O interesse da análise química de cerâmicas para a investigação arqueológica
Fernando Castro*
* Professor Catedrático da Universidade do Minho - Departamento de Engenharia Mecânica, Azurém,
4810-058 Guimarães Portugal
fcastro@dem.uminho.pt
Introdução
Dos materiais arqueológicos recolhidos nas intervenções, os materiais cerâmicos apresentam uma
grande importância, quer do ponto de vista das quantidades disponíveis, quer pelas informações de
interesse historiográfico que deles se podem deduzir. Com efeito, aspectos como os costumes, o
comércio e as evoluções tecnológicas, podem ser obtidos através do estudo pormenorizado de cerâmicas
arqueológica. Por isso, ao investigador arqueólogo interessa frequentemente distinguir fabricos
cerâmicos, apresentando-se com alguma relevância a possibilidade de descobrir a proveniência de
fabrico das cerâmicas encontradas.
Neste contexto de investigação, surgiu em 1994, a ideia de estabelecer um programa de análises
químicas das cerâmicas arqueológicas portuguesas. O arranque desse programa foi propiciado pela
criação do Laboratório de Análises Químicas da TecMinho, situado em Guimarães e dotado de um
espectrómetro e fluorescência de raios X, e pelo financiamento obtido pelo projecto PROCEN – As
Produções Cerâmicas do Norte de Portugal, séc. XII-XX entretanto aprovado pela Junta Nacional de
Investigação Científica e Tecnológica (Fernandes1999).
Metodologia
Com a finalidade de recolher informações químicas que permitam estabelecer com fiabilidade o
agrupamento de amostras e a proveniência de fabrico, entendeu-se por bem incluir no programa
analítico, para além de amostras arqueológicas, também amostras etnográficas de origem bem
conhecida, amostras de barros e amostras de materiais de construção (tijolos, ladrilhos, telhas, etc.) em
barro vermelho não vidrado. Numa primeira fase, a investigação centrou-se em cerâmicas de louça
comum, procedendo-se, já em 2000, ao estudo de faianças (Castro2001).
A técnica analítica utilizada é a espectrometria de fluorescência de raios X, empregando-se um
espectrómetro Philips X’Unique II. As amostras cerâmicas são preparadas da seguinte forma:
- extracção de vidrado, no caso de amostras vidradas, por processo mecânico (raspagem);
- moagem da amostra em moinho planetário;
- obtenção de pérola de vidro, obtida por mistura do cerâmico, a altas temperaturas, com um
fundente de borato de lítio.
A análise propriamente dita é efectuada sobre a pérola, utilizando-se um programa de calibração que
utiliza unicamente materiais de referência certificados (actualmente utilizam-se mais de 30 padrões),
obtidos nomeadamente através do programa de ensaios interlaboratoriais GeoPT – Geochemical
Analysis Proficiêncy Testing. Determinam-se os teores dos seguintes componentes: SiO
2, Al
2O
3, Na
2O,
MgO, Fe
2O
3, K
2O, CaO, TiO
2, Zr, Ba, Mn, Rb e Sr. Determina-se, também, os teores dos óxidos de
fósforo e de enxofre, embora estes valores não sejam utilizados para efeitos estatísticos, por serem
frequentemente elementos que podem provir de contaminações, quer por via de uso, quer pelo contexto
químico em que os materiais se encontravam enterrados.
Uma vez que o processo de cozedura de uma cerâmica implica, do ponto de vista químico, a perda de
moléculas de água de hidratação e de composição, os treze parâmetros referidos vêm a sua composição
química referida a uma base em que a soma dos seus teores represente 100 %. Desta forma, e só desta
forma, é possível comparar composições químicas de cerâmicos entre si, independentemente do grau de
contaminação, e, principalmente, com barros e com materiais deficientemente cozidos.
O tratamento estatístico, explicado em detalhe noutros artigos (Castro1997, Castro1997b e Castro1998),
baseia-se na formação de grupos químicos – clusters -, em que os vectores de composição são
normalizados pelos respectivos desvios padrão. Desta forma, e pela medida da chamada “distância
euclidiana”, é possível verificar a proximidade química entre amostras isoladas e grupos previamente
formados e também entre grupos entre si. Esta metodologia permite ainda estimar a probabilidade de que
uma determinada amostra (ou grupo de amostras, representado pelo seu centróide) pertença a um
determinado grupo. Tal revela-se de grande interesse, quando se pretende determinar a origem de
fragmentos encontrados em escavações arqueológicas.
Os dados analíticos são introduzidos numa base de dados onde se encontram todos os resultados
provenientes de análises individuais e da criação de grupos. Neste último caso, a base de dados inclui os
valores médios de composição para cada um dos constituintes analisados, bem assim como os
respectivos desvio padrão.
Estado actual da investigação
Até Outubro de 2006 analisaram-se já mais de 2200 amostras, tendo-se constituído, a partir daí, 328
grupos, representativos de amostras arqueológicas, principalmente de Portugal e de Espanha, de
amostras etnográficas, de materiais de construção e de barros.
Os grupos criados de acordo com a metodologia estatística adoptada (Castro1997), são os resumidos no
quadro seguinte. Neste quadro indicam-se os grupos de acordo com a localização geográfica, assim
como em termos de grupos de proveniência e de grupos arqueológicos. Os grupos de proveniência são
aqueles que servem de auxiliares na determinação da proveniência de fragmentos cerâmicos de origem
desconhecida. Os grupos arqueológicos são os formados entre amostras arqueológicas, indicando, por
isso, não a proveniência, mas sim o local de uso.
Distrito
Concelho(s)
Grupos de proveniência
Grupos arqueológicos
Braga Braga, Vila Verde, Amares
e Barcelos
• 9 grupos de amostras de barros da zona de Ucha/Cabanelas/Prado/Vila Verde (37 amostras)
• 2 grupos de amostras de barros de Manhente/Arcozelo, e Lama, em Barcelos (5 amostras)
• 2 grupos de amostras etnográficas de Prado (14 amostras) (Castro1998b) • 4 grupos de tijolos antigos do Mosteiro
de Tibães (31 amostras) (Fernandes2003)
• 3 grupos, um dos quais com 4 sub-grupos, de amostras arqueológicas recolhidas no Mosteiro de Tibães (23 amostras) (Fontes1995)
• 1 grupo de amostras arqueológicas recolhidas na Sé de Braga (5 amostras) • 5 grupos de amostras proto-históricas,
incluindo proveniências de Braga, Guimarães e Famalicão (34 amostras)
Guimarães • 1 grupo de amostras arqueológicas da
Penha, Briteiros e Castro de Sabroso (9 amostras)
• 5 grupos de amostras proto-históricas, incluindo proveniências de Braga, Guimarães e Famalicão (34 amostras) Viana do
Castelo
Viana do Castelo
• 2 grupos de vidrados de faianças arqueológicas (10 amostras) • 2 grupos de amostras de barros de
Alvarães (9 amostras) Bragança Torre de
Moncorvo
• 1 grupo de amostras etnográficas e de barros de Felgar (5 amostras)
• 4 grupos de amostras arqueológicas de Baldoeiros, Santa Cruz da Vilariça e Castelos de Moncorvo e de Junqueira (total de 16 amostras)
lugar de Cabalhão (2 amostras) • 1 grupo de amostras etnográficas de
Calvelhe (2 amostras)
Vila Real Chaves • 4 grupos de amostras etnográficas e de barros de Vilar de Nantes (11 amostras) • 2 grupos de amostras etnográficas de
Selhariz (15 amostras)
Montalegre • 14 grupos de amostras arqueológicas de
Pitões das Junias (75 amostras) Vila Pouca de
Aguiar
• 3 grupos de amostras etnográficas e de barros de Tourencinho (9 amostras) Vila Real • 1 grupo de amostras de telhas de
Bisalhães (6 amostras)
• 2 grupos de amostras etnográficas de Bisalhães (12 amostras)
Porto Porto • 31 grupos de amostras arqueológicas da
Casa do Infante (204 amostras) (Castro2003)
• 4 grupos de amostras arqueológicas recolhidas na parte antiga da Cidade do Porto (22 amostras)
• 4 grupos de amostras arqueológicas do "Forno Velho", Frequesia de S. Nicolau (20 amostras)
• 8 grupos de pastas de faianças da Casa do Infante e 3 do Gab. Arqueologia Urbana (111 amostras)
Vila Nova de Gaia
• 4 grupos de amostras de barros da freguesia de Santa Marinha (24 amostras)
• 7 grupos de amostras arqueológicas e etnográficas de Coimbrões (50 amostras) • 3 grupos de pastas de faianças
arqueológicas de Santo Ovídio e 2 grupos da Rua Direita (50 amostras) Santo Tirso • 1 grupo de amostras de barros de
Alvarelhos (3 amostras)
• 25 grupos de amostras arqueológicas (97 amostras)
• 1 grupo de amostras arqueológicas de Santa Eufémia da Carriça (3 amostras) Póvoa de
Varzim
• • 5 amostras arqueológicas,
proto-históricas, da Cividade de Terroso, não agrupadas
Vila do Conde • • 5 amostras arqueológicas, proto-históricas, do Castro de Ferreiró, 3 das quais agrupam com amostras de Famalicão e de Braga
barro de Vilaseca - Gondar (12 amostras)
arqueológicas do lugar de Rio, Gondar (7 amostras)
Baião • 1 grupo de amostras etnográficas e arqueológicas. do lugar de Santo Tirso (3 amostras)
Felgueiras • 3 grupos de tijolos antigos do Mosteiro de Pombeiro de Ribavizela (21 amostras) (Fernandes2003)
Aveiro Ovar/Aveiro/Á gueda/Oliveira
do Bairro
• 10 grupos de amostras etnográficas, de telhas e de barros (57 amostras)
• 2 grupos de amostras arqueológicas encontradas em barco afundado na Ria de Aveiro (13 amostras) (Alves1998) Anadia • 1 grupo de amostras de telhas de Aguim
(5 amostras)
Arouca • 1 grupo de amostras arqueológicas de
Arouca (4 amostras)
• 3 grupos de amostras arqueológicas de Valinhas, Santa Eulália (10 amostras) Vale de
Cambra
• 1 grupo de amostras arqueológicas de Barbeito (2 amostras)
Mealhada • 1 grupo de amostras de barro de Barcouço (3 amostras)
• 2 grupos de amostras etnográficas de Ferraria, Barcouço (13 amostras) • 1 grupo de amostras de tijolos e telhas
de Pampilhosa (6 amostras) Viseu Resende/
Castro Daire
• 1 grupo de amostras etnográficas e de barro de Fazamões e S. Martinho de Mouros (22 amostras)
• 2 grupos de amostras de barros de Bigorne (8 amostras)
• 2 grupos de amostras de telhas de Paus e S. Martinho de Mouros (7 amostras) Tarouca • 5 amostras de tijolos de S. João de
Tarouca, não agrupadas (Fernandes2003)
• 1 grupo de amostras de tijolos antigos do Mosteiro de Salzedas (24 amostras) (Fernandes2003)
• 5 grupos de amostras arqueológicas de S. João de Tarouca (14 amostras) • 1 grupo de pastas de faianças
arqueológicas (11 amostras)
Tondela • 1 grupo de amostras etnográficas e de barro de Molelos (15 amostras) Mortágua • 1 grupo de amostras etnográficas (4
amostras)
• 1 grupo de tijolos de Vale da Gândara (4 amostras)
Guarda Seia • 1 grupo de amostras etnográficas e de barros de Carvalhal da Louça, Paranhos da Beira (6 amostras)
Almeida • 1 grupo de amostras etnográficas e de barro de Nave de Haver, Malhada Sorda (21 amostras)
V.N. Fozcoa • 1 grupo de amostras de barro de Barreiro, Santa Comba (3 amostras) Meda • 1 grupo de amostras etnográficas de
Barreira (4 amostras)
Coimbra Arganil/ Gois • 1 grupo de amostras etnográficas de Chapinheira, Pombeiro da Beira (21 amostras)
• 1 grupo de amostras de barros de Chapinheira, Pombeiro da Beira (2 amostras)
• 1 grupo de amostras de telhas de Vila Nova do Ceira (7 amostras) (Castro2004) Coimbra • 1 grupo de amostras de barros de
Taveiro (4 amostras)
• grupos de pastas de faianças arqueológicas de Santa Clara a Velha (21 amostras)
Condeixa • 3 grupos de amostras etnográficas de Ega (6 amostras)
Lousã • 1 grupo de amostras de barro de Padrão (4 amostras)
Miranda do Corvo
• 4 grupos de amostras etnográficas e de barros (14 amostras)
Oliveira do Hospital
• 1 grupo de amostras etnográficas e de barros de Ervedal (14 amostras) Soure • 1 grupo de amostras etnográficas e de
barros de Casal do Redinho, Alfarelos (3 amostras)
Tábua • 4 grupos de amostras etnográficas de Candosa (23 amostras)
Vila Nova de Poiares
• 1 grupo de amostras etnográficas de Olho Marinho (6 amostras)
Leiria Leiria • 2 grupos de amostras etnográficas e de barros de Bajouca (7 amostras) Pombal • Amostras de barros de Barracão e
Pombal
Castelo Branco Fundão • 1 grupo de amostras etnográficas de Alpedrinha (4 amostras)
Telhado (3 amostras)
Idanha-a-Nova • 2 grupos de amostras de telhas de Zebreira (6amostras)
Portalegre Crato • 1 grupo de amostras etnográficas de Flor da Rosa (5 amostras)
Santarém Sardoal • 1 grupo de amostras etnográficas de Vale da Gala, Valhascos (8 amostras) Tomar • 1 grupo de amostras de tijolos antigos do
Mosteiro de Cristo, em Tomar (16 amostras) (Fernandes2003)
Lisboa Lisboa • 5 amostras de fainças (Museu Nac. Arte
Antiga) V. Franca de
Xira
• 6 grupos de amostras de Vila Franca de Xira (24 amostras)
Setúbal Palmela • 4 grupos de amostras arqueológicas (16
amostras) Évora Redondo • 8 grupos de amostras etnográficas e de
barros (41 amostras)
Beja Beja • 1 grupo de amostras etnográficas e de barros de Beringel (6 amostras) Faro Albufeira • 1 grupo de amostras de tijolos de Mem
Moniz, Paderne (6 amostras) Silves • 3 grupos de amostras de tijolos e de
barros do Algoz (12 amostras) Tavira • 3 grupos de amostras etnográficas de
Fonte do Bispo (13 amostras) • 1 grupo de de amostras etnográficas de
Querença (3 amostras)
• 1 grupo de amostras de telhas de Santa Catarina (10 amostras)
Funchal Funchal • 1 grupo de amostras de formas de pão
de açucar (7 amostras) Ponta Delgada Ribeira
Grande e Vila Franca do
Campo
• 2 amostras de barro de Vila Franca do Campo e de Bandejo (Ribeira Grande)
Espanha Salamanca • 4 grupos de amostras arqueológicas,
Calle Arcediano (13 amostras) Zamora • 1 grupo de amostras arqueológicas e de
barro de Pereruela (6 amostras)
•
Gijon • 14 amostras arqueológicas de
Peñaferruz
Brasil S. Salvador da Baía
• 1 grupo de pasta de faiança e 2 grupos de vidrados de faianças arqueológicas (8 amostras)