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apresentação eduardo Tomazine Teixeira Timo bartholl

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Academic year: 2021

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eduardo Tomazine Teixeira Timo bartholl

A cidade capitalista contemporânea se constitui através de uma multiter-ritorialidade de relações de dominação e subordinação-resistência. Para se compreendê-la em sua magnitude, e, sobretudo, para se transformá-la, é preciso uma capacidade de mudar pontos de vista e olhares. No entanto, as ciências sociais em geral, mesmo as que se reivindicam críticas – e, com elas, as análises feitas por muitas organizações de esquerda, partidos ou sindicatos – tendem a adotar uma posição analítica “de mão única”, do centro para a periferia. Esse olhar representa uma forma de miopia episte-mológica, que embaralha as interpretações a respeito das periferias urba-nas. Alguns dos principais sintomas desta miopia são a negação do prota-gonismo dos sujeitos da periferia na produção do espaço e na sua própria emancipação, além da consideração do periférico como um subproduto das relações hegemônicas, como algo marginal, e, portanto, economica-mente menos eficiente ou improdutivo (“informal”, “ilegal”, “clandesti-no”), socialmente perigoso (“marginal” ou, nas leituras assistencialistas, “carente”), politicamente anódino ou conservador (“lúmpen”) e

moral-mente desajustado (“imoral”),

O pensamento crítico incorre, ademais, em um grave problema político ao importar o ponto de vista analítico forjado pelos grupos dominantes. Afinal, ao dominador não convém, em sua análise, concluir que ele mes-mo é parte crucial do problema na relação centro-periferia, fazendo ainda menos sentido que ele proponha os caminhos que conduzam à superação da sua posição de dominador. Coerentemente, na análise do dominador é a periferia que precisa mudar, receber melhorias ou ser inserida ao sistema. O problema é a periferia e está na periferia!

A noção de urbanização derivada desta posição epistemológica sugere um processo no âmbito do qual se alcançaria maior justiça socioespacial

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na cidade na medida em que bairros periféricos e favelas se tornem cada vez mais parecidos com, ou, pelo menos, menos desiguais aos bairros cen-trais e abastados. Nega-se, com esta perspectiva, que a própria existência de bairros considerados “melhores”, ou “bons”, devem sua existência a re-lações de dominação e, portanto, à manutenção de centros e periferias. Um pensamento verdadeiramente crítico deveria concluir que o que se deve mudar não são simplesmente as periferias, mas as relações de subordina-ção que relegam vastos setores urbanos a uma posisubordina-ção periférica. Parafra-seando os zapatistas, trata-se de construir uma cidade onde não haja “nem (…) centro e nem (…) periferia” (Marcos 2008). Para tanto, aqueles que se empenham em subverter essa cartografia social concêntrica precisam apreender os olhares que partem das periferias, multiplicá-los, cotejá-los e, desta maneira, adquirir um conhecimento cuja finalidade não seja, a princípio, a reprodução da dominação.

Nas palavras de Boaventura de Sousa Santos (2011, p. 59), “das mar-gens se veem melhor as relações de poder” em jogo na produção do es-paço urbano. No entanto, as análises críticas das nossas cidades muitas vezes continuam produzindo e reproduzindo olhares coloniais e levan-do a propostas colonizalevan-doras, nas palavras de Michel Foucault (2008, p. 453) “policiar e urbanizar é a mesma coisa”, reafirmando a continuida-de, em vez de pensar a possibilidade de ruptura e superação do sistema de dominação vigente. As periferias são analisadas pelas dinâmicas das territorializações dominantes, enquanto que as territorializações resis-tentes aparecem – se é que aparecem – em segundo plano. Este olhar restrito acaba transformando a multiterritorialidade de relações no nível da prática, da vida vivida, em uma unidimensionalidade redutora ao ní-vel da análise. Isso é ainda mais grave porque as análises com este olhar informam práticas sociais dominantes, nutrindo as propostas de plane-jamento e gestão da cidade, o que gera um conflito permanente entre a imposição de uma violência redutora, simbólica, discursiva e, em última instância, física, destruidora da vida, vinda dos de cima, e a multiplici-dade de propostas e caminhos vigentes entre os de baixo, sua persistência em cuidar da vida a despeito de tudo.

A proposta de fazer uma “cartografia política das periferias urbanas”, trazida por Rául Zibechi neste livro, vem como uma contribuição impor-tante para essa mudança de olhar. O autor pretende reconstruir a trajetória dos setores populares urbanos em uma perspectiva de longa duração, para

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com isso rastrear o seu “projeto histórico”. No entanto – e aí reside a chave que lhe permite olhar a partir debaixo – ele reconhece que os domina-dos atuam de maneira distinta a domina-dos dominadores, sem necessariamente formularem planos racionais para, em seguida, buscar torná-los realidade. Reconhece que os dominados vão criando seu projeto histórico à medida em que o vão vivenciando, de tal modo que compreender o projeto dos dominados nas cidades latino-americanas pressupõe reconstituir, antes de tudo, a sua experiência, apreendê-los pelo que eles são, e não por categorias criadas em outros contextos socioespaciais, e muito menos pelas repre-sentações daqueles que pretenderam falar em seu nome ou mantê-los sob controle.

Comparando as experiências vividas e as lutas travadas pelas periferias de cidades como Buenos Aires, Cochabamba, Lima, Montevidéu, Quito e Santiago, o autor consegue identificar traços constituintes comuns aos setores populares, bem como as estratégias dos seus adversários. A este respeito, Zibechi demonstra como setores políticos tanto conservadores quanto progressistas se revesam na tarefa de manter as periferias sob con-trole, mostrando, ainda, como os próprios progressistas, através dos par-tidos de esquerda no poder, têm desenvolvido instrumentos de controle que chegam a ser ainda mais sofisticados que os dos seus concorrentes conservadores.

Analisando a luta das periferias durante as ditaduras militares, a ofen-siva neoliberal e a ascensão dos governos “populares”, que parecem sem-pre varrer o continente como ondas, Zibechi constata que as periferias veem constituindo uma espécie de mundo próprio, tendo como pano de fundo a expansão de uma lógica familiar-comunitária, centrada no papel da “mulher-mãe”, um mundo feminino, de valores de uso, comunitário, autodirigido, inclusivo, cuja força motriz principal são os afetos; ou seja, um mundo de relações radicalmente distintas das hegemônicas, que são patriarcais, baseadas em valores de troca, hierárquicas, heterônomo, ex-cludente e individualista.

Com esse percurso, o autor traz elementos para sustentar que as pe-riferias das grandes cidades não apenas não são o problema, como são, ou deveriam ser compreendidas como parte de um caminho, talvez o principal caminho na luta pela transformação radical da sociedade. Sem precisarem de uma vanguarda intelectual ou política, nem de um Estado paternalista, as próprias classes periféricas têm em suas mãos algumas

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das chaves para a superação da dominação, e muitas vezes resistem, ora mais explicitamente, ora mais implicitamente, construindo territórios que apontam para além das lógicas dominantes da cidade-mercadoria. Se os shopping centers e os condomínios dos bairros mais ricos se ins-tituem enquanto “não-lugares” (Augé 2012), as periferias urbanas são a negação dessa negação à vida, mantendo uma face humana em cidades cada vez mais desumanizad(or)as, criando “lugares vivos e vividos” nos seus “territórios em resistência”.

Se dominação e resistência estão intrinsecamente articuladas, a própria violência bruta e perversa com viés fortemente racista com a qual o Estado se relaciona com as periferias urbanas brasileiras sugere o quanto as clas-ses dominantes temem o potencial questionador e transformador destas periferias. Raúl Zibechi apresenta neste instigante livro reflexões sobre as realidades de resistências territorializadas em países como Argentina, Bo-lívia, Chile e Peru, mas também se refere a movimentos sociais como o MST, no Brasil. Acreditamos ser interessante e inspirador trazer esse outro olhar para contextos até então dominados por olhares colonizadores e ree-xaminar, rever e repensar periferias urbanas no Brasil. Um olhar genérico que pode e deve inspirar quem pensa, mas sobretudo mora e resiste nas periferias urbanas brasileiras, para quem a luta diária é marcada pela con-vivência entre a brutalidade da opressão e a criatividade da resistência co-tidiana de “sociedades em movimento”. Como aponta Zibechi em seu pre-fácio, a realidade das periferias brasileiras tem suas especificidades, entre as quais se destaca o papel da resistência negra na formação de “território em resistência” nas periferias das cidades brasileiras. Entendemos as ricas reflexões deste livro de Raúl Zibechi não como uma fôrma, na qual se deve tentar encaixar estas outras realidades, mas como uma inspiração para pensá-las de outra forma, cada um/a onde esteja, no seu próprio contexto e a partir dele. Foi imbuídos deste espírito que decidimos traduzir e ajudar a fazer circular, com todo apoio da editora Consequência, as reflexões de Raúl Zibechi, para que possam inspirar o nosso olhar a partir das lutas nas quebradas e favelas rumo a uma cidade que somente irá deixar de produzir periferias uma vez que os centros deixem de ser centros, o que não ocorre-rá, aparentemente, sem seguir na luta revolucionária travada pelas classes populares em, e a partir dos seus territórios periféricos.

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Referências

AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da sobremoder-nidade. Lisboa: Letra Livre, 2012.

FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

MARCOS, Subcomandante Insurgente. Nem o centro e nem a periferia: sobre cores, calendários e geografias. Porto Alegre: Deriva, 2008. SOUSA SANTOS. Boaventura de. Renovar a teoria crítica e reinventar a

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