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ECLI:PT:TRE:2008:

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ECLI:PT:TRE:2008:288.08.3

http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2008:288.08.3

Relator Nº do Documento

Fernando Bento

Apenso Data do Acordão

24/04/2008

Data de decisão sumária Votação

unanimidade

Tribunal de recurso Processo de recurso

Data Recurso

Referência de processo de recurso Nivel de acesso

Público

Meio Processual Decisão

Apelação Cível revogada a sentença

Indicações eventuais Área Temática

Referencias Internacionais Jurisprudência Nacional Legislação Comunitária Legislação Estrangeira Descritores

registo predial; presunção registral; impugnação dos factos registados; cancelamento dos registos; benfeitorias; acessão industrial imobiliária;

(2)

Sumário:

I – Quem beneficia da presunção do registo não precisa de provar que o direito lhe pertence; quem quiser demonstrar o contrário é que terá o ónus de o provar.

II - O registo tem como função dar publicidade aos direitos constituídos inerentes às coisas e dar segurança jurídica ao comércio imobiliário.

III – Não pode ser impugnado um registo sem que, simultaneamente, seja pedido o seu cancelamento.

IV – A presunção do artigo 7º do Código do Registo Predial restringe-se à inscrição e não à descrição do prédio, que não beneficia de qualquer presunção.

V – A autorização para construir em terreno alheio, dada por um mero possuidor precário, não pode originar uma posse da área de implantação da construção conducente à usucapião, pois lhe falta o “animus” de possuir em nome próprio, a menos que se verifique inversão do título de posse, quanto ao solo.

VI – Benfeitorias são melhoramentos realizados por quem tiver com a “coisa” um vínculo jurídico. VII – Acessão são actos levados a cabo por uma pessoa que não tem qualquer vínculo jurídico anterior com a “coisa”.

VIII – O direito de propriedade tem uma força centrípeta que absorve tudo o que se incorporar no seu objecto, seja por acção do homem, seja por acção da natureza.

Decisão Integral:

*

PROCESSO Nº 288/08 – 3 *

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA *

RELATÓRIONo Tribunal de … correu termos e foi sentenciada uma acção de processo sumário intentada por “A” e mulher, “B” contra “C” e “D” na qual aqueles peticionavam o reconhecimento da sua qualidade de proprietários do prédio urbano destinado a habitação, composto de três

quartos, sala, casa de banho, cozinha, quintal e arrecadação, sito na Rua …, nº …, freguesia de …, …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob a ficha n° 05555/960612 e aí inscrito a favor dos AA, por o haverem adquirido a “E” e marido, “F”, por escritura pública de 19/01/2000 e a

condenação dos RR a restituírem-lhe a arrecadação que ocupam existente no logradouro de tal prédio.

Os RR defendem-se, alegando terem construído a dita arrecadação no ano de 1987 com conhecimento e autorização dos anteriores proprietários do prédio no que teriam dispendido € 1.995,19 euros e que sempre a utilizaram, como coisa sua, com o acordo dos anteriores donos do imóvel.

(3)

Em reconvenção pedem sejam declarados legítimos possuidores da arrecadação em causa e, subsidiariamente, a indemnização de € 5.985,57 euros, valor este que alegadamente teria sido descontado no preço do prédio quando os AA o adquiriram por a dita arrecadação alegadamente não integrar esse negócio.

Os AA contestaram a reconvenção.

Após a prolação do despacho saneador e discriminação dos factos assentes e controvertidos, prosseguiu a tramitação da acção, vindo a ser realizada audiência de julgamento com decisão das questões de facto controvertidas e subsequente prolação de sentença que decidiu:

a) Julgar improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, não reconhecer os Autores “A” e “B” como proprietários da arrecadação existente no logradouro do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz predial sob o artigo 59750 e inscrito na Conservatória do Registo Predial de … sob a descrição n.º 05555/960612, absolvendo os Réus “C” e “D” do pedido de restituição de tal arrecadação.

b) Julgar a reconvenção procedente, por provada e, em consequência, reconhecer os Réus “C” e “D” como possuidores da arrecadação existente no logradouro do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na matriz predial sob o artigo 59750 e inscrito na Conservatória do Registo Predial de … sob a descrição n. o 05555/960612, mantendo-os na posse de tal arrecadação.

Fundamentalmente entendeu a 1ª instância que os RR seriam proprietários da arrecadação em causa por a haverem adquirido por usucapião - o que só não declarou por não haver sido peticionado - reconhecendo-lhes, todavia, a qualidade de possuidores com posse anterior ao registo de aquisição a favor dos AA.

Inconformados, apelaram os AA para esta Relação, pugnando pela revogação da sentença e pela condenação dos RR na restituição da arrecadação.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Remetido o processo a esta Relação, após o exame preliminar, foram corridos os vistos legais. Nada continua a obstar ao conhecimento do recurso.

FUNDAMENTAÇÃO1) De Facto:

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

A) Os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio urbano destinado a habitação, composto de três quartos, sala, casa de banho, cozinha, quintal e arrecadação com a superfície coberta de 76,082 m2 e descoberta de 72,388 m2, sita na Rua …, n.º …, freguesia de …. concelho de …, inscrito na matriz sob o artigo 5975.

B) Este prédio encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de … sob a descrição n. ° 05555/960612.

C) A propriedade plena daquele prédio urbano está registada a favor dos Autores pela inscrição G-três (apresentação n.? 64/20020405).

D) O referido imóvel foi adquirido pelo aqui Autor marido, “A”, a “E” e marido, “F”, por escritura pública de 19 de Janeiro de 2000, lavrada a fls. 119 e fls. 119 verso do Livro n.º 86-F do Cartório Notarial de …

E) Os Autores adquiriram o imóvel provado em A) para segunda habitação e em especial para nele passarem as suas férias de Verão.

F) O acesso à arrecadação provada em A) podia ser feito através da porta que deitava para o quintal do prédio ou pelo portão que deita directamente para a Rua …

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parede lateral da arrecadação que dava acesso ao quintal do prédio provado em A). H) Posteriormente a 11 de Abril de 2001 os Réus pintaram o reboco provado em G).

I) Os Réus posteriormente a 23 de Agosto de 2001 pintaram as paredes da arrecadação provada em A).

J) Em 19 de Julho de 2002, o muro lateral do quintal do prédio provado em A) encontrava-se caído. K) Os Autores tiveram conhecimento do provado em G) no dia 11 de Abril de 2001.

L) Por escritura pública de 2 de Abril de 1991, lavrada a fls. 11 verso e fls. 13 verso do Livro 12-E do Cartório Notarial de …, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social vendeu a “G”,

viúva, o prédio urbano designado por moradia n.º …, sito na Rua …, …, na …, freguesia de …, concelho de …, composto de casa de habitação com cinco compartimentos e logradouro, inscrito na matriz

sob o artigo 3229, edificado no descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 16.949 a fls. 152 v do Livro B-42, declarando-se ainda nessa escritura "Que o prédio objecto dessa escritura, se encontra arrendado à segunda outorgante".

M) Pela apresentação n. ° 25/960212 “G” registou a seu favor a aquisição do prédio.

N) Em 19 de Julho de 1996 a referida “G”, pela força da quota disponível de seus bens e sem reserva de usufruto, doou o prédio a sua filha “E”, casada com “F” sob o regime da comunhão geral de bens.

O) Pela apresentação n.º 19/980505 “E” registou a seu favor a aquisição.

P) Com data de 31 de Outubro de 2001, os Autores remeteram aos Réus carta registada com aviso de recepção na qual escreveram "venho por esta via, pedir-vos se dignem proceder à restituição da arrecadação em causa, livre, desocupada de pessoas e bens, concedendo para o efeito 15 dias contados da data da assinatura do A/R", de nada tendo servido.

Q) O aviso de recepção foi assinado em 6 de Novembro de 2001 pelo Réu marido, “D”. R) Os AA. opõem-se à utilização por parte dos Réus da arrecadação.

S) A arrecadação provada em A) foi feita pelos Réus à sua custa e expensas, com pleno conhecimento e autorização da mãe da Ré, “G”, que então habitava a referida casa pagando a respectiva renda ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.

T) A construção da arrecadação data de 1987, tendo sido requerida pela Ré, junto da Câmara Municipal de …, a respectiva licença para obras, concedida através do lavará de licença n.º 204. U) Na construção, despenderam os Réus, com material e mão-de-obra, aproximadamente 1.995,19 Euros (mil novecentos e noventa e cinco Euros e dezanove cêntimos).

V) Posteriormente, a dita “G” comprou ao aludido Instituto, por escritura pública, o imóvel provado em A), registando-o em seu nome na Conservatória do Registo Predial de …

W) “G” e “E”, no momento que foi feita a escritura pública de doação do imóvel, sabiam que a arrecadação fora construída pelos Réus e paga por estes, que a utilizavam em exclusivo.

X) Tal facto foi sempre aceite e reconhecido por aqueles, “E” e marido, irmã e cunhado dos Réus, que sempre aceitaram e reconheceram que, não obstante tal arrecadação se encontrar no quintal, a mesma pertencia àqueles.

Y) E os Réus, como proprietários confinantes do imóvel desde 1987, sempre utilizaram a arrecadação, sem qualquer oposição e com conhecimento de todos.

Z) Os AA. tiveram conhecimento de que a arrecadação era utilizada pelos Réus, os quais a tinham construído e pago.

AA) Pela construção da arrecadação em 1987 pagaram os Réus a quantia de 1.995,19 Euros (mil novecentos e noventa e cinco Euros e dezanove cêntimos).

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freguesia de … sob o artigo 3229, e edificado no descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 16.949 a fls. 152 v do Livro 8-43 era a seguinte: "Prédio urbano sito na Rua …, n.º …, composto de casas térreas com cinco compartimentos, com a área de 50 m2 e logradouro com a área de 98,47 m2.

CC) No dia 4 de Janeiro de 2000, “E” apresentou na Repartição de Finanças de … a declaração para inscrição ou alteração da inscrição do prédio urbano na matriz.

DD) E nessa declaração dizia que o prédio urbano inscrita na matriz sob o artigo 3229 da freguesia de … foi ampliado, passando a ter na sua composição 3 quartos, uma sala, casa de banho, cozinha, quintal, e arrecadação, com a superfície coberta de 76,082 m2 e a superfície descoberta de 72,388 m2.

EE) E essa declaração deu origem à inscrição matricial do prédio no nome de “E” sob o artigo 5975 da freguesia de …

FF) E a actualização da descrição predial respeitante ao prédio veio a ser efectuada por averbamento à descrição através da apresentação n.º 64/20020405.

GG) Os Réus recusam-se a entregar a arrecadação aos Autores.

A matéria de facto não foi impugnada e nela não se descortina vício justificativo da intervenção oficiosa da Relação.

2- De Direito:

Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões da alegação, importa recordar as que os apelantes propõem:

I - Os AA são, pela apresentação 64/20020405, os titulares inscritos na Conservatória do Registo Predial de …, do direito de propriedade do prédio urbano identificado nos autos, de que faz parte o logradouro, onde se encontra construída a arrecadação reivindicanda.

II - O artigo 7.º do Código Registo Predial contém uma presunção «júris tantum» de que o direito registado pertence ao titular inscrito.

III - Quem beneficia da presunção do registo não precisa da prova que o direito lhe pertence; quem quiser demonstrar o contrário é que terá o ónus de o provar.

IV - O Tribunal, em violação das regras da prova, considerou que competia aos AA fazer prova da alegada propriedade sobre a arrecadação em discussão nos autos, e não tendo, na opinião do Tribunal, os AA logrado fazer essa prova, considerou improcedente a acção e procedente o pedido reconvencional.

V - A primeira evidência que daqui desde logo havia que extrair (e o Tribunal não a extraiu) foi a de que os RR não agiram de acordo com o que estipula a lei.

VI - Isto na medida em que a Mma. Juiz " a quo" considerar que os RR impugnaram a área e a composição do prédio registado a favor dos AA apelantes, não teve em consideração a

necessidade do pedido de cancelamento do registo.

VII - Na realidade, o campo de aplicação do artigo 8° do C.R.P. restringe-se às acções em que seja formulado o pedido de impugnação de factos registados.

VIII - Isto porque o registo tem como função dar publicidade aos direitos constituídos inerentes às coisas, mas também a de dar segurança jurídica ao comércio imobiliário.

IX - Logo, o que o registo revela não pode ser impugnado, mesmo em juízo, sem que simultaneamente se peça o seu cancelamento.

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impugnação dos factos que o registo comprova.

XI - Acontece é que contrariamente ao decidido pelo Tribunal recorrido os RR não impugnaram os factos que o registo comprova, daí não ter sido peticionado o cancelamento do registo.

XII - Os RR limitaram-se a pedir em reconvenção, o reconhecimento pelos AA de que são os legítimos possuidores da arrecadação em questão devendo continuar a usá-la e frui-la conforme sempre fizeram, ou caso assim não se considere, o pagamento da quantia correspondente ao valor actualizado da arrecadação, pagamento esse a ser efectuado pelos AA no valor de 5.985,57 euros. XIII - Tendo os AA, nesta acção de reivindicação provado, através da certidão dimanada da

Conservatória do Registo Predial de …, serem os titulares do direito de propriedade do prédio urbano em causa nos autos, nomeadamente do logradouro onde foi construída a arrecadação reivindicada que não tem inscrição matricial autónoma antes dele fazendo parte integrante e não tendo os RR aquele registo nem formulado reconvencionalmente pedido de serem julgados

proprietários de qualquer parcela do dito prédio, não haveria nunca que apreciar o reconhecimento de novo direito, de propriedade sobre aquela arrecadação, ímpeto esse travado apenas e só por os RR o não terem peticionado.

XIV - Não faz nenhum sentido que não podendo decidir-se contra a vontade dos factos

comprovados pelo registo, se comprometa essa verdade ao reconhecer-se a não eficácia do registo com este subsistente.

XV - Como irrelevante se tem de haver, portanto, a defesa dos RR, e, consequentemente, como inexistente o referido conflito de presunções, pelo que face à presunção que beneficia os AA, a estes há que reconhecer o seu direito de propriedade sobre o aludido imóvel de que faz parte integrante a arrecadação reivindicanda, e, portanto, que condenar os RR no pedido de largarem a mão daquela.

XVI - Além de que, a construção/ficção jurídica, segundo a qual, se justifica na douta sentença recorrida a manutenção pelos RR da posse da arrecadação é desprovida de qualquer sentido na medida em que a pretensa posse dos RR se baseia na concessão gratuita de um «non dominus» e não num direito real ou numa detenção a título de direito pessoal bastante dos RR, que lhe está subjacente.

XVII - A douta sentença recorrida mostra-se desequilibrada, insensata e injusta, merecendo por isso reparo.

XVIII - Destarte, decidindo como decidiu, o douto Tribunal "a quo" violou, entre outros, os artigos 342.º e seguintes do Código Civil, os artigos 1253.º e 1311.º também desse Código, o artigo 8.º do CRP e o artigo 659.º do CPC (falta de fundamentação e exame critico da prova).

Concluem, pedindo a revogação da sentença recorrida com a condenação dos RR a restituírem-lhes a arrecadação que ocupam.

Apreciando:

A questão colocada na presente acção e no recurso para esta Relação é a da titularidade do direito sobre obra (arrecadação) construída em logradouro de prédio urbano alheio.

Os actuais proprietários desse prédio reclamam a titularidade da propriedade sobre todo o prédio, incluindo a dessa obra, invocando em resumo a presunção registral do direito de propriedade decorrente da inscrição de tal direito a seu favor.

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tal obra, invocando a autoria da sua construção, com autorização da pessoa que, na altura, habitava o prédio a título de arrendatária e mais tarde veio a adquirir a respectiva propriedade e a posse da mesma durante o prazo necessário para a usucapião do respectivo direito de

propriedade.

A 1ª instância, apreciando a questão que lhe foi colocada, entendeu, designadamente, que:

"No caso sub judice, não há qualquer dúvida, atenta a factualidade provada, de que a arrecadação faz parte do prédio urbano dos Autores de que os mesmos gozam a presunção de serem

proprietários atenta a inscrição no registo predial a seu favor nos termos acima referidos (na medida em que se apurou que tal arrecadação fica situada no quintal do prédio referido em A) e que a porta existente na mesma dava acesso ao referido quintal - cfr. alíneas F), G) e X) da factualidade apurada).

Assim sendo, os Autores lograram fazer prova da propriedade da arrecadação aqui em litígio com base na presunção constante do artigo 70 do CRP, uma vez que a arrecadação faz parte do prédio urbano de cuja propriedade está inscrita no registo a seu favor". Todavia, algo contraditoriamente, conclui a seguir, que os RR a detêm legitimamente e, qualificando tal detenção como posse, reconhece-os como possuidores, titulares do direito de propriedade que teriam adquirido por usucapião - o que só não declara porque não foi pedido - assim julgando procedente a reconvenção.

Não parece, porém, que haja decidido bem.

Em causa está, não a titularidade do direito de propriedade dos AA, apelantes, sobre o prédio - de cuja inscrição predial a seu favor decorre a presunção (não afastada) de propriedade (art. 7° do CRP e 350° n01 CC) - mas a titularidade do direito a uma parte desse prédio (a saber, uma arrecadação construída no logradouro).

A presunção registral do art. 7° do CRP não abrange a descrição predial, esta confinada à

identificação física, fiscal e económica do prédio, de fácil percepção sem necessidade de recurso a valorações jurídico-normativas, restringindo-se aquela presunção apenas à titularidade do direito inscrito sobre o prédio descrito (Cfr., por todos, STJ 12-02-2008, acessível através de

http://www.dgsi.pt).

A este propósito, escreveu-se - e bem - na sentença recorrida que:

"Contudo, a presunção constante do artigo 70 do CRP não se entende às características do prédio, nomeadamente no que concerne aos elementos de identificação, suas confrontações e seus limites sempre que exista desconformidade entre estes e a realidade material do imóvel descrito".

Logo, a presunção do art. 7° não abrange a descrição predial, sendo restrita à inscrição: a correspondência à realidade do prédio tal como consta da respectiva descrição predial não beneficia de qualquer presunção.

Daí que, tratando-se de construção efectuada no logradouro de determinado prédio por terceiro, ao abrigo de cedência e autorização concedida por quem na altura o detinha, se imponha decidir a questão do direito à mesma.

Trata-se, como se disse, de obra incorporada por terceiro em prédio urbano alheio com autorização de quem então o habitava ao abrigo de contrato de arrendamento - e posteriormente veio a adquirir a respectiva propriedade - e da qual aquele exclusivamente e desde a incorporação se tem

aproveitado.

Com efeito, foi a referida arrendatária - que mais tarde veio a adquirir a propriedade - quem" cedeu" o espaço do logradouro para a construção da arrecadação.

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A 1ª instância parece ter entendido que tal construção (arrecadação) originou um novo prédio cuja propriedade teria sido adquirida por usucapião ou então que da afectação daquela ao prédio confinante resultou alteração da descrição de ambos.

Continuamos a não concordar.

Estamos perante um conflito de direitos de propriedade entre o proprietário do solo e o autor da obra.

A utilização do solo com tal construção, assim baseada em acto de autorização de quem dele era apenas detentor precário, configura-se também como uma posse precária ou detenção inábil para usucapir (art. 1290° CC).

Não podendo, por falta de animus, ser considerado possuidor em nome próprio, mas tão só detentor da área de implantação da construção, o aproveitamento das utilidades desta durante o prazo de tempo da usucapião não lhe confere a aquisição do direito de propriedade do solo onde foi erigida a dita construção, a menos que se verifique inversão do título de posse quanto ao solo, o que o processo não evidencia ter ocorrido.

Sabe-se que a posse do direito de propriedade durante certo lapso de tempo faculta ao possuidor a aquisição do direito correspondente à sua actuação (art. 1287° CC).

E que a posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade (art. 1251° CC).

A actuação como proprietário reúne elementos objectivos (corpus) e subjectivos (animus).

Aqueles são os actos materiais exteriores, reveladores do poder físico de uma pessoa sobre uma coisa (apreensão) e, correlativamente, da submissão desta ao domínio daquele.

Estes - os elementos subjectivos - prendem-se com o estado de espírito psicológico (intelectual e volitivo) que preside àquela actuação; em suma, consistem na vontade de ter a coisa como sua, própria (animus domini ou animus sibi habendi).

A posse de uma coisa é, portanto, uma actuação material intencionada ao aproveitamento das suas vantagens, como se dono fosse; daí que não sejam possuidores, mas apenas detentores ou

possuidores precários, os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito, os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito e os possuidores em nome de outrem (art. 1253° CC).

Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si por usucapião, o direito possuído, excepto se inverterem o título de posse (art.1265º CC), caso em que o prazo de usucapião se iniciará desde a inversão do título (art. 1290° CC).

Ora, a relação de facto entre os RR e a dita construção não reúne as características da posse hábil para usucapir o solo (a área do logradouro) onde ela foi implantada; com efeito, muito embora se verifique uma actuação exterior compatível com o exercício do direito de propriedade - o corpus material da posse - falta-lhe a intenção de agir como beneficiário desse direito - o animus

possidendi - uma vez que assenta num acto autorizativo, aliás de quem nem sequer era dono, mas mero detentor.

Uma coisa é, pois, a titularidade da obra, construção, outra a do solo ou área de implantação. Antes de prosseguirmos, importa distinguir, no âmbito das obras e construções em prédio alheio, as benfeitorias da acessão.

Com efeito, embora se apresentem objectivamente com caracteres idênticos, na medida em que delas resulta um benefício material para o imóvel, constituem realidades jurídicas diversas. “A benfeitora consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um

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estranho, de uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela. A aquisição por acessão é sempre subordinada (...) à falta (...) de um título que dê, de per si, a origem e a disciplina da situação

criada." (Cfr. Pires de Lima - Antunes Varela, CC Anotado, vol. III, 2a ed.,p. 163).

A distinção entre as benfeitorias e a acessão assenta, pois, na (in)existência de uma relação jurídica entre o autor e a coisa; “as benfeitorias e a acessão constituem fenómenos paralelos que se distinguem pela existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule a pessoa à coisa beneficiada" (Cfr. Pires de Lima - A. Varela, ob. loc, cit.). Serão benfeitorias os melhoramentos feitos pelo proprietário, pelo possuidor (art. 1273°- 1275° CC), pelo locatário (art. 1046°, 1074° e 1082° CC), pelo comodatário (art. 1138° CC) e pelo usufrutuário (art. 1450° CC) e serão acessões os melhoramentos feitos por qualquer terceiro, não relacionado juridicamente com a coisa, podendo esse terceiro ser um mero detentor ocasional.

No caso em apreço, nenhum vínculo jurídico ligava os RR ao então dono do prédio em cujo

logradouro construíram a arrecadação: foi - recorde-se - a então arrendatária deste quem operou a cedência aos RR de parte da área deste com a autorização para a construção.

Logo, a dita construção deve ser configurada como verdadeira acessão.

O direito de propriedade tem em si a virtualidade de absorver tudo o que se vier a incorporar no seu objecto, seja por acção do homem, seja por acção da natureza (Cfr. Pires de Lima - A. Varela! Cód. Civil Anotado, vol. III., p. 137, em anotação ao art. 1325° CC).

A realização por alguém, utilizando materiais próprios, de construções em prédio alheio, suscita um conflito de direitos entre o da “coisa principal" e o da “coisa acessória" - lado a lado com o direito de propriedade do imóvel é possível, pelo menos abstractamente, considerar o “direito de

propriedade da construção" ou obra que se lhe uniu ou incorporou, que, juridicamente, se resolve ou pelas regras da acessão industrial imobiliária (art. 1399° e segs CC) ou pelo regime jurídico das benfeitorias, de harmonia com o princípio normativo do art. 1344° n0 1 CC (a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente com tudo o que nele se contém).

Enquanto subsistir o aproveitamento económico da construção por pessoa diversa do titular do direito ao aproveitamento das utilidades do prédio, exercendo o autor e dono daquela os poderes jurídicos e de facto que são conteúdo da propriedade, deve entender-se que o faz apenas

relativamente à obra e não ao solo (as propriedades aparentemente mantêm-se distintas e separadas - uma a do solo, outra da obra nele incorporada; neste sentido (Cfr. STJ 29-01-2004, Cons. Luís Fonseca, sumário acessível através de http:j /www.dgsi.pt; Rel Ev 10-11-1982, CJ 1982, tomo V, p. 264; O. Ascensão, Estudos sobre a acessão, p. 71).

Logo, uma coisa é a propriedade do solo, outra, diversa, a propriedade da obra, construção ou edificação.

Segundo o Prof. Ascensão, enquanto não estiver resolvido o conflito entre estes direitos, o dono do implante «exerce totalmente os poderes de facto que são conteúdo da propriedade, e da mesma forma exerce os poderes jurídicos que lhe correspondem, podendo inclusivamente arrendar o edifício construído ou alienar o implante».

Daí que a actuação pública e pacífica dos RR como donos da arrecadação corresponda, afinal, à manifestação de tal direito de propriedade sobre a construção que não também sobre a área da respectiva implantação.

Os RR não invocaram a acessão industrial imobiliária para adquirir o direito de propriedade sobre esta; tal modo de aquisição originário configura, segundo alguns, um direito potestativo de adquirir (Cfr. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4a ed., p. 403).

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imobiliária, do direito de propriedade quer sobre a parte do logradouro onde foi implantada a arrecadação quer, por maioria de razão, sobre todo o prédio urbano.

E sabendo os RR que o solo onde estava implantada pertencia a outrem e porque aproveitavam a autorização dada por quem, apesar de não ser dono do prédio, o utilizava ao abrigo de título

jurídico lícito, falecia-lhes o animus possessório quanto a tal terreno; daí que, quanto a ele, como já se disse, hajam de ser qualificados como meros detentores ou possuidores precários (art. 1253°-b) CC).

E nesta qualidade, não tendo invertido o título de posse - aliás, nem sequer foi alegado qualquer acto como tal qualificado (art. 1265° CC) - os RR, como meros detentores do solo, não podem adquirir, para si, por usucapião o direito de propriedade sobre a área de implantação da

arrecadação.

Logo, afastada a aquisição por via da acessão industrial imobiliária, a ponderação normativa da vis atractiva do direito de propriedade sobre tudo o que adere à coisa (o direito de propriedade tem em si a força e virtualidade centrípeta de absorver tudo o que se vier a incorporar no seu objecto, seja por acção do homem, seja por acção da natureza) - expressão afinal do princípio normativo de que o acessório segue o principal - conduz-nos a concluir que a arrecadação construída no logradouro do prédio ficou a pertencer a este: logo, o proprietário do principal sê-lo-á também do acessório. Tal princípio funda-se em razões de ordem prática, ante a inconveniência jurídica e económica, do destaque é preferível atribuir-se a propriedade do todo ao dono da coisa principal.

O que, definitivamente, compromete a procedência da reconvenção deduzida a título principal. Formularam, no entanto, os RR reconvenção subsidiária, pedindo a condenação dos AA no pagamento de indemnização de € 5.985,57 euros, valor actualizado da arrecadação.

Obviamente que o valor da arrecadação é inferior ao do prédio urbano em cujo logradouro foi construída.

Tal pretensão encontraria acolhimento no nº 3 do art. 1340° CC, caso estivesse em causa o funcionamento da acessão industrial imobiliária - e não está, como se disse - uma vez que o valor acrescentado por ela é inferior ao do prédio urbano onde se integra, se estivesse em causa a aquisição por via da acessão industrial imobiliária em que recairia sobre os AA a obrigação de indemnizar os RR pelo valor da obra, não actual, mas ao tempo da incorporação.

Neste caso, o dono do prédio adquire a propriedade da obra pagando (desde que pague ... ) o seu valor; a aquisição e o pagamento parecem ser recíprocos (Cfr. Oliveira Ascensão, ob. cit., p. 402). Indagando o valor da obra à data da incorporação, como manda o art. 1340º nº 3 do CC, depara-se-nos o insólito de, em 1987, parecer que já circulavam Euros no Algarve, pois foi alegado pelos RR e está provado (dr. Respostas aos pontos 10º, 11º e 23° da base instrutória) sem qualquer

reclamação, que "pela construção da arrecadação em 1987 pagaram os RR a quantia de 1.995,19 Euros" ... , valor este que - no resto do território nacional onde as transacções se faziam então ainda em Escudos e considerando que a 1 € viriam a corresponder Esc. 200,482 - equivalia a Esc. 399.999$70 ...

A pretensão subsidiária dos RR, deduzida em reconvenção, de condenação dos AA no pagamento da importância de € 5.985,57 euros tal seria, segundo eles, o valor actualizado da arrecadação -além de não ter, pois, qualquer fundamento normativo (o nº 3 do art. 1340° CC que refere como medida da indemnização o valor das obras à data da incorporação não tem aqui cabimento por falta de invocação da acessão industrial imobiliária, como se disse), não tem também qualquer fundamento factual desde que a sua alegação de que tal valor corresponderia ao valor da

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arrecadação que teria sido deduzido no preço de venda ajustado entre os AA e os anteriores donos do prédio não resultou demonstrada (cfr. Resposta "não provado" ao ponto 18° da base instrutória). Com efeito, quando, em 19-01-2000, os AA adquiriram o prédio já este era composto por três quartos, sala, casa de banho, cozinha, quinta e arrecadação - cfr. Participação apresentada pela vendedora na Repartição de Finanças de … em

04-01-2000.

Assumindo-se esta, pois, como dona de todo o imóvel, vendeu-o integrado, entre outros, já com a referida arrecadação.

Não tendo os RR demonstrado a sua alegação de que o valor da arrecadação teria sido

descontado no preço de venda ajustado entre os AA e os anteriores donos do prédio (cfr. resposta "não provado" ao ponto 18° da base instrutória) não se verifica qualquer enriquecimento dos AA à custa dos RR consubstanciado na poupança da importância correspondente a tal valor e

susceptível de, ao abrigo da recusa normativa do enriquecimento sem causa (art. 473° e segs CC), justificativo da respectiva restituição ou indemnização pela benfeitoria em que se analisa a

construção da arrecadação.

A entender-se de outro modo, isso implicaria que os AA tivessem que pagar, duas vezes, a arrecadação ...

Logo, esta questão deve ser dirimida entre os RR e a anterior proprietária do prédio. Em conclusão:

Improcede também a reconvenção.

ACÓRDÃONesta conformidade, acorda-se nesta Relação em, julgando procedente a apelação, revogar a sentença recorrida e consequentemente:

- declarar os AA, apelantes, como únicos proprietários do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n" 05555/960612 da freguesia de …;

- condenar os RR a reconhecer o direito de propriedade dos AA sobre esse prédio; - condenar os RR a restituir aos AA a parte do imóvel - arrecadação - que construíram no logradouro do prédio destes;

- absolver dos AA dos pedidos deduzidos na reconvenção, a título principal e subsidiário. Custas pelos RR, apelados.

Évora e Tribunal da Relação 24/04/2008

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