-se a proibição da manus injec-tio no ordenamento jurídico pátrio, inexistindo, salvo exceções previstas em lei, a possibilidade da justiça privada.

Dentro do capítulo da jurisdição verifica-se e conceitua-se as características da jurisdição como conceitua-sendo conceitua-secundária, ins-trumental, desinteressada, provocada, inevitável, inafastável e definitiva.

Agrega-se, ainda, os fundamentos jurídicos da jurisdi-ção, demonstrando-se a previsão constitucional de cada um, tais como os princípios do juiz natural, due process of law, territori-alidade, isonomia ou paridade de armas, proteção, contraditório e ampla defesa, indeclinabilidade, imparcialidade, inércia e sub-missão à coisa julgada.

A análise da jurisdição, suas características e fundamen-tos jurídicos se faz necessário para o entendimento do objeto principal deste artigo, já que a jurisdição não se confunde com o instituto da competência, como restará demonstrado.

No que tange à competência traz-se a etimologia, concei-tos de doutrinadores e conceito de dicionário jurídico. Ademais

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expõe-se sobre a competência internacional prevista no código de processo civil de 2015, conceituando a competência interna-cional exclusiva e concorrente.

Estuda-se os diferentes instrumentos normativos de pre-visão do instituto da competência, tais como a Constituição Fe-deral, tratados internacionais e normas processuais.

Adentra-se ao instituto jurídico e internacional do forum shopping, respaldando-se na doutrina do direito internacional privado que abarca o direito processual internacional do traba-lho.

Sendo que num primeiro momento o julgador irá analisar se tem competência para o conhecimento da situação, utili-zando-se do método de conflito e do princípio do kompe-tenzkompetenz.

Analisa-se cinco princípios do processo civil internacio-nal que possuem aplicação ao processo do trabalho internaciointernacio-nal que são eles a jurisdição razoável; o acesso à justiça; a não-dis-criminação do litigante; a cooperação interjurisdicional; e circu-lação internacional das decisões estrangeiras.

Demonstra-se as poucas conceituações sobre o forum shopping e sua origem no common law. Além de critérios utili-zados e considerados como exorbitantes para a determinação da jurisdição internacional de um dado estado soberano.

Outrossim, demonstra-se a possibilidade de existência do conflito de jurisdição seja positivo ou negativo e a inexistência de organismos internacionais para a solução de tais conflitos.

Expõe-se de forma bem sucinta sobre a possibilidade da competência internacional concorrente ser considerada numerus clausus ou rol explicativo e o posicionamento do Judiciário a seu respeito.

Traz-se as críticas e elogios da doutrina ao forum shop-ping e a exemplificação de um caso ocorrido no âmbito do Mer-cosul, que possui tratado internacional a respeito.

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utilização do termo do foro mais apropriado. Estuda-se um caso que ocorreu na The House of Lords e sua repercussão na doutrina do common law.

Analisa-se os critérios para a determinação do forum non-conveniens a fim de evitar a denegação de justiça e o surgi-mento do forum necessitatis. Além da diferenciação do forum shopping e foro de eleição.

Ressalta-se a suposta não aplicação do instituto do forum non-conveniens nos países de tradição do civil law já que supos-tamente há uma ligação do julgador à lei civil.

Ademais, expõe-se um regulamento da União Europeia que trata do forum shopping na seara trabalhista, além da possi-bilidade de escolha pelo empregado e não aplicação ao empre-gador.

Verifica-se as diversas normas para a determinação da jurisdição nacional na seara trabalhista, analisando o Código de Bustamante, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasi-leiro, o Código de Processo Civil e as normas processuais da Consolidação das Leis do Trabalho.

Também verifica-se o posicionamento do Egrégio Tribu-nal Superior do Trabalho nas diversas oportunidades que pode analisar o tema da competência internacional concorrente, de-monstrando-se os mais relevantes e atuais julgados.

Já no que tange ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça, estuda-se a possibilidade de reconhecimento da competência concorrente internacional na homologação de diversas sentenças estrangeiras na seara trabalhista.

Por fim, analisa-se na conclusão a possibilidade de apli-cação dos institutos jurídicos escopos deste artigo, baseando-se na exposição trazida no desenvolvimento do trabalho.

JURISDIÇÃO: CONCEITOS E LIMITES.

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dictio que significa basicamente dizer o direito. Trazemos a con-ceituação exposta no dicionário jurídico da Ilustre Diniz (2008), verbis:

Jurisdição.

2. Direito processual. [...] c) poder-dever de aplicação do di-reito objetivo, conferido ao magistrado; d) atividade exercida pelo Estado para aplicação de normas jurídicas ao caso con-creto; [...]; i) poder de dizer o direito1.

Conforme destaca Yarshell2 (2014) há uma dificuldade extrema3 de se determinar o papel desempenhado pelo Estado, em especial no exercício de sua atividade de jurisdição. Não ha-vendo como se equiparar os diversos países sem considerar suas peculiaridades culturais, sociais e econômicas, fatores que influ-enciam diretamente no modo de intervenção estatal.

Se levarmos em conta o conceito tradicional de lide4 chega-se sem muito esforço a conclusão de que o escopo maior do Estado é entregar uma tutela jurisdicional às partes de forma harmoniosa e segura, sendo o que se chama na doutrina de bem da vida. A entrega de tal bem deve ser alcançada através do di-reito subjetivo que é o mecanismo adequado para a prestação jurisdicional.

Greco Filho (2009) trata a jurisdição como sistema de efetivação de direitos, leciona que tal instituto jurídico é próprio de um estado de direito que mantém órgãos distintos e indepen-dentes, desvinculados e livres da vontade dos litigantes, que de-têm o poder de dizer o direito ao caso concreto e forçar as partes litigantes a se submeterem à vontade da lei5.

Outrossim, verifica-se na doutrina, por meio das obras de Chiovenda que a jurisdição era tratada com o objetivo de se con-cretizar os ditames legais, por meio da norma objetiva. Carnelu-tti agrega à visão anterior o fator da jurisdição não ser vista como

1 DINIZ, 2008, p. 26-27. 2 YARSHELL, 2014, p. 141. 3 RODRIGUES, 2010, p. 79.

4 Conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. 5 GRECO FILHO, 2009, p. 31.

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meramente jurídica, adiciona que trata-se de um escopo da justa composição do litígio, considerando aspectos sociológicos e não estritamente processual6.

Bueno (2012) citando os ensinamentos do Ilustre Celso Neves, informa que é importante compreender e desenvolver ao lado da função de “dizer o direito” (“juris-dicção”) uma doutrina que esteja focada aos instrumentos e mecanismos de “satisfazer o direito”. Neste sentido jurisdição não se resume a dizer o di-reito, mas está voltada, também, a realizar, cumprir, executar e satisfazer o direito que tenha sido violado ou ameaçado7.

Cabe agregar que não é dado o exercício pelas partes da justiça com as próprias mãos8, não pode uma parte querer impor à outra, sem intervenção da jurisdição, o seu direito, o que vio-laria ditames do estado de direito e seria o que se chama de ma-nus injectio ou mama-nus militari que se traduz no emprego da força para garantir a proteção de um interesse ou direito9. Salvo casos previstos em lei, a regra é que não se autoriza no estado de di-reito a autotutela por ser a expressão máxima do estado de sel-vageria.

No contexto internacional, jurisdição internacional está jungida à instituição com poderes concedidos pelos Estados parte para atuar na pacificação social dos litígios, ditando deci-sões de cunho definitivo e obrigatório, são os Tribunais Interna-cionais que não são objeto de estudo deste ensaio10.

CARACTERÍSTICAS DA JURISDIÇÃO.

A jurisdição é uma atividade secundária, pois o Estado realiza coercitivamente uma atividade que deveria ter sido pri-mariamente exercida, de modo pacífico e espontâneo, pelos

6 DINAMARCO, 2016, p. 218 – 219. 7 BUENO, 2012, p. 289-290. 8 MARTINS, 2006, p.20. 9 RODRIGUES, 2010, p. 79. 10 TORRES, 2016, p. 87.

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próprios litigantes.

Ademais é instrumental pois serve como meio para o al-cance do direito material (direito objetivo), não cria direitos, não formula normas abstratas.

Deve ser desinteressada e provocada, não podendo o ma-gistrado possuir interesses no julgamento da causa e muito me-nos agir, no primeiro momento, de ofício sob pena de violação do primado ne procedat iudex ex officio11.

A jurisdição é inevitável por que não é exercida pelo modo que desejam ou concordam os litigantes. Há uma relação de autoridade e sujeição entre o Estado e os particulares que bus-cam aquele para pacificação de seus litígios.

Também é inafastável, não havendo razões para que o juiz se negue a sentenciar ou não julgue o caso concreto que lhe é posto, sendo vedado o non liquet.

Outra característica importante da jurisdição é a definiti-vidade. A atividade jurisdicional é a única que possui o caráter de definitiva, tendo em vista que o próprio Estado se submete a tal imperativo. Todos os atos do Estado podem ser revistos pela atividade jurisdicional, sendo a única definitiva, é dotada dos efeitos da coisa julgada, neste sentido não pode ser questionada em nenhuma outra seara, garantindo-se a segurança jurídica do que foi decidido.

FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA JURISDIÇÃO. PRINCÍPIOS DA JURISDIÇÃO.

Por ser um instituto do direito processual que dá base a todo ordenamento jurídico, deve-se buscar os fundamentos constitucionais das suas razões de ser.

Em primeiro lugar deve-se verificar o respeito ao princí-pio do juiz natural, insculpido na Constituição Federal. Somente os juízes e órgãos jurisdicionais podem exercer a jurisdição, não

11 THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 50.

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se podendo atribuir a terceiro ou órgão diferente do qual não te-nha recebido a parcela de jurisdição devida. Neste sentido, o juiz natural deve ser previamente estabelecido por meio de regras do-tadas de objetividade, evitando-se os juízes e tribunais ad hoc. A guarida constitucional está no art. 5º, XXXVII e LIII da CF/88.

Outro princípio de extrema importância é o devido pro-cesso legal cuja previsão encontra-se no art. 5º, LIV da CF/88, tendo sua origem no direito anglo-saxônico, due process of law. Tal princípio é dito, por muitos doutrinadores, como um princí-pio mater dos demais, sendo o nascedouro de diversos outros princípios processuais.

Tal princípio está presente desde a petição inicial, mola propulsora do Judiciário, até o trânsito em julgado do processo com a satisfação do bem da vida (sua efetiva entrega).

A territorialidade, mais um princípio de extrema impor-tância, informa que o magistrado tem a sua autoridade delimi-tada aos limites territoriais de seu Estado, sendo os limites do território da jurisdição do julgador.

Didier Junior (2011) esclarece que não se confunde ter-ritorialidade de jurisdição com o lugar onde a decisão surtirá seus efeitos, verbis:

Não se pode confundir a territorialidade da jurisdição com o lugar onde a decisão irá produzir efeitos. A decisão judicial produzirá efeitos onde tiver de produzi-los: uma decisão brasi-leira pode produzir efeitos no Japão, basta que se tomem as providências para sua homologação em território japonês; um divórcio feito em Salvador produzirá efeitos em todo território nacional, pois o casal divorciado não deixa de sê-lo em Lauro de Freitas, comarca contígua a Salvador, nem mesmo em terri-tório pernambucano, outro Estado da federação; uma decisão que determine que a União tome determinadas providências em aeroportos internacionais produzirá efeitos em todos os aero-portos internacionais do Brasil, e não somente naquele que es-teja no território do juiz prolator da decisão. Enfim, o lugar onde a decisão tem de ser proferida não se confunde com o

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lugar em que ela deve produzir efeitos12. [...]

Destarte, verifica-se que a territorialidade está ligada aos limites da jurisdição que por sua vez tem ligação com o elemento de soberania do Estado. Uma sentença estrangeira que atente contra a soberania, os bons costumes ou a ordem pública não será homologada em território nacional por violar a soberania do Estado brasileiro.

Traz-se, também, o princípio da isonomia dispondo que as partes litigantes devem ser tratadas com a devida isonomia, sendo inadmissível que o magistrado tenda para um dos lados, seja o polo ativo ou passivo. Este preceito deve ser seguindo por-que o juiz deve estar equidistante e não possuir nenhum interesse no litígio que lhe é apresentado.

Tendo em vistas as diversas desigualdades atinentes à re-lação laboral e o poder que reina sobre o empregador, o princípio da proteção está presente nas relações processuais do trabalho, Leite (2009) nos traz o seguinte ensinamento sobre o princípio em questão:

Nas pegadas de Américo Plá Rodriguez, podemos dizer que o princípio da proteção ou tutelar é peculiar ao processo do tra-balho. Ele busca compensar a desigualdade existente na reali-dade socioeconômica com uma desigualreali-dade jurídica em sen-tido oposto13.

Destarte, o princípio da proteção como decorrente do princípio da isonomia encontra respaldo no ordenamento jurí-dico e deve ser aplicado às relações processuais do trabalho.

Deve-se advertir que a proteção não pode ser desmedida ao ponto de se garantir uma super proteção ao empregado che-gando-se ao ponto do terceiro – julgador–, que se deve manter equidistante das partes, prejudicar o julgamento por se tornar muito próximo a uma delas.

O princípio do contraditório e da ampla defesa encontra previsão constitucional no art. 5º, LV da CF/88, sendo uma

12 DIDIER JUNIOR, 2011, p.108-109. 13 LEITE, 2009, p. 76-77.

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evidente decorrência do princípio do devido processo legal. O contraditório e a ampla defesa não se aplica apenas ao polo passivo14, como se pode equivocadamente pensar pela sig-nificação das palavras. Tais princípios estão presentes e devem ser garantidos a ambas as partes do processo.

Cabe agregar que o Judiciário não pode se recusar a jul-gar o que lhe é posto, não tendo a liberdade de escolher juljul-gar este ou aquele caso, nascendo o princípio da indeclinabilidade. Tal fato é assim porque não é dado a ninguém exercer justiça com as próprias mãos, tendo a justiça privada sido substituída pela justiça pública15. A negativa de análise do caso que lhe é submetido seria a negação da própria pacificação do conflito o que ocasionaria mais insegurança jurídica social.

A previsão constitucional da indeclinabilidade está no art. 5º, XXXV da CF/88 que dispõe que não haverá exclusão pela lei da apreciação pelo Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito.

Neste sentido não há que se falar em esgotamento das vias administrativas para se buscar o Judiciário16, salvo contadas exceções17, inclusive sendo o fundamento das ADI’s 2139 e 2160 que pacificaram o entendimento de que a obrigação de su-jeição dos conflitos de interesses às comissões de conciliação prévia é inconstitucional.

Já no que tange ao princípio da imparcialidade deve se dissertar que o Estado quando presta a tutela jurisdicional deve manter-se equidistante das partes sob pena de comprometer a própria existência do estado de direito. Por essa razão um pro-cesso só é válido quando julgado por um juiz imparcial, sem

14 Ibid., p. 57.

15 THEODORO JÚNIOR, 2014, p. 48. 16 MONTENEGRO FILHO, 2009, p. 46.

17 Como a prevista na legislação do habeas data, Lei n. 9.507/97, art. 8º, pará-grafo único, I, verbis: A petição inicial deverá ser instruída com a prova: I – da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão;

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impedimentos.

Deve o magistrado ater-se a normas técnicas tratando as partes com isonomia real, garantindo-se a paridade de armas e o devido processo legal.

Como já foi dito neste ensaio, a jurisdição deve ser pres-tada quando a parte autora provocar o Estado-Juiz para que se manifeste no caso sub judice. Não é dado ao magistrado ex offi-cio provocar o Judiciário para ver resguardado o direito de uma das partes, sendo decorrência do princípio da inércia.

Tal princípio encontra sua base nas máximas nemo judex sine actore e ne procedat judex ex officio que correspondem res-pectivamente que não há jurisdição sem autor e não proceda o juiz de ofício.

Por último e não com menos importância, adiciona-se o princípio de submissão à coisa julgada que resguarda a segu-rança jurídica do ordenamento jurídico, não havendo a possibi-lidade de se discutir a parte dispositiva da decisão que não esti-ver mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Sua pre-visão constitucional encontra-se no art. 5º, XXXVI da CF/88. COMPETÊNCIA

Outro tema de relevante análise no presente trabalho é a competência que não se confunde com o conceito de jurisdição. Seguindo a mesma lógica do capítulo sobre a jurisdição traz-se o conceito de competência constante no Dicionário Jurí-dico da ilustre doutrinadora Diniz (2008):

Competência. […] 3. Direito processual. É medida da ção; poder conferido ao magistrado para o exercício da jurisdi-ção outorgada em razão da matéria, do lugar ou das pessoas. A competência vem a ser o âmbito do poder jurisdicional em um dado caso. [...]18.

Observa-se que a competência seria a delimitação do po-der jurisdicional, seja em razão da matéria que se leva em juízo,

18 DINIZ, 2008, p. 812.

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do lugar ou das pessoas envolvidas.

A jurisdição é una, entretanto por medidas de eficiência distribui-se tal poder entre os diversos órgãos do Poder Judiciá-rio para que realizem, na forma da lei, o exercício de restabele-cimento da paz social.

Didier Junior (2011) conceitua tal instituto jurídico nos seguintes termos:

A competência é exatamente o resultado de critérios para dis-tribuir entre vários órgãos as atribuições relativas ao desempe-nho da jurisdição. A competência é o poder de exercer a juris-dição nos limites estabelecidos por lei. É o âmbito dentro do qual o juiz pode exercer a jurisdição. É a medida da jurisdi-ção19.

O mesmo autor, traz os ensinamentos sobre a competên-cia do mestre Liebman e Canotilho respectivamente:

Quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada ór-gão ou grupo de órór-gãos.

Por competência entender-se-á o poder de acção e de actuação atribuídos aos vários órgãos e agentes constitucionais com o fim de prosseguirem as tarefas de que são constitucional ou le-galmente incumbidos. A competência envolve, por conse-guinte, a atribuição de determinadas tarefas bem como os meios de acção (“poderes”) necessários para a sua prossecu-ção. Além disso, a competência delimita o quadro jurídico de actuação de uma unidade organizatória relativamente a outra20.

Percebe-se que a competência é a parcela da jurisdição para o caso posto em juízo, é a divisão da jurisdição para que se alcance com celeridade e eficiência a prestação do bem da vida gerando a pacificação do conflito.

Montenegro Filho (2009) leciona que as regras de com-petência se justificam por uma questão de racionalização do ser-viço jurisdicional, atribuído a cada órgão judicial parte do traba-lho, efetivando-se a distribuição da Justiça pelos recantos da Fe-deração21.

19 DIDIER JUNIOR, 2011, p. 127-128. 20 Ibid., p. 128.

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Verifica-se como o primeiro e fundamental instrumento jurídico de distribuição de jurisdição a Constituição Federal, nela estão contidas regras basilares de competência em todo ter-ritório nacional. Em um segundo nível encontram-se as normas processuais, depois as leis de organização judiciária, e por úl-timo os regimentos internos dos tribunais.

Não se podem olvidar que os tratados internacionais po-dem dispor sobre competência de tribunais internacionais nos quais o Brasil tenha manifestado expressa adesão, verbia gratia o art. 5º, §4º da CF/88 no qual prevê a adesão de tribunal penal internacional. Além do mais, tais instrumentos internacionais são mecanismos suficientes para se prever normas processuais internacionais.

Cabe agregar que os tratados internacionais podem dis-por sobre competência, uma vez que não violem a soberania do Brasil e nem a Constituição Federal.

De suma importância salientar, para a devida compreen-são do objeto principal deste trabalho, que não se admite vácuo de competência, informa Didier Junior (2011):

É fundamental perceber que não há vácuo de competência: sempre haverá um juízo competente para processar e julgar de-terminada demanda. A existência de competências implícitas é, portanto, indispensável para garantir a completude do orde-namento jurídico22.

Insta salientar que todo juiz é competente para decidir sobre suas fundamentações se é competente ou não para conhe-cer da causa, é o que se chama de competência mínima. Trata-se do controle da própria competência ou da regra da kompe-tenzkompetenz23.

Deve-se destacar, ainda, que o primeiro critério para se verificar a jurisdição de determinado Estado é pela competência internacional, pois somente a partir daí poder-se-á analisar a dis-tribuição da jurisdição internamente. Ou seja, verifica-se no

22 DIDIER JUNIOR, 2011, p. 129. 23 Ibid., p. 129.

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âmbito internacional a jurisdição de dado estado, posterior-mente, sendo positiva a análise anterior, verifica-se a distribui-ção interna da jurisdidistribui-ção.

TIPOS DE COMPETÊNCIA.

Para uma melhor compreensão do tema, analisar-se-á al-guns tipos de competência de forma separada, sempre trazendo noções básicas que facilitam a compreensão do objeto principal do trabalho.

COMPETÊNCIA INTERNACIONAL.

Montenegro Filho (2009) informa que a competência é fixada por exclusão e por oportuno deve-se observar se a ação será ajuizada na justiça interna ou estrangeira24. Importante sali-entar que a competência internacional não exclui a competência interna, podendo ser concorrente.

Yarshell (2014) com o devido acerto leciona que no caso de determinação de qual a justiça competente se a nacional ou a estrangeira estaríamos diante de um caso de jurisdição e não de competência25. Conforme explanado no tópico específico, juris-dição é a atividade de pacificar o conflito, dizendo e aplicando o direito ao caso concreto. Se não há o poder de dizer o direito não há que se falar em competência que seria a divisão do poder. Neste sentido a jurisdição vem a ser a fonte da competência, se não há a fonte não há o fruto.

O Código de Processo Civil – CPC prevê nos arts. 21 a 23 os limites da competência internacional. A competência ab-soluta da autoridade judiciária brasileira, com o afastamento de qualquer outra autoridade, encontra-se no art. 23, já a competên-cia concorrente entre a autoridade judiciária brasileira e

24 MONTENEGRO FILHO, 2009, p.61. 25 YARSHELL, 2014, p. 190.

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estrangeira encontra-se no rol dos arts. 21 e 22.

O art. 24 do novel código processual informa que a pro-positura da ação perante a autoridade judiciária estrangeira não obsta que a autoridade judiciária brasileira conheça da causa e nem induz litispendência. Ao contrário do código anterior o novo código traz a previsão expressa de que a litispendência pode ser afastada por meio de tratado internacional ou acordos bilaterais que o Brasil seja parte.

Sobre a existência da litispendência no âmbito da União Europeia e a tradição nos estados do common law, Camargo (2015) leciona:

Também é importante mencionar que há uma colisão com os países de tradição do civil law, quanto à ocorrência de litispen-dência e conexão internacional e seus efeitos, como é o caso dos Estados submetidos ao Regime de Bruxelas-Lugano. En-quanto nesses países a regra prevista no Regulamento (CE) 1.125/2012 define a prevenção dos tribunais do Estado que pri-meiro conheceu da causa conexa ou litispendente (art. 29), na tradição do common law, o juiz possui a discricionariedade de conhecer ou recusar a causa, independentemente da ocorrência de litispendência ou conexão internacional26.

Já com relação ao conhecimento da autoridade brasileira da situação ajuizada perante autoridade estrangeira Theodoro Júnior (2014) dispõe:

Nenhum efeito, todavia, produz a coisa julgada estrangeira em questão de matéria pertinente à competência exclusiva da Jus-tiça brasileira (art.89), já que a sentença, em semelhante cir-cunstância, nunca poderá ser homologada.

Se a demanda ajuizada no Brasil já foi objeto de decisão (ainda que em provimento liminar), não há que se homologar sentença estrangeira sobre a mesma causa, mormente quando o seu teor for diverso do que se adotou no julgado nacional. Na espécie, haverá de se preservar a soberania nacional27.

Atualmente verifica-se que a autoridade brasileira poderá ser obstada de conhecer da causa ou poderá haver a

26 CAMARGO, 2015, p. 85.

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litispendência internacional se houver previsão em alguma norma internacional, sejam tratados ou acordos bilaterais.

Cabe agregar que a competência internacional está jun-gida aos limites da jurisdição nacional, por questões de sobera-nia dos Estados. Ademais a jurisdição nacional encontra limites na efetividade, além da falta de reciprocidade, impossibilidade de imposição das decisões nacionais aos Estados soberanos e a irrelevância de certos conflitos para o Estado nacional. A juris-dição deve ser limitada às causas que possam ser úteis e efetivas a pacificação social pelo Estado28.

Verifica-se que o escopo do presente trabalho está na pri-meira fase do processo lógico para se verificar a jurisdição ou competência internacional do Estado29. Não se está aqui que-rendo determinar qual a justiça competente ou o juízo compe-tente para o conhecimento da lide, mas quais os Estados sobera-nos que podem pacificar o conflito social dado entre as partes. FORUM SHOPPING

Conforme dito no tópico de competência internacional, o juiz primeiro deve determinar se tem competência para conhecer do caso, sendo concretamente um exercício de determinação de jurisdição, pois está intimamente ligado a determinação de so-berania do Estado para se impor internamente determinado ve-redito.

Em um segundo momento será utilizado o método con-flitual para determinar o direito aplicado ao caso concreto, se o direito nacional ou estrangeiro.

Araújo (2011) informa que o processo civil internacional

28 YARSHELL, 2014, p. 191-192.

29 Destaca-se que a primeira pergunta que o julgador deve realizar é se possui jurisdição ou competência internacional para conhecer do caso. Sendo positiva a ques-tão ele deve verificar qual o direito aplicado se o nacional ou estrangeiro, analisando tal exercício por meio das normas de direito internacional privado do país em que o litígio é submetido.

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está informado com princípios de caráter geral que influenciam na análise de competência internacional. A mesma autora cita Eduardo Vescovi que identifica cinco princípios básicos desta seara jurídica, sendo eles: a jurisdição razoável; o acesso à jus-tiça; a não-discriminação do litigante; a cooperação interjurisdi-cional; e circulação internacional das decisões estrangeiras30.

A jurisdição razoável, que leva em consideração os casos que tenham elementos que transbordem as fronteiras nacionais, está relacionada ao julgamento por um juiz que tenha razoável conexão com o objeto da lide. Neste sentido Rechsteiner (2016) leciona que o conceito de jurisdição está próximo ao direito in-ternacional público, informando que o Estado não é livre na es-colha de exercer a jurisdição ou não em seu território. Agrega este autor que a lide deve possuir certa ligação com a jurisdi-ção31.

Os casos com elementos internacionais geralmente pos-suem mais de uma jurisdição competente para conhecer do caso concreto, pois possuem elementos de conexão que resguardam o direito de diversos magistrados de vários país para conhecer o caso.

Camargo (2015) conceitua forum shopping nos seguintes termos:

Forum shopping foi a nomenclatura utilizada pelos juristas do common law para definir a escolha, dentre várias jurisdições passíveis de serem exercitadas, como sendo aquela de prefe-rência do demandante, levando-se em conta as mais diversas premissas32.

Deve-se, outrossim, evitar o foro exorbitante, quando se leva em consideração elementos mínimos de conexão o que oca-siona a competência internacional. Neste sentido, doutrinadores do sistema do common law, citados por Camargo (2015), consi-deram como critérios exorbitantes para a determinação de um

30 ARAÚJO, 2011, p.226.

31 RECHSTEINER, 2016, p.270-271. 32 CAMARGO, 2015, p. 20.

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foro competente a nacionalidade33, a existência de bens34 ou ne-gócios do réu no território do foro35.

Não existem tribunais internacionais para se resolver toda e qualquer situação. A existência de tribunais internacionais para o conhecimento de todas as matérias, funcionando como verdadeiros juízes naturais da causa, seria alcançar um grau de integração global utópico.

Atualmente existem poucos tribunais internacionais que se limitam no conhecimento da matéria, como por exemplo o Tribunal Penal Internacional e o Tribunal do Mar, a Corte Inte-ramericana de Direitos Humanos que funciona como um verda-deiro tribunal internacional e outros. Insta salientar que para a submissão das decisões de tais tribunais os estados devem rati-ficar o instrumento normativo internacional de criação, pois a imposição de decisões sem a concordância do estado seria uma violação a soberania de cada país e a desconsideração do insti-tuto jurídico da jurisdição.

Deve-se levar em consideração que os arts. 21 a 23 do novo CPC não dispuseram de todos os casos possíveis e imagi-náveis do direito processual internacional, ademais a reforma promulgada pela Lei n. 13.467/2017 não dispõe sobre qualquer ponto de análise deste trabalho. Primeiramente por que a lei não consegue acompanhar a constante mudança da sociedade, e, em segundo lugar, porque foi disposto no instrumento normativo apenas os casos nos quais maior relevância haveria para o Estado nacional.

33 Como a prevista no código civil francês que leva em consideração para a competência dos tribunais nacionais a nacionalidade. Ou seja um francês que resida em qualquer lugar do mundo pode demandar perante as cortes francesas, ainda que o contrato tenha sido celebrado no estrangeiro, seu cumprimento seja no estrangeiro e não haja qualquer outro elemento de conexão que não seja a nacionalidade. FRANÇA, 1803.

34 Trata-se da legislação sueca que ficou conhecida como umbrella rule, pois bastaria que se esquecesse um bem móvel naquele país para que o foro fosse reconhe-cido como competente. SUÉCIA, 1942.

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Na análise do ponto mínimo para conhecimento de dada ação por Estado estrangeiro e o posterior reconhecimento da sen-tença estrangeira em território nacional, o Superior Tribunal de Justiça, como autoridade central a título de reconhecimento de decisões estrangeiras, deve se ater ao rol do art. 23 do CPC, pois a competência exclusiva não permitirá o reconhecimento de eventuais sentenças no território nacional.

Por essas razões o princípio da jurisdição razoável será levado em consideração nos casos em que o Código de Processo Civil é omisso, não se deixando que um dado caso reste sem de-cisão por um dado estado, o que seria uma lacuna que ocasiona-ria a não prestação da tutela jurisdicional pelos diversos países que teriam os pontos razoáveis de conexão.

Araujo (2011) informa que o princípio da jurisdição ra-zoável deve levar em conta a necessidade de se evitar um foro arbitrário ou abusivo, e a utilização do forum shopping de forma indesejada36. A mesma autora reconhece que o problema rela-tivo a jurisdição, no direito internacional privado, nasce quando se faz necessária a determinação da competência interna ou a sua exclusão, quando o caso também pode ser analisado e julgado por outro Estado37.

A expressão conflito de jurisdição deve ser analisada no âmbito internacional, pois trata-se de instituto jurídico ligado a soberania de um Estado em conhecer e pacificar o conflito. Tanto o forum shopping como o forum non-conveniens podem apresentar o conflito de jurisdição, sendo que o primeiro poderia ocasionar um conflito positivo, quando várias jurisdições de vá-rios Estados soberanos se dão por competentes para conhecer e pacificar o caso, e o segundo poderia ocasionar um conflito ne-gativo de jurisdição, quando vários Estados se dizem não com-petentes para o enfrentamento do caso por ter um outro Estado

36 ARAUJO, 2011, p. 227. 37 Ibid., p.229.

(21)

melhores elementos de conexão para a pacificação do litígio38. No caso em que o autor da ação escolha, dentre vários foros competentes, em diferentes países, o que julga ser mais conveniente ou favorável, usa-se a expressão forum shopping39. Insta salientar que alguns Estados que adotam o common law autorizam os juízes e tribunais a determinar a proibição das partes de litigarem em outro Estado, denominando-se tal prática como anti-suit injunction. Em resumo tal instituto é aplicado para se proibir o exercício da jurisdição por Estados que não res-peitem direitos comezinhos do processo, bem como evitar o abuso de um juízo competente em outro Estado por meio do fo-rum shopping40.

Nesta seara o novo CPC em seu art. 24 reconhece a litis-pendência internacional quando houver tratados ou acordos neste sentido, o que será um avanço para o desenvolvimento da ciência processual internacional, pois se evitará várias decisões de diversos países eventualmente podendo ser homologadas em outro país que não seja nenhum dos prolatores.

Alvim (1977) traz a problema de duas decisões transita-das em julgado antagônicas, leciona o autor que a problemática frente ao direito interno não possui maiores repercussões pois se priorizará a primeira decisão transitada em julgado. Entretanto, uma vez que se leve o caso ao direito internacional a situação não resulta simples de ser resolvida.

Em primeiro lugar, deve-se verificar o critério adotado pelo direito alienígena para a determinação de qual decisão irá prevalecer. Veja que o critério deve ser de direito internacional, norma processual para o direito internacional, não a norma in-terna.

Atualmente a previsão de admissão da litispendência pelo novo código de processo civil brasileiro vai ao encontro da

38 RECHSTEINER, 2016, 272. 39 Ibid., p. 272.

(22)

melhor ciência.

A título de exemplo, cita-se o direito alemão que tende a prestigiar a última decisão prolatada e não a primeira como o direito brasileiro. A prolação de uma decisão no âmbito do Bra-sil dotada de coisa julgada, bem como a prolação posterior por outro Estado de decisão dotada dos mesmos efeitos, e um even-tual pedido de reconhecimento na Alemanha a última decisão será a reconhecida naquele território, e não a brasileira que foi a primeira a dotar-se dos efeitos da coisa julgada. Neste sentido o pedido de reconhecimento de sentença estrangeira, quando hou-ver várias decisões transitadas em julgado, dependerá do critério do país no qual se requer o reconhecimento e não do país prola-tor41.

A doutrina diverge quanto às hipóteses do CPC sobre competência exclusiva ou concorrente, pois alguns acreditam que as hipóteses que não estejam expressamente previstas no novo CPC seriam o caso de incompetência da Justiça nacional. Entretanto, neste trabalho defende-se a tese que a negativa de jurisdição sem levar em consideração os pontos relevantes ou mínimos de conexão poderá levar os litigantes a não terem sua lide pacificada, negando-se o acesso ao judiciário e a obrigatori-edade de prestação jurisdicional, violando-se, diretamente, pre-ceitos de ordem constitucional e do estado de direito.

Botelho de Mesquita e Antenor Madruga, citados por Araujo (2011), defendem que nos casos não previstos expressa-mente no CPC a justiça brasileira seria incompetente, o primeiro sob os fundamentos de que a atividade jurisdicional é onerosa e não deve ser exercida desnecessariamente, e o segundo alega que as normas previstas são de limitação da autoridade judiciária brasileira42.

Já Marcelo de Nardi, citado por Araújo (2011), alega que havendo algum elemento de fixação de competência, o

41 ALVIM, 1977, p. 935-936. 42 ARAUJO, 2011, p. 235-236.

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magistrado nacional deverá reconhecer-se competente para jul-gar o litígio. Lecionando ainda que o juiz nacional deve observar a eficácia de sua decisão sob duas óticas, a primeira sob a juris-dição de Estado diverso, assim sua decisão deve ser aceita no Estado no qual surtirá os efeitos, sob pena de não se conhecer da causa, e a outra ótica é sob a jurisdição nacional, sendo suficiente para conhecimento pelo juiz pátrio que haja elemento de fixação de competência, mesmo que não sejam as hipóteses do art. 21 a 23 do CPC.

O Superior Tribunal de Justiça – STJ já teve a oportuni-dade de declarar que as hipóteses previstas no art. 88 do antigo CPC não são taxativas, podendo, plenamente, a autoridade judi-ciária brasileira conhecer de situações não previstas neste rol. No Recurso Especial - REsp 1366642/SP o STJ decidiu no se-guinte sentido:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. INVESTIMENTOS REALIZADOS NO EXTE-RIOR. INSUCESSO DAS OPERAÇÕES FINANCEIRAS. COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA BRASI-LEIRA. FATOS E ATOS PRATICADOS NO BRASIL. PARTE RÉ DOMICILIADA EM TERRITÓRIO BRASI-LEIRO. ART. 88, I E III, DO CPC DE 1.973.

[…]

4. O rol previsto no art. 88 do CPC de 1.973 não é taxativo, pois algumas demandas são passíveis de julgamento pela au-toridade judiciária brasileira, ainda que a situação jurídica não se enquadre em nenhuma das hipóteses ali previstas (RO 64/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, jul-gado em 13/5/2008, DJe 23/6/2008).

5. Recurso especial não provido.

(REsp 1366642/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 07/11/2016)

No mesmo sentido Barbosa Moreira defende que o rol de competência internacional previsto no CPC não é exaustivo, pois em determinados casos não se admitiria negar a

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jurisdição43.

Como exemplo de forum shopping Basso (2016) cita o acórdão da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Daniel Azambuya Casaravilla v. Ruth Pereira Castro, Apelação Cível 0296120-29.2014.8.21.7000, em que o Protocolo de São Luiz (Decreto n. 3.856/2001) autoriza a esco-lha do foro competente dentre o local do acidente ou o domicílio do autor ou réu. Sendo que no caso específico o autor da ação, uruguaio, e a ré brasileira, ambos domiciliados em seus respec-tivos países, abalroaram seus veículos no Uruguai, no momento do ajuizamento da demanda o autor escolheu a jurisdição brasi-leira para a pacificação do litígio44.

As críticas ao forum shopping estão ligadas à oneração do processo em demandas distantes ou que os custos processuais sejam elevados para o demandado, à escolha indireta do direito aplicado que prejudicasse o réu e favorecesse o autor por meio das regras de conexão do foro, à não garantia de princípios deri-vados do devido processo legal.

Camargo (2015) disserta sobre a perda de eficiência na escolha de uma jurisdição que não tenha contatos mínimos com o caso, fazendo com que haja cartas rogatórias e diversas dila-ções probatórias para que o caso seja efetivamente instruído, ve-jamos:

Outro ponto de ataque ao forum shopping pela doutrina e juris-prudência do common law é a perda de eficiência do procedi-mento jurisdicional, ou seja, a possível denegação de justiça. Levando-se em consideração que o processo deve ser condu-zido de forma a evitar dilações indevidas, custos desnecessá-rios e atrasos, parece correto afirmar que certas cortes terão menos condições de apreciar a demanda quando a prova dos fatos não esteja, por exemplo, ligada à jurisdição do litígio. [...] Outro ponto relacionado à perda de eficiência diz respeito à executividade da sentença estrangeira. Uma das possibilidades de recusa de uma sentença estrangeira na maioria dos sistemas

43 Ibid., p. 237.

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jurídicos é a possível violação à ordem pública, como ocorre nos Estados Unidos251, na União Europeia, conforme o artigo 58 do Regime de Bruxelas Lugano, ou mesmo no Brasil, por meio do artigo 17 da LINDB45.

Neste sentido a escolha de jurisdição pode resultar em efetiva denegação de justiça por alcançar prazos desarrazoados e procedimentos infundados, pois o foro pode não ter o contato suficiente para que o processo seja instruído devidamente. Além da sentença poder ser um documento inexequível no local em que deva-se proceder a execução da decisão.

Seja por qual argumento se critique o forum shopping não se pode negar a inevitabilidade de competências concorren-tes, como o faz o Estado brasileiro, em cada jurisdição soberana.

Juntando-se os críticos da teoria do forum shopping e seus defensores, Camargo (2015) informa que se desenvolveu a teoria sincrética que leva em consideração a evidente possibili-dade de existência do instituto jurídico de escolha da jurisdição e a possibilidade de abusos na sua utilização.

Para a verificação e a possibilidade da escolha de juris-dição deve-se constatar os diversos critérios como a possibili-dade de reconhecimento da sentença alienígena em outra juris-dição e a possibilidade de ser o foro interpretado como exorbi-tante46.

FORUM NON-CONVENIENS.

A negativa de jurisdição por ausência de elementos de conexão está ligando ao que se chama no common law de forum non-conveniens, no sentido de que seria inconveniente à dada jurisdição conhecer da causa e, como consequência, haveria ne-gativa da prestação jurisdicional47.

Em 1926, a Casa dos Lordes (The House of Lords), no

45 CAMARGO, 2015, p. 81. 46 Ibid., p. 84.

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caso La Société du Gaz de Paris v. La Société Anonyme de Na-vigation “Les Armateurs Français”, considerando a doutrina es-cocesa, encontrou o fundamento de existência do foro mais apro-priado. O caso que foi submetido a Corte Escocesa não possuía pontos relevantes de conexão com este Estado, pois os documen-tos estavam escridocumen-tos em francês, o fato ocorreu no mar, haveria limitação do princípio da ampla defesa no Tribunal Escocês e, ainda, os julgadores não consideraram prejudicial o desloca-mento das poucas testemunhas inglesas à França com as suas respectivas oitivas pelo foro francês48.

No forum non-conveniens um juiz é internacionalmente competente para julgar o litígio segundo a lex fori. Entretanto é facultado ao julgador recusar o julgamento da lide, por entender ser mais conveniente a apreciação do litígio pela Jurisdição de outro Estado. Segundo Rechsteiner (2016) para a caracterização do forum non-conveniens a doutrina desenvolveu critérios deli-mitadores, vejamos:

[…] Em primeiro lugar deve existir um foro diferente daquele onde foi instaurado o processo, sendo igualmente competente para julgar toda a lide. Esse foro deve ser o mais conveniente para as partes. Para avaliar o critério da conveniência, são ana-lisados no caso concreto os seus interesses privados (private

interests) na lide. São levados em consideração entre outros,

como interesses privados relevantes das partes: o acesso aos meios de prova, principalmente bens imóveis, bem como a re-sidência das testemunhas, a exequibilidade da sentença e as despesas processuais. Não são relevantes, por outro lado, a aplicação de um direito mais favorável para uma das partes e o fato de um outro sistema jurídico não se equiparar àquele foro, desde que sejam garantidos os direitos fundamentais no pro-cesso para as partes, previstas também no ordenamento jurí-dico doméstico. Se não prevalecerem interesses privados por parte do autor ou do réu, o tribunal examinará em seguida a doutrina do forum non-conveniens sob a perspectiva do inte-resse público envolvido. Nesse contexto, o tribunal possui um interesse legítimo de não dever julgar lides sem vínculo

48 BRAND, 2007, p. 9-10

(27)

específico com o foro. Assim, sendo, pode ser considerado também que o tribunal não está familiarizado com o direito aplicável à causa a ser julgada. Finalmente, o foro mais conve-niente (forum conveniens) deve tutelar a pretensão requerida no seu sistema jurídico com uma sanção adequada que seja comparável àquela existente no foro para que não exista a pos-sibilidade de denegação de justiça para o autor da ação perante o foro alienígena49.

No mesmo sentido Barbosa Moreira, citado por Araújo (2011), leciona que no forum non-conveniens seria reconhecida uma vantagem em se acionar a jurisdição de outro Estado, pelas facilidades de produção de prova e como consequência haveria um melhor julgamento50.

Araújo (2011) cita dois grandes casos que ficaram co-nhecidos de forum non-conveniens nos quais os Estados Unidos sentenciou no sentido de reconhecer a jurisdição brasileira como mais conveniente para o julgamento das causas, pois tratava-se de acidente aéreo ocorrido em território brasileiro, ainda que houvesse elementos de conexão com o território americano51.

Tendo em vista a possibilidade de se haver um conflito negativo de jurisdição, surge o princípio do forum necessitatis que deve ser adotado em situações excepcionais de guerra, cala-midade pública ou outros fatores que impedem que as partes de-mandem em seu foro originário. Pelo próprio nome em latim percebe-se que é um foro de necessidade por existirem situações

49 RECHSTEINER, 2016, p.274-275. 50 ARAUJO, 2011, p. 241.

51 A questão do forum non-conveniens em casos que dizem respeito ao Brasil foi objeto de duas decisões da justiça americana. O primeiro é sobre o acidente aéreo ocorrido no Brasil, entre Gol e um jato de empresa americana. E o segundo é o caso referente ao acidente da TAM, ocorrido em São Paulo. Em ambos os casos, os parentes das vítimas pretendiam ajuizar a ação nos Estados Unidos, já que seria o local em que a indenização poderia alcançar maior monta. Nas duas situações, a justiça americana entendeu que apesar de haver elementos para a sua competência, no primeiro inclusive sendo lá o domicílio de um dos Réus, a companhia americana que era proprietária do avião, o local apropriado era o Brasil, e com isso decidiu aplicar o forum

non-conve-niens e extinguiu os feitos.

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excepcionais supra mencionadas.

Diversos ordenamentos previram a existência de um foro de necessidade de modo subsidiário e excepcional, conforme Camargo (2015) cita alguns países: França, Suíça, Bélgica, Ro-mênia, Holanda, Áustria e Portugal52. Ainda que os códigos de processo civil interno de tais países tenham previsto a possibili-dade de julgamento no caso de forum necessitatis, deve-se des-tacar que o Regulamento 4/2009 do Conselho Europeu estabele-ceu que no caso de conflito negativo de jurisdição ou na impos-sibilidade de se conduzir, regularmente, um processo no foro originário, poderá o alimentando demandar em qualquer estado da comunidade europeia que apresente uma conexão suficiente com o caso53.

Atentos à possibilidade do conflito negativo de jurisdi-ção os Estados foram levados a regulamentar a situajurisdi-ção por meio da Convenção de Haia de 30 de junho de 2005 com o escopo de se evitar a denegação de justiça por meio do instituto jurídico do forum non-conveniens. Ficou determinado na convenção que os países não poderiam se excusar de conhecer a lide quando as partes tenham escolhido a jurisdição de dado Estado e o foro competente de determinado local54.

Insta salientar que o instituto jurídico do parágrafo ante-rior é o foro de eleição e não o forum shopping, pois naquele as partes pactuam em submeter a lide a determinado juízo, dife-rente deste que o autor escolhe segundo as conveniências da lei processual e material um foro dentre vários competentes.

No que tange ao forum non-conveniens a sua aplicação aos Estados de tradição do civil law seria uma violação ao prin-cípio de acesso à Justiça e uma denegação de justiça, podendo gerar uma grave insegurança jurídica pela possibilidade de um conflito negativo de jurisdição e a inexistência de um tribunal

52 CAMARGO, 2015, 42.

53 UNIÃO EUROPEIA, 2009.

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internacional para determinar o julgamento por este ou aquele Estado. Isto é assim porque o código de processo civil é claro ao determinar a competência internacional dos magistrados nacio-nais, não se podendo o julgador ir de encontro a lei e afastar as normas de competência.

Martins (2007) leciona sobre a vinculação do magistrado dentro do sistema do civil law, não possuindo liberdade para a aplicação ou não da jurisdição, vejamos:

Nos países que adotam a lei civil, como é o caso do Brasil, as extensões e limitações da jurisdição internacional configuram matéria que se encontra positivada nas normas de competência geral ou internacional, não competindo ao juiz senão aplicá-las, sem campo para atuação discricionária55.

Cabe agregar que o Brasil assinou a Convenção Intera-mericana sobre Competência na Esfera Internacional para Eficá-cia Extraterritorial das Sentenças Estrangeiras na qual há previ-são no art. 2º do forum necessitatis, entretanto a convenção só foi ratificada por dois países: México e Uruguai, conforme o site da Organização dos Estados Americanos, ademais o art. 6º, alí-nea g exclui o direito do trabalho de seu âmbito, nesta seara é irrelevante para este trabalho a posterior ratificação56.

Situação que se afasta e muito do foro de necessidade é o caso que se denominou de umbrella rule previsto no direito sueco, pois bastaria que a parte tivesse um bem móvel no país para que fosse reconhecida a competência internacional para ser demandado naquele país. Evidentemente uma exorbitância, pois segundo a legislação sueca seria suficiente que alguém se olvi-dasse de um objeto no território deste país para que a atividade jurisdicional fosse provocada57.

VISÃO GERAL DO TEMA SOB A ÓTICA DE JURISDIÇÕES DISTINTAS E DO JUDICIÁRIO NACIONAL – TANTO NA

55 MARTINS, 2007, p. 1207.

56 OEA, 1984.

(30)

JUSTIÇA COMUM COMO ESPECIALIZADA.

Tendo em vista a explanação dos institutos nos capítulos anteriores, necessário se faz a análise dos institutos frente às le-gislações e a visão do Judiciário brasileiro, tanto do Egrégio Tri-bunal Superior do Trabalho – responsável pela declaração de sua competência internacional – como do Egrégio Superior Tribunal de Justiça – responsável pela homologação de sentenças em ma-téria trabalhista.

FORUM SHOPPING NA UNIÃO EUROPEIA EM MATÉRIA PROCESSUAL TRABALHISTA.

Temos a previsão do forum shopping quando a escolha couber ao empregado, previsão expressa no regulamento 1215/2012 UE, verbis:

Artículo 21

1. Los empresarios domiciliados en un Estado miembro podrán ser demandados:

a) ante los órganos jurisdiccionales del Estado en el que estén domiciliados, o

b) en otro Estado miembro:

i) ante el órgano jurisdiccional del lugar en el que o desde el cual el trabajador desempeñe habitualmente su trabajo o ante el órgano jurisdiccional del último lugar en que lo haya de-sempeñado, o

ii) si el trabajador no desempeña o no ha desempeñado ha-bitualmente su trabajo en un único Estado, ante el órgano jurisdiccional del lugar en que esté o haya estado situado el establecimiento que haya empleado al trabajador.

2. Los empresarios que no estén domiciliados en un Estado mi-embro podrán ser demandados ante los órganos jurisdicciona-les de un Estado miembro de conformidad con lo establecido en el apartado 1, letra b).

Artículo 22

1. Los empresarios solo podrán demandar a los trabajadores ante el órgano jurisdiccional del Estado miembro en el que

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estos últimos tengan su domicilio.

2. Lo dispuesto en la presente sección no afectará al derecho de formular una reconvención ante el órgano jurisdiccional que conozca de la demanda inicial de conformidad con la presente sección58.

Verifica-se, que o empregador no âmbito da comunidade europeia poderá ser demandado nos respectivos foros: 1) de seu domicílio; 2) do local da prestação de trabalho habitual ou onde tenha realizado a prestação habitual por último; 3) no caso de não ter desempenhado habitualmente seu labor em um único lo-cal no foro que esteja situado ou tenha estado o estabelecimento que empregou o obreiro.

Destaca-se que no caso do empregador não estar domici-liado em um dos estados membros da União Europeia poderá ser aplicado o foro do item 2 e 3 do parágrafo anterior.

Certo é que na norma de conflito europeia o empregador só poderá demandar contra o empregado no foro de domicílio do obreiro, não existindo a possibilidade de escolha da jurisdição.

Logo, pode-se concluir que o forum shopping no âmbito do direito processual internacional do trabalho europeu só é ad-mitido para o obreiro, não possuindo o empregador a possibili-dade de escolher a jurisdição, por expressa determinação regu-lamentar.

LEGISLAÇÃO PÁTRIA SOBRE CONFLITO DE LEI NA SE-ARA TRABALHISTA.

Em primeiro lugar deve-se destacar que os tratados não podem ser afastados frente a legislação nacional, tal ditame está previsto no art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, Decreto 7.030/09, em respeito ao princípio do pacta sunt servanda. Entretanto não se impede o controle de constitu-cionalidade pela Suprema Corte Brasileira do tratado frente a norma constitucional vigente no momento de sua promulgação.

(32)

É cediço que o Supremo Tribunal Federal equiparou os tratados internacionais que disponham sobre direitos humanos, aprovados pelo rito das emendas constitucionais, a uma emenda constitucional, dotando-se de status e hierarquia constitucional.

No mesmo sentido os tratados internacionais que dispo-nham sobre direitos humanos não aprovados em cada casa do Congresso Nacional por três quintos de seus membros e votação realizada em dois turnos terão status supra legal, ou seja, inferior a Constituição Federal e superior a legislação ordinária federal.

Ainda que o tratado não disponha sobre direitos huma-nos, e por expressa previsão da Convenção de Viena sobre o Di-reito dos Tratados, não pode ser equiparados a legislação nacio-nal, surgindo, outrossim, um nível intermediário, entre os trata-dos internacionais de direitos humanos não aprovatrata-dos pelo quó-rum qualificado e a legislação ordinária nacional.

Neste sentido, o primeiro exercício para a verificação das normas processuais aplicáveis é a constatação da existência de normas procedimentais no texto constitucional, e de convenções ou tratados internacionais assinados e ratificados pelo Brasil.

Não há no presente momento normas constitucionais ou uma convenção ou tratado internacional que o Brasil faça parte que trate, especificamente da jurisdição em matéria trabalhista.

Cumpre alertar para a existência do Código de Busta-mante, ultrapassado, entretanto vigente no ordenamento jurídico pátrio. Há disposição expressa no texto internacional que a com-petência dos tribunais dos estados partes não poderão levar em consideração a condição de nacional em detrimento dos estran-geiros, verbis:

Artículo 317. La competencia, ratione materiæ y ratione per-sonæ, en el orden de las relaciones internacionales, no debe basarse por los Estados contratantes en la condición de naci-onales o extranjeras de las personas interesadas, en perjuicio de éstas59.

Não havendo a previsão de normas de competência

59 BRASIL, 1929.

(33)

internacional em outros instrumentos normativos de âmbito transfronteiriço, deve-se realizar o segundo exercício para a constatação da norma processual aplicável que é a verificação nas normas de direito internacional privado sobre conflito de leis.

Atualmente a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB traz, em seu art. 12, uma curta previsão so-bre a competência da autoridade brasileira, vejamos:

Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação60.

Veja que as duas previsões contidas no artigo não abarca todas as hipóteses de conflito de jurisdição internacional e muito menos os casos processuais internacionais do trabalho.

Outrossim, sendo o último exercício para a constatação da norma adequada e como não há a previsão expressa sobre o processo internacional do trabalho nas normas de direito inter-nacional privado, deve-se proceder a busca na própria legislação trabalhista que prevê no art. 651, §2º da CLT a competência da autoridade judiciária brasileira quando o dissídio haja ocorrido no estrangeiro, entretanto ressalta a condição do empregado ser brasileiro e que não haja convenção internacional dispondo o contrário, vejamos o texto:

Art. 651 - A competência das Juntas de Conciliação e Julga-mento é determinada pela localidade onde o empregado, recla-mante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.

[...]

2º - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário.

Parece que tal disposição, no que tange a condição ex-pressa do reclamante ser brasileiro, viola o art. 317 do Código

60 BRASIL, 1942.

(34)

de Bustamante, já que seria uma denegação de justiça ao estran-geiro que opte pela autoridade judiciária brasileira para a pacifi-cação de seu litígio.

Insta trazer, ainda, as regras internas de distribuição da competência jurisdicional trabalhista, já que o caput do art. 651 dispõe apenas sobre a competência no que tange a prestação ha-bitual do trabalho, regra generalíssima que não abarca outras si-tuações como os parágrafos do mesmo artigo em análise.

No que tange aos agentes ou viajantes comerciais a com-petência será do foro em que a empresa empregadora tenha agência ou filial à qual o empregado esteja subordinado, na falta será competente o foro de domicílio do empregado ou a locali-dade mais próxima, art. 651, §1º da CLT.

Veja que por se tratar de ramo da Justiça relativamente novo, não há em todos os cantos e recantos do país um juiz do trabalho e por essas razões a norma de competência analisada no parágrafo anterior dispõe que será competente na ausência do foro de domicílio do empregado o foro mais próximo.

Outra norma de distribuição de competência trata do em-pregador que promove suas atividades fora do local de contrata-ção, que são os tripulantes de navios, circenses, expositores e outros, art. 651, §3º da CLT. Na ocasião de tais profissionais demandarem será competente o foro do local do contrato ou da prestação de serviços, segundo a norma interna processual do trabalho.

Veja que a norma não dispõe se será a prestação habitual ou qualquer prestação, o que implicaria na prestação de trabalho por um dia apenas em território nacional para se considerar a autoridade jurisdicional brasileira competente, na hipótese de não ter sido contratado no Brasil.

A Lei n. 7.064/82 que trata de norma material internaci-onal do trabalho, considera como transitório o serviço não supe-rior a 90 dias, conforme art. 1º, parágrafo único61.

61 BRASIL, 1982.

(35)

Não parece na visão deste trabalho que tal critério deva ser adotado na norma subjetiva, pois haveriam evidentes dene-gações de justiça. Pois caso fosse considerado o critério de 90 dias para a autoridade judiciária ser declarada como competente os empregadores mudariam seus empregados de domicílio a cada 90 dias.

Temos duas evidentes questões graves: a primeira trata de reconhecer a autoridade judiciária brasileira pela tão só pres-tação de serviços por um dia ou por horas no território nacional, já que a norma fala em foro da prestação dos serviços, o que sem levar em consideração outros pontos de conexão resultaria em um evidente foro exorbitante; e a segunda em considerar um lapso de tempo para o reconhecimento de uma mínima prestação de serviços em território nacional, o que poderia fazer com que os empregadores mudassem seus empregados a cada atingi-mento do limite máximo.

Veja que estamos tratando de uma situação específica que é a prestação de serviços fora do local de contratação e le-vando em consideração que o empregado não tenha sido contra-tado no Brasil.

POSICIONAMENTO DO EGRÉGIO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO.

Verifica-se que a Corte superior trabalhista teve a possi-bilidade de enfrentar alguns temas relacionados a competência internacional da justiça do trabalho brasileira.

As análises giram em torno da interpretação do art. 651 da CLT. Como dito nos parágrafos anteriores do capítulo supra não há normas de direito processual internacional do trabalho. Sendo que o interprete deve analisar as normas de conflito de lei existentes e aplicá-las ao caso concreto, e na ausência de normas de conflito de direito internacional privado deve-se socorrer às normas estritamente internas.

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No Agravo de Instrumento em Recurso de Revista – AIRR 1381-85.2013.5.10.000162, julgado em março de 2015, restou declarada a incompetência da autoridade judiciária brasi-leira, uma vez que o obreiro fora contratado no exterior para prestação de serviços no exterior, ainda que o obreiro seja brasi-leiro, não se pode estender o exercício da jurisdição a tal caso, pois não haviam sede, filial ou sucursal no território nacional.

Tal julgado, parece afastar o critério da nacionalidade utilizado pelo art. 651, §2º da CLT como ponto de conexão. Cabe agregar que a declaração de incompetência da autoridade judiciária brasileira se deu porque o art. 88, I do antigo CPC, art. 21, I do novo CPC, declara ser competente a autoridade judiciá-ria brasileira quando o réu for domiciliado no Brasil, sendo que no caso concreto o réu não tinha domicílio no país ou qualquer vínculo mínimo com o território nacional que atrai-se a compe-tência para a pacificação do conflito.

Veja que o julgado não aplica apenas uma norma de con-flito, utiliza-se da norma de conflito de jurisdição prevista no instrumento processual civil e combina com a norma de deter-minação de competência da norma celetista.

Em que pese a norma do art. 651, §2º da CLT dispor que a competência da justiça do trabalho se estenderá aos conflitos ocorridos no estrangeiro e exigir como condição apenas que o empregado seja brasileiro e não haja convenção em sentido con-trário, no julgado em análise os ministros da segunda turma hou-veram por bem combinar a normativa com o art. 21, I do CPC, já que o réu não possui domicílio no país e declarar a incompe-tência da autoridade judiciária brasileira.

Por fim, restou analisado a LINDB, CPC, CLT e inclu-sive, exemplificativamente - já que a reclamada não tinha domi-cílio em um dos países signatários, o Código de Bustamante para demonstrar que qualquer norma que se recorre-se não implicaria na competência da autoridade judiciária brasileira.

62 BRASIL. TST, 2015a.

Referências

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