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Relações de Gênero e Representações Sociais Relativas à Atuação de Homens Professores de Crianças

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Academic year: 2021

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Relações de Gênero e Representações Sociais Relativas à Atuação

de Homens Professores de Crianças

Josiane Peres Gonçalves1 Adriana Horta de Faria2 Leonardo Alves de Oliveira3 Pâmela Karoline Soares4

DOI: 10.15601/2237-0587/fd.v7n1p36-54 Resumo

O presente estudo reúne resultados de algumas pesquisas realizadas pelo Grupo de Estudo e Pesquisa em Desenvolvimento, Gênero e Educação (GEPDGE) sobre atuação de homens professores com crianças. Tem como objetivo identificar as representações sociais de famílias, gestores e homens educadores em relação ao trabalho educativo desenvolvido por docentes do gênero masculino com crianças. A abordagem teórica baseia-se nas perspectivas de representações sociais de Moscovici (1973), educação e gênero de Louro (2007) e atuação de homens com crianças de Gonçalves (2009). As pesquisas de campo apresentadas são de natureza qualitativa, sendo realizadas por meio de entrevistas semiestruturadas com os seguintes entrevistados: pais e mães de crianças matriculadas em instituições de Educação Infantil em um município do interior do Estado de Mato Grosso do Sul; gestoras de Educação Infantil do mesmo município; um estagiário do curso de Pedagogia; homens educadores da Educação Básica. Os resultados indicam que: pai e mãe de menino aceitariam um homem como professor e tentariam “vigiar” o trabalho, já quem era pai e mãe de menina preferiam a professora mulher; As gestoras de Educação Infantil demostraram resistência em ter homens professores atuando em suas instituições; O estudante de Pedagogia não pôde desenvolver todas as práticas previstas no estágio curricular com crianças de 0 a 3 anos e acredita que tendo a mesma formação acadêmica, homens e mulheres devem realizar as mesmas

1 Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora

Ajunta III da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Câmpus de Naviraí. E-mail: josianeperes7@hotmail.com

2 Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Câmpus de Naviraí.

Integrante do "Grupo de Estudo e Pesquisa em Desenvolvimento, Gênero e Educação" (GEPDGE). Bolsista PIBIC/CNPq. E-mail: adrianahortadefariafaria@yahoo.com.br

3 Graduando em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Câmpus de Naviraí.

Integrante do "Grupo de Estudo e Pesquisa em Desenvolvimento, Gênero e Educação" (GEPDGE). Bolsista PIBIC/CNPq. E-mail: leo1.dioliveira@hotmail.com

4 Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Câmpus de Naviraí.

Integrante do "Grupo de Estudo e Pesquisa em Desenvolvimento, Gênero e Educação" (GEPDGE). Bolsista PIBIC/CNPq. E-mail: pamela_pks@hotmail.com

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atividades; As representações predominantes em homens educadores são de, que devido à relação com a maternidade, a mulher têm maiores condições de ser professora de criança.

Palavras-chave: Educação e gênero. Representações sociais. Homens professores.

Gender Relations: Social Representations Regarding the Performance of Male Teachers with Children

Abstract

The present study combines the results of several investigations carried out by the Group of Study and Research in Development, Gender and Education on the role of male teachers with children. It aims to identify the social representations of families, educators, managers and men in relation to the educational work of male teachers with children . The theoretical approach is based on the perspective of social representations by Moscovici (1973), education and gender by Louro (2007) and performance of men with children by Gonçalves (2009). All fieldworks presented here are qualitative, being conducted through semi-structured interviews with the following respondents: children’s parents enrolled in Early Childhood Education in a town in Mato Grosso do Sul; managers of Early Childhood Education from the same town; a student of Pedagogy; male Elementary School teachers . The results indicate that boys’ parents would accept a man as a teacher and try to "watch" the work, but girls’s parentes preferred female teachers; Managers in Early Childhood Education demonstrated strength in having male teachers working in their institutions. The student of pedagogy could not develop all the practices provided for in traineeship with children from 0 to 3 years and believes that having the same academic background, men and women should perform the same activities. The predominant representations in male teachers are those ones related to motherhood, so that women are more able to be teachers of children.

Keywords: Education and gender. Social representations. Male teachers.

Introdução

Historicamente, os estudos de gênero surgiram para entender questões relativas ao universo feminino, especialmente aos direitos das mulheres que estavam inseridas em sociedades vistas como machistas. Nesse sentido, investigações relativas ao universo masculino foram desconsideradas por se entender que já havia muitos conhecimentos produzidos predominantemente pelos homens. Porém, o que se percebe é que os homens tiveram à frente de muitos estudos como investigadores, mas como sujeito de pesquisa é algo recente e existem poucos estudos nessa área.

Nesse contexto, o Grupo de Estudo e Pesquisa em Desenvolvimento, Gênero e Educação (GEPDGE) surge com a finalidade de desenvolver estudos sobre relações de gênero e educação. Entre as diversas possibilidades de investigação, o referido grupo de pesquisa tem

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priorizado estudos relativos às representações sociais sobre a atuação de homens como professores de crianças.

Dessa forma, a presente pesquisa tem por objetivo identificar as representações sociais da comunidade escolar como famílias, gestores, professores, alunos, etc. sobre a atuação de docentes do gênero masculino com crianças de Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. Algumas estudos foram finalizados, outros encontram-se em andamento, sendo que neste artigo foram compilados alguns resultados de entrevistas já finalizadas, buscando evidenciar quais são as representações predominantes, especialmente em representantes da comunidade escolar de um município do interior do Estado de Mato Grosso do Sul.

Assim, o presente trabalho mantém a seguinte organização: primeiramente são apresentadas algumas discussões teóricas relativas à predominância feminina no magistério e representações sociais; na metodologia são comentadas sobre as pesquisas realizadas que fazem parte do presente estudo; finalmente os principais resultados das pesquisas realizadas pelo GEPDGE são apresentados e analisados, buscando ressaltar sobre as representações predominantes em relação a atuação de homens professores com crianças.

Presença feminina no magistério e representações sociais

Sabe-se, de antemão, que a sociedade é composta por homens e mulheres que se comportam de acordo com os padrões culturais estabelecidos para cada um dos sexos: masculino e feminino. Esses padrões variam de acordo com o período histórico e social, e o que é aceito em uma determinada situação, pode ser diferente num outro contexto.

É o caso dos papéis sociais relativos à educação de filhos, por exemplo, que durante muito tempo ficou sob a responsabilidade da mulher que não trabalhava fora. Nesse contexto era o pai que se ocupava em garantir o sustento da família era visto como provedor e praticamente não colaborava com a educação dos filhos. No atual contexto a realidade apresenta-se de modo diferente, a mulher passou a trabalhar fora, dividir as despesas da casa e é cada vez mais comum ver os pais orgulhosos comprometidos com o processo educativo de seus filhos. Este é um aspecto positivo por permitir que desde a infância a criança passe a ter contato e a ser educada por homens e mulheres.

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Na educação escolar, no entanto, os fatos foram diferentes. Embora no Brasil a profissão docente tenha se iniciado pela atuação exclusiva de homens professores, ao longo do século XX este processo foi se invertendo a ponto de o magistério tornar-se uma profissão essencialmente feminina. De acordo com Hypólito (1997), muitos fatores contribuíram para esse “processo de feminização”, sendo estes relacionados com as mudanças ocorridas na sociedade, tais como: a II Guerra Mundial em que as mulheres tiveram que assumir o trabalho deixado pelos homens; a escola passou a se modificar com novas exigências de educação para todos; as indústrias exigiram o mínimo de formação escolar do trabalhador; a educação formal se expandiu por tornar-se cada vez mais necessária, aumentando assim a demanda por professores. Hypólito (1997) considera que, diante dessa realidade, somente os homens não teriam mais condições de assumir tantas aulas, abrindo caminho para que gradativamente as mulheres se tornassem professoras.

É importante ressaltar que, segundo Gonçalves (2009), no período em que no Brasil os professores eram somente homens, as mulheres não tinham acesso à vida pública e apenas os meninos das classes mais favorecidas tinham direito à educação. Seguindo essa mesma linha de pensamento, Louro (1997) enfatiza que aos poucos as instituições escolares foram obrigadas a aceitar outros grupos sociais, meninos de outras etnias e também a entrada de crianças do gênero feminino. Louro (1997) afirma que tais mudanças exigiram que a escola se modificasse para atender a essa nova demanda e foi nessa ampliação da escolarização que as mulheres começaram a fazer parte do magistério.

Paralelamente, enquanto aumentava o número de mulheres atuando na área da educação, os homens passaram a se afastar ou a não demonstrar mais interesse pela profissão docente. Entre os principais motivos que provocaram o afastamento dos homens pode-se destacar: o aumento da participação de meninas em sala de aula; a busca por profissões mais lucrativas; a compreensão de que o homem sendo provedor não poderia permanecer numa profissão, cujo salário era visto como ‘complementação’ das despesas domésticas; a ideia de que as mulheres tinham maiores habilidades para ensinar, sendo essas associadas com a educação de seus filhos, entre outros (GONÇALVES, 2009).

Apesar de a escola, ao longo do tempo, ter se tornado essencialmente feminina, as instituições educativas fazem parte de um contexto que é histórico e social, que atende meninos e meninas e, portanto, as questões relativas a gênero se fazem presentes no processo de ensino e aprendizagem. Diante desse pressuposto, pode-se afirmar que para os meninos é

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mais difícil frequentar o espaço escolar por ter que ficar muito tempo em um local onde os profissionais são basicamente mulheres (cozinheira, secretária, professoras, bibliotecária, etc). Para esses alunos nem sempre é motivador estar num ambiente, cuja linguagem e cultura estão mais adequadas para as estudantes do gênero feminino. Em geral, nas escolas são os meninos que apresentam maiores problemas de aprendizagem e embora não seja possível afirmar que somente a questão de gênero esteja interferindo, uma das hipóteses é de que se houvessem mais homens, o ambiente escolar poderia ser mais interessante para os alunos do gênero masculino.

Além do mais, acredita-se que os homens possuem diversas habilidades que culturalmente fazem parte do gênero masculino e que podem contribuir com a educação de crianças. Em um artigo publicado por Gonçalves (2010), em que foram entrevistados três professores homens, dois entendiam que o magistério deve ser assumido por mulheres, devido às suas habilidades maternas que podem ajudar no processo de educação escolar das crianças. Outro, porém, afirmou diferente, dizia que os homens possuem muitas habilidades que seriam uma grande contribuição na escola, assim ele relatou:

O fato de o homem usar uma linguagem de futebol, de área, de comprimento, de largura... de uma forma um pouquinho mais significativa do que a mulher, porque a mulher, por hábito, ela não tem o costume de pegar o metro na mão e sair medindo o chão, medindo parede, e o homem já tem mais essa característica, ele tem mais facilidade de levar esse material pedagógico para sala de aula. Também a mulher fala mais no abstrato e o homem procura mais no concreto, principalmente se vamos falar na área da matemática. Então eu sinto que tudo vem somar realmente (GONÇALVES, 2010, p. 50-51).

Baseando-se no que foi exposto, é possível refletir que se os homens podem contribuir ou se “vem a somar” com o trabalho que é desenvolvido pelas mulheres, por que não o fazem? Por que não se interessam por trabalhar com crianças? De acordo com Gonçalves (2010), além da questão salarial que em geral não é tão atrativa para os homens, existem as representações sociais predominantes de que a docência é uma profissão de mulheres. Para Moscovici (1973), as representações sociais são entendidas como um sistema de valores, ideias e práticas que tem tanto a função de estabelecer a ordem que orientará as pessoas a como devem agir e se comportar, quanto de favorecer a realização da comunicação entre os membros de uma comunidade ou contexto cultural.

Assim, a teoria das representações sociais procura entender o conhecimento popular, criado pelos indivíduos ou pela coletividade e que interfere no estilo de vida das pessoas que fazem parte de determinado contexto social. É importante destacar, no entanto, que essas

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representações não se reduzem a todo e qualquer tipo de saberes, mas sim a “[...] uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade” (JODELET, 2001, p. 22).

Uma vez construída e internalizada, as representações sociais direcionam as ações das pessoas, que passam a agir de acordo com os padrões culturais estabelecidos. Nesse sentido, Oliveira e Werba (2003) afirmam que as representações sociais modificam os sujeitos de um determinado contexto social, têm a função de modelar o comportamento e de justificar a sua expressão. Elas preparam a ação, conduzem o comportamento, modificam e reconstituem as condições do ambiente para que as atitudes humanas se mantenham.

Diante desses pressupostos, é possível afirmar que se as representações sociais que predominam atualmente são de que as mulheres é que devem atuar com crianças da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, significa que cada vez mais será difícil existir a presença de homens professores atuando nesses níveis de ensino. Tal hipótese vem sendo confirmada nos cursos de Pedagogia, que em geral não têm universitários do gênero masculino e os poucos que se matriculam costumam desistir, especialmente no período dos estágios curriculares.

Diante de tal constatação, ou seja, o fato de não haver interesse dos homens em fazer a opção pelo magistério, especialmente por trabalhar como professores de crianças, a escola tende a se tornar cada vez mais feminina. No caso da Educação Infantil, por exemplo, as crianças têm ido cada vez mais cedo para as creches, ficando muito tempo num ambiente que é essencialmente feminino, sem ter a presença de referenciais adultos de gênero masculino.

É importante destacar que o conceito de gênero é entendido, segundo Scott (1998), como a organização social da diferença sexual, que não está relacionada com a realidade biológica primeira (nascer homem ou mulher), mas constrói o sentido desta realidade. A autora ainda afirma que “[...] a diferença sexual não é a causa originária da qual a organização social poderia derivar; ela é, antes, uma estrutura social móvel que deve ser analisada nos seus diferentes contextos históricos” (p. 15).

Ao relacionar essas ideias com a educação escolar, é possível afirmar que a criança, embora sendo biologicamente homem ou mulher, constrói as noções de gênero nas diversas relações sociais estabelecidas, inclusive no espaço escolar. E nesse processo de construção, é importante que conviva com gêneros femininos e masculinos de idades diferenciadas. Porém

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na escola, especialmente na Educação Infantil, gênero masculino se resume em crianças ou meninos das mesmas faixas etárias, sem haver a presença de homens ou de referencial masculino adulto. Ou seja, o referencial predominante nas escolas é o feminino, faltando a presença masculina que tem muito a contribuir com a formação de crianças menores.

Dessa forma, é importante entender o que os estudos vêm apontando sobre as representações sociais relativas a atuação de homens professores com crianças, sendo alguns resultados apresentados logo após a explicação da metodologia da pesquisa.

Metodologia

O presente trabalho é resultado de algumas pesquisas desenvolvidas pelo grupo de Estudo e Pesquisa em Desenvolvimento, Gênero e Educação, além de alguns relatos de homens professores abstraídos da tese de doutorado de Gonçalves (2009), em que os sujeitos da pesquisa eram somente homens professores. Embora o tema principal da referida tese fosse outro, durante as entrevistas semiestruturadas alguns dos sujeitos comentaram sobre a atuação como docentes de crianças, evidenciando suas representações sobre essa temática.

Esses relatos despertaram interesse em melhor compreender o assunto, surgindo posteriormente o GEPDGE com o desenvolvimento de entrevistas voltadas a essa problemática relativa à atuação profissional de docentes do gênero masculino com crianças de Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. Alguns estudos foram concluídos, outros encontram-se em andamento e no presente trabalho são apresentados parte dos resultados de algumas pesquisas concluídas, além de resgatar alguns relatos apresentados na tese de doutorado de Gonçalves (2009).

A primeira pesquisa apresentada refere-se às representações sociais de dois casais que tinham crianças matriculadas em instituições de Educação Infantil pública de uma cidade do interior do Mato Grosso do Sul, cujas professoras eram somente mulheres, porque no referido município não existiam homens atuando como docentes nesse nível de ensino. Vale ressaltar que um dos casais eram pais de uma menina e o outro eram pais de um menino, sendo que os resultados foram diferentes de acordo com o gênero da criança.

A segunda etapa da pesquisa foi realizada com duas gestoras ou diretoras de instituição de Educação Infantil do mesmo município, sendo uma da rede pública e outra da

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rede particular de ensino. Elas comentaram se aceitariam ou não ter homens atuando como docentes e justificaram suas opiniões, evidenciando assim as suas representações sobre essa temática.

O terceiro estudo foi realizado com um aluno do último ano do curso de Pedagogia de uma universidade pública de Mato Grosso do Sul, que tinha vivenciado no ano anterior a experiência de desenvolver os estágios curriculares ou obrigatórios em turmas de Educação Infantil. Ele relatou sobre a experiência vivida e o que pensa em relação a essa problemática relativa à atuação de homens como professores de crianças.

Por fim, a última pesquisa é composta por homens educadores, sendo que um atuava como Secretário Municipal de Educação em Mato Grosso do Sul, mas que tem muitos anos de experiência tanto como docente, quanto como gestor de escolas públicas. Os outros eram três homens professores do interior do Paraná, que escolheram o magistério como principal profissão e passaram pela experiência de atuar em diversos níveis de ensino da Educação Básica em instituições públicas e particulares. Dois desses docentes eram graduados em Filosofia e outro tinha licenciatura em Matemática.

Vale ressaltar que todas as pesquisas eram de natureza qualitativa, sendo realizadas por meio de entrevistas semiestruturadas no ano 2013. Apenas os resultados obtidos por meio da tese de doutorado de Gonçalves (2009) com os três professores do Paraná é que tiveram as entrevistas realizadas no ano de 2008, porém os dados continuam sendo válidos.

Quanto à pesquisa qualitativa, Bogdan e Biklen (1994) relatam que ao se fazer esta opção, faz-se necessário seguir alguns princípios, tais como: a) O investigador é tido como principal instrumento de pesquisa e o ambiente natural como fonte direta de dados, o que supõe que o pesquisador tenha contato longo e direto com o seu objeto de estudo durante a realização da coleta de dados; b) Os dados coletados são predominantemente descritivos e todos os dados da realidade são considerados importantes; c) A preocupação com o processo é maior que o produto, tendo em vista que, ao desenvolver o estudo, o pesquisador se preocupa com a maneira em que o problema se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas; d) Uma atenção especial é dada ao significado que as pessoas atribuem às coisas e à própria vida; e) A análise dos dados tende a seguir um processo indutivo, não havendo a preocupação em buscar evidências que comprovem as hipóteses que foram levantas antes do início da investigação.

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O instrumento utilizado para a coleta de dados da pesquisa qualitativa caracteriza-se pela realização de entrevistas semiestruturadas porque, de acordo com Flick (2002, p. 90), “[...] é mais provável que os pontos de vista dos sujeitos entrevistados sejam expressos em uma situação de entrevista com um planejamento relativamente aberto do que em uma entrevista padronizada ou em um questionário”.

Quanto aos procedimentos para a coleta de dados, foram feitos contatos prévios com cada sujeito de pesquisa, realizadas as entrevistas individuais e por fim os dados foram transcritos e sistematizados, para então serem discutidos através da técnica denominada por Bardin (2004) de Análise de Conteúdo.

Para a referida autora, a análise de conteúdo é caracterizada por um conjunto de técnicas que, de forma sistemática e objetiva, visa obter indicadores que permitam ao pesquisador inferir conhecimentos relativos à produção da mensagem. Desta forma, a técnica possibilita que se faça a interpretação do que está por trás dos discursos, ou seja, as motivações, os desejos e as outras características manifestadas pelos entrevistados através de risos, de pausas e de perturbações.

Resultados e discussão

Para a sistematização dos resultados, são apresentados e já analisados os dados obtidos por meio da realização de cada uma das pesquisas, sendo iniciadas pelas mais recentes, desenvolvidas no ano de 2013.

Representações sociais de pais e mães de crianças da educação infantil

Um dos estudos foi realizado com dois pais e duas mães de crianças com idade entre 0-3 anos, sendo o primeiro casal (pais de um menino) identificados como Pai 1 e Mãe 1, e o segundo casal (pais de uma menina), identificados como Pai 2 e Mãe 2. Ambas as crianças estavam matriculadas em instituições de Educação Infantil em um município do interior do Estado de Mato Grosso do Sul durante o período de realização das entrevistas, no segundo semestre de 2013.

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A Mãe 1 era estudante de Pedagogia, tinha um menino com 2 anos de idade frequentando uma creche pública e ao ser questionada sobre o momento de matricular o seu filho na creche, se pudesse escolher, qual seria sua preferência entre um professor homem ou uma professora mulher para atuar com seu filho, ela afirmou:

Eu acho que tanto um, como o outro, pode desenvolver um trabalho bom e pode passar aquilo que ele sabe para o meu filho. Às vezes o homem poderia até ser melhor que a mulher [...] o homem também tem capacidade, porque o mesmo tanto que a mulher estudou, ele também estudou. Aí no decorrer do tempo eu ia ver, né, a apresentação dele, como ele ia se portar... Se eu achasse que ele não fosse uma boa pessoa, né, capacitada pra tá ali com o meu filho, eu trocaria ele de escola ou mesmo de professor (MÃE 1).

Observa-se que a mãe, talvez por cursar Pedagogia, atribui maior valor à formação profissional e não ao gênero, e isso é muito interessante, porque realmente homens e mulheres que passaram por um curso de graduação que forma para ser professores, são considerados profissionais da educação, independentemente do gênero. Por outro lado, a mãe que, aparentemente, não tem nenhum tipo de preconceito, disse que ficaria atenta para ver as atitudes e se achasse que “ele” (professor) não estava capacitado, trocaria “ele” (filho) de escola ou de professor. É interessante que ela não faz o mesmo comentário em relação às professoras mulheres.

A segunda mãe, que tinha uma filha de 2 anos e meio matriculada na creche, ao opinar sobre a preferência por um homem ou por uma mulher como educador/a trabalhando com sua filha, disse: “[...] eu optaria pela mulher, porque assim sendo na creche eu acredito que a mulher tem mais jeito para lidar com a criança”.

O Pai 1, que tinha um filho com 2 anos de idade, respondeu da seguinte forma à mesma pergunta: “Não teria muita preferência, não, porque, depende muito do ensinamento, acredito que tanto o homem quanto a mulher teria a mesma capacidade de passar a educação para uma criança [...]”.

O Pai 2, que tinha uma filha com 2 anos de idade matriculada na Educação Infantil, deixa claro que:

[...] optaria pela professora, vamos dizer assim, a mulher explica mais, é mais compreensiva com as crianças. A mulher sabe cuidar mais que o homem , assim , mesmo que não seja filho dela , mas ela tem um mais carinho do que o homem [...] então na hora do banho uma brincadeira eu acho que a mulher é mais paciente, tem mais paciência que o homem (PAI 2).

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Mediante a esses relatos, é possível perceber que os primeiros pais aceitariam um homem como professor de seu filho, por considerarem que o homem é tão capaz quanto a mulher de educar as crianças. Porém são pais de uma criança do gênero masculino e provavelmente o pai poderia ter opinião diferenciada se fosse para um homem ser professor de menina. Ainda assim, a Mãe 1 deixa claro que haveria uma vigilância quanto ao trabalho do professor homem e este teria que provar a sua capacidade.

A Mãe 2 e o Pai 2 têm preferência pela mulher atuando com crianças. Suas falas remetem ao que Louro (2012, p. 450) afirma sobre as representações sociais relativas à feminilização do magistério, representações que estão intrinsecamente ligados a “[...] uma atividade de amor, de entrega e doação”. Fica evidenciado que, para esses pais, pelo fato de ser do sexo feminino, a profissional já estaria preparada ou teria melhor desempenho do que o homem na mesma tarefa.

É importante destacar que um dos docentes formado em Filosofia que foi sujeito de pesquisa da tese de doutorado (GONÇALVES, 2009, p. 164) também comentou sobre o posicionamento das famílias diante da possibilidade de ter homens atuando como docentes de crianças. Assim ele afirmou:

As próprias famílias reagiriam diferente. Eu tenho a impressão de que a cultura familiar não aceitaria. Se fosse pra um pai escolher, entre uma professora e um professor ele não iria ficar analisando as capacidades e competências. Ele já iria imaginar que tinha que ser a professora.

Esse relato evidencia que a “cultura familiar” ou as representações sociais predominantes nas famílias são de que independente das capacidades e competências, as mulheres têm maiores condições de atuarem como professoras de crianças. Esse fato pode acontecer porque, segundo Louro (2007), as professoras foram vistas em diferentes momentos como habilidosas alfabetizadoras, modelo de virtude e trabalhadoras da educação, predominando ainda na atualidade as representações de que elas possuem maiores habilidades para trabalhar com crianças.

Representações sociais de diretoras da educação infantil

Outro estudo foi realizado com a finalidade de identificar a concepção de duas diretoras da Educação Infantil, uma da rede pública e outra privada, sobre a participação de homens como professores regentes em suas instituições, em uma cidade no interior do Mato

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Grosso do Sul. A pesquisa de natureza qualitativa ocorreu mediante entrevista semiestruturada em que foi constatado que a gestora da instituição particular não aceitaria um homem como regente, por considerar que haveria estranheza por parte dos pais, mas aceitaria como professor de educação física ou informática.

De acordo com Gonçalves (2009), em geral os professores homens que atuam com criança, preferem trabalhar como gestores de escola, disciplina de Educação Física e/ou outras disciplinas que não seja necessário estar todos os dias com a mesma turma em sala de aula. São poucos os homens que atuam como professores regentes de sala quando se trata de trabalho com crianças.

Na instituição pública, a diretora afirmou que não tem o poder de escolher o gênero do profissional docente, mas em caso de homem atuando com criança de Educação Infantil ela considera complicado devido ao receio de pedofilia, uma vez que existem muitos contatos físicos que são necessários nessa faixa de idade.

Fica claro que a entrevistada tem receio quanto ao homem atuando na Educação Infantil e que esse medo é devido à necessidade dos cuidados físicos com a criança. Cruz (1998) sustenta que se encontra, tanto na creche quanto no âmbito familiar, um medo relacionado à concepção da sexualidade masculina como algo incontrolável. Em muitas falas dos entrevistados, às vezes explícito outras vezes velado, encontra-se um medo vinculado à pedofilia. Então se torna evidente que, para os pais, existe uma relação entre o cuidar e os impulsos sexuais masculinos.

Nesse sentido, Ramos (2011) afirma que o cuidado físico executado por parte dos educadores/cuidadores homens representa, para os pais, uma ameaça à integridade física da criança e que a mesma representação não é atribuída aos profissionais do sexo feminino:

Eles explicitam que, nas ações do cuidar, há restrição apenas para os homens, pois as professoras não representam nenhum tipo de ameaça para as crianças na medida em que trazem consigo a vocação para a maternidade e elas são, por natureza, quem protege e cuida dos filhos com desvelo e são incapazes de cometer maldade contra crianças (RAMOS, 2011, p. 107).

Vale ressaltar que embora não podendo escolher o gênero, a diretora relatou que em determinada situação a Secretaria Municipal de Educação que, mediante teste seletivo, tinha uma lista de profissionais aguardando ser chamados, iria disponibilizar uma nova vaga de professor pra sua instituição de Educação Infantil. Ela então percebeu que o próximo docente da lista de espera seria um homem e resolveu aguardar um pouco mais, até que o referido

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professor foi chamado para uma escola de Ensino Fundamental. Somente ao perceber que a próxima professora seria uma mulher é que aceitou a vaga, reforçando o quadro de profissionais da educação do gênero feminino a atuar com turmas de criança.

Assim, a instituição de Educação Infantil, que já não tinha nenhum homem atuando como docente, continuou a não ter na docência e nem mesmo nas áreas administrativas, evidenciando que as crianças não tinham nenhuma referência masculina adulta. A convivência com o gênero masculino ocorria apenas com as crianças da mesma faixa etária. Diante dessa constatação, é possível questionar se tal realidade poderia influenciar na formação das crianças, uma vez que é importante já desde a infância, haver a convivência com ambos os gêneros. No caso da Educação Infantil, cada vez mais as crianças estão indo mais cedo, ficando mais tempo nesse espaço que é educativo, mas que é constituído basicamente por mulheres. Se tal organização do espaço educativo, onde não há a presença masculina, poderá influenciar na formação das crianças, somente pesquisas futuras poderão sinalizar se pode resultar em algum tipo de consequência.

Representações sociais de um estagiário de Pedagogia

Uma das pesquisas do GEPDGE foi realizada em 2013 com um estudante do 4º ano do curso de Pedagogia de uma universidade pública localizada em um município do interior do Mato Grosso do Sul. No ano anterior ele havia realizado os estágios curriculares em turmas de Educação Infantil e comenta como foi essa experiência, especialmente em turmas de crianças de 0 a 3 anos, em que o ato de cuidar é muito presente nessa faixa de idade.

Antes, porém, é importante refletir sobre a questão da dita “vocação” que as mulheres teriam para ensinar, sendo uma das justificativas para o predomínio de mulheres atuando como docentes de crianças. Para Bruschini e Amado (1998), historicamente o conceito de vocação foi aceito e expresso pelos próprios profissionais da educação, que defendiam a ideia de que a carreira do magistério era adequada à natureza feminina e para desenvolver as atividades docentes, era preciso haver sentimento, dedicação, minúcia e paciência, características mais facilmente encontradas em mulheres. Por predominar a ideia de que as pessoas têm aptidões e tendências inatas para certas ocupações, o conceito de vocação foi um dos mecanismos mais eficientes para induzir as mulheres a escolher as profissões escolher as profissões relacionadas ao educar e cuidar de pessoas.

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Em uma pesquisa realizada com seis professoras de Educação Infantil, Aragão e Kreutz (2012) indicaram a coexistência de duas representações sobre a docência: uma é pautada em conhecimento teórico e outra é vista como dom ou vocacional. Percebe-se, assim, uma docência na qual o conhecimento teórico é valorizado e uma na qual isto não acontece satisfatoriamente, pois sobrepõe o conhecimento teórico e o diminui. Se a docência é um dom feminino, um presente, não há necessidade de investir na formação de professores: as mulheres só precisam mover suas habilidades naturais herdadas de seu sexo feminino.

O acadêmico entrevistado mostrou-se contrário à visão de que a docência é vocacional e de que o sexo do acadêmico possa interferir na formação de um bom profissional. Questionado sobre a possibilidade de um professor homem contribuir na formação de uma criança e sobre os papéis atribuídos aos homens e às mulheres, o acadêmico assim afirmou:

Depende da formação... Independente do sexo, se você desempenhar a sua profissão com dedicação, principalmente dedicação, pode marcar a vida de uma pessoa... O jeito de conduzir a sala, o jeito de tratar. Entendeu? Não vejo diferenciação (entre papel masculino e feminino). Eu acho que, na Educação Infantil, hoje tem homem lá... Estudou, “tá” atuando, é aquilo lá. Não tem como... não tem tarefa específica masculina e feminina. O professor tem que ser, principalmente na Educação Infantil, ele tem que ser flexível, muito flexível.

O acadêmico demonstrou também que mudou consideravelmente o seu pensamento depois que iniciou o curso de Pedagogia, especialmente durante a realização dos estágios curriculares. Na fala a seguir é possível perceber esta mudança.

Antes de ingressar na Pedagogia, eu via... Nossa, um homem? Imagem masculina! Um homem cuidando de criança? Meio desconexo. A (minha) mentalidade era machista. Hoje eu vejo com outra mentalidade. Eu trabalho como eletricista, e aí o pessoal fala: você está cursando o quê? Eu falo: Pedagogia. Ah, você vai cuidar de criança? (reação das pessoas) Entendeu? A mentalidade deles não muda. Acha que homem não pode cuidar de criança. E lá no (instituição onde o acadêmico estagiou) eu percebi que a estrutura, a escola, a organização ainda não está preparada para ter homem [...].

Lopes e Nascimento (2012) citam alguns fatores que podem ser os motivos para o distanciamento do homem da Educação Infantil: os baixos salários e condições de trabalho, porém, nos países cujos salários e condições de trabalho são melhores, também é observado um baixo número de homens atuando como professores de crianças da mesma faixa etária; a identidade masculina colocada sob suspeita; e a sensualidade impregnada na interação adulto-criança pequena, o suposto desejo existente nessa relação, preconceito do qual a relação mulher-criança pequena está imune.

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Com relação à última causa abordada, o acadêmico entrevistado relatou que por ser o único estagiário homem na instituição ele percebeu que as atividades que poderia desenvolver eram limitadas.

Eu fui barrado na escola que eu participei. Criança tem que limpar! Não, não que eu queria fazer o serviço... Até porque tem pais que se soubessem que tem um homem lá, dando banho em menina, entendeu? Não iria aceitar... A população ainda não está pronta. Vai perguntar: “Mas vai ser ele que vai dar banho”? Entendeu? Então, tinha um grupo de estagiários na sala. Eu não dei banho... Nem nos meninos. O pai de um menino não vai gostar que outro homem também fica lá passando a mão no filho dele. Eu não fui convidado (a dar banho nas crianças).

O acadêmico apenas vestiu os meninos e as meninas, mas não participou da atividade do banho. Porém, todas as acadêmicas, colegas de estágio do acadêmico, foram convidadas para dar banho nas crianças. Nota-se uma preocupação por parte da instituição com a presença do estagiário homem na instituição, e essa preocupação parece estar ligada às atividades que exigem um contato mais próximo com a criança, as atividades nas quais o “cuidar” é o principal objetivo.

Representações sociais de homens educadores

Também foi realizada uma pesquisa com o Secretário da Educação, para saber a sua opinião sobre a atuação de homens com crianças de Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Sua formação era Licenciatura em História e Mestrado em Educação, nunca havia trabalhado como professor de crianças, mas foi por muitos anos diretor de uma escola pública que atendia desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. Demonstrou ter conhecimento sobre o assunto, especialmente relacionado ao processo de feminização do magistério e acreditava que para as mulheres o trabalho com crianças se torna mais fácil por apresentarem a sensibilidade inerente à maternidade.

De acordo com Louro (1997), historicamente a função docente foi associada às características femininas, consideradas inatas e um dom natural para ensinar, e, devido à própria natureza, a mulher teria maior inclinação no trato com as crianças, constituindo-se nas primeiras e naturais educadoras. Nesse contexto, a maternidade, que era considerada o destino primordial das mulheres, passa a ser associada à ideia de educação formal, como se esta última fosse uma forma extensiva da maternidade.

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Estas formas de representação social estão presentes também na opinião de homens professores, como foi relatado por um dos docentes formado em Filosofia, conforme estudos de Gonçalves (2009, p.154) “Elas tendem a ser mais maleáveis, mais flexíveis, mais amorosas e acho que o dom que elas têm, um dom natural, da natureza de serem mães, faz com que elas também se relacionem melhor com as crianças e até com os adultos.” O professor também comentou que esta é uma característica que os homens não possuem e que, portanto, as mulheres têm condições de serem melhores educadoras. “Então eu repito: as mulheres, diferente de nós, homens, elas têm um amor às pessoas, um amor maior. Eu acho que as mulheres abarcam para si mesmo mais essa questão de ‘ser mãezona’ e, por sentirem muito afeto por seus alunos, elas se doam mais”.

Em seus estudos, Gonçalves (2009, p. 154) constatou que outro docente do gênero masculino, também formado em Filosofia, afirmou sobre a relação que há entre a maternidade e a educação escolar: “Eu acredito que a mulher acaba, na maioria das vezes, trazendo muito o laço materno para a sala de aula [...] porque a mulher sempre teve historicamente um papel da mãe como educadora”.

Neste último caso, o professor se referia ao fato de que, apesar das evoluções ocorridas no âmbito familiar, ainda na atualidade a educação dos filhos continua sob a responsabilidade maior das mulheres e na escola não é diferente. “Como na família, o pai atribui a educação e a cobrança à mãe [...] a mãe é que tem que dar conta da educação. ‘O que você faz que não educa os filhos?’ É a cobrança que se faz também” (GONÇALVES, 2009, p.154.)

Percebe-se que as representações sociais predominantes em relação ao trabalho docente com crianças pequenas estão intrinsecamente ligadas ao “instinto maternal”, sendo tomado como um pré-requisito para o desempenho das atividades educacionais com as crianças. Diferentemente das representações evidenciadas, Ramos baseia-se em Badinter (1985) para afirmar que existe um essencialismo exacerbado do amor materno:

[...] ao contestar ao mesmo tempo o “caráter inato” do sentimento materno e o fato de que ele seja partilhado por todas as mulheres. [...] o amor materno existe, sim, desde a origem dos tempos, mas não existe em todas as mulheres. Dessa forma, qualquer pessoa que não seja a mãe (o pai, a ama, etc.) pode “maternar” uma criança. [...] não é somente o amor materno que leva uma mulher a cumprir seus deveres maternais (RAMOS, 2011, p. 105).

Para Ramos (2011), nem todas as mulheres possuem o “amor materno”. Em razão disso, independentemente do sexo, qualquer pessoa pode ser capaz de educar e/ou cuidar de

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crianças. Destaca ainda que os homens, ao contrário do que muitos pensam, sabem cuidar e educar crianças.

Por outro lado, um dos homens entrevistados na tese de doutorado e que comentou sobre esse assunto, ressaltou sobre as habilidades masculinas para ensinar crianças, especialmente relacionadas à área da Matemática. E, portanto, segundo a opinião do professor, os homens podem sim contribuir com o processo de formação escolar de crianças de Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental (GONÇALVES, 2009).

No caso do Secretário Municipal de Educação, embora relacionando inicialmente a atividade docente com as habilidades maternais, ele reconhece que o paradigma de que homens não podem trabalhar com crianças deve ser rompido e enfatiza que o gênero não deve estar como prioridade na educação, mas sim a capacidade e a qualidade do profissional atuante.

Considerações finais

Diante dos estudos realizados, é possível afirmar que as representações sociais predominantes entre os participantes das pesquisas são de que as mulheres têm maiores condições de trabalhar como professoras de crianças e a presença masculina no magistério, em diversas situações, não seriam tão aceitas.

Entre as mães e pais entrevistados, as relações de gênero exerceram influência, uma vez que os pais de menino aceitariam com maior facilidade ter um homem trabalhando como professor de seu filho matriculado na Educação Infantil. Já os pais de menina demonstraram maior receio e afirmaram ter preferência por professoras mulheres atuando como docentes desse nível de ensino.

As gestoras de instituições de Educação Infantil também evidenciaram que, por receio de pedofilia, preferem contratar ou nomear mulheres professoras e em caso de ter professor do gênero masculino, até seria aceitável desde que fosse pra trabalhar com disciplinas relativas à Informática ou Educação Física.

Para o estudante de Pedagogia, que não pôde desenvolver todas as atividades durante a realização do estágio em Educação Infantil com crianças de 0 a 3 anos, a formação e competência são fatores mais relevantes que as relações de gênero. Para ele, se homens e

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mulheres fazem o mesmo curso de formação profissional (licenciatura em Pedagogia), ambos têm condições de desenvolver as mesmas práticas, independentes do gênero masculino ou feminino.

Entre os homens educadores, as representações sociais predominantes também foram de que a mulher tem maiores condições de trabalhar com criança, sendo relacionado o trabalho do magistério com as habilidades maternais. Um dos docentes acredita que os homens possuem diversas habilidades que podem contribuir com o processo de formação escolar de crianças. E outro, mesmo tendo também relacionado a atividade docente com questões inerentes à maternidade, acredita que as representações de que homens não podem trabalhar com crianças devem ser superadas.

Assim, mesmo considerando que homens e mulheres podem muito contribuir com a educação escolar de crianças de Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, constata-se por meio das pesquisas realizadas, que é preciso modificar as representações sociais relativas à atuação de homens como professores de crianças; ou o magistério continuará sendo caracterizado como feminino e os alunos não terão a oportunidade de conviver com docentes do gênero masculino nas instituições de ensino.

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