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O Sertão e o Cangaço no filme de Lima Barreto e em Baile Perfumado 1

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Academic year: 2021

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O Sertão e o Cangaço no filme de Lima Barreto e em Baile Perfumado1 Maria Eduarda Barbosa da SILVA2

Stephen BOCSKAY3

Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE

Resumo

O presente artigo busca analisar como o sertão e o cangaço, tema recorrente no cinema brasileiro, é apresentado nas obras O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, e em Baile Perfumado (1997), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas. Parte-se de uma análise territorial de como o sertão é representado, bem como os próprios filmes e seus protagonistas. Também se aborda o cinema brasileiro historicamente e quantitativamente.

Palavras-chave: cinema; sertão; cangaço.

1. Nordestern versus retomada

O cangaço foi um fenômeno social que aconteceu no Brasil em meados de 1870 a 1940, onde grupos praticavam “banditismo social”. O mais famoso deles chamava-se Lampião, que se tornou um ícone na história brasileira. Ele liderava um grupo de cangaceiros e também tinha ao seu lado Maria Bonita. Ambos foram mortos em 1936 após uma emboscada policial.

Em 70 anos de produção cinematográfica, quase 50 filmes foram produzidos sobre cangaço, constituindo um gênero próprio do Brasil intitulado “Filmes de Cangaço”. (VIEIRA, 2007). Esses filmes começaram a ser realizados na década de 1920, perpassando pela de 30 até chegar em 1953, quando Lima Barreto fez O Cangaceiro, longa que ganhou prestígio internacional e levou a temática brasileira para os estrangeiros.

Glauber Rocha também produziu filmes envolvendo o cangaço, como Deus e o Diabo na Terra do Sol, na década de 1960. Já nos anos 1980, nenhum filme sobre o tema foi realizado. Quando a década de 1990 chegou, o cangaço ganha uma retomada assim como o próprio cinema brasileiro e o cinema pernambucano.

1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Comunicação e Audiovisual, da Intercom Júnior – XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação 2 Estudante de Graduação 7º. semestre do Curso de Jornalismo da UFPE, email: eduardambsilva@gmail.com

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O termo Nordestern foi criado pelo pesquisador Salvyano Cavalcanti na década de 1960 e faz referência direta ao gênero norte-americano western. O filme que dá origem às características do típico gênero brasileiro é O Cangaceiro, de Lima Barreto, em 1953. (VIEIRA, 2007).

A violência, o cavalo, os grandes descampados e a falta de tradição cinematográfica no Brasil: mais nada era preciso para transformar em filial do western norte-americano o filme de cangaceiro, que Salvyano Cavalcanti de Paiva chama de Nordestern. (BERNARDET, 1977, p.76 apud VIEIRA, 2007, p.65)

Tanto no western como no nordestern, há características comuns como a temática que traça a civilização x selvageria. Na versão brasileira, encontramos relações e embates entre o urbano versus o rural, como veremos mais a frente ao falar de O Cangaceiro (1953). Além disso, há o conflito entre a polícia e os cangaceiros nos longas, além da questão da vegetação e do figurino que caracterizam o gênero Filmes de cangaço como algo tipicamente brasileiro. Geralmente, o cenário é caracteristicamente árido, onde predomina a caatinga.

Já o filme Baile Perfumado foi realizado na década de 1990, marcando a retomada no Cinema Pernambucano que não produzia um longa-metragem há quase duas décadas (NOGUEIRA, 2009). Em meados do início dos anos 90, Fernando Collor fechou a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes), entre outras instituições de fomento ao audiovisual. Com essa ação do então presidente, o cinema brasileiro passou por anos difíceis até que, na gestão de Itamar Franco, a Lei do Audiovisual foi aprovada no Congresso Nacional e entrou em vigor em 1994. (CAETANO, 2007)

A produção audiovisual que chegou ao total de 44 filmes em 1991, reduziu-se para nove, em 1992, quando Collor sofreu o processo de impeachment. No ano seguinte, foram 11 produções, enquanto em 1994, com a Lei do Audiovisual, foram feitos 12 filmes. Em 1995, foram 13, só que agora não houve longas pornográficos nos cinemas graças ao advento do videocassete.

O cinema brasileiro começou a ter sua retomada em meados de 1995-1996, com o sucesso de Carlota Joaquina, princesa do Brazil (1995), de Carla Camurati. O filme com tom de comédia foi sucesso de público, enquanto O quatrilho (1995), de Fábio Barreto, era indicado a melhor filme estrangeiro no Oscar. Era o cinema brasileiro voltando ao cenário nacional e internacional. Percebe-se aqui a importância de fomentos governamentais às

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produções. Com eles, logicamente, as produções ganham mais gás, além de influenciar diretamente na maior quantidade de filmes realizados.

Enquanto isso, Pernambuco estava a todo vapor porque o Governo Estadual e a Prefeitura do Recife criaram novas leis de incentivo à cultura. No entanto, o Estado passou a ter uma produção regular de curtas-metragens. Nada de longas até então. Neste período, encontramos obras como That’s a Lero Lero (1995), de Lírio Ferreira e Amin Stepple; Cachaça (1995), de Adelina Pontual; Maracatu, Maracatus (1995), de Marcelo Gomes, entre outros. (NOGUEIRA, 2009).

Antes disso, é preciso pontuar que a formação do cinema pernambucano sempre esteve relacionada a grupos (NOGUEIRA, 2009), passando pelo Ciclo do Recife, Ciclo Super 8 até chegarmos a década de 80/90, na qual se insere a equipe de Baile Perfumado. Aqui, focaremos apenas neste último grupo. Formado em 1985, por estudantes de comunicação social da Universidade Federal de Pernambuco, o grupo Vanretrô, que significa Vanguarda Retrógrada, carrega consigo a dicotomia que também encontraremos em Baile Perfumado. Uma relação entre modernidade e tradição.

O grupo era composto por 10 pessoas, entre elas a cineasta Adelina Pontual (Rio Doce/CDU). Os integrantes participavam de mostras de filmes debates realizados cinema na cidade. “A proposta do Vanretrô, de olhar pra trás e ao mesmo tempo para frente, era clara: o que se pretendia era assumir as referências passadas, e ao mesmo tempo propor uma estética vanguardista.” (NOGUEIRA, 2009, p.28).

Outros estudantes da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) também mostravam interesse pela produção cinematográfica. Alguns deles começaram, inclusive, a desenvolver projetos envolvendo música como Hilton Lacerda, que fez uma parceria com Helder Aragão (DJ Dolores). A partir daí, começamos a enxergar a ligação entre cinema e música que permeará os trabalhos desses grupos e, principalmente, veremos em o Baile Perfumado.

Quando formados, os integrantes do Vanretrô dispersaram-se, mas alguns deles fundaram a Parabólica Brasil, já na década de 1990, no período de criação de leis de fomentos ao audiovisual. Curtas-metragens começaram a ser viabilizados até que foi realizado o primeiro longa-metragem pernambucano nesse período de retomada, Baile Perfumado.

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2. O Cangaceiro

O Cangaceiro é um filme de Lima Barreto, de 1953, produzido pela Vera Cruz. A citada companhia surgiu, em meados da década de 1950, em São Paulo. O cinema brasileiro despontava na cena carioca com as chanchadas, sucesso de público e bilheteria. Na década de 1940, surgira uma lei que determinava a exibição de filmes nacionais durante sete dias por semana, o que acabou sendo uma das influências para o surgimento da Vera Cruz.

O Cangaceiro acompanha a história do bando do capitão Galdino e o envolvimento amoroso de Teodoro com a professora Olívia, que é sequestrada pelo grupo. Aqui, já destacamos uma relação entre o moderno e o tradicional, que não aparece como uma complementação, como acontece em Baile Perfumado, mas sim, como fatores antagonistas. Teodoro foge com a professora para libertá-la do capitão Galdino, que não fica nada contente com o sumiço dos dois. Ao longo do filme, vemos o dilema vivido por Teodoro entre deixar o lugar em que vive para ir à cidade com a professora Olívia. É a dicotomia rural versus urbano sendo personificada no cinema.

Outro destaque dessa relação entre o progresso e a tradição pode ser encontrada logo nas cenas iniciais do filme, em que o capitão Galdino pergunta a um trabalhador do governo se o teodolito é uma máquina fotográfica. De acordo com Tolentino (2001), nessa cena fica claro a proposta do longa, que é de mostrar os cangaceiros como seres primitivos, sem educação. Por outro lado, essa cena também ressalta o quanto o capitão Galdino é vaidoso, por achar que o objeto seria uma máquina fotográfica.

Aí estão introduzidos o nosso personagem e a dicotomia básica que o filme pretende cunhar. De um lado, os funcionários do governo que cumprem a tarefa de levar o progresso ao sertão. Do outro, aquele que se entende seu governador e enfatiza a recusa a esse bem civilizado, mostrando logo de saída toda sua ignorância e vaidade, ao confundir o teodolito com uma câmera fotográfica. (TOLENTINO, 2001, p.72)

Segundo Xavier (2006), o cangaceiro sempre foi colocado como uma figura vaidosa. E isso começou com o filme de Lima Barreto. “Vaidoso era Galdino, e todos lembram a conotação negativa dos seus anéis em contraste com o despojamento de Teodoro no momento das mortes paralelas, ao final do filme, uma alegoria da luta do Bem contra o Mal...”. (p. 58)

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Figura 1 Capitão Galdino - detalhe para os anéis nos dedos, ressaltando a vaidade do líder

O Sertão apresentado no filme não passa de um mito criado pela produção. O Cangaceiro traz a região representada em um estúdio. Não é uma representação verídica do lugar. Até a vegetação é diferente, não correspondendo à caatinga, onde os cangaceiros viveram. A Companhia Vera Cruz se pautava pelo modelo hollywoodiano de produção, fazendo com que O Cangaceiro possua características narrativas de um western. O embate entre o bem e o mal, como vemos entre Galdino e Teodoro, além da tradição versus modernidade metaforizada nesses dois personagens.

Uma das cenas do confronto entre os dois personagens se assemelha aos filmes de faroeste até nas atitudes, entre as quais o personagem precisa andar determinado percurso para tentar escapar do tiro. Ou quando a troca de tiros é realizada em um cenário petrificado, que lembra as cenas quase desérticas, dos clássicos norte-americano. Tanto é que foi a partir de O Cangaceiro que surgiu a nomenclatura Nordestern, inspirada no western.

Como a Vera Cruz se pautava em características dos estúdios norte-americanos e um de seus maiores anseios era o prestígio internacional, percebemos a intencionalidade da produção de O Cangaceiro se pautar mais em características internacionais do que

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nacionais. Isso fica perceptível nas vestimentas e na construção narrativa como foi colocado acima.

O filme custou 9 milhões, com mais custo indireto de 15 mil contos. Depois, ele foi vendido para Columbia por 21 mil contos para pagamento de dívidas da Companhia. O Cangaceiro ganhou enorme reconhecimento internacional e toda a renda ficou para a Colombia, culminando ainda mais para a falência da Vera Cruz que fecharia suas portas.

Internacionalmente, os espectadores não presenciaram de fato o Sertão real, visto que a gravação do filme nem chegou a acontecer na própria região. Lima Barreto transmitiu aos brasileiros e aos estrangeiros um Sertão visto pelo olhar sulista, que, inclusive, satirizava as cenas em que algo moderno surgia para o bando de cangaceiros, colocando-os em uma posição de ignorantes, assim como os colonizadores portugueses fizeram com os índios. E os norte-americanos também, com a população indígena do Oeste. Fato este que pode se inserir, também, dentro do argumento de que a produção de Lima Barreto é um espelho da representação cinematográfica norte-americana de western.

No entanto, diferentemente de Baile Perfumado, que traz um hibridismo cultural entre o moderno e o tradicional, utilizando-se de uma trilha sonora pop do Recife à época, o Cangaceiro traz uma musicalidade regional, enfatizada pela música da primeira cena e da última, que fala sobre uma mulher rendeira. A trilha ganhou menção honrosa no festival de Cannes, e o próprio longa, o prêmio de melhor filme de aventura.

3. Baile Perfumado

Baile Perfumado é um filme sobre tradição e modernidade, sobre multiculturalismo, sobre o cangaço e o cinema. A história conta como o mascate libanês Benjamin Abrahão documentou imagens de Lampião e seu bando, em 1936. O longa começa com um plano-sequência e uma narração do próprio mascate, em uma relação de tempo e espaço que também envolve a morte do Padre Cícero.

Neste primeiro momento, já encontramos a primeira relação multicultural. Há um libanês falando em sua língua nativa, enquanto assistimos ao enterro do padre Cícero, cuja representação é lembrada até os dias atuais, sendo um forte personagem regional que envolve fé, religião e tradição. “O filme, narrado pelo fotógrafo em libanês e com legendas, traça esse momento em que o cangaço cruza com a cultura de massas nascente e a arte de reprodução técnica, capaz de eternizá-lo e mitificá-lo.” (BENTES, 2007, p.246)

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No filme, vemos a relação de Lampião com o libanês, a polícia, representada à época pelas famosas volantes e os coronéis, personagens que faziam parte da formação social e cultural daquele período tão bem representado na obra cinematográfica de Paulo Caldas e Lírio Ferreira. O Sertão de O Baile Perfumado é diferente do que Lima Barreto nos apresenta em vários aspectos. Diferentemente de O Cangaceiro (1953), o longa de Paulo e Lírio teve locação no próprio Sertão, próximo à cidade de Piranhas, em Alagoas.

Figura 2 Vegetação verde do sertão, contrariando a representação tradicional que fazem da região, como um lugar seco

Através de imagens áreas e planos abertos, vemos um Sertão verde, percorrido pelo Rio São Francisco, o que pode causar estranhamento a alguns olhares acostumados com a representação folclórica e caricata do Sertão, com sua paisagem árida e seca.

Cruzamento do arcaico e do moderno, num sertão verde e estilizado, virtuoso, embalado pela música pop do Recife, o mangue-beat de Chico Science. O filme busca a estilização nos movimentos de câmera, na fotografia, na música, na representação dos atores, e mostra o cangaço como estilização da violência e estética da existência (a vaidade de Lampião, sua preocupação com a imagem, sua auto-mitificação pelo cinema). (BENTES, 2007, p.246)

Essa relação entre o arcaico e moderno, ressaltada por Bentes (2007), está presente durante todo o filme, desde a primeira à última cena. O próprio Lampião é apresentado

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como um homem multicultural, que vai ao cinema com Maria Bonita, que toma whisky e usa perfume francês. Inclusive uma das últimas cenas mostra o tenente com um recipiente de perfume, o que indicaria que ele pertencera a Lampião. Nesse momento, é possível associarmos a cena com a morte do Rei do Cangaço, que é marcada por um símbolo mercadológico e global.

Xavier (2006), destaca que Baile Perfumado desmistifica a ideia de que o sertão e litoral são universos diferentes.

Não há mais sertão como cosmos fechado, lugar de isolamento. Tudo circula, se insere em circuitos de troca. Sertão e litoral revelam suas conexões sinalizadas por produtos variados, do perfume à garrafa de whisky no acampamento cangaceiro, de Lampião e Maria Bonita na sala escura do cinema da cidade ao cineasta que filma os cangaceiros em pleno sertão. (XAVIER, 2006, p.57)

Baile Perfumado é considerado um filme pop por sua capacidade de relacionar o moderno e o tradicional, em um hibridismo cultural que caracteriza tanto Pernambuco na década de 1990, na qual o manguebeat ganhou seu auge. O filme, como diz um dos diretores, pode ser visto como uma mimetização desse movimento cultural que traz em seu discurso elementos globais como uma parabólica e, locais, como o mangue e o caranguejo. Em sua sonoridade, encontramos guitarras urbanas misturadas às alfaias do maracatu, enquanto no Cinema vemos o Sertão relacionar-se com o litoral.

No filme, destacam-se algumas cenas que podemos integrar ao momento pop (NOGUEIRA, 2009), no qual a narrativa do filme é interrompida para o surgimento de imagens que poderiam ser descartadas, mas que servem de janela para a música pernambucana entrar. Era costume, nessa época – e ainda hoje - que as trilhas sonoras dos filmes fossem elaboradas por artistas pernambucanos.

Em Baile Perfumado, há a forte presença de Chico Science e Nação Zumbi com a música Sangue de Barro, com uma guitarra forte, rápida, que dá velocidade às imagens aéreas do filme, em que podemos apreciar o sertão verde. São cenas que podem causar estranhamento ao espectador por trazer uma nova perspectiva sobre essa área do Nordeste, que durante anos foi sinônimo de seca e pobreza.

Essa relação entre o Sertão e o Litoral foge da representação tradicional sertaneja, onde há emigração da zona rural para a urbana. Neste filme, o Sertão passa a ser sinônimo de modernização, também, através de sua personificação em Lampião. Agora, não é mais

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preciso sair do Sertão para ser moderno. A modernidade pode chegar ao Sertão sem precisar se deslocar daquela região.

No filme, encontramos três momentos musicais que merecem destaque. O primeiro já foi comentado mais acima. O segundo é quando o cantor Siba aparece tocando sua rabeca em uma jangada no Rio São Francisco. Esta participação perpassa pela iniciativa de divulgar a música e os artistas pernambucanos através dos filmes. É uma troca mútua que acaba beneficiando os dois lados. O artista fica conhecido por ter participado de determinado filme, enquanto tal longa pode ser remetido a algum artista.

Essa iniciativa era bastante comum no cinema pernambucano, como destaca Nogueira (2009). Esta cena audiovisual também é caracterizada pelo que chamamos de cinema de “brodagem”, onde um ajuda o outro. O filme Baile Perfumado, por exemplo, foi realizado em conjunto com outros profissionais que fizeram parte daqueles grupos da década de 1980 que buscavam fazer cinema a todo custo.

Já o terceiro “momento pop” encontramos antes da cena final do filme, na qual há uma montagem com vários cortes rápidos de Lampião e seu bando ao som de Sangue de Barro, de Chico Science e Nação Zumbi. A música já havia tocado no filme e, agora, é retomada no final, com sua letra dialogando com a história em questão, já que é uma composição que retrata Lampião. É uma cena que poderia ser facilmente recortada e divulgada como um videoclipe da música por suas imagens aleatórias, rápidas, conectando ao ritmo da música. É uma cena que não acrescenta nada de novo à história, funcionando mais como contemplação.

Baile Perfumado é um filme que proporciona diversos recortes para análises, desde os seus planos sequências à trilha sonora. A cena que, talvez, chame mais atenção ao filme é a morte de Benjamin Abrahão. Na história original, o libanês morre com mais de quarenta facadas. Foi um crime passional. O motivo seria o envolvimento do mascate com uma mulher casada.

No filme, os diretores deixam pistas acerca desse envolvimento, que é diferente da história original. A cena da morte é ambígua e por mais que a câmera seja lenta, mostrando pouco a pouco e detalhadamente a violência sofrida pelo mascate, fica a sensação de que o autor do crime esteja utilizando-se da antropofagia. No entanto, ao rever a cena, é possível surgir a dúvida se é um alimento qualquer ou alguma parte de Abraão que o autor do crime está comendo.

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4. Conclusão

Filmes de cangaço são parte da história cinematográfica brasileira. A figura do cangaceiro ganha representação desde meados da década de 1920, passando pela de 1930, cuja obra documental foi produzida pelo libanês Benjamin Abrahão e censurada pelo Estado Novo. Essa mesma obra foi resgatada por Paulo Caldas e Lírio Ferreira em Baile Perfumado através de uma metalinguagem cinematográfica.

Enquanto o Cangaceiro de Lima Barreto exalta uma dicotomia entre o moderno e a tradição, Lírio Ferreira e Paulo Caldas trazem o multiculturalismo para o Baile Perfumado. Percebe-se essa mistura já pelo nome do filme, que pode ser considerado uma exaltação da relação que Virgulino (Lampião) possuía com o perfume.

No longa de Lima Barreto, Galdino e seu bando eram vistos como pessoas primitivas, sem conhecimento, trazendo uma visão negativa aos olhos dos espectadores. Já em Baile Perfumado, Lampião tinha a modernidade a seu dispor. Ele frequentava cinema, usava perfume francês e tomava whisky.

A representação do Sertão é outro fator que mudou ao longo dos anos no Cinema. Em O Cangaceiro, filme realizado em estúdio, Lima Barreto apresenta a caatinga com outra vegetação e paisagens que não compõe a realidade da região. Com o passar dos anos, a miséria e a seca protagonizaram as representações do sertão. Mas, em Baile Perfumado, vemos o Sertão verde, diferentemente da representação tradicional. De acordo com os realizadores, dias antes da gravação, choveu na região da gravação. No entanto, apresentar o sertão verde contribui para a desmistificação de que o sertão é apenas seco.

Em relação à trilha sonora, O Cangaceiro chama a atenção para a trilha sonora com uma música popular Mulé rendeira, que toca no início e no final do filme. Já Baile Perfumado, coloca uma sonoridade multiculturalista, traduzindo em música o que o filme apresenta em sua construção narrativa. As guitarras urbanas da Chico Science e Nação Zumbi sincronizam com elementos populares da cultura pernambucana.

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Referências

BENTES, Ivana. Sertões e favelas no cinema brasileiro contemporâneo: estética e cosmética da fome. ALCEU, Rio de Janeiro 8.15 (2007): 242-255.

GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso da Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1981.

NOGUEIRA, Amanda Mansur Custódio. O Novo Ciclo de Cinema em Pernambuco: a questão do estilo. Diss. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Centro de Artes e Comunicação, 2009. TOLENTINO, Célia Aparecida Ferreira. O rural no cinema brasileiro. Unesp, 2001.

VIEIRA, Marcelo Didimo Souza. Filmes de Cangaço: a representação do ciclo na década de noventa no cinema brasileiro. Diss. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Instituto de Artes, 2001.

VIEIRA, Marcelo Dídimo Souza. O Cangaço no Cinema Brasileiro. Tese. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Instituto de Artes, 2007.

XAVIER, Ismail. Da violência justiceira à violência ressentida. Ilha do Desterro A Journal of English Language, Literatures in English and Cultural Studies 51 (2006): 055-068.

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